As Ramificações da Depravação Humana, por A. W. Pink

[Capítulo 10 do Livro The Total Depravity of Man]

 

Parte 1

 

Enquanto me esforço para apresentar um quadro completo do homem caído como ele é retratado pelo lápis Divino nas Escrituras, é muito difícil evitar uma medida de sobreposição à medida que nos afastamos de um aspecto ou recurso do mesmo para outro, ou evitamos uma certa quantidade de repetição quando nos dedicamos a um retrato separado de cada um. No entanto, visto que este é o método que o Espírito Santo tem tomado em grande parte, um pedido de desculpas é pouco exigido daqueles que procuram seguir o Seu plano. Nos capítulos anteriores mostramos de uma forma mais ou menos geral a terrível devastação que o pecado operou na constituição humana; agora vamos considerar o mesmo, mais especificamente. Tendo apresentado as linhas gerais, resta-nos preencher os detalhes. Em outras palavras, a nossa tarefa imediata é a de refletir e descrever as várias partes da depravação humana de acordo como isso tem corrompido as diversas seções do nosso homem interior. Embora a alma, como o corpo, seja uma unidade, ela também tem um número de membros distintos ou faculdades, e nenhum deles ficou isento dos efeitos degradantes da apostasia do homem em relação ao seu Criador.

 

A depravação humana, consideramos, foi notavelmente exemplificada nos milagres de Cristo. Os vários distúrbios corporais que o Divino Médico curou durante Sua jornada na terra não eram apenas tantas prefigurações das maravilhas da graça que Ele realizou no reino espiritual em conexão com os redimidos, mas também foram muitas representações emblemáticas das doenças morais que afetam e afligem a alma do homem caído. O pobre leproso, coberto de feridas fétidas, solenemente retratou as corrupções horríveis do coração humano. O homem que nasceu cego, incapaz de contemplar as maravilhas e belezas das obras exteriores de Deus, expressa o estado ignorante da mente humana, que, por causa da escuridão que está sobre ela, não é capaz de descobrir ou aceitar as coisas do Espírito, não importa o quão simples e claramente elas sejam explicadas para ele. Os membros lânguidos do paralítico prefiguraram a incapacidade da vontade para vir a Deus, sendo esta totalmente desprovida de qualquer poder para nos converter a Cristo. A mulher deitada acometida de febre, com desejos não naturais, delírio e etc. retratou o estado desordenado de nossas afeições. O homem possuído pelo demônio, habitando em meio aos túmulos, incapaz de ser devidamente contido, gritando e ferindo-se, esboçou as diversas atividades da consciência no não-regenerado.

 

A corrupção tem invadido cada parte da nossa natureza, espalhando-se por todo o ser complexo do homem. Assim como distúrbios físicos não poupam os membros do corpo, de modo muito semelhante o espírito do homem não escapou da devastação da depravação; no entanto, quem é capaz de compreendê-la em sua terrível amplitude e profundidade, comprimento e altura? Não são simplesmente as potências inferiores da alma que foram infetadas com esta praga do pecado, mas o contágio subiu para as regiões mais altas das nossas pessoas, poluindo as faculdades sublimes. Esta é uma parte do castigo de Deus. É um grande erro supor que o julgamento Divino sobre a deserção do homem está reservado para a próxima vida. A humanidade está fortemente penalizada neste mundo, tanto externa como internamente, uma vez que nele estão sujeitos a muitas dispensações adversas da providência: Externamente, em seus corpos, nomes, propriedades, relações e empregos e finalmente, com a morte física e dissolução. E interiormente, pela cegueira de espírito, dureza de coração, paixões turbulentas, o roer de consciência. Embora estas últimas sejam pouco consideradas, em razão da sua estupidez e insensibilidade, contudo as visitas internas da maldição de Deus são muito mais terríveis do que as externas, e são consideradas como tal por aqueles que verdadeiramente temem ao Senhor e veem as coisas em Sua luz.

 

1. Cegueira de espírito. A mente é aquela faculdade da alma pela qual os objetos e as coisas são primeiramente conscientizados e apreendidos. Para distinguir o entendimento dela, o último é o que pesa, discrimina e determina o julgamento entre os conceitos formados na primeira, sendo o guia da alma, o seletor e rejeitador dessas noções que a mente recebeu. Ambos são igualmente perturbados pelo pecado, pois nos é dito que “os seus sentidos foram endurecidos” (2 Coríntios 3:14), e também lemos: “Entenebrecidos no entendimento” (Efésios 4:18). Como um abandonado de Deus, a Queda fechou completamente as janelas da alma do homem, mas ele pensa que não; sim, enfaticamente ele nega isso. Tanto os filósofos pagãos como os escolásticos do medievalismo admitiram que as afeições, na parte inferior da alma, foram um pouco contaminadas, mas insistiram que a faculdade intelectual era pura, dizendo que a razão ainda dirige e nos aconselha as melhores coisas. Quando nosso Senhor declarou: “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem sejam cegos”, alguns dos fariseus que o ouviam, indignados perguntaram: “Também nós somos cegos?” (João 9:39-40).

 

Agora, não é estranho que a razão cega pense que pode ver, pois, enquanto ela julga todo o restante, ela é menos capaz de avaliar-se por causa da muita proximidade consigo mesma. Embora o olho de um homem possa ver a deformidade das mãos ou pés, não pode ver o que é subjetivo em si mesmo, a menos que tenha uma lente através do qual possa discerni-lo. Da mesma forma, até mesmo a natureza corrupta, por sua própria luz, reconhece a desordem na parte sensorial do homem, mas ela não pode discernir a corrupção que está no próprio espírito. A lente da Palavra de Deus é necessária para descobri-la, e até mesmo o espelho não é suficiente: a luz da graça Divina tem que brilhar interiormente, a fim de expor e desvelar a imbecilidade da faculdade de raciocínio. E, portanto, é assim que a Sagrada Escritura lança a principal ênfase na depravação desta parte mais alta do ser do homem. Quando o apóstolo mostrou quão impuros são os incrédulos, embora estes conhecessem a Deus, ele asseverou, “antes o seu entendimento e consciência estão contaminados” (Tito 1:15). Acima de todas as suspeitas, estas partes deles foram contaminadas, especialmente desde que foram iluminados com alguns raios do conhecimento de Deus. Assim, em oposição a esta presunção, as faculdades superiores só são mencionadas, e enfatizadas com um “antes”.

 

Quão significativo e pleno o testemunho da Escritura é sobre essa característica solene que transparece a partir do seguinte: “Porquanto, tendo conhecido a Deus [tradicionalmente], não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:20-21), a referência aqui é aos gentios, depois do dilúvio. Uma das maldições terríveis executadas sobre Israel, porque eles não deram ouvidos à voz do Senhor seu Deus, e se recusaram a observar os seus mandamentos, foi: “O Senhor te ferirá com loucura, e com cegueira, e com pasmo de coração; e apalparás ao meio-dia, como o cego apalpa na escuridão”, (Deuteronômio 28:28-29). De toda a humanidade, é dito: “Não há ninguém que entenda… e não conhecem o caminho da paz” (Romanos 3:11, 17); tão longe disso que “há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Provérbios 14:12). “O mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria” (1 Coríntios 1:21). Apesar de todas as suas escolas, eles eram ignorantes dEle. “Querendo ser mestres da lei, e não entendendo nem o que dizem nem o que afirmam” (1 Timóteo 1:7). “Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade” (2 Timóteo 3:7).

