John Bunyan e a Extensão da Expiação, por Ben Rogers

[Founders Journal 82 • Outono de 2010 pp. 17-31]

 

Em Todo Aquele Que Quiser: Uma Crítica Bíblico-Teológica dos Cinco Pontos do Calvinismo, David Allen, Decano da Faculdade de Teologia da Southwestern Baptist Theological Seminary, argumentou que John Bunyan não afirmou a doutrina da expiação limitada¹. Dr. Allen não é o único estudioso que, nos últimos anos, pôs em dúvida o assentimento de Bunyan a esta doutrina. David Wenkel argumentou em um artigo recente, que nos seus primeiros escritos Bunyan demonstrou uma “propensão Amyraldiana por combinar particularismo real com universalismo hipotético”².

 

Bunyan foi um “alto Calvinista”? Será que ele afirmou a doutrina da expiação limitada? Allen e Wenkel dizem que não, mas este artigo assume a posição oposta. John Bunyan, de fato, sustentou a doutrina da expiação limitada. Além disso, os escritos de Bunyan não demonstram a “conversão” a esta posição no final da vida: Bunyan esteve comprometido com a doutrina da expiação limitada ao longo de sua carreira ministerial e publicações. Este estudo começa com um exame de reflexões maduras de Bunyan sobre a extensão da expiação que demonstram um compromisso claro e definido quanto à doutrina da expiação limitada. Conclui-se respondendo a várias objeções ao “alto Calvinismo” de Bunyan por toda a vida.

 

Pensamento Maduro de Bunyan Sobre a Extensão da Expiação

 

John Bunyan acreditava que as Escrituras ensinam que a intenção de Deus na expiação era a redenção dos eleitos e somente deles, e que isso foi total e efetivamente consumado na cruz. Esta convicção sobre a intenção e realização da expiação é evidente através de seus escritos, mas torna-se mais clara e maduramente articulada em suas obras posteriores³, principalmente enquanto ele reflete sobre a obediência ativa de Cristo, o sumo sacerdócio de Cristo, e a teologia pactual.

 

A justificação pela fé é o coração do Evangelho e da vida Cristã para John Bunyan. Ele defendeu que em numerosas ocasiões dos erros dos Ranters e Quakers, e essa doutrina encontra expressão, de uma forma ou estrutura, em quase todos os escritos ou tratados que ele publicou. Para Bunyan, a obediência vicária de Cristo não só é aplicada à Sua morte, mas também à sua vida. Cristo não somente levou os pecados dos eleitos; Ele cumpriu toda a Lei em seu lugar também4. Assim, em suas obras posteriores pode-se encontrar o comprometimento de Bunyan com a expiação limitada claramente articulado em várias descrições da obediência vicária de Cristo ou de Sua obediência ativa em lugar dos eleitos.

 

Em O Conhecimento Dos Santos Sobre O Amor De Cristo (1692) Bunyan fala da obediência ativa e passiva de Cristo como pertencentes aos eleitos e somente a eles. Para o “povo de Deus”, Bunyan escreve, “toda a Sua vida [de Cristo], (bem como a Sua morte) foi uma vida de mérito, compra e merecimento”5. Em sua exposição da parábola do fariseu e do publicano (1685), Bunyan afirma que Cristo cumpriu a Lei por nós:

 

E, portanto, diz-se, o que Cristo fez, Ele o fez por nós; Ele tornou-Se o fim da lei para nos justificar; Ele sofreu por nós; Ele morreu por nós; Cristo deu a Sua vida por nós, e Ele deu a Si mesmo por nós. A justiça, então, que Cristo cumpriu, quando Ele estava no mundo, não era para Si mesmo simplesmente considerada, nem para Si mesmo considerada pessoalmente, pois Ele não tinha necessidade da mesma; mas foi pelos eleitos, os membros do Seu corpo… Esta justiça, então, mesmo a totalidade do que Cristo fez em resposta à lei, isso foi pelos Lhe pertenciam, e Deus o colocou sobre eles6.

 

A mesma ênfase pode ser encontrada em Privilégio E Benefício Dos Santos (1692). Aqui, em elaboração sobre o simbolismo do arco-íris ao redor do trono da graça em Apocalipse 4:1-3, Bunyan novamente retorna à obediência vicária de Cristo em nome dos eleitos:

 

A soma, então, é que pelo circundar do arco-íris no trono da graça em que Deus está sentado para ouvir e responder às petições de Seu povo, devemos entender a justiça da obediência de Jesus Cristo, que nos dias de Sua carne, Ele efetuou e realizou para o Seu povo; pelo que a justiça de Deus é satisfeita, e a pessoas deles justificadas, e assim eles são feitos aceitáveis a Ele7.

 

Para John Bunyan, toda a obediência de Cristo, tanto ativa quanto passiva, foi realizada pelos eleitos e pelos eleitos somente. Bunyan acreditava que Deus, o Pai, pretendeu que Deus o Filho providenciasse justiça real pelos pecadores caídos, e ainda assim, eleitos. E Bunyan acreditava firmemente que Cristo perfeitamente cumpriu isso nos dias de Sua carne.

 

Além da doutrina da obediência ativa de Cristo, o sumo sacerdócio de Cristo tornou-se um tema de destaque nos escritos posteriores de Bunyan. No último ano de sua vida (1688) Bunyan publicou A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado. Neste tratado, o autor demonstra como a obra de Cristo como Sumo Sacerdote, está relacionada com a extensão da expiação. Sob o que é tradicionalmente assinalado como o ofício de Cristo, o Sumo Sacerdote, Bunyan distingue três ofícios: O Ofício de Sacrifício, o Ofício de Pastor e o Ofício de Advogado. Embora estes sejam três ofícios separados e distintos, há uma harmonia entre eles8 como um Sacrifício, os pecados dos eleitos são colocados sobre Cristo9. Como um Sacerdote, Cristo tem dois deveres: Ele deve oferecer o sacrifício de Si mesmo ao Pai, e interceder por aqueles por quem Ele morreu10. E, como um advogado, Cristo Se ergue e pleiteia os méritos de Seu sangue por aqueles santos que Satanás acusa no tribunal da justiça de Deus.

