A Tolice De Olhar Para Trás Ao Fugir De Sodoma — Sermão 1
“Lembrai-vos da mulher de Ló.” (Lucas 17:32)
Cristo aqui prediz Sua vinda, no Seu Reino, em resposta à pergunta dos fariseus: “Quando virá o reino de Deus?” E, quanto ao que diz a este respeito, evidentemente, tem em vista duas coisas: Sua vinda na destruição de Jerusalém, e Sua vinda no fim do mundo. Ele compara Seu retorno, nestes tempos, a duas notáveis manifestações de Deus em juízo, no passado. Primeiramente, ao dilúvio: “Assim como foi nos dias de Noé, será também nos dias do Filho do Homem”. A seguir, a compara à destruição de Sodoma e Gomorra: “O mesmo aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; assim será no dia em que o Filho do Homem se manifestar”.
Então, imediatamente, Ele procede para orientar Seu povo sobre como este deveria se portar às vistas dos sinais da aproximação daquele Dia, referindo-se, em especial, à destruição de Jerusalém. Lucas 17:31: “Naquele dia, quem estiver no eirado e tiver os seus bens em casa não desça para tirá-los; e de igual modo quem estiver no campo não volte para trás”. Com essas palavras, Cristo mostra que Seus discípulos deviam ter a máxima urgência em fugir e escapar da cidade para as montanhas, como ordena em Mateus 24:15-18: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê entenda), então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; quem estiver sobre o eirado não desça a tirar de casa alguma coisa; e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa”.
Jerusalém era como Sodoma, uma vez que estava destinada à destruição, pela especial ira Divina; e, na verdade, à ira mais terrível do que a que atingiu Sodoma. Portanto, a mesma orientação é dada para dela fugir à máxima pressa, sem olhar para trás, como disse o anjo a Ló, quando lhe ordenou que fugisse de Sodoma. Gênesis 19.17: “Livra-te, salva a tua vida; não olhes para trás”. E, no texto, Cristo reforça Seu conselho pelo exemplo da mulher de Ló. Ele ordena que os discípulos lembrem-se dela, e a tomem como um aviso, por ter olhado para trás, enquanto fugia de Sodoma, tendo se tornado uma estátua de sal.
Se for investigado o porquê do conselho de Cristo ao Seu povo, para que fuja de Jerusalém com tão urgente pressa, ao primeiro sinal de sua iminente destruição, respondo: parece que fugir de Jerusalém era um tipo da fuga do estado de pecado. Escapar desta cidade incrédula tipificava uma fuga do estado de incredulidade. Portanto, os discípulos foram orientados a fugir sem retornar para pegar quaisquer coisas de suas casas, querendo dizer com qual pressa e cuidado devemos fugir de nossa condição natural, que nenhum respeito a qualquer gozo mundano nos impeça, um momento sequer, que fujamos para Jesus Cristo, o refúgio das almas, nossa rocha forte, e o monte da nossa defesa, de modo que, ao fugir para Ele, abandonamos e esquecemos, de coração, de todas as coisas terrenas.
Esta também parece ser a principal razão pela qual Ló também foi orientado a fugir com tal pressa, e não olhar para trás; porque sua fuga de Sodoma foi decretada com o propósito de ser um tipo da nossa fuga daquele estado de pecado e miséria no qual nos encontramos por natureza.
Doutrina: Não devemos olhar para trás ao fugir de Sodoma.
As seguintes razões podem ser suficientes para apoiar esta doutrina:
1. Sodoma é uma cidade cheia de imundície e abominações. Está repleta daquelas impurezas que devem ser objeto da maior execração e ódio de todos. Seus habitantes estão manchados, estão sob o poder e domínio de luxúrias detestáveis. Todas as suas faculdades e afeições estão contaminadas com as disposições vis que são indignas da natureza humana, que a degradam sobremaneira, que são grandemente odiosas a Deus e incendeiam a Sua ira de maneira terrível. Todo tipo de abominação espiritual abunda nela. Não há nada detestável e abominável que lá não possa ser encontrado, e que lá não abunde.