 

A escuridão natural que os cega dessas operações regulares que são direcionadas por seus sentidos exteriores é dupla: externa ou interna. Quando a noite cai, a menos que haja o auxílio de luz artificial, eles não podem mais realizar seu trabalho. Se eles forem cegos, então para eles é noite perpetuamente. Assim também é com a escuridão espiritual: objetiva e subjetiva, uma escuridão que está tanto sobre os homens quanto nos homens. A primeira consiste em uma falta desses meios pelos quais, somente, eles podem ser iluminados no conhecimento de Deus e das coisas celestiais. O que o sol é para a terra em relação às coisas naturais, assim a Palavra e a pregação do Evangelho são para as coisas espirituais (Salmo 19:1-4. Cf. Romanos 10:10-11). Esta escuridão está sobre todos a quem o Evangelho ainda não foi declarado ou sobre quem o despreza e rejeita. Ora, é a missão e a obra do Espírito Santo remover essa escuridão objetiva, e até que isso seja feito ninguém pode ver ou entrar no reino de Deus. Isso Ele faz enviando o Evangelho a um país, nação ou cidade. Ele não obtém entrada ali, nem é retido em qualquer lugar, por acidente ou por esforço humano, mas é dispensado de acordo com a vontade soberana do Espírito de Deus. Ele é Quem capacita, chama e envia homens para pregar, determinando os locais onde eles ministrarão, seja por Seus impulsos secretos ou pelas operações de Sua providência (Atos 16:6-10).

 

Entretanto sobre as mentes dos não-regenerados está a escuridão subjetiva com suas influências e consequências, o que é aqui mais imediatamente considerado. Esta não é uma mera coisa privativa, mas algo positivo, que consiste não apenas de ignorância, mas em uma doença maligna, com uma habitual disposição para mal. “É soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, blasfêmias, ruins suspeitas, perversas contendas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade seja causa de ganho; aparta-te dos tais” (1 Timóteo 6:4-5). Não são apenas as suas mentes que não assentem a sã doutrina, mas eles estão doentes e corruptos: “delira acerca de questões” […] Esta destemperança da mente é também chamada de “comichão nos ouvindo por desejo de ouvir fábulas” (2 Timóteo 4:3-4). Ainda mais solenemente, a Escritura chama esta sabedoria controversa da qual o erudito deste mundo é tão orgulhoso, de: “terrena, animal e diabólica” (Tiago 3:15); tanto o versículo anterior quanto o seguinte mostram que toda inveja, malícia, mentira e dissimulação, embora encontrem-se também nas afeições e na vontade, estão enraizadas na compreensão. Por isso, é que Deus deve dar “arrependimento” ou uma mudança de mente antes que haja um reconhecimento da verdade e uma libertação do laço do Diabo (2 Timóteo 2:25-26).

 

Esta escuridão do entendimento é a causa da rebelião que está nas afeições e, por esta é que os homens procuram assim desordenadamente os prazeres do pecado; mas, porque suas mentes não conhecem a Deus e são estranhas a Ele e não podem ter comunhão com Ele? Porque toda a amizade e companheirismo são fundamentados no conhecimento. Para ter comunhão com Deus, é necessário o conhecimento de Deus, e, consequentemente, a principal coisa que Deus faz quando Ele dá admissão no Pacto da Graça é ensinar os homens a conhecê-lO (Jeremias 31:33-34): Por outro lado, os homens estão afastados dEle por ignorância (Efésios 4:17-19). A escuridão da mente não é apenas a raiz de todo o pecado, mas é a causa da maioria das corrupções na vida dos homens. Assim vemos que Paulo menciona “sabedoria carnal”, como a antítese do princípio da graça (2 Coríntios 1:12). Pela mesma razão, sobre os homens é dito: “são filhos néscios, e não entendidos; são sábios para fazer mal, mas não sabem fazer o bem” (Jeremias 4:22). Que esta é a causa da maior parte da maldade que há no mundo Isaías 47:10 deixa bem claro: “a tua sabedoria e o teu conhecimento, isso te fez desviar”. Raciocínios corruptos e falsos julgamentos das coisas são os principais motivos de todo o nosso pecado. O orgulho tem o seu lugar de primazia na mente, como Colossenses 2:18 demonstra.

 

Que essa escuridão é forte e influente, transparece na dinâmica da expressão registrada em Colossenses 1:13: “O qual nos tirou da potestade das trevas”, a palavra significando aquilo que vacila ou dominado. Isso preenche a mente com inimizade contra Deus e contra todos os seus caminhos, e leva à vontade no sentido contrário, de modo que, em vez das afeições serem postas nas coisas de acima, os não-regenerados “só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:19). Essa é a sua inclinação habitual. Ele pensa nas coisas da carne (Romanos 8:5), buscando atender aos objetivos sensuais para a gratificação do corpo. Ele preenche a mente com fortes preconceitos contra as coisas espirituais propostas no Evangelho. Esses preconceitos são chamados de “fortalezas” e “conselhos [ou “raciocínios”], e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10:4-5), que são destruídos e expressos e derrubados no dia do poder de Deus, levando as almas à sujeição voluntária a Ele. Os pecados da mente são os mais permanentes, pois quando o corpo se decompõe e suas concupiscências murcham, os pecados da mente são tão vigorosos e ativos na velhice como na juventude. Posto que o entendimento é a parte mais excelente do homem, a sua corrupção é pior do que a das outras faculdades: “Se… a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mateus 6:23).

 

Temerosos de fato são os efeitos dessa escuridão. Suas faculdades se mostram incapazes de discernir as coisas espirituais ou de recebê-las, pelo que há uma total incapacidade no que diz respeito a Deus e as formas de agradá-lO. Não importa o quão bem dotado intelectualmente o homem não-regenerado seja, ou a extensão de seu saber e aprendizado, ou quão hábil em relação às coisas naturais, em assuntos espirituais ele é desprovido de inteligência até que ele seja renovado no espírito de sua mente. Como uma pessoa que não tem o poder de ver é incapaz de ficar impressionada com os raios mais fortes de luz quando refletidos sobre ele, e não pode formar qualquer ideia real da aparência das coisas, de modo semelhante o homem natural, por causa desta cegueira de espírito, é incapaz de discernir a natureza das coisas celestiais. Disse Cristo aos judeus de sua época: “Ah! se tu conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos” (Lucas 19:42). As coisas celestiais estão ocultas de sua percepção tão eficazmente como as coisas que são propositadamente escondidas de olhares indiscretos. Mesmo que um homem tivesse o desejo de descobri-las, ele iria procurar em vão por toda a eternidade, a menos que Deus quisesse revelá-las, como fez a Pedro (Mateus 16:17).

 

A cegueira espiritual que está sobre a mente do homem natural não só impossibilita de fazer a primeira descoberta das coisas de Deus, mas, mesmo quando elas são publicadas e postas diante de seus olhos, como claramente estão na Palavra da verdade, ele não pode discerni-las. Quaisquer que sejam as noções que ele possa formar delas, elas são dissonantes à sua natureza, e os pensamentos que ele concebe em relação a elas são o inverso do que de fato são, a mais alta sabedoria eles consideram como loucura, e os objetos mais gloriosos em si são desprezados e rejeitados. “Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei; porque opero uma obra em vossos dias, ora tal que não crereis, se alguém vo-la contar” (Atos 13:41). Os versículos anteriores mostram que Paulo claramente lhes havia pregado a Cristo e Seu Evangelho, e, em seguida, concluído com uma advertência para que vigiassem para que não viesse sobre eles o que foi dito pelo profeta. Assim, não é a apresentação clara da verdade que irá convencer os homens. Embora claramente proposta, a verdade ainda pode ser obscura para eles: “Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto. Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos” (2 Coríntios 4:3-4). Seus entendimentos precisam ser divinamente abertos para que possam compreender as Escrituras (Lucas 24:45)!

