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Contra o Arminianismo e Seu Ídolo Dourado, o Livre-Arbítrio, por Augustus Toplady

Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade.” (Salmos 115:1)

 

Alguns expositores têm suposto que este Salmo foi escrito pelo profeta Daniel; por ocasião da libertação milagrosa de Sadraque, Mesaque e Abednego, quando saíram ilesos da fornalha de fogo ardente, para a qual foram levados segundo a ordem do rei Nabucodonosor.

 

E, de fato, não há passagens insuficientes, no próprio Salmo, que pareçam apoiar esta conjectura. Como, onde lemos, no quarto versículo (falando sobre os ídolos dos pagãos, e, talvez, com especial referência àquela imagem de ouro que Nabucodonosor ordenou ser adorada): “Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não veem” [vv. 4-5].

 

Eu ouso dizer que, em tal auditório como este, uma quantidade de Arminianos estão presentes. Eu temo que todas as nossas assembleias públicas têm muitos deles. Talvez, no entanto, mesmo essas pessoas, idólatras como elas são, podem estar aptas a censurar, e, em verdade, com justiça, o absurdo daqueles que adoram ídolos de prata e ouro, obra das mãos dos homens. Mas, permitam-me perguntar: Se assim é tão absurdo adorar a obra das mãos de outros homens, o que deve ser adorar as obras de nossas mãos? Talvez, você possa dizer: “Deus não permita que eu faça isso”. No entanto, permita-me dizer-lhe, que esperança, confiança, fé e dependência para a salvação, são todos atos, e estes também muito solenes, de culto Divino, e sobre o que você depende, no todo ou em parte, para sua aceitação diante de Deus, e para sua justificação diante de Seus olhos, seja o que for, em que você descansa, e confia, para a obtenção de graça ou glória; se for algo menos do que Deus em Cristo, você é um idólatra, quanto a todos os intentos e propósitos.

 

Muito diferente é a ideia que a Escritura nos dá, sobre o Deus para sempre bendito, em relação àqueles falsos deuses adorados pelos pagãos; e a partir desta representação degradante do verdadeiro Deus, o Arminianismo gostaria de corromper a humanidade. Nosso Deus (diz o Salmo 115, versículo 3) está nos céus; fez tudo o que lhe agradou. Esta não é a ideia Arminiana sobre Deus: pois os nossos defensores do livre-arbítrio e nossos negociadores de mudanças nos dizem que Deus não faz tudo o que Ele quer; que há um grande número de coisas que Deus quer fazer, e busca e se esforça para fazê-las, e ainda assim não consegue efetuá-las; eles nos dizem, como alguém engenhosamente o expressa: Que toda a humanidade, Ele de bom grado salvaria, mas, anseia pelo que Ele não pode ter. Esforça-se assim, para ressoar exteriormente, um Deus desapontado, cambiante.

 

Como isso é compatível com aquela descrição majestosa: “O nosso Deus está nos céus”? Ele está sentado no trono, pesando e distribuindo o destino dos homens; detendo todos os eventos em Sua própria mão; e dirigindo todos os elos da cada cadeia das causas secundárias, desde o início até o fim dos tempos. O nosso Deus está no céu, possuindo todo o poder; e (o que é a consequência natural disso) Ele fez tudo o que Lhe aprouve; ou como o Apóstolo expressa: (as palavras são diferentes, mas o sentido é o mesmo) “Aquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11).

 

Por isso é que nós tanto trabalhamos, e sofremos reprovação: mesmo porque dizemos (e o máximo que nós podemos dizer sobre o assunto, eleva-se a não mais do que isso: a saber, que) o nosso Deus está nos céus, e tudo fez como Lhe agradou. E, segundo a Sua própria vontade soberana Ele o fará, até o fim; embora todos os Arminianos sobre a terra procurem derrotar a intenção Divina, e obstruir as rodas do governo Divino. Ele, que está no céu, ri deles com desprezo, e faz ocorrer os Seus próprios propósitos, às vezes, até mesmo através daqueles mesmos meios incidentes, que os homens se esforçam para arremessar em Seu caminho, com uma perspectiva insensata para desapontá-lO de Seus propósitos. “Todos”, diz o Salmista, “são teus servos” (Salmos 119:91). Eles têm, todos, uma tendência direta, seja de forma efetiva ou permissiva, para prosseguir em Seus desígnios inalteráveis ??da providência e graça. Observe: efetivamente, ou permissivamente. Pois nós nunca dizemos, nem queremos dizer, que Deus é o autor do mal, nós apenas sustentamos, que por razões desconhecidas para nós, mas bem conhecidas para Deus, Ele é o permissor eficaz (não o agente, mas o permissor) de tudo o que acontece. Mas quando falamos sobre o bem, então, nós ampliamos o termo; e afirmarmos, com o Salmista, que todo o auxílio que é feito sobre a terra foi feito pelo próprio Deus.

 

Lembro-me de uma citação do grande Monsieur Du Moulin, em seu admirável livro, intitulado Anatome Arminianismi. Sua observação é, que os ímpios, não menos que os eleitos, cumprem os sábios e santos e justos decretos de Deus; mas, ele diz, com esta diferença: O próprio povo de Deus, depois de serem convertidos, esforçam-se para obedecer à Sua vontade a partir de um princípio de amor, enquanto os que são deixados na perversidade de seus próprios corações (que é toda a reprovação que disputamos), os quais não se importam com Deus, nem está Deus em todos os seus pensamentos; essas pessoas se assemelham a homens remando em um barco, os quais vão para o mesmo lugar em que eles viram as costas. Eles viram as costas para o decreto de Deus; e ainda assim, voltam para esse mesmo ponto, sem o saber.

 

Uma grande disputa, entre a religião do Arminianismo e a religião de Cristo, é: quem permanecerá com o direito de louvor e glória pela salvação de um pecador? A conversão decide este ponto de uma vez; pois eu penso que, sem qualquer imputação de falta de caridade, eu arrisco dizer, que cada pessoa realmente despertada, pelo menos quando ela está sob o brilho da face de Deus em sua alma, cairá de joelhos, com este hino de louvor ascendente a partir de seu coração: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória: Eu sou salvo, não pela minha justiça, mas por amor da Tua misericórdia e da Tua verdade” [Salmos 115:1].