Sodoma é uma cidade cheia de demônios e de espíritos imundos. Lá eles se encontram e têm seu domínio. Lá se divertem, e revolvem-se na imundície, como é dito da Babilônia mística, em Apocalipse 18:2: “Babilônia se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável”. Quem seria, pois, de tal sociedade? Quem não fugiria de tal cidade com a maior pressa, sem jamais olhar para trás, e sem ter a menor inclinação de retornar?
Alguns em Sodoma podem aparentar ter um rosto limpo, e exibem um exterior justo; mas, se pudéssemos contemplar seus corações, todos são completamente nojentos e abomináveis. Devemos fugir de tal cidade, com o máximo horror do lugar e da sociedade, sem ter expectativas de lá voltar a habitar, e sem nunca encontrar a menor inclinação para retornar. Devemos, porém, desejar chegar à maior distância possível dela, para que, de forma alguma, nos tornemos participantes em suas abominações.
2. Não devemos olhar para trás ao fugir de Sodoma, porque Sodoma é uma cidade destinada à destruição. O clamor da cidade subiu aos céus. A terra já não pode mais suportar o fardo dos seus habitantes. Ela, portanto, aliviar-se-á deles, e os cuspirá. Deus não mais permitirá que tal cidade permaneça; Ele a consumirá. Deus é santo, e Sua natureza é infinitamente oposta a toda impureza; portanto, será para ela fogo consumidor. A santidade de Deus não permitirá que permaneça, e a Sua majestade e justiça requerem que os habitantes dessa cidade, que assim O provocaram e ofenderam, sejam destruídos. E Deus certamente os destruirá, pois este é Seu decreto imutável e irreversível. Ele o disse, e o fará. O decreto foi lançado, e tão certo quanto há um Deus, e é Todo-poderoso, e capaz de cumprir seus decretos e ameaças, assim, certamente, destruirá Sodoma. Gênesis 19:12,13: “todos quantos tens na cidade, faze-os sair deste lugar; pois vamos destruir este lugar, porque o seu clamor se tem aumentado, chegando até à presença do SENHOR; e o SENHOR nos enviou a destruí-lo”. E, no versículo 14: “Levantai-vos, saí deste lugar, porque o SENHOR há de destruir a cidade”.
Esta cidade é maldita; está destinada à ruína. Portanto, assim, se não quisermos ser participantes em sua maldição, e em sua destruição, devemos dela fugir, sem olhar para trás. Apocalipse 18:4: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos”.
3. Não devemos olhar para trás ao fugir de Sodoma porque a destruição para a qual está destinada é sobremaneira terrível. Ela está destinada à completa destruição, a ser inteiramente e totalmente consumida. Está apontada para sofrer a ira do grande Deus, que será derramada do céu como uma terrível tempestade de fogo e enxofre. Esta cidade deve ficar cheia da ira de Deus. Todo o que nela permanece terá o fogo da ira de Deus descendo sobre sua cabeça e sobre sua alma: ficará cheio de fogo e da ira do Todo-poderoso. Será coberto com fogo por fora e cheio de fogo por dentro: sua cabeça, coração, entranhas, e todos os membros ficarão cheios de fogo, e nem uma gota de água o refrescará. Nem terá ele lugar para onde fugir em busca de alívio. Vá aonde for, haverá lá o fogo da ira de Deus; sua destruição e tormento serão inevitáveis. Será destruído sem misericórdia. Clamará em alta voz, mas ninguém o socorrerá, nem se preocupará com seus lamentos, ou lhe proverá alívio. O decreto foi lançado, e os dias vêm quando Sodoma queimará como um forno, e todos os seus habitantes serão como palha. Como foi na Sodoma histórica, quando toda a cidade estava repleta de fogo: não havia segurança nas casas, pois estavam em chamas; se fugiam para as ruas, também estavam em chamas. O fogo descia continuamente do céu, em todo lugar. Aqueles foram tempos sombrios. Que clamores houve naquela cidade, em todas as suas partes! Mas ninguém havia para ajudar; não tinham aonde ir, onde pudessem ocultar suas cabeças do fogo: ninguém para ser solidário ou para aliviá-los. Se fugiam para seus amigos, não podiam ajudá-los.
