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Eleição Infantil | Por Obbie Todd

— The Founders Journal • Verão de 2017 | Nº 109

A Confissão de Fé Batista de 1689: Capítulo 10; Parágrafo 3.

 

Embora apenas preguei do púlpito do domingo de manhã, o assunto da salvação infantil é uma questão intensamente pessoal e pastoral que merece tratamento adequado na igreja Batista. Não é tão explícito nas Escrituras que evita uma medida de especulação, mas não é uma doutrina tão incidental que garante um status de “secundária”. Perante a intersecção de grandes doutrinas teológicas, como o pecado original, a soteriologia e até a cristologia, o destino das crianças que perecem exige atenção pastoral pelo que isso representa para as famílias afligidas e para o que se comunica sobre o Deus que adoramos.

 

A Confissão de Fé Batista de 1689 e a Confissão de Fé de Westminster

 

Na Confissão de Fé Batista de 1689, a questão é abordada no terceiro parágrafo do capítulo 10, intitulado “Sobre o Chamado Eficaz”. Correspondendo a Confissão de Fé de Westminster quase literalmente, lê-se: “As crianças eleitas que morrem na infância são regeneradas e salvas por Cristo, através do Espírito, que opera quando, onde e como Lhe agrada. Do mesmo modo são salvas todas as pessoas eleitas incapazes de serem chamadas exteriormente, pelo ministério da Palavra”.[1] Quase tão importante como a substância deste trecho é a sua localização. Como a Confissão de Fé de Westminster, a Confissão de Fé Batista de 1689 aborda a salvação infantil como um corolário imediato para o chamado eficaz (e não, por exemplo, para a eleição) devido aos conceitos de agência e instrumentalidade pertinente a ambas as doutrinas. Embora algumas edições modernas da Confissão omitam a palavra “eleitas”, os autores originais a mantiveram. A ideia de “crianças eleitas” nem afirma nem nega que todos os bebês que morrem na infância são salvos. Em vez disso, conclui tacitamente que pelo menos alguns bebês são redimidos. Por um lado, o artigo é biblicamente consistente na medida em que a Escritura apresenta a doutrina da eleição (Romanos 9-11). Por outro lado, a ambiguidade relativa à frase e a dificuldade de apontar para uma afirmação direta da Bíblia sobre esse assunto levaram pelo menos um Batista Reformado Confessional a sugerir que talvez seus autores não tenham dito nada. “A Bíblia está em silêncio sobre esta questão”, observou Sam Waldron. “Seria muito melhor, portanto, que a Confissão simplesmente não falasse nada sobre esse ponto”, continuou. “Por isso, estou convencido, é precisamente o que a Bíblia diz”. Waldron sugere algumas ideias doutrinárias a partir das quais poderia construir uma teologia pastoral significativa desta que pode ser uma questão delicada.[2]

 

Solus Christus

 

No entanto, o terceiro parágrafo ainda contém importantes afirmações teológicas sobre a natureza da salvação infantil. Por exemplo, as crianças que morrem na infância são “salvas por Cristo”. A salvação infantil ainda é salvação, e isso exclusivamente por Jesus Cristo, o Filho de Deus. Há um Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (1 Timóteo 2:5). Sugerir que qualquer criança seja adentre à vida eterna por qualquer outro meio que pela obra acabada de Cristo é negar a culpa original e impugnar o próprio Evangelho. Independentemente de como os Batistas optarem por interpretar este terceiro artigo, a questão delicada da salvação infantil deve começar com a verdade inescapável de que todos os bebês são concebidos em pecado, condenados sob a justa lei de Deus e necessitando de redenção (Salmo 51:1; Romanos 3:23, 5:12-18). De acordo com Andrew Fuller, secretário e fundador da Baptist Missionary Society (Sociedade Missionária Batista), “não há diferença entre nós no que diz respeito ao número ou caráter daqueles que devem ser finalmente salvos. Nós concordamos que quem se converter a Deus por Jesus Cristo certamente será salvo”.[3] Por meio da desobediência de Adão, sua cabeça federal, os bebês são feitos pecadores (Romanos 5:19). Como James P. Boyce explica, sua falta de transgressão não implica inocência:

 