 

Os objetos desta escuridão são espiritualmente insensíveis e tolos. Isso é o que os impede de fazer um verdadeiro exame de seus corações. Eles veem apenas o homem exterior, e não sentem a ferida mortal que está por dentro. Há um mar de corrupção, mas é imperceptível. A santidade, beleza e retidão de sua natureza já se foram, mas eles estão mui despreocupados. Eles são miseráveis e pobres, cegos e nus, mas são totalmente inconscientes disso. Isso é o que faz com que os não-regenerados prossigam em um curso de rebelião contra o Senhor, e ao mesmo tempo concluam que todas as coisas estão bem com eles. Assim, eles vivem de forma segura e feliz. Como se a bondade de Deus não os quebrantasse, nem os Seus mais dolorosos juízos os movem a consertarem os seus caminhos. Muito longe disto, eles são semelhantes ao ímpio rei Acaz, de quem está registrado: “E ao tempo em que este o apertou, então ainda mais transgrediu contra o Senhor” (2 Crônicas 28:22); quão louca e desafiadoramente as massas se comportaram durante a batalha da Grã-Bretanha! Então, mesmo agora, enquanto a paz de todo o mundo está tão seriamente ameaçada: “Senhor, a tua mão está exaltada, mas nem por isso a veem” (Isaías 26:11).

 

Este espaço vai permitir-nos de mencionar apenas um outro efeito, e é o que está em Efésios 4:17: “A vaidade de sua mente”. As coisas na Escritura são ditas ser vãs quando são inúteis e infrutíferas; em Mateus 15:9, significa “sem propósito”. Por isso, os ídolos das nações e os ritos utilizados na sua adoração são chamados de coisas vãs (Atos 15:15). Em 1 Samuel 12:21, coisas vãs seriam aquelas “que nada aproveitam”. Isto também é sinônimo de loucura, pois em Provérbios 12:11, os homens vãos são todos como aqueles que são “faltos de juízo”. Em Jeremias 4:14, coisas vãs estão unidas com “maldade”, assim homens vãos pecaminosos e filhos de Belial são sinônimos (2 Crônicas 13:7). Esta vaidade da mente induz o homem natural a perseguir sombras e perder a substância, a envolver-se com invenções em vez de realidades, a preferir a mentira ao invés da verdade. Isso é o que leva os homens a seguirem a moda e se deleitarem com os prazeres de um mundo vão. Esta vaidade pecaminosa da mente está em todos os tipos de pessoas e idades agindo em si mesma com imaginações insensatas, pelo que cuidam de agradar à sua carne e às suas concupiscências. Ela se manifesta em um ódio de pensar sobre as coisas sagradas, de forma que, quando sob a pregação da Palavra a mente vagueia como uma borboleta no jardim. Ela “apascenta de estultícia” (Provérbios 15:14), e tem uma curiosidade inquietante para saber dos outros.

 

2. Dureza de coração. O coração é o centro do nosso ser moral, do qual fluem as fontes da vida (Provérbios 4:23, cf. Mateus 12:35). A natureza deste é ao mesmo tempo indicada por ele ser descrito como um “coração de pedra” (Ezequiel 11:19). A figura é muito adequada. Como uma pedra nada mais é que um produto da terra, assim tem a propriedade da terra, pesada e com tendência a cair. Assim, é com a mente natural: as afeições dos homens são totalmente postas sobre o mundo, e se Deus fez o homem reto, com a cabeça erguida, agora a alma está abatida até o pó. A maldição física pronunciada sobre a serpente também é cumprida em sua semente, pois as coisas sobre as quais eles se nutrem tornam às cinzas, assim, que aquele pó é o alimento deles (Isaías 65:25). O pecado deixa o coração do homem tão calejado que, para com Deus, é sem amor e sem vida, frio e insensível. Essa é uma razão pela qual a lei moral foi escrita em tábuas de pedra: para representar emblematicamente o tipo de coração que os homens tinham, como é claramente implícito o contraste apresentado em 2 Coríntios 3:3. O coração de pedra é tolo e inflexível.

 

O coração do regenerado também é comparado a uma “rocha” (Jeremias 23:29), e uma “pedra de diamante” (Zacarias 7:12), que é mais duro do que uma pederneira. Semelhantemente também os não-regenerados são chamados de “duros de coração” (Isaías 46:12), e em Isaías 48:4, Deus diz: “Porque eu sabia que eras duro, e a tua cerviz um nervo de ferroo, e a tua testa de bronze”. Esta dureza é frequentemente atribuída ao pescoço (“dura cerviz”), esta é uma figura da obstinação do homem extraída a partir do exemplo dos bois indomados que não aceitam o jugo. Esta dureza se evidencia por uma completa ausência de sensibilidade espiritual, pois eles não se importam com a bondade de Deus, não têm temor de Sua autoridade e majestade, e não temem a sua ira e vingança, uma apresentação das alegrias do Céu ou dos horrores do Inferno não lhes causam nenhuma impressão. Como o antigo profeta lamentou: “Ó vós que afastais o dia mau” (Amós 6:3), rechaçando-os de seus pensamentos como um assunto desagradável sobre o qual meditar. Eles não têm nenhum sentimento de culpa, nem consciência de ter ofendido o seu Criador, nem se assombram por Sua ira permanecer sobre eles, antes estão seguros e à vontade em seus pecados. Até o momento em que o pecado se torne um fardo para eles, ele é a substância e deleite do desfrute de seus prazeres temporais.

 

Parte 2

Essa dureza de coração a que se fez referência no encerramento do nosso último capítulo é a perversidade e obstinação da natureza do homem caído, o que faz com que ele resolva continuar no pecado, sem se importar com as consequências do mesmo. A dureza de coração faz com que ele aborreça ser repreendido pela sua própria loucura, e que se recuse a abandona-la, não importa quais métodos sejam ordenados e usados para isso. O profeta fez menção a isso em seus dias, para se referir àqueles que haviam sido advertidos ​​por juízos violentos, e estavam naquele tempo sob as repreensões mais solenes da providência, Deus tinha a dizer sobre eles, “Não me querem dar ouvidos a mim; pois toda a casa de Israel é de fronte obstinada e dura de coração” (Ezequiel 3:7). Assim também o Senhor Jesus se queixou: “Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes” (Mateus 11:17). As súplicas mais comoventes e postulações cativantes não moverão o não-regenerado a aderir ao que é absolutamente necessário para sua paz presente e felicidade final. “São como a víbora surda, que tapa os ouvidos, para não ouvir a voz dos encantadores, do encantador sábio em encantamentos” (Salmo 58:4-5; e cf. Atos 8:57).

