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A Necessidade de Interpretação da Sagrada Escritura

Esse texto foi adaptado a partir do livro A Interpretação das Escrituras (Adquira este livro nos formatos eBook/Amazon & Físico)

O homem é notoriamente uma criatura de extremos, e em nenhum lugar esse fato se faz mais evidente do que na atitude tomada por aqueles que diferem quanto a esse assunto. Considerando que alguns têm afirmado que a Bíblia está escrita em uma linguagem tão simples, que não exige nenhuma explicação, um número muito maior suportou os papistas buscando persuadi-los de que seu conteúdo é tão acima do alcance do intelecto natural, que seus assuntos são profundos e elevados, que a sua linguagem é tão obscura e ambígua, que o homem comum é totalmente incapaz de compreendê-la por seus próprios esforços, e, portanto, é um ato de sabedoria de sua parte trazer suas conclusões ao julgamento da “santa mãe igreja”, que descaradamente afirma ser o único intérprete divinamente autorizado e qualificado dos oráculos de Deus. É assim que o papado retém a Palavra de Deus dos leigos e lhes impõe seus próprios dogmas e superstições. A maior parte dos leigos está muito contente que isso seja assim, pois dessa forma eles sentem-se livres da obrigação de examinarem as Escrituras por si mesmos. O caso também não é muito melhor com muitos protestantes, pois na maioria dos casos são muito indolentes por eles mesmos, e apenas acreditam no que ouvem nos púlpitos.

A principal passagem invocada pelos romanistas, em uma tentativa de reforçar a sua argumentação perniciosa de que a Bíblia é um livro perigoso — por causa de sua suposta obscuridade — se posto nas mãos das pessoas comuns, é 2 Pedro 3:15-16. É nessa passagem que o Espírito Santo nos disse que o apóstolo Paulo, de acordo com a sabedoria dada a ele, falou em suas epístolas de “pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2 Pedro 3:16). Mas, como Calvino há muito tempo apontou, “não somos proibidos de ler as epístolas de Paulo, pelo fato de elas conterem algumas coisas difíceis de entender, pelo contrário, elas são recomendadas para nós, pois podem nos proporcionar uma mente mansa e ensinável”. Deve-se notar também nesse versículo que há “pontos”, e não que há “muitos pontos”, e que eles são “difíceis de entender”, e não “impossíveis de serem entendidos”! Além disso, a obscuridade não está neles, mas na depravação da nossa natureza que resiste às exigências da parte de Deus e no orgulho de nossos corações, que despreza a busca da iluminação provinda de Deus. O termo “indoutos” aqui se refere não ao analfabetismo, mas ao ser ignorante a respeito de Deus; e “inconstantes” são aqueles que não possuem nenhuma convicção, os quais, como cataventos, viram-se à medida que um vento de doutrina sopra sobre eles.

Por outro lado, existem algumas almas mal orientadas que suportam que o pêndulo seja movido para o extremo oposto, negando que as Escrituras precisam de qualquer interpretação. Eles asseveram que elas foram escritas para as almas simples, e que elas dizem o que significam e significam o que elas dizem. Eles insistem que é necessário crer na Bíblia, e não a explicar. Todavia, é errado colocar essas coisas em oposição uma à outra: ambas são necessárias. Deus não requer de nós uma fé cega, mas uma fé inteligente, e por isso três coisas são indispensáveis: que a Sua Palavra deva ser lida (ou ouvida), compreendida e que nos apropriemos dela pessoalmente. Ninguém menos do que o próprio Cristo exortou: “Quem lê, entenda” (Mateus 24:15) — a mente deve ser exercitada sobre o que é lido. Que uma certa quantidade de compreensão é imperativa é mais claramente mostrado na parábola de nosso Senhor acerca do semeador e da semente: “Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração… Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve e compreende a palavra” (Mateus 13:19, 23). Então não poupemos nenhum esforço para chegarmos ao significado do que lemos, pois que uso podemos fazer do que é ininteligível para nós?

