O que é Economia Austríaca?, por C. Jay Engel

Embora o termo “Economia Austríaca” tenha se tornado notavelmente mais conhecido desde a virada do milênio, a maioria das pessoas ainda fica perplexa quando o ouve. A que ele se exatamente? A primeira coisa a esclarecer é que a economia austríaca não tem relação com a política econômica da Áustria, como país. Como um economista na “tradição austríaca” observou, a política econômica de Viena pode ser interessante, mas não é a isso que estamos nos referindo.

A Escola Austríaca de Economia refere-se a uma certa “escola de pensamento” relativa à teoria econômica que tem as suas raízes nos teóricos de economia que saíram da Áustria no final do século XI e início do XX. Daí o nome. Existem muitas escolas de pensamento econômico: há economistas clássicos, economistas neoclássicos, marxistas, keynesianos, os economistas da Escola de Chicago (muitos dos quais se transformaram nos modernos monetaristas) e várias outras subcategorias e ramificações. Há também alguma sobreposição. O ponto é que a economia austríaca é uma escola específica de pensamento que oferece uma visão alternativa em comparação com muitas outras abordagens.

O primeiro pensador econômico na “tradição austríaca” foi Carl Menger. Ele foi uma figura importante no que hoje é chamado de “Revolução Marginalista” [Marginalist Revolution]. Isto refere-se à ideia inovadora que o valor — valor econômico — não é intrínseco ao próprio bem econômico, mas sim, é um julgamento subjetivo de cada indivíduo na sociedade. O indivíduo valoriza algo na medida em que é bom e satisfaz os seus objetivos. Se alguém está com muita fome, um sanduíche tem mais valor do que o dinheiro pago (digamos, 5 reais) pelo sanduíche. Mas o sanduíche nem sempre é mais valioso para a pessoa do que os 5 reais. Às vezes, o indivíduo pode estar sem fome; e assim, quando tiver a oportunidade de negociar seus 5 reais pelo sanduíche, ele considerará ter mais valor não gastar os seus 5 reais. O valor, portanto, depende do julgamento de cada pessoa, conforme o seu contexto e momento específico no tempo. Esta ideia de “subjetivismo” no valor é a base das relações econômicas.

A segunda geração de economistas austríacos incluía os estudantes de Menger Eugen von Böhm-Bawerk, que contribuiu muito para uma “visão austríaca” da estrutura de capital de uma economia, e Friedrich von Wieser. Curiosamente, estes dois discípulos de Menger eram genros e demarcaram uma importante divisão na tradição austríaca, devido a uma importante diferença em relação à teoria dos preços. Esta divisão levou às diferenças entre a terceira geração austríaca (como entre Ludwig von Mises [seguindo a tradição de Böhm-Bawerk] e F.A. Hayek [seguindo a tradição de Wieser]) e continua na moderna Escola Austríaca (como as distinções na abordagem do Instituto Mises no Alabama [que prefere Mises e Rothbard em vez de Hayek, em geral] e na Universidade George Mason [que geralmente prefere Hayek em vez de Mises/Rothbard]). A quarta geração austríaca incluí o mais importante expositor de Mises e discípulo de Murray Rothbard, que continuou a tradição que seguia o pensamento de Mises e até mesmo a fortaleceu com esclarecimentos, como no que diz respeito à teoria do monopólio.

Talvez o economista austríaco mais importante na história da escola de pensamento é Ludwig von Mises — quem de uma só vez desenvolveu o pensamento austríaco através de suas décadas obscuras, durante a época do fascismo, do comunismo e planejamento central dos anos da Segunda Guerra Mundial. Sendo um judeu, Mises escapou por pouco do cerco alemão à Áustria e migrou para os Estados Unidos, onde continuou a escrever e ensinar até sua morte em 1970. Duas contribuições muito importantes de Mises à economia incluem a “Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos” (TACE) [Austrian Business Cycle Theory (ABCT)], bem como as suas percepções sobre a impossibilidade do cálculo econômico sob uma ordem socialista.

A economia austríaca é estabelecida para além de outras escolas, principalmente na sua abordagem da ciência econômica, o que evidentemente tem implicações no alcance das conclusões do efeito de vários “programas” econômicos e esforços realizados pelos governos que tentam melhorar as condições econômicas em todo o mundo. É importante observar que a escola austríaca não é um conjunto de ideias sobre o melhor curso de ação a ser tomado pelos governos, como se a economia fosse apenas sobre propostas políticas. Em vez disso, a escola austríaca analisa a economia através da lente do ator humano individual, que é um tomador de decisão e buscador de lucro em cada uma de suas ações no mundo real. É por meio desta lente — e não de modelos matemáticos e suposições sobre “níveis de equilíbrio” — que a economia austríaca é tão única e tão atraente. Pode parecer óbvio que para iniciar um estudo da economia é preciso considerar as ações e tomadas de decisões individuais dos seres humanos ao invés de começar com “dados empíricos”, mas, infelizmente, este é o aspecto da economia austríaca que é mais criticado.