 

Neste tratado Bunyan deixa claro que nem todo mundo tem a Cristo por um advogado, porque a defesa de Cristo está fundamentada sobre Seu sacrifício: os eleitos têm Cristo por um advogado, porque Ele morreu por eles. No tribunal, este advogado “pleiteia o preço pago, a propiciação feita; e isso é uma grande vantagem; sim, Ele pleiteia uma satisfação feita por todos os erros cometidos, que que serão cometidos, por Seus eleitos”11. Os réprobos, no entanto, não têm esse benefício. Nenhum tal sacrifício permanece em nome deles12.

 

Em Cristo, O Salvador Completo, publicado quatro anos após a morte do autor, em 1692, Bunyan, mais uma vez retorna ao tema da obra sacerdotal de Cristo. Esta obra é um tratado sobre a obra de intercessão de Cristo e aqueles que têm o privilégio disso. Bunyan, como o seu amigo John Owen, argumenta que o sacrifício de Cristo não pode ser dissociado de Sua intercessão; a última é baseada no primeiro e o completa; assim, Cristo é um Salvador completo. A salvação completa envolve tanto a justificação dos eleitos, que ocorreu na cruz, quanto a preservação dos eleitos, que é realizada pela intercessão de Cristo, o Sumo Sacerdote. Todo o argumento do tratado pode ser resumido na seguinte forma: Cristo ora pelos eleitos, porque Ele pagou pelos eleitos, e somente por eles.

 

Algumas das declarações mais claras que Bunyan faz sobre a extensão da expiação pode ser encontrada em sua explicação sobre a interligação do sacrifício e intercessão de Cristo nesta obra. Nas páginas de introdução de Cristo, O Salvador Completo, Bunyan fala especi-ficamente dos eleitos como aqueles por quem Cristo ora e morreu. Ele escreve:

 

Ele ora por todos os eleitos, para que eles sejam levados para casa, para Deus… E a razão é: por que Ele pagou um resgate por eles. Cristo, portanto, quando intercede pelos ímpios, e todos os eleitos não-convertidos são assim, apenas pleiteia suplicantemente pelos Seus próprios, Seus comprados, aqueles por quem Ele morreu antes que eles fossem salvos pelo Seu sangue”13.

 

Na página seguinte, Bunyan discute o interesse de Cristo pelos eleitos: Ele tem interesse nos eleitos, e, assim, Ele os comprou e ora por eles14. Posteriormente, no tratado, Bunyan sugere que Cristo não somente ora pelos eleitos com base no Seu sacrifício em Seu nome, mas os homens piedosos agem assim. Bunyan escreveu: “Ele (o homem piedoso) se aproxima de Deus pela vivificação do ajuntamento dos Seus eleitos; pois é uma aflição para ele pensar que muitos daqueles por quem Cristo morreu ainda estejam em uma postura de hostilidade contra Ele”15. Finalmente, Bunyan especificamente menciona o “comprimento e a largura” de Sua intercessão e expiação. Bunyan define a intercessão de Cristo como:

 

Por intercessão, então, eu quero dizer a intercessão de Cristo, é que aqueles por quem Ele morreu com plena intenção de salvá-los, sejam trazidos para a herança que Ele adquiriu para eles. Agora, então, Sua intercessão não deve, quanto à extensão e largura, chegar mais longe do que os Seus méritos, pois Ele não pode orar por aqueles por quem Ele não morreu…

 

Bunyan continua:

 

Mas isso, eu digo, Sua intercessão é por aqueles por quem Ele morreu com plena intenção de salvá-los; portanto, ela deve ser fundamentada sobre a validade de Seus sofrimentos. E, de fato, Sua intercessão não é outra coisa, que eu saiba, senão uma apresentação do que Ele fez no mundo por nós, para Deus, e instar o valor disso para a nossa salvação16.

 

Bunyan acreditava que era a intenção do Pai que o Filho, como Mediador, Se tornasse um Sacrifício, Sumo Sacerdote e Advogado pelos eleitos e pelos eleitos somente. Ele não podia conceber que Cristo morresse por aquele por quem Ele não oraria: “Sua intercessão não deve, quanto à extensão e largura, chegar mais longe do que os Seus méritos, pois Ele não pode orar por aqueles por quem Ele não morreu”. A compreensão de Bunyan sobre o sacrifício de Cristo e a compreensão de Bunyan sobre a intercessão e a advocacia de Cristo não podem ser separadas uma da outra.

 

A obediência ativa de Cristo e Sua obra sacerdotal são ambas baseadas na teologia pactual de Bunyan17. Como as doutrinas acima mencionadas, o Pacto das Obras e o Pacto da Graça foram alguns dos temas teológicos favoritos de Bunyan. Eles, assim como as outras duas doutrinas, recebem tratamento significativo em todos os escritos de Bunyan, e, como as outras duas doutrinas, a teologia pactual de Bunyan, particularmente como ele a trata em seus últimos escritos, demonstra um comprometimento firme com a expiação limitada.

 

Bunyan acreditava que todos os homens nasceram sob um pacto de obras onde bênçãos e vida foram prometidos pela obediência perfeita, e maldições e condenação eram ameaçadas em caso de desobediência. Através do pecado de Adão e Eva, sua culpa e natureza decaídas foram transmitidas aos seus descendentes; o Pacto das Obras não mais oferece bênçãos e vida. No entanto, Deus em Sua graça estabeleceu um Pacto de Graça para redimir os pecadores. Neste Pacto da Graça, Deus, o Pai, fez um contrato ou pacto com Deus, o Filho, pela salvação eterna de um número fixo de pecadores caídos chamados de os eleitos, que o Pai escolhera para demonstrar a Sua livre graça e misericórdia. Neste pacto de graça, o Filho tornou-Se fiador pelos eleitos e sua Cabeça representativa (cabeça federal, pessoa pública), prometendo vir à Terra, obedecer à Lei, prover-lhes a justiça, sofrer por seus pecados, oferecer expiação pelos seus pecados, e reconciliá-los com Deus.