Agora, com que pressa devemos fugir de uma cidade destinada a tal destruição! E como devemos fugir sem olhar para trás! Como deve ser nosso desejo chegar à maior distância possível de uma cidade em tais circunstâncias! Como devemos estar mui longe de pensar em retornar para um lugar que experimenta tamanha ira sobre si!
4. A destruição para a qual Sodoma está destinada é uma destruição total. Ninguém que nela permanecer será poupado: ninguém terá a boa sorte de estar em uma esquina qualquer, onde o fogo não o alcance. Todos os tipos, velhos e novos, grandes e pequenos, devem ser destruídos. Não haverá exceção de idade, sexo, ou condição, mas todos perecerão juntamente. Gênesis 19. 24:25: “Então, fez o SENHOR chover enxofre e fogo, da parte do SENHOR, sobre Sodoma e Gomorra. E subverteu aquelas cidades, e toda a campina, e todos os moradores das cidades, e o que nascia na terra”. Nós, portanto, não devemos nos atrasar ou olhar para trás, pois não há lugar seguro em Sodoma, nem em toda a campina na qual ela está construída. A montanha da segurança está adiante, não às nossas costas.
5. A destruição a qual Sodoma está destina é uma destruição eterna. Isto foi dito acerca da Sodoma histórica, que sofreu a vingança de fogo eterno, em Judas 7: “como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição”. A destruição, que Sodoma e Gomorra sofreram, foi eterna: essas cidades foram destruídas, e jamais foram reconstruídas desde então, e nem o podem ser, pois a terra na qual se localizavam afundou, e foi coberta com o lago de Sodoma, o Mar Morto, ou, como é chamado nas Escrituras: o mar Salgado. Isso parece assim ter sido ordenado com o objetivo de ser um tipo da destruição eterna dos ímpios. Por isso, o fogo com que foram destruídos é chamado de fogo eterno, porque era típico, era um tipo da destruição eterna dos ímpios. Isto é o que pode ser entendido, em parte, quando, no texto de Judas, se diz que foram postas para exemplo, ou para um tipo ou representação do fogo eterno no qual todos os ímpios serão consumidos.
Sodoma foi coberta, em todas as eras posteriores, com um lago procedente do fogo e enxofre que a consumiu. Este lago é um tipo do lago de fogo e enxofre no qual os ímpios terão sua porção por toda eternidade, como lemos em Apocalipse 20:15, e em outros lugares. Não devemos, portanto, olhar para trás ao fugir de Sodoma, tendo em vista que a destruição a que ela está destinada é eterna; isto, pois, a torna infinitamente terrível.
6. Sodoma é cidade destinada à destruição rápida e repentina. A destruição não é apenas certa e inevitável, e infinitamente terrível, mas virá rapidamente. “Para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme” (2 Pedro 2:3). E também Deuteronômio 32:35: “Porque o dia da sua calamidade está próximo, e o seu destino se apressa em chegar”. A tempestade de ira e as negras nuvens da ira Divina, agora mesmo repousam sobre eles, prontas a rebentar e cair, de forma terrível. “Deus já afiou sua espada e armou seu arco, tem-no pronto, preparou suas setas”. Portanto, devemos nos apressar, e não olhar para trás. Pois, se hesitarmos e pararmos para olhar, e não fugirmos pelas nossas vidas, há grande perigo que sejamos envolvidos pela desgraça comum.
