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Quem são os Batistas?

(Este texto consiste no capítulo 2 do livro Teologia Bíblica Batista Reformada, da autoria do pastor Fernando Angelim)

 

Para adentramos no tema mais específico da teologia bíblica batista reformada devemos responder algumas perguntas importantes, dentre elas: quem são os batistas? Como surgiu esse grupo? Quais são suas raízes teológicas? O que podemos aprender com sua história? Qual era a teologia bíblica que defendiam?

Depois de obtermos essas respostas, teremos condições de examinar sua teologia à luz das Escrituras, como os bereanos em Atos 17:11, para verificarmos sua veracidade, uma vez que nosso objetivo não deve ser o de defender correntes teológicas como torcedores de times de futebol, mas conhecermos, de fato, a verdade bíblica.

 1. A ORIGEM DOS BATISTAS[1]

A denominação batista tem suas origens na Reforma, especialmente nos separatistas da Inglaterra. O livro The Baptist Story afirma:

[…] a melhor explicação para o desenvolvimento das convicções e ideias batistas se encontra no movimento dos separatistas ingleses, que saíram do movimento puritano do final do século XVI […] Como o historiador batista inglês Barrie R. White afirmou, visto que a explicação para o surgimento das convicções batistas é nítida no contexto do movimento puritano-separatista inglês, o ônus da prova recai sobre aqueles que defendem que o anabatismo continental teve um papel decisivo no surgimento dos batistas. Os batistas são filhos dos puritanos, um movimento com raízes que remontam à Reforma Europeia no século XVI.[2]

Portanto, para compreendermos a origem dos batistas, precisamos conhecer um pouco sobre seu contexto mais amplo, a saber, a Reforma Inglesa.

 1.1. A Reforma na Inglaterra

Embora homens piedosos, como William Tyndale, possam ter preparado algum terreno para a Reforma Inglesa,[3] a ruptura com a Igreja Católica Romana ocorreu principalmente por meio de uma reconfiguração política introduzida pelo rei Henrique VIII (1509-1547) e confirmada por sua filha Elizabete I (1558-1603). G.R. Elton em seu clássico capítulo sobre a Reforma Inglesa, em The New Cambridge Modern History, afirma:

A Inglaterra, como é notório, consumou sua Reforma com uma diferença. Enquanto em outros lugares uma revolta religiosa conduziu, em seu despertar, a uma reconstrução política e constitucional, a marcha da Inglaterra para longe de Roma foi dirigida pelo governo por razões que pouco tinham a ver com religião ou fé. Mas há fatores — circunstâncias, sentimentos e paixões, bem como indiferenças — que explicam a Reforma Inglesa.[4]

G.R. Elton explica que a verdadeira fonte dessa reforma foi política e que todas as objeções em relação à interferência de um papa estrangeiro na Inglaterra não teriam levado à uma ruptura com a igreja de Roma se a Coroa não tivesse achado necessário lidar com o controle papal da igreja.[5]

Portanto, apesar dos grandes problemas envolvendo a Igreja Católica Romana de seu tempo, o ponto que motivou o rei Henrique VIII à ruptura com Roma era bem peculiar. A Inglaterra havia saído de uma longa e devastadora guerra civil, a Guerra das Duas Rosas (1455-85), e estava em uma situação financeira muito complicada. A ruptura com Roma significaria deixar de repassar os dízimos para a Igreja Católica, bem como o confisco de inúmeras riquezas e terras que a Igreja possuía na Inglaterra. Henrique VIII faz parte do processo de constituição das monarquias absolutistas na Europa, um processo que começou, na Inglaterra, com seu pai. A ruptura com Roma foi, a rigor, a proclamação da supremacia real (daí o nome Ato de Supremacia) sobre a igreja da Inglaterra. Mais do que uma cisão com Roma, foi uma afirmação do poder de Henrique VIII sobre a igreja. Henrique VIII pediu anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, alegando que ela havia consumado sexualmente seu casamento anterior com o irmão de Henrique VIII e, por isso, aquele casamento era ilegítimo aos olhos de Deus — e por isso, também, Deus não lhes concedia um filho homem. O papa negou a anulação por ter uma enorme proximidade com os pais de Catarina, Fernando e Isabel da Espanha, os chamados “Reis Católicos”.[6]