 

Os corações dos regenerados são flexíveis e maleáveis, facilmente dobrados à vontade de Deus, mas os corações dos ímpios são tão apegados aos seus desejos a ponto de serem inatingíveis por qualquer apelo. Há uma disposição tão firme contra as coisas celestiais que permanecem indiferentes às ameaças mais alarmantes e trovões. Eles nem são convencidos pelos argumentos mais convincentes nem vencidos pelos incentivos mais tentadores. Eles são tão viciados na autossatisfação que eles não podem ser persuadidos a tomar o jugo de Cristo sobre eles. Em Zacarias 7:11-12, é dito: “Eles, porém, não quiseram escutar, e deram-me o ombro rebelde, e ensurdeceram os seus ouvidos, para que não ouvissem. Sim, fizeram os seus corações como pedra de diamante, para que não ouvissem a lei, nem as palavras que o Senhor dos Exércitos enviara pelo seu Espírito por intermédio dos primeiros profetas; daí veio a grande ira do Senhor dos Exércitos”. Eles são menos suscetíveis a serem forjados pelo pregador para receber qualquer impressão de santidade do que o granito é para ser gravado pela ferramenta do artífice. Eles desprezam ser controlados e se recusam a receber admoestação. Eles são “uma geração contumaz e rebelde” (Salmo 78:8), não estando sujeitos nem à lei e nem ao Evangelho. As doutrinas do arrependimento, da autonegação e do andar com Deus, não encontram entrada em seus corações.

 

3. Afeições desordenadas. Alguns escritores ampliam mais e outros menos o escopo do termo “afeições”, e talvez seja um ponto discutível tanto teológica quanto psicologicamente se a natureza do desejo deve ser incluída ou considerada separadamente no âmbito das afeições. No sentido mais amplo, em relação às afeições pode-se dizer que são a faculdade sensível da alma. Assim como o entendimento é o poder que julga e discerne as coisas, assim as afeições fascinam e dispõem a alma a favor ou contra os objetos contemplados. É pelas afeições que a alma torna-se satisfeita ou insatisfeita com o que é percebido pelos sentidos corporais ou contemplado pela mente e, assim, movida a aprovar ou rejeitar. Como distinguir os dois? A vontade é essa faculdade que executa a decisão final da mente ou o desejo mais forte das afeições, o que motiva a ação. Posto que as afeições pertencem ao lado sensível da alma, estamos mais conscientes de suas agitações do que dos atos de nossas mentes ou vontades. Neste capítulo vamos empregar o termo na sua mais ampla latitude, incluindo os desejos, pois o que os apetites são para o corpo as afeições são para a alma.

 

Goodwin comparou o desejo natural ao estômago para o corpo. É um vazio completo, feito para receber o que vem de fora, ansiando por um objeto satisfatório. Sua linguagem universal é: “Quem nos mostrará o bem?” (Salmo 4:6). Agora o próprio Deus é o bom chefe do homem, o único que pode pagar a real, duradoura e plena satisfação. No início Ele o criou à Sua própria semelhança; assim como a agulha da bússola sempre se move para o norte, deste modo a alma tocada com a imagem Divina deve levar o entendimento, afeições e vontade, para Ele mesmo. Ele também colocou a alma em um corpo material, e que, neste mundo, arranjando-os um ao outro, lhes forneceu todos os elementos necessários e adequados para cada parte do complexo ser do homem. O desejo natural levou a alma à criatura, mas apenas como um meio de desfrutar de Deus. As maravilhas da obra de Deus foram feitas para serem admiradas, mas, principalmente, como a indicação de Sua sabedoria. A comida deveria ser usada e apreciada, apenas a fim de aprofundar a gratidão pela bondade do Doador e fornecer força para servi-lO. Mas, infelizmente, quando o homem apostatou, seu entendimento, afeições e vontade se divorciaram de Deus e o exercício destes passou a ser dirigidos somente pelo amor-próprio.

 

Originalmente, o Senhor sustentou e dirigiu a ação das afeições humanas para Si mesmo. Então, Ele reteve o poder, e deixou os nossos primeiros pais por conta própria em sua condição de criatura e, em consequência seus desejos vaguearam buscando alegrias proibidas. Eles procuraram a sua felicidade não na comunhão com o seu Criador, mas na relação com a criatura. Tal como os seus filhos, desde então, eles adoraram e serviram mais a criatura do que o Criador. O resultado foi desastroso em extremo: eles se apartaram do Santo. Isso foi enfaticamente evidenciado por sua tentativa de esconder-se dEle, se o prazer deles estivesse em Deus como seu principal bem, o desejo de ocultação não poderia ter possuído suas mentes. E, como aconteceu com Adão e Eva, assim tem sido com todos os seus descendentes. Muitos provérbios expressam esta verdade geral: “O fluxo não pode subir mais alto do que a fonte”. “Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?” [Mateus 7:16] […] A linhagem do pai da família humana produz descendentes de sua própria natureza. “E, todavia, dizem a Deus: Retira-te de nós; porque não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos” (Jó 21:14), isto é o que os corações e as vidas de todos os não-regenerados dizem ao Todo-Poderoso.

 

O centro natural da alma do homem não caído, tanto para seu descanso e prazer, era o Único que lhe deu existência e, portanto, Davi diz: “Volta, minha alma, para o teu repouso” (Salmo 116:7). Mas o pecado tem levado os homens a “recuar” de segui-lO, e “apartar-se do Deus vivo” (Hebreus 10:38, 3:12). Deus não deveria apenas ser a porção deleitosa dAquele a quem Ele fez à Sua imagem, mas também o fim último de todos os seus movimentos e ações, e seu objetivo deveria ser o de glorificá-lO e agradá-lO em todas as coisas. Mas ele deixou “o manancial de águas vivas” (Jeremias 2:13), a primavera infinita e perpétua de conforto e alegria. E agora as inclinações e desejos da natureza do homem são totalmente retirados de Deus, tudo e qualquer coisa é mais agradável para ele do que Deus, que é a soma de toda excelência; ele faz das coisas temporais e sensuais o seu bem principal, e o agradar de si mesmo o seu fim supremo. É por isso que as suas afeições são denominadas “ímpias concupiscências” (Judas 18), eles estão todos alienados de Deus. Eles não gostam da Sua santidade, não possuem nenhum desejo de comunhão com Ele, nenhum desejo de tê-lO em seus pensamentos.

 

Mas o que acaba de ser pontuado (a aversão de nossas afeições por Deus) é apenas a parte privativa, o positivo é a sua conversão para outras coisas. Foi disto que Deus acusou a Israel, “Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas” [Jeremias 2:13]. Apegando-se a pobres ninharias que não lhes dão nenhuma satisfação. A criatura é preferida antes do Criador, pois toda a preocupação do homem natural está voltada para como viver à vontade no mundo, e não para honrar e deleitar-se em Deus. Assim eles observam “falsas vaidades” e “deixam a sua misericórdia” (Jonas 2:8), pois, quanto ao seu vazio, elas são vãs, e em relação às suas expectativas, “falsas vaidades”. Eles estão enganados por uma demonstração de vaidade, e o resultado é aflição de espírito, por causa da frustração de suas esperanças. Assim como o amor de Deus derramado nos corações dos redimidos não busca eles próprios (1 Coríntios 13:5), assim o amor-próprio não faz nada além disso, a saber: “todos eles se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, cada um por sua parte” (Isaías 56:11).