A destruição de Sodoma não é apenas rápida, mas virá repentina e inesperadamente. Parecia ser uma bela manhã em Sodoma no dia em que foi destruída (Gênesis 19: 23). Parece não ter havido nuvens, nem aparência de qualquer tempestade, muito menos de uma tempestade de foge e enxofre. Os habitantes de Sodoma não esperavam tal coisa; mesmo quando Ló disse aos seus genros sobre a destruição, não acreditaram nele (Gênesis 19:14). Eles estavam animados, seus corações estavam descansados, achando que não havia calamidade à vista. Mas ela veio de uma vez, como as dores vêm à parturiente, e não houve escape, como é dito nos versículos 28 e 29: “O mesmo aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas, no dia em que Ló saiu de Sodoma, choveu do céu fogo e enxofre e destruiu a todos”.
Assim acontece com os ímpios; Salmos 73:19: “Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror!”. Portanto, se hesitarmos e olharmos para trás, podemos ser repentinamente assolados e assaltados pela destruição.
7. Não há nada em Sodoma que seja digno de lembrança. Todos os seus gozos cedo perecerão na destruição comum; tudo será consumido. E, certamente, não vale a pena olhar para trás em busca de coisas que estão perecendo e sendo consumidas pelas chamas, como acontece com todos os prazeres do pecado, estão todos destinados ao fogo. Portanto, é tolice para alguém que foge de Sodoma desejar mais deles, pois, quando estão consumidos, para que servem? E vale a pena que retornemos por causa de um momento de prazer, antes que se consumam, e nos expormos a ser consumidos com eles?
A mulher de Ló olhou para trás porque se lembrou das coisas agradáveis que havia deixado em Sodoma. Ela as desejou avidamente; não podia fazer outra coisa senão olhar com olhos desejosos para a cidade, onde vivera com tanta fartura e alegria. Sodoma era um lugar de grande abundância exterior, o povo comia e bebia com fartura. O solo da região era muito fértil, sendo mesmo chamada de jardim de Deus, em Gênesis 12:10. E a abundância de pão era um dos pecados do lugar, como diz Ezequiel 16:49.
Aqui, Ló e sua esposa viveram na abundância. Este era um lugar em que os moradores chafurdavam nos prazeres e delícias da carne. Mas, conquanto abundassem estas coisas, de que valiam agora que estavam em chamas? A mulher de Ló foi muito tola ao titubear na sua fuga, por causa de coisas que estavam em chamas. Da mesma maneira, os prazeres, ganhos e alegrias do pecado têm sobre si a ira e a maldição de Deus: o enxofre está espalhado sobre eles; o fogo do inferno está pronto para incendiá-los. Portanto, não vale a pena para ninguém ter saudade de tais coisas.
8. Somos alertados pelos mensageiros enviados por Deus para que nos apressemos em nossa fuga de Sodoma, e não olhemos para trás. Deus nos envia seus ministros, os anjos das igrejas, nesta grandiosa missão, como enviou os anjos até Ló e sua esposa, para alertá-los que fugissem por suas vidas (Gênesis 19:15,16). Se nos atrasarmos ou olharmos para trás, agora que fomos tão bondosamente alertados, seremos sobremaneira inescusáveis e monstruosamente tolos.
Aplicação
O uso que farei desta doutrina é o de alertar aqueles que se encontram em seu estado natural a que fujam dele e de maneira alguma olhem para trás. Enquanto estiver fora de Cristo, você está em Sodoma. Toda a história da cidade, com todas as suas circunstâncias, parece estar inserida nas Escrituras para o nosso aviso, e posta como um exemplo, como diz o Apóstolo Judas. Ela tipifica de forma vívida a situação do homem não convertido, a destruição dos que continuam no seu estado natural, e a maneira de escapar, fugindo para Cristo. O salmista, quando fala sobre a destruição destinada aos ímpios, parece claramente referir-se à destruição de Sodoma, Salmos 11:6: “Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice”.