Sendo assim, Henrique VIII rompeu com o papado e fundou a Igreja Anglicana. Inicialmente tratava-se de uma igreja nacional inglesa de orientação claramente semelhante à Romana.[7] Elton explica que “Henrique VIII parece ter pensado que a ruptura com Roma poderia ser realizada sem uma alteração da doutrina e do culto da Igreja Inglesa”.[8]

O rei, então, teve o apoio do arcebispo da Cantuária, Thomas Cranmer, que o auxiliou no processo do distanciamento teológico de Roma. Entretanto, Elton explica ainda que a reforma política estava começando a provocar certa turbulência religiosa. O pequeno, porém, notável, grupo de teólogos que adotou as doutrinas de Lutero e Tyndale achava que havia chegado a hora deles, e Cranmer sentiu-se inclinado a apoiá-los. A sequência dos acontecimentos mostraria que, posto que a Inglaterra havia rompido com Roma, o início puramente político da Reforma rapidamente ganharia a companhia de uma força verdadeiramente religiosa e até espiritual.[9]

Após a morte de Henrique VIII, seu filho Eduardo VI o sucedeu. Nessa época, os partidários de uma reforma mais profunda da Igreja Inglesa tiveram maior influência sobre o rei e isso possibilitou que a Igreja Anglicana se tornasse protestante. G.R. Elton explica que “Cranmer logo produziu uma revisão do Livro de Oração (1552), que descartou o que havia restado da doutrina católica em sua versão anterior e assumiu uma posição completamente alinhada ao protestantismo”.[10]

Entretanto, esse período foi breve, uma vez que Eduardo VI governou apenas por seis anos (1547-1553) e foi sucedido por sua irmã, Maria Tudor (1553-1558), filha de Catarina de Aragão. A rainha ficou conhecida como “Maria, a sanguinária” devido à sua crueldade na perseguição aos protestantes. Elton esclarece:

Ao longo do ano de 1553 ficou claro que Eduardo VI tinha pouco tempo de vida. A menos que algo fosse feito, ele seria sucedido por sua irmã Maria, filha de Catarina de Aragão e uma seguidora inabalável da Igreja de Roma. Para os contemporâneos, essa sucessão significou uma reversão completa da política religiosa [adotada por Eduardo VI] […].[11]

Em seus dias de reinado, Maria tentou restaurar a Igreja Católica Romana na Inglaterra e perseguiu ferozmente os líderes protestantes, a ponto de executar mais de 270 mártires, dentre eles Thomas Cranmer (†1556). Outros fugiram para o continente (Genebra, Zurique, Frankfurt), dentre eles John Knox e William Whittingham (o principal responsável pela Bíblia de Genebra). Nesse período, surgiram em Londres as primeiras congregações autônomas.[12] O relato do martírio de muitos cristãos protestantes desse período foi registrado no Livro dos Mártires, escrito por John Foxe.

Após o — também breve — reinado de Maria I, um longo reinado ocorreu sob o governo de Elizabete I (1558-1603). A princípio, os puritanos se animaram com sua ascensão, mas logo se decepcionaram, pois a rainha possuía preocupações primordialmente políticas. Com vistas a manter o controle sobre as igrejas e assegurar certa estabilidade política, procurou garantir um sistema de governo episcopal, ou seja, a rainha insistiu em controlar a igreja, reservou para si a nomeação dos bispos.

Então, os protestantes que reivindicavam uma reforma mais profunda da Igreja Anglicana ficaram conhecidos como “puritanos”, tratava-se de um nome pejorativo, atribuído pelo alto clero anglicano. O nome se consagrou especialmente no contexto da “Controvérsia das Vestimentas” (1563-1567), um protesto que foi feito contra o uso de vestimentas clericais. Os puritanos afirmavam que a igreja não era plenamente reformada, pois preservava muitos resquícios do Catolicismo Romano, por isso ela precisava ser purificada. Essa luta se tornou mais intensa ao longo dos reinados de Jaime I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649). O puritanismo é uma mentalidade ou atitude religiosa que começou cedo na história da Reforma Inglesa. A princípio, era identificado com a Igreja Anglicana, contudo, muitos puritanos separaram-se dela posteriormente, dando origem a diversos grupos como: batistas, congregacionais e presbiterianos.