 

Em O Conhecimento Dos Santos Sobre O Amor De Cristo (1692), Bunyan enfatiza uma e outra vez que toda a atividade redentora de Cristo é voltada exclusivamente para os eleitos e para eles somente. Bunyan escreve: “O amor em Cristo não lança-se sobre objetos indevidos ou ilícitos; nem se recusa a abraçar o que pela Aliança Eterna é capaz de abraçar”18. Ele continua a dizer que a morte de Cristo como uma Pessoa pública (como representante federal) foi apenas pelos eleitos. Bunyan escreve:

 

Portanto, esta morte por nós, foi tão virtuosa, que no espaço de três dias e três noites, ela reconciliou com Deus no corpo da Sua carne como uma Pessoa comum, todos e cada um dos eleitos de Deus. Cristo, quando dirigiu-Se para morrer, apresentou-Se ao Juiz da Lei, como uma Pessoa comum; permanecendo em proveito, posição e lugar de todos por quem Ele empreendeu isso.

 

Bunyan continua:

 

Então, Cristo na vida e morte é estabelecido pelo Pai para viver e morrer como uma Pessoa comum ou pública, representando todos nesta vida e na morte, por quem Ele se comprometeu, tanto a viver quanto a morrer. Então, é necessário que haja, o que ocorre ao redor desta pessoa comum, isso ocorra sobre Ele com respeito a eles, em cujo lugar e posição Ele Se levantou e sofreu19.

 

Cristo tem interesse nos eleitos porque o Pai fez com dEle Fiador por eles no Pacto da Graça20. Mas Cristo não tem interesse naqueles em quem o Pai deixou em seus pecados, e reprovou quanto à salvação. Ele não é o Mediador deles, e, assim, Ele não é o Sacrifício, nem o Sumo Sacerdote, nem o Intercessor ou Advogado deles. Portanto Bunyan pode dizer:

 

Quantos milhares há por quem Cristo sequer abre a boca uma única vez, mas deixa-os às acusações de Satanás, e ao julgamento de Acabe, não, pior, porque não há ninguém que defenda a sua causa? E por que Ele não se preocupa com eles? Porque Ele não está interessado neles: “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e neles sou glorificado”21.

 

As experientes expressões de Bunyan sobre a teologia pactual demonstram um compromisso claro com a doutrina da expiação limitada. Bunyan parece estar quase totalmente despreocupado com o que a morte de Cristo significa para aqueles que têm sido reprovados para a salvação. Toda a ação redentora de Cristo é direcionada para os eleitos e para eles somente. Por causa deles, Ele tornou-Se o homem, cumpriu as exigências da Lei, sofreu por seus pecados como um sacrifício, ora por eles como um intercessor, e os defende como um Advogado.

 

Apesar da clareza com que Bunyan articula sua compreensão da extensão da expiação em suas últimas obras, o seu compromisso com a expiação limitada continua a ser uma questão de debate. Aqueles que veem Bunyan ou como um Calvinista de quatro pontos ao longo da vida ou um convertido ao “alto Calvinismo” mais tarde na vida geralmente apelam para os seus primeiros escritos, antes da prisão; seus apelos evangelísticos; a “todos” ou textos do “mundo”; ou a Reprovação Afirmada para apoiar a posição deles. É para essas objeções que nos voltamos agora.

 

Bunyan e a Extensão da Expiação Antes da Prisão (1656-1660)

 

John Bunyan publicou quatro obras antes de sua prisão. Sua primeira obra publicada é intitulada Algumas Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras (1656). Esta obra é ao mesmo tempo uma polêmica dirigida contra os erros Cristológicos dos Quakers e uma apresentação evangelística do Evangelho dirigida aos não-convertidos. Em 1657, Bunyan publicou a sua segunda obra, Uma Reivindicação de Verdades do Evangelho Desveladas de Acordo Com as Escrituras, em resposta às objeções de Quakers à sua primeira publicação. Em sua terceira obra, Alguns Suspiros do Inferno (1658), Bunyan se volta das polêmicas Quakers para a exposição da Parábola do Homem Rico e Lázaro, de Lucas 16. E a sua quarta e última publicação antes da prisão é A Doutrina Da Lei E Graça Desvelada (1660), que é a primeira grande apresentação do autor de sua teologia pactual.

 

Em cada uma dessas obras, há uma série de declarações que parecem sugerir que Bunyan não sustenta a doutrina da expiação limitada. Em Algumas Verdades Do Evangelho Desveladas, Bunyan diz que “Ele (Cristo) foi enviado de Deus para morrer pelos pecados do mundo”22. Mais uma vez, em Uma Reivindicação De Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras, Bunyan escreve: “E assim na natureza do homem, Ele Se tornou o Cordeiro de Deus, ou o sacrifício de Deus, que tirará os pecados do mundo”23. Bunyan faz uma declaração semelhante em Alguns Suspiros Do Inferno. Ele escreve: “Ó Senhor Jesus! Que fardo Tu levaste! Que fardo Tu carregaste, os pecados do mundo, e a ira de Deus”24. E em A Doutrina Da Lei E Graça Desvelada, Bunyan faz uma série de declarações que parecem sugerir que ele sustentava uma visão da expiação geral. Bunyan explica que Cristo assumiu as condições do Pacto porque “Deveria haver uma completa satisfação dada a Deus pelos pecados do mundo; pois esta foi uma grande coisa que foi acordada quando o Pacto foi feito”25. E, novamente, Bunyan escreve que Cristo na cruz olhou como se “o pecado do mundo inteiro estivesse sobre Si”, e que Deus considerou que Ele era “não somente um pecador, mas a própria massa do pecado do mundo todo, e condenou-O de forma tão severa como se Ele não fosse outra coisa, senão pecado”26.