Considerem, portanto, aqueles que buscam um interesse por Cristo: vocês devem fugir de Sodoma. Sodoma é o lugar onde vocês nasceram, e onde passaram as suas vidas. Vocês são cidadãos dessa cidade que está cheia de imundície e abominação diante de Deus, essa cidade é poluída e maldita. Vocês pertencem a essa sociedade impura. Não apenas vivem entre eles, mas são contados com eles, cometeram essas abominações, e, assim, provocaram a Deus, conforme ouviram. É sobre vocês que estive até aqui falando, neste sermão. Vocês são os habitantes de Sodoma. Talvez olhem para as suas circunstâncias como não tão terríveis; mas habitam em Sodoma. Embora possam ser mudados, e aparentem um exterior limpo, e um rosto educado para o mundo, contudo, enquanto permanecerem em uma condição natural, são habitantes impuros de Sodoma.
A humanidade se divide em duas sociedades, ou, por assim dizer, em duas cidades: há Sião, a Igreja de Deus, a cidade santa e amada; e há Sodoma, esta cidade poluída e amaldiçoada, que está destinada à destruição. Vocês pertencem a esta última. Conquanto encarem a si mesmos como melhores que os outros, pertencem à mesma cidade, à mesma companhia de fornicadores, bêbados, adúlteros, perjuros, ladrões, roubadores e sodomitas. Conquanto encarem-se como distintos, enquanto estiverem fora de Cristo, pertencem a esta mesma sociedade; são da mesma companhia, ajuntam-se com eles, e não são melhores, ainda que tenham maiores restrições. Vocês, às vistas de Deus, são dignos de serem contados com eles e são, por completo, objetos de repugnância e execração, e a ira de Deus permanece sobre vocês, e viverão com ela, e com ela serão destruídos, se não escaparem do seu estado presente. Sim, vocês são da mesma companhia dos demônios, pois Sodoma é não apenas a cidade dos ímpios, mas é a casa de todo espírito imundo.
Vocês pertencem a esta cidade que está destinada à destruição horrível, inevitável, rápida e repentina; cidade que tem uma tempestade de fogo e ira pairando sobre si. Muitos de vocês estão convencidos do triste estado em que se encontram enquanto estiverem em Sodoma, e estão fazendo algumas tentativas de escapar da ira que paira sobre ela. Que os tais sejam advertidos, pelo que foi dito, a escapar por suas vidas, e não olhar para trás. Não olhem para trás, a menos que escolham ter uma porção na tempestade de fogo que está descendo sobre a cidade. Não tenham saudades dos prazeres que tiveram quando viveram em Sodoma, desejando as coisas agradáveis que possuíam lá, a tranquilidade, a segurança, e os gozos que lá desfrutaram.
Lembrem-se da mulher de Ló, pois olhou para trás, indisposta a abrir mão completamente, e para sempre, da tranquilidade, prazer e abundância que desfrutava em Sodoma, e tendo intenção de para lá retornar. Lembrem-se do que lhe sucedeu. Lembrem-se dos filhos de Israel, no deserto, que desejaram retornar ao Egito. Números 11:5: “Lembramo-nos dos peixes que, no Egito, comíamos de graça; dos pepinos, dos melões, dos alhos silvestres, das cebolas e dos alhos”. Lembrem-se quais foram as consequências. Vocês devem estar dispostos a abandonar para sempre toda a facilidade, e prazeres, e ganhos do pecado, e esquecer tudo pela salvação, como fez Ló, deixando tudo para escapar de Sodoma.