Em seu livro Os Puritanos: Suas Origens e Seus Sucessores, D.M. Loyd-Jones explica que “a mentalidade puritana busca colocar a verdade antes das questões de tradição e autoridade, e é caracterizada por uma insistência na liberdade de servir a Deus de maneira como cada qual julga certa”.[13]

 1.2. Os Separatistas Ingleses

Dentre os puritanos que não se conformavam com a situação da igreja, uma parte deles ficou conhecida como os “Separatistas Ingleses”. Esses foram os que deixaram a Igreja Anglicana e fundaram congregações autônomas. B.R. White, em seu livro The English Separatist Tradition, afirma que:

Sob o reinado de Maria, os anglicanos eduardianos se tornaram separatistas porque consideravam a Igreja Romana e seus caminhos como falsos e sua adoração como idólatra. Posteriormente, o separatismo na Inglaterra desenvolveria o mesmo repúdio pela igreja estabelecida considerando-a como anticristã, isso porque seus caminhos eram contrários às Escrituras e porque eles se organizaram como um grupo de congregações cujas práticas estavam mais alinhadas com os ensinamentos das Escrituras.[14]

B.R. White afirma que o fator culminante para os separatistas deixarem a Igreja Anglicana e passarem a se reunir fora da igreja estatal foi sua busca por um alinhamento às Sagradas Escrituras. White atestou que o entendimento sobre a natureza da Igreja de Cristo dado pelo separatismo inglês não era uma novidade da Reforma, mas um ensino extraído diretamente da Bíblia, principalmente, do Novo Testamento.[15] Sobre os Separatistas Ingleses, Chris Traffanstedt afirma:

Essa demanda das forças políticas e religiosas da Inglaterra por conformidade originou um grupo conhecido como “Separatistas”. Os princípios por detrás desse movimento eram a separação entre Igreja e Estado; doutrina pura, livre de interesses políticos; e reforma geral da Igreja. Os Separatistas levavam a Bíblia a sério e estavam determinados a entregarem suas vidas por causa dos seus ensinos. Eles afirmavam que a Igreja era formada pelos redimidos, e não por pessoas politizadas.

[…] Além disso, eles prezavam por uma liturgia simples que enfatizasse o Deus Santo. Eles achavam que as formas de culto impostas pelo Estado e os escritos auxiliares da Igreja da Inglaterra levavam o povo a enfatizar a forma e não a Soberania de Deus [substância]; assim, esse tipo de “auxílio” foi desprezado.

Foi a partir desse chamado à pureza na igreja, tanto no culto quanto na prática diária, que se originaram os “batistas”.

1.3. Os Batistas Gerais

Os batistas surgiram em dois grupos distintos: os primeiros ficaram conhecidos como “batistas gerais”, e receberam esse título por acreditarem na expiação geral, em oposição aos “batistas particulares”, que surgiram três décadas depois e se posicionavam firmemente a favor da expiação limitada (definida), sendo influenciados pela teologia de homens como João Calvino.[16]

Sobre os batistas gerais, o livro A History of the Bapstists, de Robert B. Torbet, afirma que foi na Holanda que ocorreu o início da história dos batistas ingleses. Afirma que o refugiado religioso John Smyth ficou conhecido por alguns como “fundador das igrejas batistas modernas” por ter adotado o credobatismo e composto um princípio batista em sua Confissão histórica.[17]

Devido à perseguição aos não conformistas por parte do governo, muitos refugiados religiosos encontraram resguardo na Holanda. Esse país, desde 1595, acolheu os separatistas ingleses que haviam ficado desamparados após a execução de seus líderes em 1594. O primeiro grupo a sair da Inglaterra, aproximadamente no final de 1607, foi o de Gainsborough que tinha como líderes Thomas Helwys e Smyth.[18] Entretanto, entre o final de 1608 e início de 1609, Torbet explica, Smyth tornou-se anabatista e batizou a si mesmo e a sua congregação:

Smyth, sem dúvida sob a influência dos menonitas de Waterlander, tornou-se um anabatista. Ele havia chegado à decisão “de que crianças não deveriam ser batizadas, porque (1) não há preceito e nem exemplo no Novo Testamento de crianças que foram batizadas pelos discípulos de João e de Cristo, e (2) Cristo ordenou que fizessem discípulos ensinando-os e depois batizando-os. No entanto, ainda que teologicamente preparado para se voltar para os menonitas, ele se batizou por efusão, depois batizou também Helwys e aqueles que o desejaram dentre o restante de sua congregação, um total de quarenta pessoas.[19]

Ainda sobre os batistas gerais, Torbet afirma que o testemunho desses foi preservado por apenas um pequeno número de pessoas:

[…] a organização das igrejas batistas gerais (isto é, aquelas que mantêm a visão arminiana de uma expiação geral ou ilimitada) em solo inglês data de 1611 ou início de 1612, quando Thomas Helwys e seu punhado de seguidores retornaram a Londres. Eles haviam retornado ao país de onde haviam fugido da perseguição alguns anos antes, com um objetivo em mente — propagar sua fé. Assim, o testemunho batista foi preservado e perpetuado por não mais do que dez pessoas corajosas.[20]

Torbet atesta que a congregação parece ter se encontrado clandestinamente em Spitalfield, nos arredores dos muros de Londres. Essa foi a primeira igreja batista em solo inglês cuja origem possui provas históricas.[21]

 1.4. Os Batistas Particulares

O outro grupo que provém dos puritanos separatistas ingleses são os “batistas particulares”. Entretanto, eles são distintos dos batistas gerais. Torbet explica que:

[…] os batistas particulares não tinham conexão com os anabatistas continentais. Em vez disso, representaram um passo adicional ao movimento do independentismo inglês (congregacionalismo) em direção à sua conclusão lógica no batismo de crentes professos. A origem das igrejas batistas particulares na Inglaterra pode ser datada de cerca de 1638.[22]

Sobre o surgimento dos batistas particulares, A.C. Underwood, em seu livro A History of the English Baptists, comenta:

Eles surgiram a partir de uma igreja independente e mantiveram uma teologia calvinista. E, pelo fato de eles acreditarem em uma expiação restrita e, portanto, particular, confinada apenas aos eleitos, foram chamados de “particulares”.[23]

Essa igreja, da qual posteriormente surgiriam os batistas particulares, é conhecida como JLJ e foi iniciada em 1616, por Henry Jacob, em seu retorno à Inglaterra. É importante notarmos que os batistas particulares compuseram duas Confissões de Fé seguindo uma linha teológica reformada. Sobre a primeira confissão batista de Londres de 1644, Torbet explica:

Naquele ano, para esclarecer sua posição sobre o modo adequado de batismo, quinze ministros batistas particulares, incluindo Spilsbery, Kiffin e Knollys, incorporaram uma definição de batismo por imersão em uma Confissão de cinquenta artigos de fé, aos quais afixaram suas assinaturas. Sete igrejas batistas particulares adotaram essa Confissão de Londres, como era chamada, que expressava a teologia calvinista, estipulava o batismo por imersão e defendia a liberdade religiosa. Com o consequente reavivamento da imersão, os batistas deram outro passo para longe de seus antepassados anabatistas.[24]

Na mesma linha, acerca das duas confissões produzidas pelos batistas particulares, Chris Traffanstedt complementa:

Em 1644, os batistas particulares publicaram a Primeira Confissão de Fé Batista. Essa Confissão era calvinista e rejeitava todas as insinuações de que eles eram “anabatistas”. Embora essa Confissão não fosse muito clara, foi um importante documento que ajudou a reunir todos os batistas particulares. Então em 1677, uma Segunda Confissão foi elaborada, refletindo a Confissão de Westminster (1647) e a Declaração de Savoy (1658). Em sua maior parte, esse novo documento seguia a Confissão de Westminster, mas em sua posição quanto ao governo da Igreja, a Confissão Batista seguia a Declaração de Savoy. A Confissão de Fé Batista estabelecia as questões sobre qual tipo de poder os representantes das associações das igrejas tinham sobre as igrejas locais. Além disso, lidava com o batismo afirmando sua posição a favor do batismo de crentes ao invés do batismo infantil. Devemos ter em mente que as discussões sobre esse assunto não se seguiram devido aos “anabatistas”, mas surgiram de um desejo intenso de refletir a Escritura tal como ele foi entregue a nós.[25]