 

Embora essas citações pareçam definir um compromisso de Bunyan com uma visão geral da expiação, um exame mais detalhado dessas obras revela que tal conclusão é desnecessária e injustificada. Em primeiro lugar, apesar de existirem algumas declarações como estas nos primeiros escritos de Bunyan, há também inúmeras declarações nessas mesmas obras que sugerem que Bunyan sustentou a expiação limitada. Tome-se, por exemplo: Algumas Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras27. O autor introduz a obra com uma discussão a respeito de Cristo como Salvador e explica obra salvadora de Cristo em termos de aliança: Deus previu a Queda do homem, Deus predestinou alguns dentre os pecadores caídos para a salvação, e Cristo comprará a redenção para eles. Bunyan escreve: “Deus, vendo que nós transgrediríamos, e quebraríamos o Seu mandamento, escolheu, antes, alguns dos que cairiam, e deu-lhes a Ele, para que posteriormente os comprasse efetivamente”28. Bunyan continua: “Deus tendo assim designado em Si mesmo, que Ele salvaria alguns daqueles que pela transgressão haviam se destruído, com o Filho eterno do Seu amor fez um Pacto, ou acordo, que em tais e tais termos, Ele Lhe daria um ajuntamento daquelas pobres almas que haviam caído, pela transgressão, de sua própria inocência e retidão, naquelas invenções perversas que eles mesmos haviam procurado”29. Bunyan também menciona o sacerdócio de Cristo em sua discussão sobre as condições do Pacto que Cristo cumpriu pelos eleitos. Nesta discussão Bunyan menciona que Cristo ora pelos eleitos e somente por eles, referindo-se a eles como aqueles “por quem Eu pactuei conTigo (o Pai)”30. Posteriormente, no tratado, Bunyan limita especificamente a morte de Cristo aos eleitos. Ele escreve que Cristo veio para “remir os que estavam sob a Lei”, e, em seguida, ele esclarece o seu significado, dizendo: “ou seja, para resgatar da maldição da lei os tais que estavam ordenados para a vida eterna”31. E novamente, Bunyan fala de Cristo levando os pecados dos crentes, e não os pecados de toda a raça humana. Bunyan escreve: “Nunca houve qualquer um capaz de tirar os pecados de todos os crentes no mundo, que alguma vez existiram, que existem agora, que existirão no futuro, senão o verdadeiro Deus”32.

 

Em segundo lugar, a afirmação de que Bunyan rejeitou a doutrina da expiação limitada como evidenciado por seus primeiros escritos repousa quase exclusivamente nos termos “todos” e “mundo”. No entanto, alguém não deveria assumir que quando Bunyan fala de “mundo” e “todos” ele tem em mente todos os membros da raça humana. Como será demonstrado a seguir, Bunyan pode e usa esses termos em referência aos eleitos somente.

 

Em terceiro lugar, a própria experiência da conversão de Bunyan antes destes escritos e os seus escritos imediatamente após mostram que o “alto Calvinismo” era a posição teológica padrão de Bunyan. Em Graça Abundante, a autobiografia espiritual de Bunyan, o autor narra um julgamento severo que ocorreu antes de sua carreira de publicação que só poderia afligir alguém que estava comprometido com a doutrina da expiação limitada: ele temia que ele pertencia àqueles pelos quais Cristo não morreu33. E, pouco depois de sua prisão, Bunyan publicou Um Mapa Que Mostra A Ordem E As Causas Da Salvação E Condenação (1673). Esta ilustração do desenrolar dos decretos Divinos descreve o “alto Calvinismo” supralapsariano e foi baseado em ilustrações semelhantes às feitas por William Perkins e Teodoro de Beza34. Portanto, apresentado o “alto Calvinismo” de Bunyan, tanto antes e depois das obras em questão, as numerosas declarações limitantes encontradas em todas as quatro obras, e sua interpretação cheia de nuances quanto às palavras como “todos” e “mundo”, não se deve concluir que o pensamento inicial de John Bunyan sobre a expiação é substancialmente diferente do seu pensamento maduro. A diferença é de clareza de pensamento e apresentação, não a substância.

 

A Pregação Evangelística de Bunyan

 

É um fato indiscutível que John Bunyan pregou para a conversão. Na verdade, não é um exagero dizer que essa era a força motriz de seu ministério de pregação. “Eu encontrei o meu espírito mais inclinado”, escreveu Bunyan em sua autobiografia, “pelo despertamento e pela obra de conversão… Na minha pregação eu tenho estado realmente em dor, tenho tido, por assim dizer, dores de parto para dar à luz filhos a Deus; nem eu poderia estar satisfeito a menos que alguns frutos aparecessem em meu labor”35. Esse impulso evangelístico também é evidente em seus escritos: quase toda a obra que veio de sua pena inclui uma ou mais chamadas aos pecadores para que venham a Cristo para a salvação.

 

Para alguns, esse tipo de zelo evangelístico é incompatível com “alto Calvinismo”, em particular a doutrina da expiação limitada. Argumenta-se que não se pode realmente oferecer o Evangelho a todos os homens, porque Cristo não morreu para comprar todos os homens. Por isso, alguns concluíram que o zelo evangelístico de Bunyan é prova de que ele rejeitou a doutrina da expiação limitada.