Outros tomam a posição de que o único intérprete que eles precisam, o único que é adequado para essa tarefa, é o Espírito Santo. Eles citam: “E vós tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas… E a unção que vós recebestes dele fica em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine” (1 João 2:20, 27). Declarar que eu não preciso de ninguém, senão do Espírito Santo, para me ensinar pode soar muito honroso a Ele, mas isso é de fato verdade? Todas as afirmações humanas devem ser testadas, pois nada deve ser dado como certo à medida que as coisas espirituais estão em causa. Nós respondemos que essa posição não é honrosa ao Espírito Santo, caso contrário Cristo teria agido inutilmente ao dar “pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério” (Efésios 4:11-12). Devemos sempre ter em mente que há um passo muito curto entre confiar em Deus e tentá-lO, entre a fé e a presunção (Mateus 4:6-7). Também não devemos esquecer qual é o método comum e usual que Deus usa para suprir as necessidades de Suas criaturas, a saber, de forma mediada, e não imediatamente, por causas secundárias e por agentes humanos. Isso diz respeito tanto ao reino espiritual quanto ao natural. Aprouve a Deus dar ao Seu povo instrutores capacitados, e em vez de ignorá-los com altivez devemos (após testarmos o seu ensino — Atos 17:11) aceitar com gratidão qualquer auxílio que eles possam nos conceder.

Longe de nós escrevermos qualquer coisa que venha a desencorajar o jovem crente de reconhecer e perceber sua dependência de Deus e sua necessidade de estar constantemente voltando-se para Ele em busca de sabedoria do alto, e isso particularmente quando estiver engajado na leitura ou na meditação sobre a Sua Santa Palavra. No entanto, ele deve ter em mente que o Altíssimo não obriga a Si mesmo a responder às nossas orações de qualquer maneira ou forma particular. Em alguns casos, Ele tem o prazer de iluminar nosso entendimento direta e imediatamente, porém mais frequentemente Ele nos ilumina através da instrumentalidade de outros. Assim, Ele não somente nos afasta individualmente do orgulho, mas também honra aquilo que Ele mesmo institui, pois Ele nomeou homens qualificados para “alimentar o rebanho” (1 Pedro 5:2) e para “lhes falar a palavra de Deus”; a fé dos quais somos convidados a imitar (Hebreus 13:7). É verdade que, por um lado, Deus tem escrito Sua Palavra como um caminho santo, de modo que aquele que nele caminha, mesmo que seja um tolo, não errará (Isaías 35:8); e ainda assim, por outro lado, há os “mistérios” e os “profundezas de Deus” (1 Coríntios 2:10); e enquanto há “leite” adequado para os pequeninos há também “alimento sólido”, que pertence apenas àqueles que são experientes (Hebreus 5:13-14).

Passemos agora do geral para o particular; permita-nos evidenciar que existe uma real necessidade de interpretação.

Em primeiro lugar, a fim de explicar as aparentes contradições, tais como: “Tentou[1] Deus a Abraão, e disse-lhe… Toma agora o teu filho, o teu único filho… e oferece-o ali em holocausto” (Gênesis 22:1-2 — tradução literal). Agora coloque ao lado dessa declaração o testemunho de Tiago 1:13: “Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta”. Esses versículos parecem claramente contradizer um ao outro, mas o crente sabe que esse não é o caso, embora ele possa falhar em demonstrar que não há inconsistência nelas. É, portanto, o significado desses versículos que deve ser verificado. E isso não é muito difícil. Claramente a palavra “tentar” não é usada no mesmo sentido em ambas as passagens. A palavra “tentar” tem tanto um significado primário quanto um secundário. Primariamente, essa palavra significa experimentar, provar, fazer teste. Em segundo lugar, significa desencaminhar, seduzir ou incitar ao que é mau. Sem sombra de dúvida, o termo é usado em Gênesis 22:1 em seu sentido primário, pois, mesmo que não houvesse ocorrido a intervenção divina no último momento, Abraão não haveria cometido nenhum pecado em matar Isaque, uma vez que Deus lhe havia ordenado a fazê-lo.