 

Os desejos do não-regenerado não estão apenas apartados de Deus e fixados nas criaturas, mas isso de forma excessiva e ávida. Assim, lemos de “afeições desordenadas” (Colossenses 3:5), o que significa tanto imoderadas quanto anormais, um espírito de gula e um desejo por coisas que são contrárias a Deus: “cobiçando as coisas más” (1 Coríntios 10:6). O primeiro é o pecado de intemperança, este último tendo “prazer na injustiça” (2 Tessalonicenses 2:12). O corpo é valorizado mais do que a alma, visto que todos os esforços do homem natural são direcionados para fazer provisão para a carne e para satisfazer as suas concupiscências, enquanto ele pensa pouco e cuida menos ainda de seu espírito imortal. Quando a providência sorri sobre seu trabalho, sua linguagem é: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga” (Lucas 12:19). Seus pensamentos se elevam para uma vida superior no futuro. Eles estão muito mais preocupados com a roupa e com o adorno do homem exterior do que com o cultivo de um espírito manso e tranquilo, que aos olhos de Deus é de grande valor (1 Pedro 3:4). A terra é preferida antes do Céu, as coisas temporais antes do que as eternas. Embora a morte e a sepultura possam colocar um fim a tudo o que tiveram aqui muito mais cedo do que imaginam, ainda assim os seus corações estão tão fixados sobre essas coisas que eles se alegram certos de que não serão privados dessas coisas.

 

Assim é que as afeições, que no princípio eram servas da razão, agora ocupam o trono. Aquela que é a glória da natureza humana elevando-a acima dos animais do campo é presa agora aqui e acolá pela rude turba de nossas paixões. Deus colocou no homem um instinto de felicidade para que ele encontrasse a felicidade nEle, mas agora este instinto se arrasta no pó e se derrama sobre cada vaidade. Os conselhos e as invenções da mente estão engajados para a realização dos desejos carnais do homem. Não somente as suas afeições não se deleitam nas coisas espirituais como possuem forte preconceito contra elas, pois as suas afeições correm diretamente para a gratificação de sua natureza corrupta. Seus desejos são fixados sobre mais riqueza, mais honra mundana e poder, mais alegria carnal, e porque o Evangelho não contém nenhuma promessa de tais coisas ele é desprezado. Porque inculca a santidade, a mortificação da carne, a separação do mundo e o resistir ao Diabo o Evangelho torna-se muito desagradável para eles. Pois apartar as afeições daquelas coisas materiais e temporais das quais ele fez o seu principal bem, e convertê-las às coisas espirituais invisíveis e às coisas eternas, distancia a mente carnal do Evangelho, pois este não oferece nada que atraia o homem natural mais do que os ídolos que estão no âmago de seus corações. Portanto, renunciar à sua justiça própria e fazer-se dependente de Outro é igualmente desagradável para seu orgulho.

 

As afeições não estão apenas alienadas e opostas às exigências sagradas do Evangelho, mas também opostas ao seu mistério. Esse mistério é o que as Escrituras denominam: a sabedoria oculta de Deus, e, o homem natural não somente é incapaz admira-lo e adorá-lo, mas considera-o com desprezo e contumácia. Ele olha para todas as partes de sua declaração como noções vazias e ininteligíveis. Esse preconceito tem prevalecido sobre os sábios e entendidos deste mundo em todas as épocas, e nunca tão eficazmente do que em nosso dia mau. A maior sabedoria de Deus parece loucura para todos os que andam inchados pelo orgulho de sua própria inteligência, e o que é loucura para eles é desprezado e escarnecido. Aquilo que direciona à fé mais do que a razão é repulsivo. Pois, “não te estribes no seu próprio entendimento, mas confie no Senhor de todo o coração”, é um “duro discurso” para aqueles consideram-se como tendo grande intelecto. Renunciar às suas próprias ideias, abandonar seus pensamentos (Isaías 55:7) e tornar-se como “crianças pequenas”, e dizer que sem isto eles de modo algum entrarão no reino dos céus é muitíssimo abominável para eles. Não pequena parte da depravação do homem consiste na sua disponibilidade para abraçar esses preconceitos, a aderir a eles perniciosamente, sendo totalmente impotentes para livrarem-se deles.

 

O estado desordenado de nossas afeições é visto no fato de que as ações do homem natural são reguladas muito mais por seus sentidos do que pela sua razão. Sua conduta consiste principalmente na resposta aos clamores de suas concupiscências ou invés dos ditames da razão. Os desejos de crianças são inclinados e velozes para qualquer desvio que leve à corrupção, mas lentos para exercitarem-se em fazer qualquer bem; daquele dificilmente podem ser contidos, para estes devem ser obrigados. Que as afeições estão alienadas de Deus se manifesta cada vez que Sua vontade se opõe aos nossos desejos. Esta doença aparece muito nos objetos nos quais nossas diversas afeições são colocadas. Em vez do amor estar posto em Deus, ele está centrado no mundo e na adoração de ídolos. Em vez de dirigir ódio contra o pecado, elas se opõem à santidade. Em vez de alegrar-se e encontrar o seu deleite nas coisas espirituais, gastam-se naquelas que em breve passarão. Em vez de temer agir de maneira que desagrade ao Senhor, ele teme mais as carrancas de seus companheiros. Se há dor, é pela frustração de nossos prazeres e esperanças, e não por causa da nossa desobediência. Se há compaixão, é exercida sobre si mesmo, e não em relação aos sofrimentos dos outros.

 

Agora nos resta salientar que a primeira ambição dos nossos desejos é o próprio mal. As paixões ou desejos são os movimentos da criatura dirigidos por sua natureza, para uma inclinação aos objetos que promovam o seu bem, e uma aversão àqueles que são nocivos. E, assim, eles são para a alma o que as asas são para o pássaro e as velas são para o navio. O desejo está sempre em busca da satisfação, e se é para ser satisfeito deve ser regulado pela razão correta. Mas, infelizmente, a razão foi destronada e as paixões e inclinações do homem estão sem lei, e, portanto, Suas primeiras aspirações pelos objetos proibidos são essencialmente más. Estes eram, como Mateus 5 demonstra, negados pelos rabinos, que restringiram o pecado a uma transgressão aberta e externa. Mas o nosso Senhor declarou que a raiva injustificável contra o outro se constitui um assassinato, e que olhar para uma mulher e cobiçá-la era uma violação do sétimo mandamento, que pensamentos impuros e imaginações devassas eram nada menos do que adultério. Por isso, é que a Escritura fala de “concupiscências do engano” (Efésios 4:22), “concupiscências loucas e nocivas” (1 Timóteo 6:9), “paixões mundanas” (Tito 2:12), “concupiscências carnais, que combatem contra a alma” (1 Pedro 2:11) e “paixões pecaminosas” (Judas 18).

 

Mesmo a primeira agitação de desejo por algo mau, a menor irregularidade nos movimentos da alma é pecado. Isso fica claro a partir do mandamento universal: “Não cobiçarás”, ou desejar qualquer coisa que Deus proibiu. Esse anseio irregular e maligno é chamado de “concupiscência” em Romanos 7:8 “no qual o apóstolo incluiu o desejo mental bem como o sensual” (Calvino). A palavra grega é geralmente traduzida como “desejos”; em 1 Tessalonicenses 4:5, este é encontrado em uma forma intensificada: “a paixão da concupiscência”. Estas concupiscências da alma são seus movimentos iniciais, muitas vezes, inesperados por nós mesmos, que precedem o consentimento da mente, e são designados “a vil concupiscência” (Colossenses 3:5). Eles são as sementes de onde brotam nossas más obras, as ambições originais da corrupção que habita em nós. Elas são condenadas pela lei de Deus, pois o décimo mandamento proíbe as primeiras inclinações das afeições para o que pertence a outrem, de modo que o desejo que inicia-se, antes da aprovação da mente ser obtida, é pecado, e precisa ser confessado a Deus. Gênesis 6:5 declara sobre o homem caído que “toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente”, pois pecados enquanto na sua fase embrionária, contaminam a alma, sendo o contrário à pureza que a santidade de Deus exige.