 

Tomemos, por exemplo, A Pecadora Jerusalém Salva; Ou A Boa Nova Aos Mais Vis Dos Homens (1688). Bunyan diz que espera que esta obra seja “um tratado comovente que tende a converter pecadores”36. O Evangelho deve ser pregado a todos, Bunyan argumenta, começando com o mais vil dos homens, ou seja, os pecadores de Jerusalém. Em passagens desta obra, Bunyan parece sugerir que Cristo morreu por todos os homens. Em resposta a uma objeção da pecadora Jerusalém, Bunyan pleiteia com o incrédulo para que não deixe que a zombaria de outros o impeça da vida eterna:

 

Tua teimosia afeta, aflige o coração do Teu Salvador. Tu não te importas com isso? No passado, Ele viu a cidade, chorou sobre ela. Tu não podes ouvir isso, e não se preocupar. Cristo chorará ao ver a tua alma ir para a destruição, e tu zombarás de ti mesmo desta forma? Sim, Cristo, que é eternamente feliz sem ti, estará mais aflito com a ideia de perda de tua alma, do que tu, que és certamente eternamente miserável se negligenciares o achegar-se a Ele. Aquelas coisas que separam a ti e o teu Salvador, de tua parte, são apenas bolhas; a menor dor de uma aflição apresentará a ti, o que agora tu pensas ser digno de arriscar o gozo do Céu37.

 

Bunyan continua:

 

Tu não tens racionalidade? Tu não podes, uma vez, pensar sobriamente sobre a hora da tua morte, ou para onde a tua vida pecaminosa irá conduzir-te, a seguir? Porventura, não tens consciência? ou tendo uma, ela está tão grandemente endurecida pelo pecado, ou feita tão enfadada com o chamado mal sucedido sobre ti, que ela desiste, e não se importa mais contigo? Miserável homem! teu estado é lamentável. Não tens juízo? Tu não consegues concluir que ser salvo é melhor do que queimar no inferno? e que a vida eterna com o favor de Deus, é melhor do que a vida temporal no desagrado de Deus? Não tens afeição, senão a que é brutal? o quê, nenhuma em absoluto? Nenhuma afeição pelo Deus que te criou? O quê! Nenhuma por Seu Filho amoroso que mostrou o Seu amor, e morreu por ti? O Céu não vale a tua afeição? Ó pobre homem! quem é mais forte, pense, Deus ou tu? Se tu não és capaz de vencê-lO, tu és um insensato por permanecer contra Ele. “Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo”. Ele vai agarrar-te severamente; Seu punho é mais forte do que a pata de um leão; atente para Ele, Ele estará irado se você desprezar o Seu Filho; e você permanecerá culpado em suas ofensas, quando Ele oferece a você a Sua graça e favor?38.

 

Superficialmente, essas declarações parecem sugerir uma visão geral da expiação, mas isso não é necessariamente o caso. Em primeiro lugar, não é incompatível com “alto Calvinismo” falar de Cristo disposto a salvar aqueles que, caso contrário, perecerão eternamente. Isto é especialmente verdade e de fato bastante apropriado na apresentação do Evangelho com um olhar para conversões. O que Bunyan está dizendo é que Cristo está disposto a salvar você, se você será salvo. Em segundo lugar, ao dizer ao pecador “Cristo morreu por ti”, Bunyan poderia ter em mente uma série de diferentes possibilidades. Ele poderia estar sugerindo que Cristo morreu pelo pecador se o pecador vier. Ou, é possível, que ao personagem imaginário que Bunyan está apelando nesta obra, em sua mente, seja um pecador eleito que ele espera converter com este fundamento. Note-se que apenas algumas páginas depois desta citação Bunyan implica que a expiação é limitada aos eleitos. Bunyan fala das artimanhas e estratagemas de Satanás, que arruína o mundo dos homens. Apesar de todos os seus melhores esforços, permanece entre a raça dos homens um remanescente, “a semente da eleição”, que Satanás não engana. Neste remanescente Satanás, o leão, derrama toda a sua ira. Bunyan escreve: “Oh! a ira e o rugido deste leão, e o ódio que ele manifesta contra o Senhor Jesus, e contra os que são comprados com o seu sangue!”39.

 

Em suma, o fervor evangelístico de Bunyan em nada prejudica o seu “alto Calvinismo”, ou o seu compromisso com a doutrina da expiação limitada. Na verdade, alguém se surpreenderia ao encontrar um pregador como Bunyan falando sobre tais mistérios da fé em uma obra que pretende ser “um tratado comovente que tende a converter os pecadores”. Ao abordar os incrédulos, Bunyan direciona os seus ouvintes não ao decreto da eleição, mas a Cristo.

 

Bunyan e Textos Universais

 

Como foi mencionado antes, aqueles que argumentam que Bunyan era um “Calvinista moderado” frequentemente apelam para textos em que o autor diz que Cristo morreu por “todos os homens” ou “pelo mundo”. Se Bunyan entendia esses termos no sentido mais amplo possível, então Bunyan seria de fato um Calvinista de quatro pontos, como David Allen argumentou40, se não um Amyraldiano, como David Wenkel argumentou, ou um completo Arminiano. Embora Bunyan, às vezes, fala de Cristo morrendo por “todos” ou sofrendo pelos pecados do “mundo”, ao fazê-lo, ele não toma esses termos em seu sentido mais amplo possível.

 

Em Uma Defesa Da Doutrina Da Justificação Pela Fé Em Jesus Cristo (1672). Bunyan fala de Cristo morrendo “pelos pecados do mundo”41, em diversas ocasiões. Ele também fala de crentes se alimentando da carne e do sangue de Cristo pela fé que “uma vez se entregou pelo pecado do mundo”42. E novamente, em Uma Luz Para Os Que Jazem Nas Trevas (1674) Bunyan diz que no dia em que Cristo esteve diante do Pai na cruz “era como o pecado do mundo”43. Ele continua a dizer: “Olhe, então, para Cristo crucificado sendo como o pecado do mundo, como se Ele apenas tivesse quebrado a Lei”44. Citando João 1:29, Bunyan, mais uma vez fala de Cristo como o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo45. E, posteriormente, Bunyan fala de Cristo carregando os pecados do mundo inteiro46.

