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O Amor de Deus, por John Gill

[Um Compêndio de Teologia Doutrinária • Livro 1 — Capítulo 12 • Editado]

 

Ao lado dos atributos que pertencem a Deus, como um espírito inteligente, o Seu conhecimento e vontade, podem ser consideradas aquelas que podem ser chamadas de “afeições”; pois, embora, propriamente falando, não há nenhuma em Deus, sendo Ele em um ato mais puro e simples, livre de toda a confusão e desordem; no entanto há algumas coisas que são ditas e feitas por Ele, que são semelhantes aos afetos em seres inteligentes, e estes são atribuídos a Ele; como amor, compaixão, ódio, raiva e etc. dos quais deve ser removido tudo o que é carnal, sensual ou tem algum grau de imperfeição em si; e entre estes, o amor está em primeiro lugar; e este está tão ligado à natureza de Deus, que é dito, “Deus é amor” (1 João 4:8, 16). Assim, a Shekinah, ou a Divina majestade e glória, é, chamada pelos judeus de ???? “Amor”; e os pagãos dão o mesmo nome a Deus. Platão expressamente o chama de “amor”; e Hesíodo fala de amor como o mais justo e mais belo entre os deuses imortais.

 

Ao tratar desse atributo Divino, eu devo,

 

1. Considerar os objetos dele.

 

1a. O principal objeto do amor de Deus é Ele próprio. O amor-próprio está em todos os seres inteligentes; nem é desaconselhável, quando não é levado a um excesso criminal, e em detrimento dos outros; ninguém é obrigado a amar os outros mais do que a si mesmo, mas como a si mesmos (Mateus 22:39). Deus em primeiro lugar e principalmente, ama a Si mesmo; e, portanto, Ele tem feito a Si mesmo, isto é, a Sua glória, o fim último de tudo que Ele faz na natureza, providência e na graça (Provérbios 16:4; Romanos 11:36; Apocalipse 4:11; Efésios 1:6) e Sua felicidade está em contemplar a Si mesmo, Sua natureza e perfeições; e neste amor, a complacência e deleite que Ele tem em Si mesmo; Ele não precisa nem pode haver qualquer coisa fora de Si mesmo que possa adicionar algo à Sua felicidade essencial.

 

As três Pessoas Divinas na Divindade mutuamente se amam; o Pai ama o Filho e o Espírito, o Filho ama o Pai e o Espírito, e o Espírito ama o Pai e o Filho. Que o Pai ama o Filho, é dito mais de uma vez (João 3:35, 5:20) e o Filho é chamado às vezes de o Filho bem amado e querido de Deus (Mateus 3:17, 17:5; Colossenses 1:13) que Ele era desde toda a eternidade como “um com Ele”; e foi amado por Ele antes da fundação do mundo; e que, com um amor de complacência e deleite; como Lhe é devido, uma vez que Ele é “o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa” [Hebreus 1:3], e é da mesma natureza, e possuidor de todas as mesmas perfeições com Ele (Provérbios 8:30-31; João 17:24; Hebreus 1:3; Colossenses 2:9), sim, amava-O como seu Servo, como o Mediador, em Seu estado de humilhação e obediência, e sob todos os Seus sofrimentos, e por causa deles; e mesmo quando Ele Entregou-Se à Sua ira como garantia do pecador, Ele era o objeto de Seu amor, como Seu Filho (Isaías 42:1; Mateus 3:17, João 10:17), e agora Ele está à sua mão direita, na natureza humana, Ele olha para Ele com prazer, e está bem satisfeito com o Seu sacrifício, satisfação e justiça. O Pai ama o Espírito; sendo a própria respiração dEle, de onde Ele deriva o Seu nome, procedendo dEle, e possuindo a mesma natureza e essência com Ele (Jó 33:4; Salmo 33:6, João 15:26; 1 João 5:7). O Filho ama o Pai, de quem Ele é gerado, de quem Ele foi trazido, em cujo seio Ele estava desde toda a eternidade, como o Seu próprio e único Filho; e como homem, a Lei de Deus estava em Seu coração; a suma disto é que amava ao Senhor Deus de todo o coração e alma; e como Mediador, Ele mostrou o Seu amor por Ele pela obediência ao Seu mandamento, mesmo ao sofrer a morte pelo Seu povo (Salmo 40:8; João 14:31, 10:18; Filipenses 2:8). O Filho também ama o Espírito, uma vez que Ele procede dEle, e do Pai, e é chamado o Espírito do Filho (Gálatas 4:6) e Cristo muitas vezes fala dEle com prazer e deleite (Isaías 48:16, 61:1; João 14:16-17, 26, 15:26, 16:7, 13). E o Espírito ama o Pai e o Filho, e derrama o amor de ambos nos corações de Seu povo; Ele esquadrinha as coisas profundas de Deus, e revela a eles; e toma das coisas de Cristo, e mostra-lhes; e por isso é tanto o Consolador deles, e glorificador dEle (1 Coríntios 2:10-12; João 16:14).