 

O que tem sido demostrado acima é repudiado pelos católicos romanos, pois enquanto eles concordam que os desejos da carne são a matéria do pecado, ou nos quais o pecado se origina, eles não vão admitir os mesmos como sendo essencialmente maus. O Concílio de Trento negou que o movimento original da alma tende para o mal é próprio do pecador, afirmando que estes só se tornam assim, quando são consentidos ou cedidos. Semelhantemente, a maioria dos Arminianos (que em muitas de suas crenças são um com os papistas) limitam o pecado a um ato da vontade. Agora é livremente confessado por todos os Calvinistas em alto e bom som que a mente entretém-se inicialmente com o desejo do mal e este é mais um grau de pecado, e que o assentimento real ao mesmo é ainda mais hediondo; mas os Arminianos, enfaticamente argumentam se o impulso original também é mau aos olhos de Deus. Se o impulso original é inocente (em si mesmo), como poderia sua gratificação ser pecado? Os motivos e excitações não sofrem qualquer alteração em sua natureza essencial em consequência de ser consentida ou incentivada. Não pode ser errado atender impulsos inocentes. O Senhor Jesus nos ensina a julgar a árvore pelos seus frutos, se os frutos forem corruptos, assim também é a árvore que a produz.

 

Em Romanos 7:7, o termo é efetivamente atribuído ao pecado: “Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás [ou desejarás]”, pois no grego a mesma palavra é empregada para ambos os termos. Aqui, então, o pecado e os desejos são usados ​​alternadamente, qualquer não-conformidade interior com a Lei é pecaminosa. Paulo estava ciente desse fato quando o mandamento foi aplicado com poder, assim como o sol que brilha em um monte de excremento faz exalar seu fedor. Os homens podem negar que o próprio desejo pelo que é proibido é culpável, mas a Escritura afirma que até mesmo as imaginação são más, os brotos da maldade, pois elas são contrárias a essa retidão de coração que a Lei exige. Observe quão terrível é esta lista que Cristo enumerou com as coisas que procedem do coração, sendo iniciada com “maus pensamentos” (Mateus 15:19). Nós não podemos conceber qualquer inclinação ou propensão para o pecado em um ser absolutamente santo; certamente não havia nenhuma no Senhor Jesus: “se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em mim” (João 14:30), nada que fosse capaz de responder às suas solicitações vis, nenhum movimento de seus apetites ou afeições dos quais ele poderia tirar proveito. Cristo estava inclinado apenas para o que é bom.

 

Porque, quando estávamos na carne [ou seja, enquanto os Cristãos estavam em seu estado não-regenerado], as paixões dos pecados [literalmente, as afeições do pecado, ou o princípio de nossas paixões], que são pela lei, operavam em nossos membros [as faculdades da alma, bem como do corpo] para darem fruto para a morte” (Romanos 7:5). Essas “afeições do pecado” são os fluxos imundos que fluem da fonte poluída de nossos corações. Eles são os primeiros sinais de nossa natureza decaída, os quais precedem os atos explícitos de transgressão. Eles são os movimentos ilegais de nossos desejos antes de examinarmos e consentirmos com os pensamentos pecaminosos da mente. “Mas o pecado [corrupção que habita em nós], tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência [ou concupiscência do mal]” (Romanos 7:8). Atente bem que para a expressão “operou em mim”, havia uma disposição poluída ou propensão para o mal operando, distinta da fonte das obras que ele produziu. O pecado que habita em nós é um princípio poderoso, constantemente exerce uma má influência, estimulando sentimentos profanos, despertando a avareza, a inimizade, maldade e etc.

 

Parte 3

Julgamos de tal importância o que foi abordado no final do nosso último capítulo, e que tão pouco o mesmo é apreendido e compreendido hoje, que agora adicionaremos mais algumas palavras a ele. A ideia popular que prevalece agora é que nada é pecado, exceto uma transgressão aberta e externa, mas tal conceito está muito aquém do exame e do ensino humilhante da Sagrada Escritura. Ela afirma que a fonte de toda a tentação está dentro do próprio homem caído, é a depravação de seu próprio coração que o induz a ouvir o Diabo ou ser influenciado pelo desregramento dos outros. Se assim não fosse, então há solicitações que induzem ao delito não teriam qualquer força, pois não haveria nada dentro dele para que fosse estimulado, nada a que essas solicitações correspondessem ou sobre as quais elas pudessem exercer qual poder. Um exemplo do mal seria rejeitado com horror se fôssemos interiormente puros. Deve haver um desejo insatisfeito para o qual a tentação recorra. Onde não há nenhum desejo por comida, uma mesa bem farta não possui poder de sedução. Se não há amor à aquisição, o ouro não pode atrair o coração. Em todos os casos a força da tentação está no poder que ela exerce sobre alguma propensão de nossa natureza caída.

 

Aqui reside a singularidade da Bíblia; a saber, a sua altíssima espiritualidade, insistindo que qualquer inclinação interior, a menor atração da alma para longe de Deus e de Sua vontade é pecaminoso e culpável, não importando se a ação é realizada ou não. Ela revela que a primeira aspiração do pecado em si é o de afastar a alma daquilo que ela deveria estar fixada, por meio de um desejo anormal por algum objeto estranho que parece prazeroso. Quando as nossas corrupções naturais são convidadas por algo externo que promete prazer ou lucro, e as paixões são atraídas pelo mesmo, então a tentação começa, e o coração é atraído após isto. Desde que o homem caído é mormente influenciado por seus desejos, estes imperaram tanto sobre a sua mente quanto sobre a sua vontade. Tão poderosos são que governam toda a sua alma; por isso é que o apóstolo disse: “vejo nos meus membros outra lei” (Romanos 7:23), pois tais desejos são imperiosos, dominando todo o homem. É pelo fato de que suas cobiças são tão violentas que os homens incorrem tão loucamente no pecado: “andam-se cansando em proceder perversamente” (Jeremias 9:5). Tiago 1:14-15 traça a origem de todo o nosso pecado, e é para esta passagem que agora nos voltamos.

 

“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”. Essas palavras mostram que o pecado invade o espírito gradualmente, e descreve as várias etapas dele ser consumado no ato exterior. Esta passagem revela que a causa da concepção de todos os pecados reside na alma de cada um, ou seja, em suas concupiscências, que ele tem dentro de si mesmo tanto a provisão quanto o estímulo para isso. Justamente sobre isto Goodwin declara: “Você nunca pode chegar a ver o quão profundamente e quão abominável criatura corrupta você é, até que Deus abra os seus olhos para que você veja as suas concupiscências”. O velho homem “se corrompe pelas concupiscências do engano” (Efésios 4:22).

 

A cobiça é tanto o útero quanto a raiz de toda a maldade que há sobre a terra. Diz o apóstolo ao povo de Deus “havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência que há no mundo” (2 Pedro 1:4) “A corrupção”, é a praga arruinando e destruindo toda a humanidade. “Que… há no mundo”, como veneno no copo, como a podridão na madeira, como uma peste que contamina o ar e a qual não se pode erradicar. Ela contamina todas as partes de um homem seja física, mental ou moral; e todos os relacionamentos de sua vida, sejam na família, sociedade ou país.