As Escrituras claramente assumem e declaram que Deus castiga justamente todos os homens, não só pelo que fazem, mas pelo que são. Uma natureza corrupta torna uma condição verdadeiramente pecaminosa e culpada e passível de punição, como transgressões reais. Consequentemente, no próprio momento do nascimento, a presença e a posse de tal natureza mostram que até os filhos de Adão nasceram sob todas as penas que sobrevieram ao seu antepassado no dia em que pecou. A transgressão real subsequentemente acrescenta nova culpa à culpa já existente, mas não substitui um estado de inocência por um estado de culpa.[4]

 

A idade jovem não revoga o justo juízo de Deus sobre a depravação humana e nem imuniza os bebês dos efeitos mortais do pecado. Independentemente do estágio de desenvolvimento físico, os pecadores estão mortos em seus pecados, e isso inclui a morte espiritual e física (Gênesis 2:17; 1 Coríntios 15:22; Efésios 2:1-3; 2 Timóteo 1:9-10). A realidade trágica que tantos infantes morrem em um mundo caído é evidência do poder penetrante e pervasivo do pecado, bem como da necessidade de justiça e vida imputada encontradas apenas no último Adão e não no primeiro (1 Coríntios 15:45; 1 João 5:12). Argumentos contra a depravação infantil enfrentam talvez a sua mais dura e mais sóbria refutação no túmulo. O pecado é uma potente força assassina endêmica da humanidade pós-lapsariana e, através da transgressão de Adão, a morte reina em todos os homens (Romanos 5:17). Daí o sexto capítulo da Confissão de 1689 afirma claramente que todos os pecadores estão “agora concebidos em pecado, e por natureza filhos da ira, escravos do pecado, sujeitos à morte e a todas as outras misérias espirituais, temporais e eternas, a menos que o Senhor Jesus os liberte”.[5] Sem a graça libertadora de Deus em Cristo, somos todos filhos da ira — incluindo as próprias crianças (Efésios 2:3).

 

A Necessidade do Novo Nascimento

 

Uma discussão fundamentada sobre o destino dos bebês que morrem também deve explicar os meios de salvação conforme estabelecidos nas Escrituras. Por exemplo, o terceiro parágrafo declara que os bebês que morrem na infância são “regenerados… através do Espírito”. Isso contrasta com o primeiro parágrafo do capítulo que afirma: “Aqueles a quem Deus predestinou para a vida, a Ele apraz, em Seu tempo determinado e aceitável, chamar eficazmente, por Sua Palavra e Espírito, do estado natural de pecado e morte no qual eles estão por natureza, para a graça e a salvação por Jesus Cristo. Isto Ele faz, iluminando suas mentes de maneira espiritual e salvífica, para que entendam as coisas de Deus”.[6] Considerando que o primeiro artigo inclui “Palavra e Espírito” como o meio pelo qual o Pai efetivamente chama Seus filhos para Cristo, o parágrafo detalhando a salvação infantil inclui apenas o último. A ausência do chamado “externo” do Evangelho aos bebês pode parecer algo óbvio no início; no entanto, a ênfase da Confissão no papel indispensável do Espírito em chamar o pecador é muito significativa.

 