 

Embora Bunyan às vezes fala de Cristo como morrendo pelos pecados do mundo, deve-se notar que Bunyan nem sempre tem em mente toda a raça humana quando ele usa a palavra “mundo”. Em A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado (1688), Bunyan usa “mundo” em referência à totalidade dos eleitos: passado, presente e futuro. Bunyan escreve: “Ele é o nosso Advogado, e também o nosso Sacerdote. Como um Advogado, somente nosso; mas como propiciação, não somente nosso, mas também pelos pecados de todo o mundo; seguramente, pelos eleitos em todo o mundo”47. Bunyan, depois, imediatamente fala de Cristo oferecendo “um sacrifício propiciatório para todos”, mas, como antes, ele qualifica “todos” como ele fez com “mundo”, referindo-se a “todos os que serão salvos”, e ele continua a argumentar que “por todo homem, não deve ser entendido todo do mundo”48.

 

Novamente, em Uma Luz Para Os Que Jazem Nas Trevas, Bunyan esclarece sua definição de “mundo” na página 1:409. Bunyan esclarece quem ele tem em mente com a utilização de “mundo” na seguinte frase: “Olhe, então, para Cristo crucificado sendo como o pecado do mundo, como se Ele apenas tivesse quebrado a Lei, o qual, contemple, perfeitamente inocente em Si mesmo, e assim conclua que pela transgressão do povo de Deus Ele foi atingido; de modo que quando o Senhor O fez ser pecado, Ele O fez pecado por nós”49. Bunyan fala dos “pecados do mundo”, mas prossegue esclarecendo o seu significado: os “pecados do mundo” são, na verdade, “a transgressão do povo de Deus”50.

 

Alguém também poderia notar a extensa discussão de Bunyan sobre a maneira correta de exegese de textos universais em Vinde E Bem-Vindos A Jesus Cristo (1680). O princípio geral de Bunyan é que uma palavra “deve ser limitada e ampliada, conforme a verdade e argumento, para os quais ela é usada, suportarão; de outra forma, faremos mal uso da Escritura, e dos leitores, e de nós mesmos, e de todo o mais”51. Por exemplo, ao explicar “todos” de João 12:32 (“E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”), o autor afirma: “Ele deve indicar por todos os homens, aqueles, e somente aqueles, que, na verdade, são eternamente salvos da ira vindoura”52.

 

Quando Bunyan emprega a linguagem “todos” e “o mundo” não se deve supor que ele está usando esses termos no sentido mais amplo possível, e, portanto, aqueles textos que falam de Cristo morrendo por “todos os homens” ou levando os pecados “do mundo” não sugerem necessariamente que Bunyan acreditava que era a intenção de Deus que Cristo sofresse pelos pecados de cada ser humano.

 

Reprovação Afirmada

Provavelmente, o documento mais citado que é usado para refutar o “alto Calvinismo” de Bunyan é Reprovação Afirmada (1674)53. No capítulo IX, o autor responde à questão de saber “Se Deus quer de fato e em verdade, que o Evangelho, com a graça do mesmo, seja ofertado até mesmo para aqueles a quem Ele retém sob Reprovação Eterna”54. Ele responde de forma afirmativa: “Na linguagem do nosso Senhor: ‘Ide, pregai o evangelho a toda criatura’; e novamente: ‘Olhai para mim, e sereis salvos; vós todos os confins da terra’. ‘E quem quiser, receba de graça a água da vida’. E a razão é porque Cristo morreu por todos, ‘provou a morte por todos os homens’; é ‘o Salvador do mundo’, e a propiciação pelos pecados de todo o mundo”55. O autor continua:

 

Em segundo lugar, eu reúno isso a partir daquelas várias censuras que mesmo todos estão sob, os quais não recebem a Cristo, quando oferecido nos anúncios gerais do Evangelho; “Aquele que não crê, será condenado”; “Quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu”; e, “Ai de ti Cafarnaum, Ai de ti Corazim! ai de ti Betsaida”, com muitos outros ditos, todas palavras, que, com muitas outros da mesma natureza, carregam em si um grande argumento para este propósito; pois, se os que se perdem nos dias do Evangelho, devem ter, pelo menos, a sua condenação agravada, por terem negligenciado e se recusado a receber o Evangelho, é necessário que o Evangelho fosse com toda a fidelidade ofertado para eles; o que não poderia ocorrer, a menos que a morte de Cristo se estendesse a eles; pois, a oferta do Evangelho não pode, com a permissão de Deus, ser oferecida mais longe do que vai a morte de Jesus Cristo; porque se isso for removido, na verdade não há Evangelho, nem graça a ser estendida. Além disso, se por toda criatura, e similares, for intencionado somente os eleitos, então todas as persuasões do Evangelho são de nenhum efeito; pois ainda os não-convertidos, que estão aqui condenados pela recusa do mesmo, replicariam rápido novamente: Eu não sei se eu sou eleito, e, portanto, não se atrevem a vir a Jesus Cristo; pois, se a morte de Jesus Cristo, e por isso o anúncio geral do Evangelho, interessa somente aos eleitos; eu, não sabendo se eu sou um deste número, estou em um grande precipício; nem sei se é maior pecado acreditar, ou o desespero, porque eu digo novamente, se Cristo morreu apenas pelos eleitos, etc., então, eu não sei se sou um deste número, não me atrevo a crer no Evangelho, o que detém o Seu sangue de me salvar; não, eu acho que com segurança não pode, até que eu primeiramente saiba que eu sou eleito de Deus, e designado a isso56.