 

E isso é verdadeiro mesmo quanto às bênçãos da vida que agora há. É Deus quem exalta um e abate outro (veja Salmos 75:7). A vitória, por exemplo, quando príncipes rivais guerreiam, é toda de Deus. “Não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a batalha” (Eclesiastes 9:11), como tal. É o decreto, a vontade, o poder e a providência de Deus que efetivamente, embora às vezes de forma invisível, ordena e dispõe todos os eventos.

 

Na famosa batalha de Azincourt, na França, onde, se não me engano, 80.000 franceses foram totalmente derrotados por cerca de 9.000 Ingleses, sob o comando do nosso imortal rei Henrique V, depois que o grande negócio do momento acabou, e Deus tinha dado àquele renomado príncipe a vitória, ele ordenou que o Salmo anterior (ou seja, o 114), e parte deste Salmo de onde eu li aquela passagem agora considerada, fosse cantado no campo de batalha, como forma de reconhecimento que todo o sucesso, e todas as bênçãos, seja de que tipo for, vem descendo do Pai das luzes. Alguns de nossos historiadores nos contam que, quando o Inglês triunfante veio àquelas palavras que tomei para o meu texto, todo o exército vitorioso caiu de joelhos, como um só homem, no campo da conquista; e clamou, com um só coração e uma só voz: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade”.

 

E assim será quando Deus reunir o número dos Seus eleitos, e completamente ajuntá-los na plenitude do Seu reino redimido. Qual você acha que será a sua canção quando você vier para o céu? “Bendito seja Deus, pois Ele me deu o livre-arbítrio; e bendito seja o meu querido eu, que fez um bom uso dele”? Oh não, não. Tal canção como essa ainda nunca foi ouvida no céu, nem nunca será, enquanto Deus for Deus, e o céu for céu. Olhe para o Livro do Apocalipse, e ali você encontrará o serviço dos bem-aventurados, e a força com que eles cantam. Eles lançam as suas coroas diante do trono, dizendo: “Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus de toda a tribo, e língua, e povo, e nação” (Apocalipse 5:9).

 

Há graça distinguidora para você! “Nos compraste… de toda a tribo” e etc., ou seja, dentre o restante da humanidade. Esta eleição não é particular e a redenção limitada?

 

A Igreja abaixo pode ser passível de errar, e se qualquer igreja visível na terra finge ser infalível, a própria pretensão muito demonstra que ela não é assim. Mas há uma Igreja, que me arrisco dizer ser infalível. E que Igreja é essa? A Igreja dos glorificados, que brilham como estrelas à mão direita de Deus. E, sobre o testemunho infalível desta Igreja infalível; um depoimento gravado nas infalíveis páginas da inspiração; ouso afirmar, que nem um grão de Arminianismo jamais acompanhou um santo para o céu. Se aqueles do povo de Deus, que estão em laços da iniquidade, não são explicitamente convertidos do Arminianismo, enquanto eles vivem e permanecem entre os homens; ainda assim eles deixam tudo para trás, no Jordão (ou seja, o rio da morte), quando eles passam. Eles podem ser comparados a Paulo, quando ele descia de Jerusalém para Damasco, e a graça de Deus o feriu, ele caiu como um defensor do livre-arbítrio, mas ele se levantou como um defensor da livre graça. Portanto, ainda que o bolor do orgulho farisaico (este é um bolor maldito que o Espírito de Deus retire-o de todas as nossas almas); apesar daquele bolor poder ter aderido a nós no presente; no entanto, quando viermos a estar diante do trono e diante do Cordeiro, tudo isso findará, e cantaremos, em um coro eterno e pleno, com anjos eleitos e os homens eleitos: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória”.

 

E por que não cantaríamos esse cântico agora? Por que não devemos procurar, sob a influência do Espírito, antecipar a linguagem dos céus, e ser tão celestiais quanto pudermos, antes de irmos para o céu? Por que devemos condenar essa canção sobre a terra, a qual nós esperamos cantar para sempre, diante do trono de Deus, acima? É, para mim, realmente surpreendente, que os Protestantes e a Igreja dos homens da Inglaterra, considerados meramente como criaturas racionais, e como pessoas de bom senso, que professam estar familiarizado com as Escrituras, e reconhecem o poder de Deus, tenham objecções quanto a cantar essa canção, “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade”.

 

Ainda mais assombroso e deplorável é que alguns, que até mesmo fazem profissão de religião espiritual, e falam sobre uma obra interior de Deus em seus corações, até agora percam de vista a humildade e a verdade a ponto de sonharem: ou que o seu próprio braço ajudou o Todo-Poderoso a salvá-los, ou pelo menos que o seu próprio braço seria capaz de tê-lO impedido de salvá-los. O que pode refletir mais profunda desonra a Deus, que tal ideia? E o que pode ter uma tendência mais direta para gerar e nutrir o orgulho do coração, o qual engana os homens?

 

Aprouve a Deus livrar-me da armadilha Arminiana, antes que eu tivesse dezoito anos. Antes desse período não houve (com a mais baixa auto-humilhação confesso isso) um defensor do livre-arbítrio mais arrogante e violento dentro do limite dos quatro mares. Um exemplo de meu zelo ardente e amargo, ocorre exatamente agora à minha memória. Por volta de 12 meses antes da bondade Divina conceder-me olhos para discernir, e um coração para abraçar a verdade, eu estava discursando um dia, em companhia, (pois julguei-me capaz de lidar com todos os predestinarianos do mundo), sobre a universalidade da graça, e os poderes do livre-arbítrio humano. Um bom velho cavalheiro (agora com Deus) se levantou da cadeira, e vindo a mim, me segurou por um dos meus botões do casaco, enquanto ele suavemente me dirigia estas palavras: “Meu caro senhor, há algumas marcas de espiritualidade em sua conversação; embora machadas com uma mistura infeliz de orgulho e autojustiça. Você tem falado, em grande parte, em favor do livre-arbítrio, mas, a partir de seus argumentos, vamos à experiência. Permita-me fazer uma pergunta. Como foi com você, quando o Senhor o resgatou na chamada eficaz? Você teve qualquer participação na obtenção daquela graça? Não; você não teria resistido e lutado contra isso, se o Espírito de Deus houvesse deixado você na mão de seu próprio conselho?”.