Este chamado “interno” não é nada menos do que a voz de Deus que chama um coração corrupto e obstinado, e o liberta do cativeiro do pecado, a fim de que possa amar livremente a Cristo ou, como afirma a Confissão, de modo que “eles vêm a Cristo mui livremente, sendo para isso dispostos pela Sua graça”. O Batistas Particular inglês John Gill, o primeiro Batista a escrever um comentário verso por verso sobre a Bíblia inteira, concebeu o chamado eficaz de Deus como um “chamado interno” e “um ato da eficaz e irresistível [sic] graça”.[7] Em bebês, como em todos os pecadores, esta é uma obra completamente soberana de Deus. Ao contrário do parágrafo correspondente na CFW [Confissão de Fé de Westminster] que cita Lucas 18:15-16; Atos 2:38-39; João 3:3-5, 3:8; Romanos 8:9; 1 João 5:12 e Atos 4:12, a Confissão de Fé Batista de 1689 cita a João 3:3,5,6,8 como único texto de prova para a salvação infantil, sublinhando a obra monergística de Deus na salvação, bem como a necessidade absoluta do novo nascimento. Imediatamente depois de estabelecer o papel decisivo do Espírito, a Confissão de 1689 declara que o Espírito “opera quando, onde e como Lhe agrada”.[8] Com essa forte ênfase na obra soberana e misteriosa de salvação de Deus através do Espírito, os Batistas dentro a tradição de 1689 afirmam universalmente a necessidade de eleição e de regeneração na salvação dos bebês. Tão inseparáveis ​​são a regeneração e o chamado eficaz que John Dagg, o primeiro teólogo sistemático Batista do Sul, considerou-os praticamente sinônimos.[9] A Confissão de 1689 faz isso de forma implícita, ao não conter nenhum capítulo “sobre a regeneração”. Em vez disso, os dois primeiros parágrafos “sobre o chamado eficaz” fornecem uma exposição clara da doutrina do novo nascimento, afirmando que o chamado eficaz a Cristo é “o coração de pedra e dando-lhes um coração de carne;4 renovando as suas vontades, e por Sua onipotência, predispondo-os para o bem”[10] (Ezequiel 36:26). O chamado eficaz e, portanto, a salvação infantil, brotam do poder da Nova Aliança.

 

Salvação Infantil e Eclesiologia Batista

 

Como um documento Batista, a CFB1689 não faz distinção entre os filhos dos crentes e aqueles dos incrédulos. Embora Deus muitas vezes opere Sua graça especial e redentora em e através de famílias particulares, Cristo é o mediador de uma nova aliança forjada pelo Seu sangue e aplicada individualmente pela fé (Hebreus 9:15; Gálatas 2:16-21). O capítulo sete da CFB1689 é exclusivamente dedicado à natureza desta aliança de graça, e enfatiza que o Senhor “oferece livremente aos pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo, exigindo deles a fé nEle, para que eles sejam salvos”.[11] Quaisquer noções fantasiosas de uma “aliança a meio caminho” [“half-way covenant”] ou Pedobatismo não possui, nas palavras do signatário da CFB1689, William Kiffin, “nenhuma parte no conselho revelado de Deus”.[12] As visões Credobatistas no final do século XVII na Inglaterra não só exigiam uma fidelidade extraordinária às Sagradas Escrituras; eles também reuniam uma enorme quantidade de coragem tanto legal quanto socialmente. Com a restauração do Rei Carlos II em 1660 e a Igreja Estabelecida em 1662, os Batistas eram frequentemente objeto de ridículo e de acusações de serem odiadores de crianças por sua alegada negligência de um pacto de igreja que quase assegurava a salvação dos bebês dos crentes. Advogando os pontos de vista dos Batistas sobre o batismo, o signatário da nda CFB1689, Benjamin Keach, escreveu uma cartilha intitulada The Child’s Instructor [O Instrutor de Crianças] (1664). O Instrutor de Crianças foi uma publicação incrivelmente perigosa que eventualmente resultou na perseguição de sua congregação em Londres, uma grande multa e sua prisão. Portanto, a insistência da Confissão de 1689 sobre a obra soberana, misteriosa e regeneradora do Espírito Santo em bebês, embora não seja diferente teologicamente da CFW, teria parecido muito mais radical quando combinada com uma eclesiologia Credobatista que enfatiza a necessidade da fé sem a noção comumente chamada de “idade da responsabilidade”. Textos como 2 Samuel 12:23 (“Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim”), muitas vezes usado para apoiar a ideia de salvação infantil universal, não são citados.[13] Outros, como Lucas 1:44 e Jeremias 1:5 também são excluídos, provavelmente devido ao fato de que nem João Batista nem Jeremias morreram como bebês. Em vez disso, essas são tratados como instâncias especiais em que Deus chamou exclusivamente certos indivíduos no curso da história da salvação. Na CFB1689, o parágrafo abordando a salvação infantil é enquadrado principalmente em termos articulados nos dois primeiros parágrafos: Cristo, Espírito, eleição. Estes fornecem o fundamento doutrinário para as crenças pedo-soteriológicas em uma igreja Batista Calvinista.