 

“Cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência”. Quando os homens são tentados eles procuram normalmente lançar o ônus sobre Deus, sobre o Diabo, ou sobre os seus companheiros; ao passo que a culpa recai inteiramente sobre si mesmos. Primeiro, suas afeições estão afastadas do que é bom e eles são incitados a uma conduta ilícita por suas inclinações corruptas, sendo atraídos por uma isca que Satanás ou o mundo chacoalhe diante dele. “Concupiscência” aqui significa um anseio ou desejo de obter alguma coisa, e é tão forte a ponto de atrair a alma para um objeto proibido. A palavra grega para “afastadas” significa forçosamente impelido, uma violência impetuosa do desejo que cobiça alguma coisa sensual ou mundana exigindo gratificação. Estas nada são senão uma espécie de vontade própria, um anseio por aquilo que Deus não concedeu, decorrente do descontentamento em relação à nossa presente condição ou porção. Mesmo que esse desejo seja passageiro e involuntário, sim, contra o nosso melhor julgamento, ainda assim, é pecaminoso, e quando consentido produz uma culpa ainda mais profunda.

 

“E engodado”. A atração pela irregularidade e veemência do desejo, a sedução acontece pela contemplação do objeto. Mas esse mesmo engodo é algo pelo qual nós somos culpados. É porque não conseguimos resistir, abominamos e rejeitamos a primeira investida do desejo ilícito, e em vez disso, o entretemos e o encorajamos, de forma que a isca pareça tão atrativa. As promessas tentadoras de prazer ou lucro, são o “o engano do pecado” (Hebreus 3:13) atuando no que nos seduz. Em seguida, o mal lhe é doce na boca, e ele o esconde debaixo da sua língua (Jó 20:12). “Depois, havendo a concupiscência concebido”: prazer antecipado é valorizado, e tendo em vista o mesmo a mente consente plenamente. O ato pecaminoso está presente em embrião, e os pensamentos estão envolvidos em maquinar formas e meios de gratificação. “Dá à luz o pecado” por um decreto da vontade, o que antes era contemplado agora é realmente perpetrado. Justamente sobre isto Thomas Manton diz: “O pecado não conhece outra mãe exceto o nosso próprio coração”. “E o pecado, sendo consumado, gera a morte”: assim o seu salário é pago e colhe-se o que foi semeado, a condenação sendo o resultado final. Tal é o progresso do pecado dentro de nós, e esses seus diversos graus de enormidade.

 

4. Consciência corrompida. Se há uma faculdade da alma do homem mais do que qualquer outra da qual poderia ser pensado ter retido a imagem original de Deus sobre ela, esta certamente é a consciência. Tal ponto de vista, de fato, foi amplamente difundido. Então eles decididamente eram desta opinião, não poucos dos filósofos mais renomados e moralistas afirmaram que a consciência não é nada menos do que a própria voz Divina falando na câmara interior do nosso ser. Mas, sem de forma alguma minimizar a grande importância e o valor deste monitor interno, seja no seu ofício ou em suas operações, deve ser declarado enfaticamente que tais teóricos erraram, que mesmo essa faculdade não escapou da ruína comum que atingiu todo o nosso ser. Isto é evidente a partir do claro ensino da Palavra de Deus sobre isto. Escritura fala de uma “fraca consciência” (1 Coríntios 8:12), dos homens “tendo cauterizada a sua própria consciência” (1 Timóteo 4:2), e é dito que a sua “consciência está contaminada” (Tito 1:15), que eles têm “má consciência” (Hebreus 10:22). A demonstração disto é feita no que se segue.

 

Aqueles que afirmam que há algo essencialmente bom no homem natural insistem que a sua consciência é uma inimiga para o mal e uma amiga para a santidade. Eles apontam e ressaltam o fato de que a consciência produz uma convicção interior contra ilegalidade, uma luta no coração contra o pecado, uma relutância este. Eles chamam a atenção para o fato de que faraó reconheceu seu pecado (Êxodo 10:16), e que Dario “ficou muito penalizado” por seu ato injusto de condenar Daniel a ser lançado na cova dos leões (6:14). Alguns têm mesmo ido tão longe a ponto de afirmar que a oposição aos maiores e mais grosseiros crimes se encontra a princípio em todos os homens diferindo pouco ou nada desse conflito entre a carne e o Espírito descrito em Romanos 7:21-23. Mas tal sofisma é facilmente refutado. Em primeiro lugar, embora seja verdade que o homem caído possui uma noção geral de certo e errado, e seja capaz, em alguns casos de discernir entre o bem e o mal, contudo enquanto ele permanece não-regenerado este instinto moral nunca faz com que ele se deleite cordialmente no bem ou realmente abomine o mal; e em qualquer medida que possa aprovar o bem ou reprovar o mal, isto não se deriva de nenhuma consideração por Deus que porventura ele possua.

 

A consciência só é capaz de trabalhar de acordo com a luz que tem, e uma vez que o homem natural não pode discernir as coisas espirituais (1 Coríntios 2:14), isso é inútil em relação a elas. Quão fraca é a sua luz! É mais parecida com a de uma vela brilhando do que com os raios do sol, apenas suficiente para fazer a escuridão visível. Devido à estultícia que se encontra em seu entendimento, a sua consciência é terrivelmente ignorante. E quando ela o faz descobrir o que lhe é hostil, fá-lo débil e ineficazmente. Em vez de esclarecer, na maioria das vezes confunde. Como isso é manifesto no caso das nações! A consciência dá-lhes um sentimento de culpa e, em seguida, os leva a praticar os ritos mais abomináveis ​​e muitas vezes desumanos. Ela os induz a inventar e propagar as deturpações mais ímpias da Divindade. Como um bálsamo para a sua consciência, eles muitas vezes fazem os próprios objetos de sua adoração os precedentes e patronos de seus vícios favoritos. O fato é que a consciência é tão tristemente deficiente a ponto de ser incapaz de cumprir o seu dever até que Deus a ilumine, desperte e renove.

 

Suas operações são igualmente defeituosas. A consciência não é defeituosa apenas na visão, mas a sua voz também é muito fraca. Quão fortemente ela deveria censurar-nos por nossa surpreendente ingratidão para com o nosso grande Benfeitor! Quão alta deveria ser a voz para opor-se contra a negligência estúpida de nossos interesses espirituais e bem-estar eterno. No entanto, ela não faz nem uma coisa nem outra. Embora ela ofereça alguns avisos sobre inocorrências grosseiras no pecado, não faz resistência aos trabalhos mais sutis e secretos da corrupção que em nós habita. Se ela demanda o cumprimento do dever, ignora a parte mais importante e espiritual do mesmo. Pode ser desconfortável se não conseguirmos passar a mesma quantidade de tempo todos os dias na oração secreta, mas está pouco preocupada com a nossa reverência, humildade, fé e fervor nela. Aqueles que viviam nos dias do profeta eram culpados de oferecer a Deus sacrifícios defeituosos, ainda assim suas consciências nunca lhes perturbaram em relação a isto (Malaquias 1:7-8). A consciência pode ser muito escrupulosa no cumprimento dos preceitos dos homens ou nossas predileções pessoais, e ainda totalmente negligente naquelas coisas que o Senhor ordenou, como os Fariseus que não comiam enquanto suas mãos permanecessem cerimonialmente impuras, porém, desconsideravam o que Deus havia ordenado (Marcos 7:6-9).