A Segunda Confissão de Fé Batista de Londres foi emitida de forma anônima em 1677, devido à perseguição que os batistas particulares estavam sofrendo. Ela foi, então, republicada abertamente em 1688, mas só ganhou maior circulação e reconhecimento geral em 1689. Em seu livro Quem Foram os Puritanos?, Erroll Hulse afirma o seguinte:

Quando as condições melhoraram, em 1688, foi possível publicar a Confissão que havia sido formulada anteriormente [i.e., em 1677], mas a perseguição sofrida impediu-a de ter uma grande circulação. A Confissão de 1677 tornou-se conhecida como A Confissão de Fé de 1689 somente pela maior divulgação que recebeu naquela época.[26]

Sobre a doutrina e distintivos importantes desses batistas, o professor de teologia histórica, Tom Nettles, destacou:

Vimos que esses porta-vozes influentes da vida dos batistas abraçaram a Bíblia como uma revelação divina infalível. Eles se submeteram à sua autoridade à luz do entendimento puritano do princípio regulador. As doutrinas históricas, mesmo as expressões de fórmula, do trinitarianismo ortodoxo e da cristologia, estabeleceram os batistas em um fundamento sólido. As perdas dessas doutrinas foram consideradas trágicas e destrutivas para a fé cristã e para a unidade batista. Além da autoridade bíblica e da ortodoxia histórica, os batistas afirmaram o entendimento protestante do Evangelho. Eles se afastaram do sacramentalismo Católico Romano mais do que qualquer outro grupo Protestante, tanto em doutrina quanto em eclesiologia. Fortes visões da iluminação, convicção e regeneração do Espírito Santo deram forma forte e definitiva ao perfil batista. Justificação pela fé, com um compromisso claro e fortemente declarado com a imputação da justiça de Cristo, concretizou seu testemunho evangélico. Essa teologia prevaleceu em toda a comunidade batista. Essas doutrinas dão testemunho inatacável da posição histórica evangélica desses batistas ingleses dos séculos XVII e XVIII.[27]

Sobre esse assunto, é importante ressaltarmos que muitos desconhecem as raízes reformadas da teologia batista e chegam a pensar equivocadamente que não existem batistas reformados, como podemos ver no sincero relato do presbiteriano Solano Portela sobre o assunto, em seu prefácio do livro As Implicações Práticas do Calvinismo:

Alguns meses após, viajei duas horas com mais alguns colegas até uma igreja onde o Pastor Martin pregaria. Na cidade de Ocean City, New Jersey, conheci sua poderosa oratória e impressionei-me com a sua doutrina e com a profundidade e sinceridade de suas palavras. Conhecendo um pouco mais de sua pessoa, algumas surpresas: “Mas batista?”; “E os batistas não são contra a teologia reformada?”. E assim, minha falta de conhecimento ia sendo esclarecida; ia aprendendo que os batistas históricos eram todos reformados; que o abandono das Doutrinas da Graça era algo recente em sua história — ocorria há menos de cem anos; que um dos maiores pregadores reformados da história — Charles Spurgeon, era batista; que a confissão de fé dos batistas antigos — a Confissão de Fé de Londres (1689), era praticamente idêntica à Confissão de Fé de Westminster; e assim por diante.[28]

Portanto, é inegável que, em suas raízes confessionais, os batistas são reformados. E, como já vimos no capítulo anterior, as principais confissões de fé reformadas eram todas pactuais em sua estrutura de teologia bíblica, com muitas semelhanças em diversos aspectos, mas havia um distintivo pontual que culminou em uma diferença em relação ao batismo, como explica Pascal Denault:

Os puritanos do século XVII podiam ser separados em três grupos: presbiterianos, congregacionais e batistas. Os dois primeiros grupos eram pedobatistas, ao passo que o terceiro era credobatista. A divisão quanto à teologia do pacto foi causada pela questão do batismo. Os pedobatistas defendiam um entendimento da teologia do pacto e os batistas defendiam outro.[29]

Veremos, mais à frente, que os batistas reformados acreditavam que apenas os eleitos regenerados estavam no Pacto da Graça, no qual se pode entrar unicamente pela fé. Os batistas consideraram que nenhuma outra aliança, além da Nova Aliança, foi o Pacto da Graça. Eles reconheceram que o Pacto da Graça foi revelado sob todas as alianças desde a queda, mas fizeram distinção entre a verdadeira substância dessas alianças e o Pacto da Graça em si.[30] Esses distintivos serão examinados detalhadamente em capítulos posteriores.

O ponto que precisamos saber até aqui é que os batistas particulares eram reformados e, em sua confissão, seguiam uma teologia bíblica pactual que possuía alguns distintivos em relação à teologia pedobatista, as quais estudaremos pormenorizadamente mais à frente.

2. BATISTAS PACTUAIS NOTÁVEIS[31]

Alguns nomes importantes do passado defenderam uma teologia pactual idêntica ou muito semelhante àquela encontrada na Confissão de Fé Batista de 1689. Nessa lista encontramos nomes como:

John Spilsbery (1598-1668). Pertenceu à primeira geração de batistas calvinistas, foi um dos primeiros pastores dentre os batistas particulares e pastoreou uma igreja batista calvinista, fundada em 1638. Ele é um dos signatários da Primeira Confissão de Fé Londrina de 1644 e de sua versão revisada, dois anos depois. Um ano antes da emissão desse documento, publicou um tratado sobre o batismo intitulado “A Treatise Concerning the Lawful Subject of Baptisme” [Um Tratado Acerca dos Candidatos Legítimos ao Batismo]. Ele apresenta um entendimento da doutrina da aliança que é diferente daquele dos seus contemporâneos pedobatistas. É de suma importância que um dos mais antigos tratados dos Batistas Particulares em defesa do credobatismo, o faça com base na teologia da aliança. Isso mostra que a identidade batista manteve, desde o princípio, um federalismo diferente daquele pedobatista e que o batismo de crentes é resultado de um entendimento diferente das alianças bíblicas.

Henry Lawrence (1600-1664). Foi um puritano estadista associado à Oliver Cromwell, publicou um tratado chamado “On Baptism” [Sobre o Batismo], defendeu um federalismo de acordo com o credobatismo e criticou o pedobatismo.

Thomas Patient (†1666). Um dos signatários da Primeira Confissão de Fé Londrina, foi enviado como missionário à Irlanda pelo governo de Cromwell e estabeleceu a primeira comunidade de convicção batista ali, a Waterford Baptist Church [Igreja Batista de Waterford]. Escreveu o tratado “The Doctrine of Baptism, And the Distinction of the Covenants” [A Doutrina do Batismo, e a Distinção das Alianças] (1654).

John Bunyan (1628-1688). É certamente um dos, senão o mais conhecido dos puritanos, autor do livro “O Peregrino”. Bunyan também escreveu um tratado sobre a teologia da aliança que se encontra na coleção de suas obras publicada em três volumes pela The Banner Of Truth, intitulada “The Doctrine of the Law and Grace Unfolded” [A Doutrina da Lei e da Graça Revelada].

Nehemiah Coxe (†1688). Possivelmente, o teólogo batista mais significante no que diz respeito à teologia pactual. Era de filho Benjamin Coxe, um dos signatários da Primeira Confissão de Fé Londrina. Seu tratado “A Discourse of the Covenants that God made with men before the Law” [Um Discurso sobre as Alianças que Deus fez com os Homens antes da Lei] (1681) traça as diferenças fundamentais entre presbiterianos e batistas, baseado em seus respectivos entendimentos da aliança abraâmica.

Benjamin Keach (1640-1704). Foi o principal teólogo batista da segunda metade do século XVII. Os distintivos fundamentais dos batistas estão presentes em seus tratados.