 

A última citação é provavelmente a declaração mais definitiva sobre uma visão geral da expiação que pode ser encontrada nas obras completas de Bunyan. No entanto, existem dois problemas com o uso de Reprovação Afirmada para desmentir o compromisso de Bunyan com a doutrina da expiação limitada. O primeiro problema é de interpretação. Paul Helm nega que Bunyan, na verdade, ensinou uma visão geral da expiação em Reprovação Afirmada. A morte de Cristo, Helm argumenta, “estende-se aos reprovados no sentido de que se viessem a crer, então, a morte de Cristo seria suficiente para a salvação”57. Além disso, Bunyan está lidando com a questão prática sobre a qual o pregador diria: “o pregador não deve chamar os eleitos a Cristo como os eleitos”58. Finalmente, ao insistir que a oferta do Evangelho é verdadeira o autor não está intencionando que os reprovados alguma vez irão a Cristo. Helm observa que Bunyan faz a distinção entre Deus estar disposto a salvar o réprobo e a estar resolvido a fazê-lo59.

 

O segundo, e mais importante problema, é da autoria. John Bunyan, provavelmente, não foi o autor da Reprovação Afirmada. A autenticidade da obra tem sido uma questão de disputa desde que John Brown, principal biógrafo de Bunyan, argumentou que o livro era pseudônimo60. Brown acredita que a editora de Bunyan, Charles Doe, por engano considerou a obra como sendo de Bunyan. Naquela época, houve outros quatro livros que falsamente foram considerados como de Bunyan, “com a finalidade de negociação devido sua popularidade”61. Brown sugere outras evidências externas de apoio à sua conclusão: esta obra é impressa de forma diferente em relação ao restante das obras de Bunyan, ela tem uma página de título incomum, e a obra em questão não aparece em nenhuma das três primeiras edições completas dos escritos de Bunyan (1692, 1736 e 1774)62. Brown também observa que a substância e estilo não é de Bunyan. Brown afirma: “Ele não começa nem termina da forma característica de Bunyan, nem há nele um único toque que nos lembre de sua própria veia particular. Deixe-o escrever sobre o tema que ele possa, ele não escreve muito antes que ele ou misture com ternura ou resplandeça com fogo. Este escritor nunca se desvia para nada do tipo. Ele é duro e frio em grande estilo, esguio em estrutura e substância, e ele é o que Bunyan nunca foi — impiedoso na lógica, sem ser verdadeiramente lógico”63. Richard Greaves concorda, dizendo: “Estilisticamente Reprovação Afirmada é manifestamente diferente dos tratados teológicos e das obras homiléticas e expositivas de Bunyan. Sua estrutura lógica e bem ordenada, envolvendo onze capítulos em quarenta e quatro páginas, é, essencialmente, sem paralelo em (outros) escritos de Bunyan. O habitual “uso” ou “aplicação” com a qual ele conclui a maioria de suas obras, também está ausente”64. […].

 

Em conclusão, a Reprovação Afirmada não pode ser vista como uma prova de que John Bunyan sustentava uma visão geral da expiação. Não somente existem variação de interpretação do capítulo IX, mas, de forma mais significativa, John Bunyan não é, provavelmente, o autor da obra em questão.

 

Conclusão

 

Em Todo Aquele Que Quiser: Uma Crítica Bíblico-Teológica Dos Cinco Pontos Do Calvinismo, David Allen erroneamente caracterizou John Bunyan como um Calvinista “moderado” ou de quatro pontos. O maduro Bunyan falou clara e definitivamente sobre a extensão da expiação: foi a intenção do Pai e do Filho que Cristo morresse pelos eleitos e pelos eleitos somente, e isso é precisamente o que foi realizado na cruz. Tal posição é evidenciada pela sua articulação madura da obediência ativa de Cristo, o sumo sacerdócio de Cristo, e sua teologia pactual. Há uma precisão em seus últimos escritos, que está ausente de algumas de suas publicações anteriores, mas em nenhum lugar de seus escritos Bunyan se afasta substancialmente do “alto Calvinismo” de seu pensamento maduro. Bunyan foi convertido no contexto do “alto Calvinismo”, como evidenciado pela natureza de algumas de suas tentações, e seus primeiros escritos devem ser vistos sob essa luz. Embora Bunyan apaixonadamente pleiteava com os perdidos para que viessem a Cristo, seu zelo evangelístico não deve ser visto como incompatível com o “alto Calvinismo”. Bunyan de fato fala de Cristo morrendo por “todos” e sofrendo pelos pecados do “mundo”. Ainda assim, o próprio Bunyan adverte contra tomar estes termos em seus mais amplos sentidos possíveis. E apesar de Reprovação Afirmada carregar o seu nome, resta uma dúvida considerável entre os estudiosos de Bunyan quanto à autenticidade da obra e sua interpretação, e, portanto, não deve servir como prima facie [Do latim: à primeira vista ‒ N. do R.] de que Bunyan era um “Calvinista moderado”.

 

Deve-se notar que Bunyan nunca dedicou uma única obra à questão da extensão da expiação, nem ele se envolveu em polêmicas para defendê-la como fez com a doutrina da justificação pela fé. É melhor ler Bunyan como um pastor do que como um sistematizador. No contexto pastoral adequado, pode-se encontrar Bunyan falando abertamente sobre a extensão da expiação, a doutrina da eleição e predestinação, e outros mistérios da fé. Mas quando Bunyan esteve apelando àqueles sob o Pacto das Obras, ele tinha outros objetivos. É melhor ver Bunyan como aquele para quem a expiação limitada era assentida; surgia naturalmente quando ele falava sobre temas teológicos relacionados, tais como a justificação pela fé, o sacerdócio de Cristo e a teologia pactual.

 

 

________________________________________

Notas:

 

[1] David L. Allen, “A Expiação: Limitada ou Universal?”, em Todo Aquele Que Quiser: Uma Crítica Bíblico-Teológica Dos Cinco Pontos Do Calvinismo, David Allen e Steve W. Lemke (Nashville, TN: B&H Academic, 2010), 67.