 

Senti a conclusividade dessas simples, porém convincentes interrogações, mais fortemente do que eu estava, então, disposto a reconhecer. Mas, bendito seja Deus, desde então eu fui capacitado a reconhecer a gratuidade e a onipotência de Sua graça, vezes inumeráveis; e a cantar (o que eu confio será minha canção eterna quando o tempo mais existir): “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória”.

 

Nós nunca conhecemos muito sobre o céu em nossas próprias almas, nem permanecemos tão alto sobre o monte da comunhão com Deus, como quando o Seu Espírito, soprando em nosso coração, faz que fiquemos quietos no escabelo da graça soberana, e inspire-nos com este clamor: “Ó Deus, seja meu consolo de salvação, mas seja Teu todo o louvor disso”.

 

Apliquemos brevemente a regra e compasso da Palavra de Deus, às várias partes das quais a salvação se compõe; e logo perceberemos que todo o edifício é feito de graça, e de graça somente. Você pergunta: em que sentido eu aqui considero a palavra ‘graça’? Quero dizer, por este importante termo, a voluntária, soberana e gratuita bondade de Deus; completamente incondicional e totalmente independentemente de toda e qualquer sombra de dignidade humana, seja antecedente, concomitante ou subsequente. Esta é, precisamente, a noção bíblica de graça, a saber, que ela (ou seja, a salvação em todos os seus ramos) “não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Romanos 9:16). E assim é, que a graça reina, para a vida eterna dos pecadores, através da justiça de Jesus Cristo, nosso Senhor (cf. Romanos 5:21).

 

1. Examinando esta solene verdade, comecemos onde o próprio Deus começou, ou seja, com a eleição. A quem estamos em débito, pela primeira de todas as bênçãos espirituais? O orgulho me diz: “A mim”. A justiça própria diz: “A mim”. A vontade não-convertida do homem diz: “A mim”. Mas a fé se une à Palavra de Deus, dizendo: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao Teu nome seja toda a glória, pelo Teu designado amor eletivo: Tu não nos escolheste na suposição de que nós primeiro escolhermos a Ti, mas, por meio da operação vitoriosa do Teu poderoso Espírito, nós escolhemos a Ti como nossa porção e nosso Deus, em consequência da Tua primeira e livre escolha para sermos o Teu povo”.

 

Ouça o testemunho daquele Apóstolo que recebeu os acabamentos de sua educação espiritual no terceiro céu: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça. Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é [ou seja, a eleição] pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra” (Romanos 11:5-6).

 

Esquadrinhemos esse raciocínio; e o encontraremos invencível. Há “um remanescente”, ou seja, alguns da humanidade caída, que serão eternamente salvos por Cristo. Este remanescente é “segundo a eleição”. A própria vontade e escolha de Deus são a regra determinada, pelo que o remanescente salvo é medido e numerada. Esta eleição é uma “eleição da graça”, ou um ato livre, soberano e imerecido da parte de Deus. O Apóstolo não quis deixar de fora a palavra graça, para que as pessoas não imaginassem que Deus os elegeu em consideração de algo que Ele viu neles acima dos outros.

 

“Bem, mas” (alguns podem dizer) “admitindo que a eleição seja pela graça, as nossas boas obras previstas não têm um pouco de participação na questão? Deus não teria alguma pequena recompensa em relação ao nosso bom futuro comportamento?”, “Não”, responde o Apóstolo, “de modo nenhum”. Se a eleição é por “graça”, ou seja, a partir de mera misericórdia e amor soberano; então não é mais por “obras”, direta ou indiretamente, no todo ou em parte; “de outra maneira, a graça já não é graça”. Se alguma coisa humana, mesmo que pequena, fosse misturada com a graça, como um motivo para que Deus mostre favor a Pedro (por exemplo) acima de Judas; a graça evaporaria completamente e seria aniquilada, a partir daquele momento. Pois, como Agostinho observa: A graça deixa de ser graça, a menos que ela seja total e absolutamente independente de qualquer coisa e de tudo, seja bom ou ruim, no objeto da mesma.

 

De modo que, como o Apóstolo acrescenta, se fosse possível a eleição ser “pelas obras”, então “já não é mais” um ato de “graça”, mas um pagamento, em vez de um dom: “de outra maneira a obra já não é obra”. Por um lado, a “obra” deixa de ser considerada como influente na eleição, se a eleição é a filha da “graça”; por outro lado, a “graça” não tem nenhuma relação na eleição, se as “obras” têm alguma participação nela. Graça e condicionalidade são dois opostos incompatíveis; um totalmente destrói o outro; e não mais podem subsistir juntos, do que duas partículas de matéria podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.

Qual, portanto, dessas canções contrárias, vocês cantam (pois toda a arte e esforço dos homens, unidos, nunca poderiam unir as duas canções em uma)? Vocês são a favor de queimar incenso a vocês mesmos, dizendo: “Nossa justiça, e o poder de nosso próprio braço, nos obtiveram essa riqueza espiritual”? Ou, com os anjos e santos na luz, vocês depositam as suas mais brilhantes honras no estrado do trono de Deus: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade” (Salmos 115:1).

 

Certamente, a eleição não é o ato do homem, mas de Deus: fundamentado, apenas, no soberano e gracioso deleite de Sua própria vontade. Ela “não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:9); mas unicamente dEle, Quem disse: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Romanos 9:15). Deus tem mérito sobre nós, não nós sobre Ele: e foi o Seu livre-arbítrio, não o nosso, que desenhou a linha intransponível entre os eleitos e predestinados.

 

2. A aliança do amor de Deus por nós em Cristo é um outro ribeiro, que flui a partir da fonte da graça sem mistura. E aqui, como no exemplo anterior, cada pessoa verdadeiramente despertada se isenta de qualquer título de louvor; lança isso para longe de si mesmo, com as duas mãos; e não apenas com as mãos, mas com o coração também; enquanto seus lábios reconhecem, “Não a nós, ó Tu, Divino e Coeterno Trino, não a nós, mas ao Teu nome dá glória!”.