 

Uma Diversidade de Visões Batistas

 

De modo algum, no entanto, essas crenças são monolíticas. Ironicamente, a cláusula particular relativa à soberania e à liberdade do Espírito (João 3:8) é o que, simultaneamente, une e divide os teólogos Batistas Calvinistas sobre a questão da salvação infantil. Algumas veem o texto como a liberdade de Deus para eleger alguns bebês e não outros, outros veem o mesmo como a liberdade para eleger todos os bebês. Esta diversidade é demonstrada, por exemplo, nas diferentes interpretações de Lucas 18 e o exemplo piedoso dado a partir das crianças. John Dagg, que acreditava tanto na eleição quanto na não eleição de bebês, escreve: “Uma objeção à doutrina da depravação natural se baseia no fato de que Jesus se referiu a crianças pequenas, como exemplos para seus discípulos. Este fato, no entanto, não autorizará a inferência, que os filhos pequenos não são depravados”.[14] Por este motivo, a regeneração é imperativa na salvação de qualquer pecador. Você deve nascer de novo, como Cristo exortou Nicodemos (João 3:7). No entanto, enquanto quase todos os teólogos na tradição de 1689 concordaram em geral com a conclusão de Dagg sobre a depravação infantil, nem todos estão convencidos de que Lucas 18 está fora dos limites no debate sobre a salvação infantil. Charles Spurgeon, por exemplo, que não teve medo de abordar esse assunto do púlpito, também defendeu vigorosamente a ideia de depravação infantil e a necessidade de regeneração pela graça. Ele explica: “Alguns fundamentam a ideia de bem-aventurança eterna da criança sobre a sua inocência. Não fazemos tal coisa; acreditamos que a criança caiu no primeiro Adão”. No entanto, admitindo os limites da revelação divina sobre o assunto, ele continua: “Sem dúvida, de forma misteriosa, o Espírito de Deus regenera a alma infantil e ela entra na glória e é feita um participante da herança dos santos na luz”.[15] Citando o Anglicano John Newton, Spurgeon apela a Lucas 18 para defender o “caráter conhecido de nosso Senhor Jesus Cristo” e a “grande parte do reino do céu” composta de crianças. Em última análise, fundamentando a redenção de bebês na pura bondade de Deus, a exegese de Spurgeon é, em muitos aspectos, característica da maioria dos argumentos para a salvação de todos os bebês.

 

Enquanto isso, a misteriosa soberania de Deus articulada no parágrafo 3 forneceu uma pluralidade de pontos de vistas de Batistas sobre a salvação infantil. Benjamin Keach, que sustentou a eleição e a não eleição de infantes, apelou para o mesmo mistério e o mesmo texto para defender a eleição de alguns bebês, mas não de todos:

 

Temos motivos para esperar que nossos filhos que morrem sejam tão felizes quanto os seus, que nunca foram batizados; e isso pela Palavra de Deus. Cristo ao dizer, “dos tais é o reino dos céus”, sem dúvida, quis dizer que Deus incluiu os bebês em sua eleição eterna, pelos quais Ele também deu o seu Filho, e de alguma forma secreta os santifica ou os faz encontrar para a glória; e temos tanto terreno para esperar, que Deus dê graça aos nossos filhos que vivem, como você deve esperar que Ele dê graça aos seus.[16]

 

Considerando que teólogos Batistas como Keach, Dagg e Boyce sustentaram que, de fato, a crença que exisitam crianças não eleitas, outros teólogos Batistas como Spurgeon, Gill e John Broadus acreditavam que todos os bebês foram salvos.[17] O último não concordou com a crença de que todos os bebês de alguma maneira escaparam de julgamento, mas que todos os bebês, que morreram na infância, foram eleitos pelo Pai. Esta distinção é importante para a forma como os Batistas da tradição de 1689 entenderam o chamado eficaz e a salvação infantil. Contra os Landmarkistas e os Arminianos de seu tempo, John Dagg insistiu: “Todos os que finalmente serão salvos, foram escolhidos para salvação por Deus Pai, antes da fundação do mundo, e dados a Jesus Cristo no Pacto da Graça”.[18] Antes do final do século XIX e o surgimento do pensamento Dispensacionalista, os Batistas Calvinistas eram incapazes de discutir a salvação de qualquer pecador à parte do contexto de aliança, principalmente focados no Pacto da Redenção. Neste pacto eterno, intra-trinitário ratificado antes da fundação do mundo, o Pai prometeu procurar um povo escolhido para Seu Filho. A CFB1689 o chama de “transação da eterna Aliança que houve entre o Pai e o Filho para a redenção dos eleitos”[19] (Salmos 110:4; Efésios 1:3-11; 2 Timóteo 1:9). A salvação de qualquer pecador — incluindo infantes — é impensável além dessa economia trinitária da redenção: a obra de Cristo na cruz, a regeneração pelo Espírito no coração pecaminoso e a eleição incondicional do Pai. Submeter-se a qualquer outro Evangelho seria alegar que as crianças de alguma forma entram no reino dos céus, à parte da graça do Pai, da representatividade[20] do Filho e do poder do Espírito.