A Tolice De Olhar Para Trás Ao Fugir De Sodoma — Sermão 2
“Lembrai-vos da mulher de Ló.” (Lucas 27:32)
A doutrina que retirei dessas palavras foi: “Não devemos olhar para trás ao fugir de Sodoma”. Tendo confirmado essa doutrina com diversos argumentos, viemos à sua aplicação como forma de alerta aos pecadores em seu estado natural, e em especial àqueles que estão sendo despertados e convencidos do miserável estado em que se encontram, e desejam escapar da ira vindoura. Como forma de reforçar este alerta, permitam-me implorar a todos que estão neste estado para que considerem as coisas diversas que passo a mencionar:
1. A destruição que os ameaça é infinitamente mais temível que a destruição da Sodoma real da qual Ló escapou. A destruição de Sodoma e Gomorra por uma tempestade de fogo e enxofre não foi senão uma sombra da destruição dos ímpios no inferno, e não representa senão uma sombra ou imagem da realidade, equivalente a uma pintura do fogo em relação ao fogo real. A miséria do inferno é apresentada por uma variedade de sombras e imagens na Escritura, como escuridão das trevas, um verme que nunca morre, uma fornalha ardente, um lago de fogo e enxofre, o tormento do vale do filho de Hinom, uma tempestade de fogo e enxofre. A razão de se usar tantas alegorias é porque nenhuma delas é suficiente. O que todas fazem é apenas representar a verdade de modo parcial e muito imperfeito, portanto, Deus faz uso de muitas delas.
Vocês têm, portanto, muito mais necessidade de escapar apressadamente e de não olhar para o que está atrás do que tinha Ló e sua esposa quando fugiam de Sodoma. Isto porque estão a todo dia e momento em perigo de uma terrível tempestade, mil vezes pior sobre suas cabeças, do que aquela que veio sobre Sodoma quando o Senhor fez chover sobre ela fogo e enxofre de Sua parte dos céus. Portanto, será tolice muito maior se olharem para trás do que foi para a mulher de Ló.
2. A destruição que os ameaça não é apenas maior que a da Sodoma real, mas é maior que a destruição eterna que abateu os habitantes de Sodoma. Pois, não importa o quanto se achem bons, pois continuam sem arrependimento sob o glorioso Evangelho, pecam e provocam a Deus muito mais, e têm sobre si maior culpa do que os habitantes de Sodoma, mesmo que aos seus olhos, e talvez aos dos outros, pareçam criaturas bastante inofensivas, Mateus 10:15: “Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no Dia do Juízo, do que para aquela cidade”.
3. Enquanto estavam olhando para trás, multidões foram repentinamente tragadas e abatidas pela tempestade de ira. A ira de Deus não se demorou enquanto eles demoravam; não esperou um momento sequer para que se virassem e fugissem, mas os abateu e acabaram-lhe as esperanças. Quando a mulher de Ló olhou para trás, foi imediatamente destruída. Deus já havia exercido paciência para com ela antes. Quando hesitou na retirada, os anjos a pressionaram e com seu esposo e filhas para que se apressassem. E não apenas isso, mas quando eles também se atrasaram, os anjos a agarraram, e a retiraram da cidade, sendo-lhe o Senhor misericordioso. Mas agora, quando, apesar dessa misericórdia, e dos avisos que lhe haviam sido dados, ela olhou pra trás, Deus não mais teve paciência, mas de imediato a executou.
Agora, Deus de modo semelhante lhes tem sido misericordioso. Vocês, no passado, hesitaram; foram avisados pelo anjo do perigo que corriam, e foram apertados para que se apressassem e fugissem. Ainda assim, adiaram a fuga. E agora, enfim, Deus, por assim dizer, se encarregou de vocês, pelas convicções de seu Espírito, para retirá-los de Sodoma. Portanto, lembrem-se da mulher de Ló. Se agora, depois de tudo, olharem para trás, depois de Deus lhes mostrar tanta misericórdia, terão razão para temer que Ele repentinamente os destruirá. Multidões, enquanto olhavam para trás, e adiavam por mais um tempo, nunca tiveram outra oportunidade; foram repentinamente destruídas, e sem possibilidade de remédio.
4. Se vocês olharem para trás, e viverem muitos anos depois disso, há grande perigo de que jamais vão adiante. O único modo de buscar a salvação é esforçando-se por ela com toda a sua força, e ainda olhar e seguir em frente, sem jamais parar ou diminuir o passo. Quando a mulher de Ló parou em sua fuga e deteve-se a fim de olhar, o seu castigo foi que lá ficasse para sempre. Jamais foi a outro lugar, nem nunca saiu dali: mas lá permaneceu como uma estátua de sal, um duradouro pilar e monumento de ira, por sua tolice e impiedade.