[2] David Wenkel, “Soteriologia de John Bunyan Durante Seu Período de Pré-Aprisionamento (1656-1659): Amyraldiano ou Alto-Calvinista?” Scottish Journal of Theology 58 (2005): 333.

[3] As últimas obras citadas nesta seção são incontestáveis. Das cinco obras aqui citadas, apenas o título de uma das obras (A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado) foi alterado. A substância permaneceu inalterada. O leitor, portanto, pode ter um alto grau de confiança de que as obras posteriores de Bunyan citadas nesta seção são verdadeiramente as suas palavras.

[4] Pieter de Vries, John Bunyan Sobre A Ordem Da Salvação, trans. C. Van Haaften (New York: Peter Lang, 1994), 148.

[5] John Bunyan, O Conhecimento Dos Santos Sobre O Amor De Cristo, nas Obras de John Bunyan, ed. George Offor, vol. 2 (Glasgow: W.G. Blackie and Son, 1854: reprint, Edinburgh and Carlisle, PA: Banner of Truth Trust, 1999), 19.

[6] John Bunyan, O Fariseu e o Publicano, em Obras, 2: 247.

[7] John Bunyan, Privilégio E Benefício Dos Santos, em Obras, 1: 648.

[8] John Bunyan, A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado, em Obras, 1:161.

[9] John Bunyan, A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado, em Obras 1:161, 163, 201.

[10] Ibid., 1:169.

[11] Ibid., 1:176. Veja também 161.

[12] Ibid., 164

[13] John Bunyan, Cristo, O Salvador Completo, em Obras, 1:203.

[14] Ibid., 1:204.

[15] Ibid., 1:226.

[16] Ibid., 1:235.

[17] Para uma boa análise sobre a Teologia Pactual de Bunyan veja Richard Greaves, John Bunyan (Grand Rapids, MI: WM. B. Eerdmans Publishing Company, 1969), 97-122.

[18] John Bunyan, O Conhecimento Dos Santos Sobre O Amor De Cristo, em Obras, 2:16.

[19] Ibid., 02:20.

[20] John Bunyan, A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado, em Obras, 1:164.

[21] Ibid.

[22] John Bunyan, Algumas Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras, em Obras, 2:166-67.

[23] John Bunyan, Uma Reivindicação De Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras, em Obras, 2:208.

[24] John Bunyan, Alguns Suspiros Do Inferno, Ou Os Gemidos De Uma Alma Condenada, em Obras, 3:706.

[25] John Bunyan, A Doutrina Da Lei E Graça Desvelada, em Obras, 1:526.

[26] Ibid., 1: 561.

[27] Para referências de expiação limitada em Uma Reivindicação De Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras, veja em Obras 2:177, 179, 180, 185, 207. Para referências similares em Alguns Suspiros Do Inferno, veja 3:674, 680, 681, 684, 692, 700, 704, 706, 709, 717, 724. Para referências semelhantes em A Doutrina Da Lei E Graça Desvelada, veja 1:506, 507, 522, 523, 524, 532, 534, 535, 551.

[28] John Bunyan, Algumas Verdades Do Evangelho Desveladas De Acordo Com As Escrituras, em Obras, 2:141.

[29] Ibid., 2:141-42.

[30] Ibid., 2:142.

[31] Ibid., 2:147.

[32] Ibid., 2:150.

[33] Veja John Bunyan, Graça Abundante, em Obras 1:29.

[34] Richard Greaves, Vislumbres Da Glória, 173-74.

[35] John Bunyan, Graça Abundante, em Obras 1:43.

[36] John Bunyan, A Pecadora Jerusalém Salva; Ou Boa Nova Aos Mais Vis Dos Homens, em Obras, 1:68.

[37] Ibid. 1:90.

[38] Ibid.

[39] John Bunyan, A Pecadora Jerusalém Salva; Ou Boa Nova Aos Mais Vis Dos Homens, em Obras, 1:96.

[40] David Wenkel, “Soteriologia de John Bunyan Durante Seu Período de Pré-Aprisionamento (1656-1659): Amyraldiano ou Alto-Calvinista?”. Scottish Journal of Theology 58 (2005).

[41] John Bunyan, Uma Defesa Da Doutrina Da Justificação Pela Fé Em Jesus Cristo, em Obras, 2:307. Veja também 2:329 e 2:330.

[42] Ibid., 2:309.

[43] John Bunyan, Uma Luz Para Os Que Jazem Nas Trevas, em Works, 2:408.

[44] Ibid., 2:409.

[45] Ibid., 2:416

[46] Ibid., 2:432.

[47] John Bunyan, A Obra De Jesus Cristo Como Um Advogado, em Obras, 1:170.

[48] ​​Ibid., 1:170.

[49] John Bunyan, Uma Luz Para Os Que Jazem Nas Trevas, em Obras, 2:409.

[50] Ibid., 2:409.

[51] John Bunyan, Vinde E Bem-Vindos A Jesus Cristo, em Obras, 1:242.

[52] Ibid.

[53] Veja o artigo do Dr. Allen em Todo Aquele Que Quiser: Uma Crítica Bíblico-Teológica Dos Cinco Pontos Do Calvinismo, 75-76, 98.

[54] John Bunyan, Reprovação Afirmada, em Obras 2:348.

[55] Ibid.

[56] Ibid., 2:348.

[57] Paul Helm, “John Bunyan e Reprovação Afirmada” The Baptist Quarterly 28 (2) (1979): 91.

[58] Ibid.

[59] Ibid., 92.

[60] Richard Greaves, John Bunyan e o Não-Conformismo Inglês (London: Hambledon Press, 1992), 185.

[61] John Brown, John Bunyan: Sua Vida, Tempos, E Obra (Boston, MA: Houghton, Mifflin and Company, 1885), 245.

[62] Ibid.

[63] Ibid.

[64] Richard Greaves, John Bunyan e o Não-Conformismo Inglês, 188.
 

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