Charles Haddon Spurgeon (1834-1892). O príncipe dos pregadores foi um herdeiro da herança dos Batistas Particulares, chegou a republicar a Confissão de Fé Batista de 1689 e, na ocasião, afirmou:

Pensei ser correto reimprimir em uma forma econômica esta excelente lista de doutrinas, que foram subscritas por ministros batistas no ano de 1689. Nós precisamos de um estandarte pela causa da verdade; pode ser que este pequeno volume ajude a causa do glorioso Evangelho, testemunhando claramente quais são as suas principais doutrinas […]”.[32]

Sobre a teologia pactual, Spurgeon fez a seguinte citação:

A doutrina do pacto divino está na raiz de toda a verdadeira teologia. Já foi dito que aquele que entende bem a distinção entre o Pacto de Obras e o Pacto da Graça é um mestre em teologia. Estou convencido de que a maioria dos erros que os homens cometem sobre as doutrinas da Escritura se derivam de erros fundamentais no que diz respeito aos Pactos da Lei e da Graça.[33]

É notável que, para Spurgeon, a teologia pactual estava na raiz de toda a verdadeira teologia, e que ele tenha destacado a importância da Confissão de Fé de 1689, a ponto de prefaciar sua reimpressão.

Atualmente, nomes como Pascal Denault, Richard Barcellos, Samuel Renihan, James Renihan, Samuel Waldron, Brandom Adams, Thomas Nettles e Jeffrey Johnson são alguns dos diversos nomes que têm feito parte do legado dos batistas pactuais e publicado vários livros sobre o assunto. Até mesmo o renomado pregador Paul Washer apresenta uma posição bem semelhante em seus livros.

Finalizamos este breve resumo sobre a identidade histórica dos batistas com as palavras de Torbet sobre o legado deixado por aqueles primeiros batistas:

Tais foram os primórdios dos batistas ingleses. Apesar da perseguição, eles fizeram contribuições significativas para seus dias e para as gerações futuras. Eles estavam entre os cristãos que descobriram o indivíduo na religião. Eles levaram a igreja a sério, construíram comunidades de fé reunidas mediante compromisso pessoal simbolizado pelo batismo dos crentes. Eles, como seus antepassados puritanos separatistas, procuraram realizar o ideal de uma igreja pura sem abandonar seu envolvimento na ordem social. Eles se mantiveram pacientes, mas valentes, com uma convicção fundamental de que a verdadeira religião deve ser voluntária para ser válida.[34]

 CONCLUSÃO

Vimos brevemente a origem dos batistas e sua identidade pactual histórica. Mencionamos verdades importantes, tais como:

1) Os batistas têm suas origens na Reforma, especialmente nos Separatistas da Inglaterra.

2) Os batistas surgiram inicialmente como dois grupos distintos, os “batistas gerais”, que criam na expiação geral, e os “batistas particulares”, que tinham forte posição a favor da expiação particular e foram influenciados pela teologia de homens como João Calvino.

3) Os batistas particulares compuseram as suas confissões de fé em uma linha teológica reformada.

4) As principais confissões de fé reformadas eram todas pactuais em sua estrutura de teologia bíblica, com muitas semelhanças em diversos aspectos, mas havia um distintivo pontual que culminou em uma diferença em relação ao batismo.

5) Nomes notáveis como John Spilsbery, Henry Lawrence, Thomas Patient, John Bunyan, Nehemiah Coxe, Benjamin Keach, Charles Haddon Spurgeon fazem parte dessa história dos batistas.

A seguir, trabalharemos um breve panorama do enredo das Sagradas Escrituras, antes de examinarmos alguns dos principais termos teológicos usados para expressar conceitos importantes da teologia pactual batista.

 


[1] Sou grato ao presbítero Pedro Issa pela contribuição na revisão deste capítulo e pelas preciosas sugestões e indicações de fontes de pesquisa.

[2] CHUTE; Anthony.L.; FINN, Nathan A.; HAYKIN, Michael A.G. The Baptist Story: From English Sect to Global Movement. Nashville: B&H Academic, 2015, p. 13-14. (Tradução própria.)