 

Como é possível, que ou os propósitos de Deus, ou Sua aliança a nosso respeito, sejam, em qualquer aspecto, suspensos pela vontade ou pelas obras dos homens; considerando que tanto os Seus propósitos e Sua aliança foram estabelecidos, e fixados, e acordados, pelas Pessoas da Trindade, não só antes que os homens existissem, mas antes que os próprios anjos fossem criados, ou do próprio tempo ter iniciado? Tudo era vasta eternidade, quando a graça nos foi dada, federalmente, em Cristo, antes que o mundo existisse (veja 2 Timóteo 1:9). Portanto, bem pode o Apóstolo, no próprio texto onde ele faz a afirmação acima, observar, que a santa vocação, com o qual Deus efetivamente converte e santifica o Seu povo no tempo, foi derramada sobre nós “não segundo as nossas obras”, mas de acordo com o próprio livre propósito e destinação eterna de Deus.

 

O arrependimento e a fé, nova obediência e perseverança, não são condições de participação na aliança da graça (pois, então, seria um pacto de obras); antes são as consequências e evidências de participação no pacto, pois, “não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição [que é o padrão da misericórdia pactual], ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), Foi-lhe dito a ela: O maior servirá ao menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú” (Romanos 9:11-13).

 

Agora, se você considera essa passagem como referindo-se à posteridade de Jacó e Esaú, ou a Jacó e Esaú, eles mesmos, ou (que é, evidentemente, o significado do Apóstolo) como referindo-se a ambos; o argumento ainda virá para o mesmo ponto, por fim; ou seja, que os conselhos e determinações Divinos, em qualquer perspectiva que você os considere, são absolutamente independentes das obras, porque os decretos imanentes de Deus e transações da aliança ocorreram antes que os objetos houvessem feito bem ou mal. Naturalmente, todo o bem que é feito nos homens, vem de Deus, como o gracioso efeito, e não como a causa de Seu favor; e todo o mal, que Deus permite (tais são a Sua sabedoria e poder) é subserviente a promover, em vez de interferir para impedir, a realização de Sua santíssima vontade. Menciono a permissão Divina do mal, apenas incidentalmente neste lugar: pois, propriamente, isso pertence a um outro argumento. Meu presente empreendimento é mostrar que o bem, e as graças que Deus opera (não permissivamente, mas eficazmente) nos corações de Seu povo da aliança, são o fruto, não a raiz, do amor que Ele tem por eles.

 

3. A quem estamos em débito pela expiação de Cristo, e pela redenção, por Seu sangue, mesmo pela remissão dos pecados? Aqui, semelhantemente, “Não a nós, Senhor, não a nós!”. Foi Deus quem disse: “já achei resgate” (Jó 33:24). Foi Deus Quem satisfez a Sua própria justiça com um Cordeiro para o holocausto. Foi Deus quem aceitou a Expiação da mão do nosso Fiador, em vez da nossa. Foi Deus Quem concedeu livremente as bênçãos desta redenção completamente consumada, para o consolo e resgate eternos de todos aqueles que são capacitados a confiarem e gloriarem-se na cruz de Cristo. Contra tais pessoas a justiça Divina não tem nada a alegar, e sobre eles, não há penalidade a infligir. A espada da vingança, já tendo atingido a natureza humana sem pecado dAquele semelhante a Jeová, torna-se, para os que creem, um curtana¹, uma espada de misericórdia, uma espada sem corte. Graças à misericórdia reconciliadora de Deus, o Pai, e da graça sangrante de nosso Senhor Jesus Cristo! O livre-arbítrio humano e mérito não tiveram nenhuma relação com o assunto, do início ao fim.

 

4. Como o perdão nos isenta da punição, assim a justificação (ou seja, a aceitação de Deus em relação a nós como perfeitos cumpridores de toda a Lei) nos credencia para o reino dos céus. O primeiro é papesiV de Deus, ou o passar por nossas transgressões, de modo a não tomar conhecimento deles; e aqeatV de Deus, ou deixar-nos seguir, finalmente, impunes. Mas a justificação (que é o concomitante inseparável do perdão) não é meramente negativa, mas carrega em si mais de positividade, e nos exalta a um estado mais elevado de felicidade, do que o mero perdão (se fosse possível ser conferido sem justificação) faria. É okatoatV de Deus, ou declarar-nos positiva e realmente justos, não apenas inocentes, mas também justos. São Bernardo, em algum lugar, preserva essa distinção óbvia e justa. Suas palavras, lembro-me, são que Deus é: “Não menos poderoso para justificar, do que rico em misericórdia para perdoar”.

 

Agora, a grande pergunta é: a Deus é dado todo o louvor por este dom inefável? Devemos, como pessoas justificadas, cantar o louvor e glória a nós mesmos; ou o louvor e glória a Deus?

 

A Bíblia determinará essa questão, em um momento; e nos mostrará que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, são os únicos autores, e, consequentemente, devem receber toda a glória por nossa justificação: “É Deus [o Pai] quem os justifica” (Romanos 8:33); ou seja, quem nos aceita para a vida eterna; e isso “gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”, e “Deus imputa a justiça [de Cristo] sem as obras” (Romanos 3:24;4:6), ou seja, sem ser movido a isso por qualquer consideração de boas obras, e sem ser impedido a partir de por qualquer consideração de más obras, feitas pela pessoa ou pessoas a quem a justiça de Cristo é imputada, e que são declarados justos apenas em consequência daquela justiça imputada.

 

A justificação é também o ato de Deus o Filho, em concordância com o Pai. São Paulo declara expressamente, que ele buscava ser justificado em Cristo (veja Gálatas 2:17). A segunda Pessoa na Divindade vincula, como tal, a aceitação de Seu povo através daquele mérito transferido, o qual, como Homem, Ele operou para este fim. Agora, deixe-me perguntar-lhe, se você ajudou Cristo a pagar o preço de sua redenção, e na realização de uma sequência de perfeita obediência para a sua justificação? Se você o fez, você tem direito a uma parte proporcional de louvor. Mas, se Cristo tanto obedeceu, e morreu, e ressuscitou, sem a sua ajuda, segue invencivelmente que não há nenhum tipo de reivindicação da menor partícula daquele louvor, que resulta dos benefícios adquiridos e garantidos por Sua obediência, morte e ressurreição. Os próprios benefícios são todos seus próprios, se Ele te concede fé para abraçá-los; mas a honra, a glória e as ações de graça você não pode atribuir a si mesmo, sem extrema impiedade e sacrilégio.