 

Eleição e Epistemologia

 

Embora esses três axiomas soteriológicos constituam o menor tipo de denominador comum entre os pontos de vista Batistas Calvinistas sobre a salvação infantil, há muitas questões sem resposta, começando com questões de eleição e epistemologia. Por exemplo, a passagem 3.5 da CFB1689 (“Sobre os Decretos de Deus”) afirma que Deus “escolheu em Cristo, para a glória eterna, por Sua pura livre graça e amor, não por qualquer outra coisa na criatura, como condições ou causas que O movessem a isso”.[21] Os argumentos para a eleição de todos os bebês parecem violar esse princípio, pois parece fazer da infância, algo encontrado “na criatura”, uma condição para a salvação. A meninice garante a libertação da ira? Além disso, a eleição incondicional é tradicionalmente entendida como a livre escolha de Deus de indivíduos, não de grupos ou classes. Se, de fato, todos os bebês que morrem forem eleitos para a salvação, essa decisão divina é feita independentemente de qualquer pessoa ou qualquer coisa fora de Seu soberano beneplácito.

 

A necessidade da eleição divina leva então à questão da fé: alguém pode ser salvo sem a fé em Cristo? Se Charles Spurgeon estiver correto em sua afirmação de que “a fé é o requisito indispensável para a salvação”, os bebês podem atender a essa exigência celestial?[22] As conexões das Escrituras levam o coração chamado e regenerado a buscar a Cristo com fé, o que confirma a regeneração; na ausência de fé demonstrável é altamente difícil de conceber isso (Hebreus 11:6; Tiago 2:18, 22). Os bebês, no entanto, não possuem capacidade natural para manifestar o grau de racionalidade que lhes capacitaria a manifestar a fé. Isso os impede de conhecer Cristo em fé? O capítulo 10, parágrafo 1 da CFB1689 (“Sobre o Chamado Eficaz”) afirma claramente que o Espírito “ilumina suas mentes de maneira espiritual e salvífica, para que entendam as coisas de Deus”.[23] Mas o que dizer daqueles pecadores que não têm a cognição básica para entende?[24]

 

Embora a fé seja certamente mais do que um simples consentimento intelectual, ela implica em uma medida da razão humana. A incapacidade de transgredir uma lei de que alguém não tem conhecimento ou de praticar adoração a um deus amplamente desconhecido pode muito bem servir de desculpa no julgamento divino de uma criança pecadora (Romanos 2:14-15). De acordo com o apóstolo Paulo, um pecador é “inescusável” quando ele ou ela “entende” tanto o eterno poder como a divindade de Deus, pois ambos “claramente veem” (Romanos 1:19-21). Isso significa, portanto, que uma criança incapaz de “claramente” perceber a natureza de Deus é “escusável”? Se 10:2 da CFB1689 afirma que os crentes são feitos capazes de corresponder ao chamado e a receber a graça oferecida nele”, como exatamente os infantes correspondem e recebem?[25] Podem esses jovens pecadores ser responsabilizados por seus pecados? Responder a essa pergunta de forma negativa seria assumir um paradoxo teológico, pois seria afirmar que há corrupção de coração sem pecado, ou pecado sem culpa, ou rebelião intrínseca sem condenação e ira. O fato de que os bebês são salvos “por Cristo” certamente prova que há culpa de algum tipo, embora uma culpa atenuada (Lucas 12:47-48; Tiago 4:17; 2 Coríntios 5:10-11).