Assim acontece com frequência aos hesitantes, embora continuem a viver por tempo considerável depois disso. Quando olham para trás, após terem sofrido tanto por sua salvação, perdem tudo e colocam-se em larga desvantagem, apagando o Espírito de Deus, e perdendo suas convicções, terrivelmente endurecem seus corações e entorpecem suas almas. Pavimentam o caminho para o desencorajamento, terrivelmente fortalecem e estabelecem o interesse do pecado em seus corações, dando a Satanás, de muitas formas, vantagens para arruiná-los, e provocam a Deus tantas vezes a ponto de Ele os entregar à dureza de coração. Quando vêm a olhar para trás, suas almas já estão mortas e endurecidas como o corpo da mulher de Ló. E ainda que vivam por longo tempo, jamais avançam; isto lhes é pior do que se tivessem sido condenados imediatamente. Quando as pessoas em fuga de Sodoma olham para trás, sua última situação é muito pior que a primeira (Mateus 12:43-45). E a experiência confirma que comumente ninguém é mais endurecido e difícil de ser conduzido ao arrependimento do que os apóstatas.
5. Pode muito bem animar suas almas a fugir por suas vidas, e a não olhar para trás, quando considerarem quantos ultimamente têm fugido para as montanhas, enquanto vocês permanecem em Sodoma. A quantas multidões Deus deu a sabedoria para fugir para Cristo, a montanha da segurança! Eles fugiram para a pequena cidade de Zoar, que Deus poupará e nunca destruirá. Quantos de vocês viram pessoas de todos os tipos saindo de Sodoma até agora, crendo na palavra de Deus falada pelos anjos de que Ele certamente destruirá esse lugar! Estes estão em uma condição segura, fora do alcance da tempestade, em um lugar onde o fogo e o enxofre não lhes podem atingir.
Mas vocês permanecem nesta cidade maldita, em meio a esta sociedade amaldiçoada. Ainda estão em Sodoma, que Deus está prestes a destruir terrivelmente, onde a cada minuto estão em perigo de ter sobre suas cabeças armadilhas, fogo e enxofre. Embora muitos tenham obtido a libertação, este não é o caso de vocês. O bem veio, mas vocês não o viram. Outros estão felizes, mas ninguém sabe o que será de vocês. Não têm parte nem porção nessa gloriosa salvação das almas, que esteve nos últimos dias entre nós. Essa consideração bem poderia animar suas almas a efetivamente escaparem, e na sua pressa, esforçarem-se e resolverem esforçar-se para sempre, haja o que houver no caminho. A não dar ouvidos a tentação alguma, e nunca olhar para trás, ou de forma alguma afrouxar ou abater seus esforços enquanto viverem, mas, se possível, aumentá-los mais e mais.
6. Voltar atrás em tempos como estes[1] terá maior tendência de selar a condenação do homem do que em outros tempos. Quanto mais meios têm os homens, quanto mais altos os chamados e maiores as vantagens em que se encontram, mais perigosa é a relutância, maior a tendência de aumentar-se a culpa, provocar a Deus e endurecer o coração.
Nós, nesta terra de luz, há muito desfrutamos de maiores vantagens que o resto do mundo. Mas as vantagens que as pessoas desfrutam agora para a sua salvação são talvez dez vezes maiores que aquelas que comumente tivemos. Portanto, hesitar será um pecado proporcionalmente maior e mais perigoso para a alma. Vocês têm visto a glória de Deus e Suas maravilhas entre nós, de forma muito impressionante.
Se depois disso ainda olharem para trás, haverá grande perigo que Deus jure na Sua ira que jamais entrarão no Seu descanso, como fez para com aqueles que queriam retornar ao Egito, após terem visto as Suas maravilhas realizadas em prol de Israel (Números 14:22, 23): “nenhum dos homens que, tendo visto a minha glória e os prodígios que fiz no Egito e no deserto, todavia, me puseram à prova já dez vezes e não obedeceram à minha voz, nenhum deles verá a terra que, com juramento, prometi a seus pais, sim, nenhum daqueles que me desprezaram a verá”. As maravilhas que vimos entre nós nestes dias têm sido de natureza bem mais gloriosa que aquelas vistas pelos filhos de Israel no Egito e no deserto.