 

Deus o Espírito Santo une-Se na justificação dos remidos do Senhor. Nós somos, declarativa e evidentemente, justificados “pelo Espírito do nosso Deus” (1 Coríntios 6:11). Cujo condescendente e cativante ofício é revelar um Salvador ferido ao coração quebrantado e um Salvador de um pecador auto-esvaziado, e derramar o amor justificador de Deus na alma humana (cf. Romanos 5:5). Aqui o adorável Espírito nem precisa, nem recebe, qualquer ajuda dos pecadores que Ele visita. Sua graciosa influência é soberana, livre e independente. Não podemos mais ordenar, ou proibir o Seu agir, do que podemos ordenar, ou proibir, o brilho do sol.

 

A conclusão, a partir do todo, é: que não a nossa bondade, mas a misericórdia de Deus; não a nossa obediência, mas a justiça de Cristo; não a nossa suscetibilidade, mas a beneficência do Espírito Santo; devem ser agradecidos por toda a nossa justificação.

 

E, não é lição fácil dizer, do fundo do coração: “Não a nós, Senhor, não a nós!”. A auto-justiça, se apega a nós, tão natural e apegado a nós como a nossa pele, nem pode qualquer poder, senão aquele de uma mão Todo-Poderosa, esfolar-nos dele. Lembro-me de um exemplo, de um clérigo, agora vívido e eminente, acima de muitos, pelos seus trabalhos e utilidade. Esta digna pessoa assegurou-me, há um ano ou dois, que ele uma vez visitou um criminoso, que estava sob sentença de morte, por uma ofensa capital (acho que por assassinato). Meu amigo se esforçou para apresentar-lhe o mal que fizera; e convencê-lo de que ele estava perdido e arruinado, a menos que Cristo o salvasse por Seu sangue, justiça e graça. “Eu não estou muito preocupado com isso”, respondeu o malfeitor hipócrita, “eu, certamente, não tenho levado uma vida tão boa como alguns têm; mas, tenho certeza, que muitos foram para Tyburn2, os quais eram homens muito piores do que eu”. Então você vê, um assassino pode ir para a forca, confiando na sua justiça própria! E você e eu iríamos para o inferno, confiando em nossa justiça própria, se Cristo não tivesse nos interrompido no caminho.

 

Ouso crer, que o criminoso acima mencionado, se o assunto fosse iniciado, também teria valorizado a si mesmo quanto ao seu livre-arbítrio. E livre-arbítrio, é verdade, ele tinha; e ele foi deixado em poder dele, e arruinou-se em consequência. O livre-arbítrio tem levado muitos homens a Tyburn, e (deve ser temido) de Tyburn para o inferno, mas ainda não levou uma única alma à santidade e ao céu. “Para a tua perda, ó Israel, te rebelaste contra mim”, o livre-arbítrio pode fazer isso por nós; mas Deus é o seu “ajudador” (Oséias 13:9). Sua livre graça deve ser o nosso refúgio e nosso abrigo de nosso próprio livre-arbítrio, ou seria bom que a melhor pessoa que há dentre nós nunca tivesse nascido.

 

Em uma palavra, toda a glória por nosso perdão e justificação pertence à Trindade, e não ao homem. Ésta é uma das joias da coroa de Deus, inalienável de Si mesmo; a qual Ele nunca renunciará, nem compartilhar com quaisquer outros seres. É impossível, na própria natureza das coisas, que Ele jamais o faça, assim como pode qualquer um da humanidade depravada ser justificado pelas obras, e sendo assim justificado, não possa participar de nenhuma parte do louvor? Como, eu digo, pode qualquer um de nós ser justificado por nossas próprias ações, vendo que somos totalmente incapazes até mesmo de pensar um bom pensamento até que o próprio Deus sopre-o em nossos corações (2 Coríntios 3:5)?

 

Permita-me observar mais uma coisa, sob este artigo, a saber, que, se o Espírito de Deus tem despido você de sua justiça própria, Ele não o despiu a fim de deixá-lo nu, mas vai vesti-lo com “vestes finas” (Zacarias 3:4). Ele lhe dará uma veste, pelos seus trapos; a justiça de Deus, pela podre justiça do homem. Estragada, de fato, a encontraremos, se nós a tornarmos um pilar de confiança. Direi sobre isso, como Dr. Young diz sobre o mundo: “Não se apoie sobre ela”; não se apoie em tua justiça própria, pois caso se debruce, “ela perfurará o teu coração; na melhor das hipóteses, ela é uma cana quebrada; mas, frequentemente, uma lança que em sua ponta mais afiada, a paz sangra e a esperança expira”.

 

A autossuficiência é o próprio vínculo da incredulidade. Isso é infidelidade essencial, e um dos seus ramos mais mortais. Você é um infiel, caso você confie na sua justiça própria. Você é Cristão? Você é um homem da Igreja? Não; você não tem, aos olhos de Deus, nem parte nem sorte neste assunto. Você está morto espiritualmente, enquanto você finge viver. Até que você seja dotado de fé na justiça de Cristo, seu corpo (como um grande homem expressa) não é melhor que “o caixão vivo de uma alma morta”. O Cristão é um crente (e não em si mesmo, mas) em Cristo. E qual é a língua de um crente? “Senhor, eu, em mim, sou um pecador pobre, arruinado, perdido. Pela mão de Teu bom Espírito sobre mim, eu me lanço aos pés da Tua cruz; e olho para Teu sangue, para que me lave; por justiça, para que me justifique; por graça, para que me faça santo; por consolo, para fazer-me feliz; e por força para manter-me em Teus caminhos”.

 

5. Pela santidade, o princípio interior das boas obras; e pelas boas obras, elas próprias, as evidências exteriores de santidade interior; somos compelidos à graça, somente, e poder do Deus Altíssimo. Nós não fazemos dEle um devedor para nós, por amar e realizar os Seus mandamentos; mas nós nos tornamos, adicionalmente, devedores a Ele, ao coroarmos Seus outros dons da graça, pela concessão de operar em nós o que “perante ele é agradável por Cristo Jesus” (Hebreus 13:21).