 

Uma possível solução para esta questão epistemológica delicada seria simplesmente descansar no poder de um Deus soberano capaz de operar fé consciente naqueles a quem falta o desenvolvimento mental. Como todo ser humano tem imago Dei [a imagem de Deus], ele ou ela também possui pelo menos alguma capacidade de conhecer e se relacionar com o Deus vivo. Além disso, se Deus realmente pode regenerar um bebê, ele também não pode conceder o dom da fé? A soberania de Deus deixa muito a especular devido ao fato de que a própria Escritura é notavelmente silenciosa sobre essa questão. Nenhuma menção explícita é feita à fé infantil ou à arrependimento infantil, p que demanda outra pergunta: “Alguém pode ser salvo à parte da verdadeira conversão?”, ou talvez, “A verdadeira conversão sempre leva consigo a oportunidade de evidenciar a si mesma?”. Como um bebê começria a “negar a si mesmo” quando ele não conhece seu próprio nome (Lucas 9:23)? Quando Cristo advertiu: “Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis”, Ele não fez exceções claras (Lucas 13:5).

 

Com o conhecimento de que Deus envolveu a salvação infantil em considerável mistério, James P. Boyce, no entanto, manteve a necessidade de conversão, mesmo entre os bebês que morrem. Ecoando a teologia de Romanos 1, declara: “Entre [a conversão] e a regeneração deve existir em alguns casos algum período de tempo até que o conhecimento da existência e da natureza de Deus seja dado, antes que o coração se converta, ou mesmo se volte para Deus. Isso deve ser verdade para todos os bebês e para todas as pessoas que são incapazes de responsabilidade, como por exemplo, os decifientes mentais”.[26] Em outras palavras, a salvação infantil necessariamente implica a conversão, mesmo após “algum período de tempo”. Isso é concomitante com o “conhecimento revelado da existência e da natureza de Deus”. Como isso acontece com bebês não é explicado em detalhes. É importante, no entanto, a ideia de que toda alma salva por Deus se “converta” para Jesus ou “se volte” para Ele.[27] Para Boyce, essa conversão também inclui os deficientes mentais que parecem incapazes de responder ao chamado geral do gospel. A CFB1689 descreve esses pecadores como “pessoas eleitas incapazes de serem chamadas exteriormente, pelo ministério da Palavra”.[28] Como os bebês que morrem, eles não estão fora dos limites da eleição amorosa de Deus e do “chamado interno” a Cristo, simplesmente por causa da bebilidade física.

 

O Poder de Deus para Chamar Pecadores

 

O parágrafo 3 do capítulo “Sobre o Chamado Eficaz” também inclui o parágrafo 4, que examina aqueles que recebem o “chamado externo”, mas, ao contrário dos pecadores incapazes e infantis acima mencionados, não têm seus corações e mentes libertados da escravidão do pecado. Ele diz:

 

Outros não-eleitos, embora possam ser chamados pelo ministério da Palavra, e tenham algumas das operações comuns do Espírito, contudo não sendo eficazmente atraídos pelo Pai, eles nem querem e nem podem verdadeiramente vir a Cristo e, portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos os que não seguem a Religião Cristã, por mais diligentes que sejam em conformar suas vidas à luz da natureza e regras da religião que professam.[29]

 

Com respeito à questão da salvação infantil, o parágrafo acima serve para ressaltar mais profundamente o poder e a necessidade salvívica do “chamado eficaz” do Pai para Cristo. Os pecadores adultos que ouvem o Evangelho “nem querem e nem podem” vir a Jesus à parte da irresistível e atraente graça de Deus. Portanto, a falta de um chamado “externo” do bebê que morre não o desqualifica como objeto da graça de Deus mais do que a exposição de um pecador adulto à pregação da Palavra de Deus, o qualifica para a salvação. Jesus Cristo é realmente poderoso para salvar. Quer discutamos a salvação de bebês, crianças pequenas, adolescentes ou adultos, a glória da graça soberana de Deus não é diminuída devido à idade ou ao contexto. A salvação infantil é, no entanto, salvação, e a salvação é do Senhor (Salmo 3:8). Além disso, para o pai, parente ou amigo aflito, o consolo duradouro é encontrado não apenas na obra de Cristo pelo pecador infantil, mas na perfeição e grandeza do próprio Filho de Deus. É o objetivo do pastor, através de muitas provações e tribulações, levantar os olhos do pecador atribulado para que eles também possam olhar para um Pai sem sombra de variação e declarar com Abraão: “Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” (Gênesis 18:25). Nessa idade, o destino dos bebês que morrem permanecerá, em grande parte, um mistério. Felizmente para a igreja, Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre (Hebreus 13:8). Os cristãos devem finalmente confiar que Deus será Deus e sempre fará o que é certo. Embora os pastores Batistas possam não ser capazes de responder infalivelmente a muitas das questões finais relativas à salvação infantil, as próprias perguntas inevitavelmente nos levam a muitas das preciosas verdades trinitárias do Evangelho.