Pela tentação do Senhor a Abraão nessa ocasião, devemos entender que Ele não buscava incitá-lo a fazer o que é mau como Satanás faz, mas sim que Ele provou a lealdade do patriarca, dando-lhe a oportunidade de mostrar o seu temor, sua fé e seu amor para com Ele. Quando Satanás tenta, ele coloca uma sedução diante de nós com o objetivo de nos levar à ruína; mas, quando Deus nos tenta ou prova, Ele tem em Seu coração o nosso bem-estar. Toda provação é, portanto, uma tentação, pois ela serve para manifestar a disposição predominante do coração — seja ela santa ou profana. Cristo “em tudo foi tentado, mas sem (habitação de) pecado” (Hebreus 4:15). Sua tentação era real, mas não houve conflito dentro dEle (como há em nós) entre o bem e o mal — Sua santidade inerente repeliu as ímpias sugestões de Satanás como a água repele fogo. Devemos ter “grande gozo quando cairmos em várias tentações” ou “em várias provações” [Cf. Tiago 1:2], uma vez que estas são meios para mortificar nossas concupiscências, testes de nossa obediência e oportunidades para provar a suficiência da graça de Deus. Obviamente que não somos chamados a ter grande gozo nos estímulos ao pecado em si!

Outrossim, “o Senhor está longe dos ímpios” (Provérbios 15:29), e ainda em Atos 17:27 somos informados de que Ele “não está longe de cada um de nós” — essas palavras foram dirigidas a um público pagão! Essas duas declarações parecem se contradizer, sim, e, a menos que elas sejam interpretadas, de fato elas se contradizem. Deve-se, então, verificar em que sentido Deus “está longe” e em que sentido Ele “não está longe” dos ímpios — isto é o que quero dizer por “interpretação”. Uma distinção deve ser feita entre a presença poderosa ou providencial de Deus e Sua presença favorável. No que diz respeito à Sua essência espiritual ou onipresença, Deus está sempre perto de todas as Suas criaturas (pois Ele “enche os céus e a terra” — Jeremias 23:24) sustentando as suas existências, conservando suas almas em vida (Salmos 64:9), concedendo-lhes as misericórdias de Sua providência. Mas desde que os maus estão longe de Deus em suas afeições (Salmos 73:27), dizendo em seus corações: “Retira-te de nós; porque não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos” (Jó 21:14), desse modo a Sua presença graciosa está longe deles: Ele não Se manifestará a eles, nem tem comunhão com eles, nem ouve suas orações (“ao soberbo conhece-o de longe” — Salmos 138:6), nem lhes socorrerá no momento da sua necessidade, e ainda vai ordenar-lhes: “Apartai-vos de mim, malditos” (Mateus 25:41). Em relação àqueles a quem o justo Deus está graciosamente perto, está escrito: “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito. Perto está o Senhor de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade” (Salmos 34:18, 145:18).

Vejamos mais um exemplo: “Se eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro” e “Ainda que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro” (João 5:31, 8:14). Outro par de opostos! No entanto, não há nenhum conflito entre essas passagens quando corretamente interpretadas. Em João 5:17-31, Cristo estava declarando sete vezes Sua igualdade com o Pai: pela primeira vez em serviço, em seguida, na vontade. O versículo 19 significa que Ele não poderia fazer nada que fosse contrário ao Pai, pois Eles eram de perfeito acordo (veja v. 30). Da mesma forma, Ele não podia dar testemunho de Si mesmo independentemente do Pai, pois isso seria um ato de insubordinação. Em vez disso, Seu próprio testemunho estava em perfeito acordo com isso, ou seja, o próprio Pai (v. 37) e as Escrituras (v. 39) davam testemunho de Sua Divindade absoluta. Mas em João 8:13-14, Cristo estava dando uma resposta direta aos fariseus, os quais disseram que Seu testemunho era falso. Isso Ele negou enfaticamente, e apelou novamente para o testemunho do Pai (v. 18). Agora, vejamos um último exemplo: “Eu e o Pai somos um” e “Meu Pai é maior do que eu” (João 10:30, 14:28). Na primeira passagem, Cristo estava falando de Si mesmo de acordo com o Seu ser essencial; na última, Cristo se referia ao Seu caráter de mediação ou posição oficial.