 

Não digam: “Nesta perspectiva, a santificação é expulsa da questão, e as boas obras são colocadas à deriva”. Nada pode ser mais palpável e flagrantemente falso. A renovação de coração e de vida são tão essenciais, e constituem uma tão vasta parte do esquema evangélico da salvação, que se fosse possível que a santidade e os seus frutos morais fossem realmente desconsiderados, a corrente seria, de uma só vez, dissolvida e toda a tessitura se tornaria uma casa de areia. Os Arminianos, têm, nos últimos tempos, feito um enorme clamor sobre: “Antinomianos! Antinomianos!”. A partir da vasta experiência, a boca é capaz de falar. Os modernos Arminianos veem tanto real Antinomianismo entre eles mesmos, e em suas próprias tendas, que o Antinomianismo torna-se a ideia predominante do partido, e a palavra de vigilância favorita. Porque eles têm a praga, eles acham que cada corpo também a tem. Como a lepra está em suas paredes, eles imaginam que nenhuma casa está sem ela. Assim: “Tudo parece contaminado, àquele de olhar corrompido; como tudo parece amarelo, ao olho invejoso”.

 

[…]

 

No que diz respeito à santificação e obediência, verdadeiramente assim chamadas; estas somente podem fluir, e não podem deixar de fluir, a partir de um novo coração. Este novo coração é da própria autoria de Deus, e dom do próprio Deus: “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne [um suave coração crente, penitente]. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis” (Ezequiel 36:26-27).

 

Agora, Deus cumpre esta promessa, segundo a operação de Seu bendito Espírito, pelo fogo místico, cuja ação derreteu nossos corações em fé penitencial; Ele, então, aplica-lhes o selo de Sua própria santidade; a partir deste momento, começamos a ter a imagem e a inscrição de Deus sobre nosso temperamento, palavras e ações.

 

Esta é a nossa doutrina “licenciosa”, ou seja, uma doutrina que (sob a influência do Espírito Santo) conforma a alma, cada vez mais, a Deus, cuidadosamente referindo, ao mesmo tempo, todo o louvor desta conformidade ativa e passiva, ao próprio Deus, a Quem o dom pertence; cantando com os santos do passado: “Senhor… tu és o que fizeste em nós todas as nossas obras” (Isaías 26:12); e quanto a todas as obras assim operadas, pela vontade de agradar-Te, pelo esforço de agradar-Te, pela capacidade de agradar-Te, e por cada ato pelo que nós Te agradamos: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade” (Salmos 115:1).

 

E, de fato, se não fosse essa a verdade do caso, ou seja, se a conversão e a santificação e boas obras não fossem dons de Deus e de Sua operação; os homens teriam, não somente um pouco, mas muito, mesmo, muitíssimo, que vangloriarem-se de ser seus próprios conversores, santificadores e salvadores. Diretamente contrário à letra clara da Escritura, que questiona: “Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Coríntios 4:7), a saber, do alto. Isso não é menos contrário à diretriz das Escrituras; “Aquele que se gloria glorie-se no Senhor” (1 Coríntios 1:31).

 

6. Uma vez mais. A quem devemos agradecer pela perseverança em santidade e boas obras até o fim? “Oh!”, talvez diga um velho Fariseu: “os agradecimentos são devidos à minha própria vigilância, minha fidelidade, ao meu próprio esforço, e aos meus próprios aperfeiçoamentos”. Sua suposta vigilância atende a um propósito muito ruim, se você fizer disso um mérito. O inimigo das almas não se importa com a conversões de palha, se você perecer por libertinagem aberta, ou por uma confiança enganosa em sua imaginária justiça própria. Se você irá para o inferno com um casaco preto ou um branco, é tudo o mesmo para ele. Não, por mais branco que você possa tecer será encontrado preto, e um mero “são Bento” a equipá-lo para as chamas, se Deus não vestir-lhe na justiça imputada de Seu bendito Filho.

 

Mas, para o presente, deixando os Fariseus e legalistas às mãos dAquele que por si só é capaz, e tem o direito, de salvar ou destruir; permita-me falar com o verdadeiro crente em Cristo. Você foi chamado, pode ser, há dez ou vinte anos atrás, ou mais, para o conhecimento de Deus; e você ainda é encontrado, morando sob o gotejar do santuário e andando nEle, o seu Senhor; às vezes fraco, mas sempre desejando avançar; perseguido, mas não desamparado; abatido, mas não destruído. Como isso ocorre? Como se dá que muitos professores ardentes que resplandeciam exteriormente, por um tempo, como luminares de primeira grandeza, apagaram-se, extinguiram-se, desapareceram; enquanto o pavio que fumega e a débil faísca da graça, continua a sobreviver e, por vezes, concede luz e calor? Enquanto mais que uns poucos, talvez, que uma vez pareciam estar enraizados como rochas, e estáveis como pilares na casa de Deus, se fizeram como a água que corre em ritmo acelerado. Por que você está de pé, embora em si mesmo, seja tão ou mais fraco do que eles? Um filho de Deus pode rapidamente responder a esta pergunta. E ele responderá assim: “Mas, alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço…” (Atos 26:22). Não por minha própria força e poder, mas pelo Espírito do Senhor dos Exércitos (veja Zacarias 4:6).

 

E Aquele que o manteve até hoje, o sustentará todos os dias. O Seu Espírito que Ele dá gratuitamente ao Seu povo é uma fonte de água que jorra, não por um ano, e não por toda a vida, somente; mas para “a vida eterna” (João 4:14). A fidelidade de Deus a você é a fonte de sua fidelidade a Ele. Cristo ora por você, e por isso Ele o mantém vigiando em oração. Ele preserva você de cair; ou, quando caído, Ele restaura a sua alma, e te conduz adiante novamente no caminho da justiça, por amor do Seu nome. Ele decretou, e pactuou, e prometeu, e jurou, dar-lhe a coroa da vida; e, para isso, Ele, não menos solenemente, engajou-se e irrevogavelmente vinculou a Si mesmo, para tornar você fiel até a morte.

 

“Bem, então”, diz um Arminiano, “se estas coisas são assim, estou seguro em todos as ocasiões. Eu posso dobrar meus braços, e ainda me deitar para dormir. Ou, se eu escolher levantar-me e ser ativo, eu posso viver como eu desejar”. Satanás foi o iniciador deste raciocínio: e ele o ofereceu, como dinheiro corrente e verdadeiro ao Messias, mas Cristo rejeitou-o como dinheiro falso. “Se Tu és o Filho de Deus”, disse o inimigo: “Se tu és de fato o Messias a Quem Deus sustenta, e Seus eleitos, em Quem a Sua alma se deleita, lança-Te daqui a baixo; é impossível que Tu pereças, faça o que Tu quiseres, nenhuma queda pode prejudicar-te; e teu Pai, absolutamente prometeu que os Seus anjos te guardariam em todos os Teus caminhos; lança-te, portanto, corajosamente, do pináculo, e não tema mal algum”.