 

A consciência é terrivelmente parcial: desconsiderando pecados favoritos e desculpando aqueles que mais de mais perto nos rodeiam. Todas essas tentativas de atenuar as nossas faltas são fundadas na ignorância de Deus, de nós mesmos e do nosso dever; caso contrário, a consciência nos daria o veredito de culpados. A consciência muitas vezes se junta às nossas concupiscências para incentivar um ato perverso. Saul disse que ele não ofereceria o sacrifício até que Samuel chegasse, mas para agradar as pessoas e impedir que elas o abandonassem, ele o fez. E quando esse servo de Deus o repreendeu o rei procurou justificar seu crime dizendo que os filisteus estavam reunidos contra Israel, e que ele não se atreveu a atacá-los antes de fazer súplicas a Deus, e acrescentou: “constrangi-me, e ofereci holocausto” (1 Samuel 13:8-12). A consciência se esforçará para encontrar alguma consideração com a qual apaziguar-se e, em seguida, aprovar o ato de maldade. Mesmo quando repreende certos pecados, ela encontrará motivos e arranjará incentivos para praticá-lo. Assim, quando Herodes estava prestes a cometer o assassinato covarde de João Batista, que era contra as suas convicções, a sua própria consciência veio em seu auxílio, e pediu-lhe para seguir em frente, instando que ele não deveria violar o juramento que ele havia feito diante de outros (Marcos 6:26).

 

A consciência frequentemente ignora grandes pecados enquanto condena outros menores, como Saul era severo com os israelitas em relação à violação da lei cerimonial (1 Samuel 14:33), mas não teve nenhum escrúpulo de matar oitenta e cinco sacerdotes do Senhor. A consciência ainda inventará argumentos que favorecem — sim, até mesmo autorizam — os atos mais ultrajantes e, portanto, ela não é apenas um advogado corrupto pleiteando a causa do mal, mas um juiz corrupto que justifica o ímpio. Assim, aqueles que clamavam pela crucificação de Cristo o fizeram sob o pretexto de que era lícita e necessária: “Nós temos uma lei e, segundo a nossa lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus” (João 19:7). Não é de admirar que o Senhor diz a respeito dos homens que “ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas” (Isaías 5:20). A consciência nunca move o homem natural a reder ações de graças e reconhecimento a Deus; nunca o convence da culpa pesada da ofensa de Adão, que jaz sobre a sua alma, nem de sua falta de fé em Cristo; e assim a consciência permite que os pecadores durmam em paz em meio a sua terrível incredulidade, mas estes não são um sono e paz sólidos, pois não há razão ou motivo para isso: é, antes, uma segurança falsa e estúpida. Deus a seu respeito: “Eles não dizem no seu coração que eu me lembro de toda a sua maldade” (Oseias 7:2).

 

Suas acusações são ineficazes, pois não produzem bons frutos, não produzem mansidão e humildade, nem arrependimento genuíno, mas sim um medo sensível de Deus como um juiz severo ou um ódio como inimigo inexorável. As suas acusações não são apenas ineficazes, mas muitas vezes elas são muito errôneas. Por causa da escuridão que está sobre sua compreensão, a percepção moral do homem natural erra muito. Como Thomas Boston disse da consciência corrupta: “Por isso, ela é frequentemente como um cavalo louco e furioso, que violentamente derruba, o seu cavaleiro, e todos que entram em seu caminho”. Um terrível exemplo disto aparece na previsão de nosso Senhor em João 16:2, que recebeu cumprimento repetido em Atos: “Expulsar-vos-ão das sinagogas; vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus”. Da mesma maneira Saulo de Tarso, depois de sua conversão, reconheceu: “Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos” (Atos 26:9). Aqui fazer do “amargo, doce e do doce, amargo” foi o caso! O guia menos confiável é a consciência não-renovada.

 

Mesmo quando a consciência do não-regenerado é despertada pela mão imediata de Deus e é ferida com convicções profundas e dolorosas de pecado, tão longe está a alma de mover-se em busca da misericórdia de Deus através do Mediador, antes enche-se de tremor e consternação. Como Jó 6:4, declara, quando as flechas do Todo-Poderoso estão cavadas nele, o veneno delas embebe seu espírito, e os terrores de Deus o assaltam. Até então tal pessoa tinha feito um grande esforço para abafar as acusações de seu juiz interior, e agora ele iria fazê-lo de bom grado, mas não pode. Em vez disso, a consciência se enfurece e murmura, colocando todo o homem em uma consternação terrível, à medida que é aterrorizado por um senso da ira de um Deus santo e está com medo do ardor do fogo que há de devorar os Seus adversários. Isso o enche de tal horror e desespero que, em vez de se voltar para o Senhor que ele se esforça para fugir dEle. Assim foi o caso de Judas, que, quando foi levado a perceber a gravidade de sua terrível e vil ação, saiu e enforcou-se. Que esta violência do pecado dentro do homem natural o leva a desviar-se de Cristo ao invés de para Cristo, foi demonstrada pelos Fariseus em João 8:9, que, “redarguidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos”.

5. Incapacidade da Vontade. Deixamos isso por último, porque a vontade não é o senhor, mas o servo das outras faculdades, executando a convicção mais forte da mente ou o comando mais imperioso de nossas paixões, pois pode haver apenas uma influência dominante na vontade em um e mesmo tempo. A excelência da vontade do homem consistia, originalmente, em seguir a orientação da reta razão e submeter-se à influência de autoridade apropriada. Mas no Éden a vontade do homem rejeitou a primeira, e se rebelou contra a última, e em consequência da Queda sua vontade tem estado desde então sob o controle de um entendimento que prefere antes as trevas do que a luz e de afeições que desejam mais o mal do que o bem. E assim é que os prazeres fugazes do bom senso e os interesses mesquinhos do tempo excitam nossos desejos, enquanto os deleites duradouros da piedade e as riquezas da imortalidade recebem pouca ou nenhuma atenção. A vontade do homem natural é influenciada por suas corrupções, pois suas inclinações gravitam na direção oposta ao seu dever e, portanto, ele está completamente cativo ao pecado, impelido por suas paixões. Não é apenas que os não-regenerados não estão dispostos a buscar a santidade, eles inveteradamente a odeiam.

 

Desde que a vontade transformou-se em uma traidora de Deus e apresentou-se ao serviço de Satanás, ela foi completamente incapacitada para fazer o bem. Disse o Salvador: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (João 6:44). E por que ele não pode vir a Cristo por suas próprias forças naturais? Porque ele não somente tem inclinação para fazer isso, mas porque o Salvador é um objeto que o repele, Seu jugo não é bem-vindo, Seu cetro é repulsivo. Em relação às coisas espirituais a condição da vontade é como a da mulher em Lucas 13:11, ela “andava curvada, e não podia de modo algum endireitar-se”. Se tal for o caso, então como pode ser dito que o homem é capaz de agir voluntariamente? Pois ele escolhe livremente o mal, e isso porque “a alma do ímpio deseja o mal” (Provérbios 21:10), e ele sempre realiza esse desejo, exceto quando impedido pelo governo Divino. O homem é o escravo de suas corrupções, nascido como um potro selvagem, desde a mais tenra infância ele é avesso à restrição. A vontade do homem é uniformemente rebelde para com Deus; quando a providência frustra seus esforços, em vez de se curvar em humilde resignação, ele se aborrece com inquietação e age como um touro selvagem em uma rede. Somente o Filho pode “libertá-lo” (João 8:36), e há “liberdade” somente onde está o Espírito do Senhor. (2 Coríntios 3:17).

 

Aqui, então, estão as ramificações da depravação humana. A Queda cegou a mente do homem, endureceu o seu coração, desordenou as suas afeições, corrompeu a sua consciência, mitigou a capacidade de sua vontade, e deste modo não há “coisa sã” nele (Isaías 1:6), “não habita bem algum” em sua carne (Romanos 7:18). 

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