Em segundo lugar, a interpretação é necessária para evitar sermos enganados pelo mero som das palavras. Muitíssimos têm formado concepções erradas da língua utilizada em diferentes versículos por causa de sua incapacidade de compreender seu sentido. Para muitos, parece algo ímpio dar um significado diferente a um termo além daquele que parece ser seu significado óbvio; e mais, uma advertência suficiente contra isso deve ser dada no caso daqueles que tão fanática e teimosamente se apegam às Palavras de Cristo: “este [pão ázimo] é o meu corpo”, a ponto de recusarem-se a permitir que essa expressão deva significar: “isto representa o meu corpo” — caso semelhante aparece em: “os sete castiçais, que viste, são [ou seja, simbolizam] as sete igrejas” (Apocalipse 1:20). Essa advertência estende-se ainda ao erro do universalismo, o qual se baseia em termos indefinidos e lhes dá um significado ilimitado. O arminianismo erra no mesmo sentido. “Para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hebreus 2:9), aqui Caim, Faraó e Judas não devem ser incluídos na expressão “todo homem”. Essa expressão deve ser entendida à luz de Lucas 16:16; Romanos 12:3 e 1 Coríntios 4:5; e a expressão “todos os homens”, que aparece em 1 Timóteo 2:4-6, não deve ser entendida no sentido de todos sem exceção, mais do que quando expressões semelhantes aparecem em Lucas 3:15; João 3:26 e Atos 22:15.

“Noé era homem justo e perfeito em suas gerações” (Gênesis 6:9). De Jó, também, é dito que ele era “perfeito e reto” (1:1 – trad. lit.). Quantos se deixaram ser enganados pelo som dessas palavras! Quantos conceitos falsos têm sido formados acerca de seu próprio significado! Aqueles que acreditam no que eles denominam “a segunda bênção” ou a “santificação completa” consideram que essas passagens confirmam a sua afirmação de que a perfeição e a completa ausência de pecado são atingíveis nesta vida. No entanto, um erro tal como esse é muito indesculpável, pelo fato de que o que está escrito em seguida mostra claramente que esses homens estavam muito longe de serem sem defeito moral: um embriagou-se e o outro amaldiçoou o dia do seu nascimento. A palavra “perfeito” na passagem em questão e em passagens semelhantes significa “honesto, sincero”, que se opõe à hipocrisia. “Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos” (1 Coríntios 2:6). Em Filipenses 3:15, a palavra “perfeito” significa “maduro” como distinto de infantil e o mesmo acontece com outra ocorrência de “perfeitos” em Hebreus 5:14.

“Eu vou fazer bêbados seus príncipes, e os seus sábios… e dormirão um sono perpétuo, e jamais acordarão, diz o Rei, cujo nome é o Senhor dos Exércitos” (Jeremias 51:57). Essas palavras são citadas por materialistas grosseiros, que acreditam na aniquilação das almas dos ímpios. Eles não precisam que nos detenhamos por muito tempo, pois a linguagem é claramente figurativa. Deus estava prestes a executar o juízo sobre o orgulho da Babilônia, e como um fato histórico a cidade forte foi capturada enquanto o seu rei e seus cortesãos estavam bêbados, sendo mortos, de modo que eles não mais acordaram na terra. Que “sono eterno” não pode ser entendido literalmente é absolutamente evidente a partir de outras passagens que anunciam expressamente a ressurreição dos ímpios — Daniel 12:2, João 6:29.