 

A argumentação do Diabo foi igualmente insolente e absurda, em todos os pontos de vista. Ele argumentou, não como uma serpente em sua astúcia, mas como uma serpente cuja cabeça estava machucada (veja Gênesis 3:15), e que não tinha mais de compreensão do que modéstia. Cristo silenciou esta pilha de palha, com uma única frase: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mateus 4:7). Assim disse o Messias. E assim, nós dizemos. E essa é a resposta suficiente a este sofisma, cuja palpável irracionalidade cortaria a sua própria garganta, sem a ajuda de qualquer resposta.

 

Os filhos de Deus ficariam muito feliz, se eles pudessem “viver como eles quisessem”, pois a vontade, o desejo, o anelo, de uma alma renovada (ou seja, do novo homem, ou a parte regenerada do crente, pois o velho Adão nunca foi um santo, nem nunca será) é, digo eu, a vontade e o desejo de uma alma renovada, agradar a Deus em todas as coisas, e nunca ao pecado, em qualquer ocasião ou em qualquer grau. Este é o estado a que nossos suspiros aspiram; e em que (se a imperfeição da natureza humana admitisse tal felicidade abaixo) nós “desejamos” andar. Pois, cada pessoa verdadeiramente regenerada pode sinceramente juntar-se ao apóstolo Paulo, ao dizer: “Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus” (Romanos 7:25), e gostaria de melhor obedecê-la.

 

A preservação de Deus é a perseverança do bom homem. “Os pés dos seus santos [Deus] guardará” (1 Samuel 2:9). O Arminianismo representa o Espírito de Deus como se Ele agisse como guarda de uma carruagem, que vê os passageiros em segurança, fora da cidade por alguns quilômetros; e, em seguida retorna e volta atrás, e deixa-os prosseguir o resto de suas próprias viagens. Mas a graça Divina não lidará assim com os peregrinos de Deus. Ela os acompanha até o fim de sua jornada, e eternamente. Assim que o peregrino mais mediano de Sião pode clamar com Davi, em plena certeza de fé: “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias” (Salmos 23:6). Portanto, pela graça preservadora, pela preservação da graça: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade” (Salmos 115:1).

 

7. Depois que Deus conduziu o Seu povo através do deserto da vida, e os trouxe para a beira daquele rio que fica entre eles e Canaã celestial, Ele suspende o Seu cuidado deles nesta questão de mais profunda necessidade? Não, bendito seja o Seu Nome. Pelo contrário, Ele (sempre, com segurança, e de forma geral, confortavelmente) os acompanha até o outro lado; para a boa terra que está muito longe, para aquela boa montanha, e o Líbano!

 

Eu sei, há alguns Arminianos fervorosos que nos dizem que “um homem pode perseverar até que ele venha a morrer, e ainda quase perecer no próprio momento da morte”; e eles ilustram essa miserável desonra a Deus e doutrina que abala a alma, pelo símile do “atolar de um navio na entrada do porto”.

 

É bem verdade, que algumas embarcações de madeira têm perecido assim. Mas não é menos verdade, que vasos escolhidos de Deus são infalivelmente salvos de perecerem assim. Pois, através da Sua bondade, cada um deles é sustentado por Aquele que os ventos e mares, tanto literais e metafóricos, obedecem. E a segurança deles é esta: “Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão” (Isaías 43:2).

 

“E os resgatados do Senhor voltarão; e virão a Sião com júbilo, e alegria eterna haverá sobre as suas cabeças” (Isaías 35:10); ora, os regatados do Senhor estão longe de afundarem na lama diante da vista da terra firme.

 

Mesmo um pai terreno é particularmente cuidadoso e terno por uma criança moribunda, e, certamente, quando os filhos de Deus estão nessa situação, Ele (falando à maneira dos homens) tem duplamente misericórdia de Sua prole indefesa, os quais são Seus por eleição, por adoção, por pacto, pela redenção, pela regeneração, e por milhares de outros laços indissolúveis.

 

Não há marcas de naufrágios, nenhuns restos de embarcações perdidas, flutuando sobre aquele mar, que flui entre a Jerusalém de Deus abaixo e a Jerusalém que é de cima. O excelente Dr. William Gouge fez uma observação completa sobre a presente questão:

 

Se um homem fosse lançado em um rio, devemos considera-lo como seguro, enquanto ele for capaz de manter a cabeça acima da água. A Igreja, corpo místico de Cristo, é lançado no mar do mundo [e, posteriormente, no mar da morte]; e Cristo, seu Cabeça, mantém-Se no alto, mesmo no céu. Existe, então, qualquer temor, ou a possibilidade, que se afogue um membro deste corpo? Se alguém deve ser afogado, então ou o próprio Cristo deve ser afogado em primeiro lugar, ou então esse membro deve ser retirado de Cristo: ambos são impossíveis. Em virtude, portanto, desta união, vemos que sobre a segurança de Cristo, depende a nossa. Se Ele está seguro, assim nós estamos. Se nós perecemos, então Ele deve perecer.

 

Bem, portanto, os crentes moribundos podem cantar: “Não a nós, Senhor, mas ao Teu nome, dá glória! Teu amor misericordioso nos conduz, quando não conseguimos prosseguir, e, pelo amor de Tua verdade, Tu nos salva completamente sem que nem mesmo um se perca”.

 

8. Quando a alma resgatada for realmente trazida à glória, que música ela cantará, então? O conteúdo do texto ainda será a linguagem dos céus: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória”.

 

Enquanto estamos na terra, temos necessidade daquele cuidado notável, que Moisés deu aos filhos de Israel: Quando, pois, o Senhor teu Deus os lançar fora de diante de ti, não fales no teu coração, dizendo: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra para a possuir; porque pela impiedade destas nações é que o Senhor as lança fora de diante de ti. Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que entras a possuir a sua terra… Sabe, pois, que não é por causa da tua justiça que o Senhor teu Deus te dá esta boa terra para possuí-la, pois tu és povo obstinado” (Deuteronômio 9:4-6).