A economia austríaca centraliza a sua aproximação à ciência econômica por meio de “praxeologia” [praxeology], que foi o termo empregado por Mises para descrever “o estudo da ação humana”. As leis econômicas derivam-se de modo dedutivo do simples fato de que os seres humanos se envolvem em ação proposital e visando empregar os meios para atingir a finalidade que desejam. Disso decorrem as ideias econômicas incluindo a utilidade marginal, a divisão do trabalho, as trocas econômicas mutuamente benéficas e a inclusão de coisas como dinheiro e taxas de juros em uma economia.

A economia austríaca não é sobre o que é certo e errado para o governo fazer; não é uma teoria política. Ela não diz que alguma ação por parte do governo é moralmente errada, nem sugere que o papel do governo é fazer X em vez de Y. Ela não é normativa (não busca desenvolver prescrições políticas). Em vez disso, a economia austríaca é de natureza descritiva, explicando o que aconteceria se os governos fizessem X e o que aconteceria se o governo fizesse Y. Se o governo deve ou não fazer X ou Y depende de um campo totalmente diferente da ciência social (como a teoria política). Por exemplo, os economistas austríacos podem apontar que (outros fatores sendo iguais) um teto de preços do governo abaixo do nível real de mercado (ou seja, uma lei que estabelece um limite de quanto uma empresa pode cobrar por um bem) resultaria em uma escassez desse bem. Mas o economista austríaco não dirá: “portanto, é errado que os governos estabeleçam preços máximos”. Isso seria o papel do teórico político.

A economia austríaca é especialmente relevante no nosso contexto atual de volatilidade do mercado devido ao pioneirismo da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), tal como formulada por Mises e posteriormente desenvolvida por seu aluno F.A. Hayek. O TACE ensina basicamente que é a expansão da oferta de crédito na economia pelos bancos, encorajados e fomentadas pela criação de um Banco Central que forma um cartel do setor bancário, que é a raiz de nossos problemas econômicos. Esta moderna oferta de novo crédito, literalmente criado a partir do nada, artificialmente baixa a taxa de juros. As taxas de juros são uma parte muito importante e saudável de qualquer economia produtiva, uma vez que consiste basicamente no preço do crédito; um preço que é definido pela preferência temporal tanto dos poupadores/credores quanto dos mutuários. Quando a taxa de juros reflete a preferência temporal dos mutuários e poupadores, tudo está bem. Mas, quando a taxa de juros é empurrada abaixo da sua taxa natural/taxa de mercado, os mutuários repentinamente são mais atraídos por esse dinheiro barato. Eles irão, assim, tomar emprestado e se envolver em projetos de longo prazo que de outra forma não seriam capazes de suportar a uma taxa mais elevada de juros. No entanto, os poupadores na economia não estão prontos para assumir este aumento do endividamento e, assim, o súbito aumento do endividamento de negócios para o bem de investimento não pode se sustentar. Não há poupança suficiente na economia para poder comprar os produtos que são criados pelo aumento súbito da atividade de produção.

Os negociantes acabarão por descobrir que eles ou não conseguirão completar os seus projetos, ou, se o fizerem, não haverá número suficiente de pessoas que realmente possam comprar os projetos concluídos. Daí porque, na crise imobiliária de 2008 [nos EUA], por exemplo, havia muitos empreendimentos imobiliários não concluídos, mas também projetos concluídos que ninguém poderia realmente adquirir (as cidades fantasmas da China vêm à mente). Estes investimentos se revelaram como tendo sido uma má alocação de recursos escassos e os investimentos acabam por ser inúteis. Um fracasso acontece enquanto o mau débito é liquidado e a economia visa reajustar-se aos seus níveis pré-crescimento.

A metodologia da escola austríaca de se concentrar nas implicações de seres humanos que agem intencionalmente para atingir seus objetivos é o fundamento de todas as suas outras contribuições. O argumento do cálculo socialista e a TACE são construídos e dependem da metodologia. É através da metodologia que várias leis econômicas são formuladas. As leis econômicas para os economistas austríacos não são descobertas pela coleta de dados e observação empíricos. Isso ocorre porque as leis econômicas serão construídas sobre a teoria econômica. Qualquer teste empírico que é feito não contribui para a teoria, mas sim, para a história. Esta divisão entre teoria e história foi a base do livro de Mises com o mesmo nome: Theory and History: An Interpretation of Social and Economic Evolution [Teoria e História: Uma Interpretação da Evolução Social e Econômica].

Em nosso tempo, nós, em geral, deixamos de apreciar a importância da teoria; das ideias que precederam e nos ajudam a interpretar o mundo ao nosso redor. É uma correção desta tendência que os economistas austríacos trazem à tona, com uma teoria puramente racional e abordagem para o desenvolvimento de leis econômicas.

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