[3] Em 1524 Tyndale fugiu do país para publicar uma tradução da Bíblia em inglês e liderar as atividades do protestantismo inglês do exterior, em 1536 ele foi pego e queimado pelas autoridades imperiais. (ELTON, G.R. The New Cambridge Modern History. Vol. II. 1520-1559. Cambridge At The University Press, 1958. p. 227. [Tradução própria.]).

[4] ELTON, G.R. The New Cambridge Modern History. Vol. II. 1520-1559. Cambridge At The University Press, 1958. p. 226. (Tradução própria.)

[5] Ibidem, p. 228.

[6] Devo partes desta seção ao diálogo e revisão de Pedro Issa. Para informações complementares sobre história e teologia batista do século XVII, visite seu site: www.rastrodeagua.com.

[7] Em 1539, Henrique VIII impôs os Seis Artigos, com severas punições para os transgressores (“o açoite sangrento de seis cordas”). Os artigos incluíam a transubstanciação, a comunhão em uma só espécie, o celibato clerical, votos de castidade para leigos, missas particulares, confissão auricular etc.

[8] ELTON, G.R. The New Cambridge Modern History, p. 238. (Tradução própria.)

[9] Ibidem, p. 241.

[10] Ibidem, p. 245.

[11] Ibidem, p. 246.

[12] MATOS, Alderi. Confissão de Fé de Westminster. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo-SP, 2019. (Anotações pessoais.)

[13] LLOYD-JONES, David Martyn. 1ª ed. Os Puritanos: Suas Origens e Seus Sucessores. São Paulo: PES, 1993. p. 250.

[14] WHITE, Barrington R. The English Separatist Tradition: From the Marian Martyrs to the Pilgrim Fathers. Oxford University Press. 1971. p. 6. (Tradu-ção própria.)

[15] Ibidem, p. 2.

[16] TRAFFANSTEDT, Chris. Uma Introdução à História dos Batistas. O Estandarte de Cristo, 2019. Disponível em: <http://oestandartedecristo.com /2019/03/21/uma-introducao-a-historia-dos-batistas-por-chris-traffanstedt/>. Acesso em: 02 de jan. de 2020.

[17] TORBET, Robert B. A History of the Baptists. Chicago, Los Angeles: Valley Forge the Judson Press. 1982. p. 33. (Tradução própria.)

[18] Ibidem, p. 34.

[19] Ibidem, p. 35.

[20] Ibidem, p. 37.

[21] Ibidem.

[22] TORBET, Robert B. A History of the Baptists, p. 40. (Tradução própria.)

[23] UNDERWOOD, A.C. A History of The English Baptists. London: The Baptist Union Publication Dept. (Kingsgate Press), 1947. (Tradução própria.)

[24] TORBET, A History of the Baptists, p. 43. (Tradução própria.)

[25] Ibidem.

[26] HULSE, Erroll. Como os Batistas se Relacionam com os Puritanos? (Anexo II). In Quem Foram os Puritanos?… e o que eles ensinaram? 1ª ed. São Paulo: Editora PES, 2004. p. 233.

[27] NETTLES, Thomas J. The Baptists: Key People Involved In Forming A Baptist Identity. Fearn: Christian Focus Publications, 2005. p. 317. (Tradução própria.)

[28] MARTIN, Albert N. As Implicações Práticas do Calvinismo. Recife: Os Puritanos, 2001.

[29] DENAULT, Pascal. Os Distintivos da Teologia Pactual Batista: Uma Comparação entre o Federalismo dos Batistas Particulares e dos Pedobatistas do Século XVII. 1ª ed. São Paulo: O Estandarte de Cristo, 2018. p. 17.

[30] Ibidem.

[31] Esta seção foi baseada em: DENAULT, Pascal. Os Distintivos da Teologia Pactual Batista: Uma Comparação entre o Federalismo dos Batistas Particulares e dos Pedobatistas do Século XVII. 1ª ed. São Paulo: O Estandarte de Cristo, 2018.

[32] A CONFISSÃO DE FÉ BATISTA DE 1689 & Um Catecismo Puritano Compilado por C.H. Spurgeon, p. 15.

[33] SPURGEON, C.H. O Maravilhoso Pacto.

[34] TORBET, A History of the Baptists, p. 57. (Tradução própria.)