 

Agora, se a Canaã terrenal, que era apenas uma herança transitória, era inatingível por mérito humano; se até mesmo os bens materiais não nos são dados pelo nosso próprio bem a justiça; quem ousará dizer que o próprio céu é a compra de nossa justiça própria!? Se as nossas obras não podem merecer até mesmo as conveniências de escape e suprimentos temporais, como é possível, que sejamos capazes de merecer as riquezas infinitas da eternidade? Não precisaremos de nenhum alerta contra a justiça própria, quando chegarmos seguros àquele melhor país. A linguagem de nossos corações e das nossas vozes, será; e os anjos se unirão ao concerto; e todos os eleitos, os anjos e os homens, para sempre e sempre, tocarão em suas harpas essa nota: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade”.

 

Oh! que um senso desta amorosa misericórdia e verdade possam ser, de forma calorosa e transformadora, experimentadas por nossos corações! Porque, na verdade, meus queridos irmãos, é a experiência de sentir o poder de Deus sobre a alma que faz com que o Evangelho seja cheiro de vida para vida. Não obstante o propósito de Deus seja firme como o seu trono; apesar de que toda a justiça e redenção de Cristo estejam consumadas e completas, como um agente Divino e onipotente poderia fazê-lo; não obstante estou convencido de que Deus sempre será fiel, a cada alma a quem Ele chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz; e embora ninguém possa arrancar o povo de Cristo de Suas mãos; ainda assim, eu não sou menos satisfeito, que esse deve ser sentimento percebido sobre tudo isso, qual seja, uma percepção operada em nossos corações pelo Espírito Santo, que dará a você e a mim o conforto dos decretos graciosos do Pai, e da obra consumada do Messias.

 

Eu sei que está crescendo mui popularmente o falar contra sentimentos espirituais. Mas não me atrevo a participar deste clamor. Pelo contrário, adoto a oração do apóstolo, que o nosso amor a Deus, e as manifestações de Seu amor por nós, cresçam mais e mais “em ciência e em todo o sentimento” (Filipenses 1:9 – tradução literal). E, não é desejo entusiástico, em nome de vocês e de mim mesmo, que sejamos do número daqueles “homens piedosos”, que, como a nossa Igreja justamente expressa, “sentem em si mesmos as obras do Espírito de Cristo, mortificando as obras da carne, e inclinado as suas mentes para coisas elevadas e celestiais”. Na verdade, o grande empreendimento do Espírito de Deus é elevar e abaixar. Elevar as nossas afeições a Cristo, e abaixar as insondáveis ??riquezas da graça comunicando-as aos nossos corações. O conhecimento disso, e desejo sincero por isso, são todos os sentimentos pelos quais eu pleiteio. E, por estes sentimentos, desejo sempre pleitear. Satisfeito como eu sou, que, sem alguma experiência e deleites deles, não podemos ser felizes, vivendo ou morrendo.

 

Deixe-me perguntar-lhe, por assim dizer, um por um; o Espírito Santo começou a revelar essas coisas profundas de Deus à sua alma? Se assim for, dê a Ele a glória por isso. E, assim como você valoriza a comunhão com Ele; à medida que você valoriza o consolo do Espírito Santo; esforce-se para ser encontrado no caminho de Deus, até mesmo o alto caminho da fé humilde e do amor obediente, sentado aos pés de Cristo, e desejoso de absorver aquelas doces, arrebatadoras e santificadoras comunicações da graça, que são ao mesmo tempo um penhor, e uma preparação para o pleno céu completo, quando você vier a morrer. Deus me livre, que alguma vez pensemos levemente sobre os sentimentos religiosos! Pois, se, em algum grau, não nos sentimos pecadores, nem sentimos que Cristo é precioso; eu duvido que o Espírito de Deus tenha alguma vez operado salvificamente em nossas almas.

 

Não, longe de serem limitadas a isso, nossos desejos pelo sentimento interior da presença de Deus, deveria aumentar continuamente, quanto mais perto chegamos do fim de nossa peregrinação terrena, e à semelhança da expansão progressiva de um rio, o qual, embora estreito e apertado quando primeiro começa a fluir, nunca deixa de alargar-se e aumentar, na proporção em que se aproxima do oceano em que desagua.

 

Deus nos conceda uma graciosa e grande maré de Seu Espírito, a fim de reabastecer nossos canais sedentos, transbordar nosso fluxo escasso e acelerar o nosso curso lânguido! Se este não for o nosso grito, é um sinal, ou que a obra da graça ainda não foi iniciada em nós; ou que ela está, de fato, em maré baixa, e desbotada com aqueles sedimentos que tendem a desonrar a Deus, eclipsar a glória do Evangelho, e espalhar nuvens e escuridão em nossas almas.

 

Alguns Cristãos são como marcos deteriorados; que permanecem, é verdade, no caminho direito, e carregam alguns traços de impressão apropriada, mas tão miseravelmente mutilados e desfigurados, que eles quase não conseguem ler ou saber o que se fará com eles. Que o bendito Espírito de Deus faça com que todos os nossos corações, nesta manhã, se submetam a uma renovada impressão; e sacie-nos com uma nova edição de nossas evidências para o céu! Oh! que chuvas de bênçãos desçam sobre você, a partir do alto! Que você possa ver, que Cristo, e a graça de Deus nEle, é tudo em todos! Enquanto você está na terra, você pode nunca atribuir toda a glória a Ele! E, tenho certeza, que quando você for para o céu, você nunca a atribuirá a qualquer outro.

 

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[1] Curtana: uma espada sem corte colocada diante de um soberano Inglês, em uma coroação, como um emblema de misericórdia – Fonte: Thefreedictionary.com – N. da T.

[2] Tyburn era um vilarejo no condado de Middlesex, próximo à localização do Marble Arch da atual Londres. Seu nome vem de um tributário do rio Tâmisa, que hoje é completamente coberto desde sua nascente até seu desembocar no Tâmisa. Durante muitos séculos, seu nome foi sinônimo de pena capital, tendo sido o principal local de execução dos criminosos de Londres, além de traidores e mártires religiosos. Sua notoriedade ficou ainda maior depois da construção em 1571 de um grande cadafalso, conhecido como “A árvore de Tyburn”.