7. Nada sabemos senão que a maior parte do mundo ímpio hoje se encontra nas mesmas circunstâncias que Sodoma, quando Ló fugia de lá. Eles têm uma destruição visível e temporal pairando sobre si. Parece que alguma coisa grande está vindo, o estado das coisas no mundo parece favorável a alguma grande revolução. O mundo se encontra em tal grau de impiedade que é provável que o seu clamor tenha chegado aos céus, e é bastante improvável que Deus permita que tais coisas continuem do jeito que estão por muito tempo. É provável que Deus se apresse em aparecer em terrível majestade para vindicar a Sua causa e, então, ninguém estará a salvo se estiver fora de Cristo. Agora, portanto, todos devem fugir por suas vidas, e escapar para as montanhas, para que não sejam consumidos. Não podemos dizer com certeza o que Deus há de fazer, mas isto podemos dizer: que todos os que estão fora de Cristo estão em um estado bastante inseguro.
8. Para reforçar este aviso contra a hesitação, permitam-me suplicar-lhes a que considerem a excessiva prontidão que há no coração para isso. O coração humano é recalcitrante. Há nele um grande amor e forte desejo pela comodidade, prazeres e diversões de Sodoma, como havia na mulher de Ló. Esta é razão por que tantos estão inclinados à tentação de olhar para trás. O coração está tão inclinado para Sodoma que é difícil manter os olhos fora dela e os pés longe dos seus caminhos. Quando os homens sob convicção de pecado são postos em fuga, é à força, é porque Deus segura suas mãos, como fez com Ló e sua mulher, arrastando-os de lá. Mas a tendência do coração é voltar para Sodoma.
As pessoas estão prontas a retornar também devido ao desencorajamento. O coração é inconstante, logo fica cansado, e pronto a ouvir tentações desencorajadoras. Uma pequena dificuldade e atraso logo vencem suas fracas resoluções. E o desencorajamento leva à recalcitrância: enfraquece as mãos, coloca um peso morto nos corações, e os faz suportá-los como um fardo; e se isso continua por muito tempo, logo leva à segurança carnal e à insensibilidade. As convicções com frequência se abalam assim: primeiro começam a entreter o desencorajamento. A recalcitrância é uma doença que é extremamente secreta em suas formas de operação. É um temperamento agradável e age como a tuberculose, em que as pessoas com frequência se gabam que não estão piores, e que melhoraram, e no caminho da recuperação, até que em poucos dias vêm a morrer. Portanto, a recalcitrância vem aos poucos, e torna os homens insensíveis a ponto de se gabarem que não estão apostatando. Eles reivindicam estar buscando ainda, e esperam não ter perdido suas convicções. E ao tempo em que descobrem a verdade e não mais podem fingir, comumente já estão tão longe que não mais se importam se perderam suas convicções. E quando chegam a esse ponto, comumente já é o fim de suas convicções. Assim, eles cegam a si mesmos, e mantêm-se insensíveis de suas próprias doenças e não se angustiam por elas, nem acordam para usar os meios de aliviá-las, até que já não haja possibilidade de cura.
Assim é que a apostasia vem com frequência àqueles que por algum tempo estiveram sob consideráveis convicções, e depois as perderam. Que a consideração deste perigo os mova a terem maior cuidado e diligência para guardarem os corações, e vigiarem em constante oração contra a apostasia. E que isto os leve ao esforço para reforçar suas resoluções de se guardarem contra qualquer coisa que tenda ao contrário, para que possam perseverar até ao fim, para que “conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR”.
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[1] O tempo do Reavivamento da religião em Northampton, em 1735.