 

 


[1] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:3.

[2] Samuel E. Waldron, A Modern Exposition of 1689 Baptist Confession of Faith [Uma Exposição Moderna da Confissão de Fé Batista de 1689] (Durham, England: Evangelical Press, 1989 [3rd edition 1999]), 150.

[3] As Obras Completas de Andrew Fuller, Vol. 1, 506.

[4] James P. Boyce, Abstract of Systematic Theology [Suma de Teologia Sistemática], 249-50.

[5] Confissão de Fé Batista de 1689, 6:3.

[6] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:1.

[7] John Gill, Um corpo de divindades doutrinais, livro 6, cap. 12, 541-42.

[8] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:3.

[9] John L. Dagg, Manual de Teologia, 333.

[10] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:1.

[11] Confissão de Fé Batista de 1689, 7:2.

[12] Benjamin Coxe, Hanserd Knollys, William Kiffin, et al., A Declaration concerning the Public Dispute Which Should Have Been…Concerning Infants-Baptism… [Benjamin Coxe, Hanserd Knollys, William Kiffin, et al., Uma declaração sobre a disputa pública que deveria ter sido… Concerning Infants-Baptism…] (Londres, 1645).

[13] O ponto de apoio da interpretação para este texto em particular é se Davi está se referindo ao Seol, que se acredita ter sido o lugar em que se encontravam tanto crentes como incrédulos (Lucas 16:19-31), ou ao Paraíso no Céu. Se estiver se referindo ao primeiro, a declaração de Davi não parece oferecer apoio para aqueles que defendem a salvação infantil universal.

[14] Dagg, Manual of Theology [Manual de Teologia], 156.

[15] Spurgeon, “Infant Salvation” [“Salvação infantil”], Sermão 411.

[16] Benjamin Keach, The Axe [O Machado], 25.

[17] Broadus concluiu: “Não há dúvida de que aqueles que morrem na infância são salvos. Eles são salvos através da expiação de Cristo e da obra do Espírito, mas isso deve ser válido para todos, sem referência a nenhuma cerimônia, e não importa se seus pais eram crentes, incrédulos ou pagãos” (Commentary on the Gospel of Matthew [Comentário sobre o Evangelho de Mateus], 1888, p. 404).

[18] Dagg, Manual de Teologia, 309.

[19] Confissão de Fé Batista de 1689, 7:3.

[20] A Palavra traduzida por “representatividade” é headship; de forma simples, o que o autor quis dizer é que ninguém poderá entrar no Céu sem ter a Cristo como seu cabeça e representante (cabeça federal) – Nota do revisor.

[21] Confissão de Fé Batista de 1689, 3:5.

[22] James Leo Garrett, Baptist Theology: A Four-Century Study [Teologia Batista: Um Estudo de Quatro Séculos], 270.

[23] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:1.

[24] A questão da “capacidade” racional em infantes toca a questão da imago Dei [Imagem de Deus]. É obviamente a crença deste autor e da Confissão de 1689 que todos os bebês possuem a imagem de Deus e são dignos de honra, dignidade e respeito devido a todos os seres humanos portadores de imagem.

[25] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:2.

[26] Boyce, Suma de Teologia Sistemática, cap. 23, “Regeneração e Conversão”.

[27] Boyce parecia acreditar que essa “conversão” de alguns bebês e dos deficientes mentais ocorria após a morte.

[28] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:3.

[29] Confissão de Fé Batista de 1689, 10:4.