“Não viu iniquidade em Israel, nem contemplou maldade em Jacó” (Números 23:21). Muitas vezes essas palavras têm sido consideradas separadamente, sem qualquer relação com o seu contexto. Elas constituíam uma parte da explicação de Balaão a Balaque, do motivo pelo qual ele não podia amaldiçoar a Israel para que este fosse exterminado pelos midianitas. Tal linguagem não significa que Israel estava em um estado sem pecado, mas que até então eram livres de qualquer rebelião aberta ou apostasia contra Yahwéh. Eles não haviam sido culpados de qualquer crime hediondo como idolatria. Eles haviam se portado de modo a não serem considerados merecedores de maldições e extermínio. Mas depois o Senhor viu “perversidade” em Israel, e o entregou a Babilônia para executar Seu julgamento sobre ele (Isaías 10). É injustificável aplicar essa declaração em relação à Igreja de modo absoluto, pois Deus “vê iniquidade” em Seus filhos, como Sua vara de correção demonstra; embora Ele não a impute para condenação penal.

Em terceiro lugar, a interpretação é necessária para a inserção de uma palavra explicativa em algumas passagens. Assim: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver [aprovar] o mal, e a opressão não podes [indulgentemente] contemplar” (Habacuque 1:13). Alguns termos de qualificação como esses são necessários, caso contrário devemos considerá-los como contradizendo passagens como: “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Provérbios 15:3). Deus nunca contempla o mal com indulgência, mas Ele o faz para castigá-lo. Mais uma vez. “Quem tem resistido à sua vontade [secreta ou decretiva]?” (Romanos 9:19); “nem fez conforme a sua vontade [revelada ou preceptiva]” (Lucas 12:47) — a menos que sejam feitas essas distinções, a Escritura iria contradizer a si mesma. Novamente: “Bem-aventurados os que [evangelicamente, isto é, com desejo e esforço genuínos] guardam os seus testemunhos” (Salmos 119:2), pois ninguém é capaz de guardar os testemunhos de Deus de acordo com o estrito rigor da Sua lei.

Para concluir nossos exemplos acerca da necessidade de interpretação, vamos citar um versículo muito familiar e simples: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8). Será que isso “quer dizer o que significa?”. Certamente, diz o leitor; e o escritor concorda de coração. Mas você tem certeza de que realmente entende o significado do que é dito? Cristo não sofreu nenhuma mudança desde os dias da Sua carne? Ele é absolutamente o mesmo que foi ontem? Ele ainda experimenta fome, sede e cansaço corporais? Ele ainda está na “forma de servo”, em um estado de humilhação, ainda é “o homem das dores”? Obviamente, a interpretação torna-se aqui necessária, pois deve haver um sentido em que Ele ainda permanece “o mesmo”. Ele é imutável em Sua pessoa essencial, no exercício de Seu ofício de mediador, em Sua relação e atitude para com Sua Igreja — Ele a ama com um amor eterno. Contudo, Ele mudou em Sua humanidade, por que esta foi glorificada; e também mudou em relação à posição que Ele ocupa agora (Mateus 28:18, Atos 2:36).

Assim, mesmo os versículos mais conhecidos e mais elementares exigem um exame cuidadoso e meditação com oração, a fim de que cheguemos ao verdadeiro significado de seus termos.


[1] Na versão ACF, Gênesis 22:1-2 traz a palavra “provou” em vez de “tentou”: “Provou Deus a Abraão, e disse-lhe… Toma agora o teu filho, o teu único filho… e oferece-o ali em holocausto”. Este detalhe aparentemente muito simples, mas fruto de uma tradu-ção primorosa, evitaria toda a aparente contradição sobre a qual Pink discorrerá a se-guir. (Todas as notas de rodapé da presente tradução foram acrescentadas pelo editor.)