 

1b. Tudo o que Deus tem feito é o objeto de Seu amor; todas as obras da criação, quando Ele as havia criado olhou para elas, e viu que elas eram boas, “muito bom” (Gênesis 1:31), Ele estava bem satisfeito e encantado com elas; sim, dEle é dito “alegrar-se em Suas obras” (Salmo 104:31), Ele sustenta todas as criaturas em Seu ser, e é o p reservador de tudo, dos homens e dos animais; e é bom para todos, e as Suas misericórdias são sobre todas as Suas obras (Salmo 36:6, 145:9), e, particularmente, as criaturas racionais são os objetos de Seu cuidado, amor e prazer: Ele ama os santos anjos, e mostrou o Seu amor por eles em escolhê-los para a felicidade; portanto, eles são chamados de “anjos eleitos” (1 Timóteo 5:21), fazendo Cristo a cabeça deles, por quem eles são confirmados no estado em que foram criados (Colossenses 2:10), e por admiti-los em Sua presença, o que lhes permite permanecer diante dEle, e diante de Sua face (Mateus 18:10), sim, até os demônios, pois eles são as criaturas de Deus, não são odiados por Ele, mas eles são espíritos apóstatas dEle; e assim Ele tem um amor geral a todos os homens, pois eles são as Suas criaturas, a Sua descendência, e a obra de Suas mãos; Ele os auxilia, preserva-os, e dá as graças de Sua providência comum sobre eles (Atos 17:28, 14:17; Mateus 5:45), mas ele tem um amor especial pelos homens eleitos em Cristo; que é chamado de seu “grande amor” (Efésios 2:4) que Ele escolheu e abençoou com todas as bênçãos espirituais nEle (Efésios 1:3-4), e este o amor é distinguidor e diferenciador (Malaquias 1:1-2; Romanos 9:11-12). Eu passarei adiante,

 

2. Darei alguns exemplos do amor de Deus, particularmente pelos homens escolhidos em Cristo, e que partilham o amor do Pai, do Filho e do Espírito.

 

O amor do Pai aparece no pensamento deles, pensamentos de paz; em pensando e formando o esquema de sua paz e reconciliação em Cristo, desde a eternidade (2 Coríntios 5:18-19), em escolhê-los nEle, desde o início, mesmo desde a eternidade, para a salvação, por Ele (2 Tessalonicenses 2:13), em colocar suas pessoas nas mãos de Cristo, e garantir e preserva-los nEle (Deuteronômio 33:3; Judas 1:1), em colocar todas as bênçãos nEle para eles, e abençoando-os com elas tão precocemente (Efésios 1:3-4) na nomeação de Cristo para ser o Salvador deles; provendo, prometendo e enviando-O ao mundo, para operar a Sua salvação (João 3:16; 1 João 4:9-10; Tito 3:4-5), no perdão de seus pecados através do sangue de Cristo (Isaías 38:17; Efésios 1:7) na sua adoção (1 João 3:1), em Sua regeneração e conversão (Jeremias 31:3; Efésios 2:4-5), e no dom da vida eterna para eles (Romanos 6:23).

 

O amor do Filho de Deus aparece ao desposar as pessoas dos eleitos, esses filhos dos homens, em quem Seus deleites estavam antes que o mundo existisse, (Provérbios 8:31; Oséias 2:19) em tornar-se a sua garantia para o bem, assumindo a sua causa, se engajando em fazer a vontade de Deus com a alegria que Ele fez; que era realizar a sua salvação (Salmo 40:6-8; Hebreus 7:22), em assumir sua natureza, na plenitude dos tempos, para redimi-los, operar uma justiça, e fazer sua reconciliação (Gálatas 4:4-5; Romanos 8:3-4; Hebreus 2:14, 17), dando a Si mesmo em sacrifício por eles; entregando a Sua vida por causa deles; e derramando Seu sangue para a purificação de suas almas, e a remissão de seus pecados (Efésios 5:2, 25; Tito 2:14; 1 João 3:16; Apocalipse 1:5).

 

O amor do Espírito, do qual se faz menção (Romanos 15:30) aparece em Sua vinda para os corações dos eleitos de Deus, para convencê-los do pecado e da justiça, e para confortá-los; mostrando a graça da Aliança, e nas bênçãos dadas a eles; revelando e aplicando as promessas desta; derramar o amor de Deus e de Cristo em seus corações; através da implantação de toda a graça neles, e atraindo-os para fora, para o exercício; testemunhando aos seus espíritos a sua adoção; ajudando-os em todos os deveres, especialmente na oração, intercedendo por eles, de acordo com a vontade de Deus; e em ser o consolo, penhor e selo deles para o dia da redenção (João 16:7-8, 8:15; Romanos 16:26-27; Efésios 1:13-14).

3. É apropriado, a seguir, considerar as propriedades do amor de Deus para com os homens escolhidos, o que levará mais sobre a natureza do mesmo:

 

3a. Não há nenhuma causa para isso fora de Deus; não há nenhum motivo ou incentivo neles, nem beleza neles para excitá-lo; todos os homens, por natureza, são corruptos e abomináveis; mais para serem odiados do que amados; e aqueles que são amados, não são melhores do que outros, estando todos debaixo do pecado; e são, “por natureza, filhos da ira, como os outros”; como merecedores disso como os que não são amados (Romanos 3:9; Efésios 2:3); tal amabilidade ou a beleza que está nos santos, é devida à justiça de Cristo, imputada a eles; esta é a beleza que é colocada sobre eles, na qual eles são feitos perfeitamente formosos; e com a graça santificadora do Espírito, pela qual eles são todos gloriosos interiormente, e aparecem nas belezas da santidade; portanto tudo isso é fruto do amor de Deus, e não a causa disso.

 

Nem pode haver qualquer amor deles para com Deus, que seja causado por eles mesmos; pois não havia amor neles quando Cristo morreu por eles; nem até que fossem regenerados pelo Espírito de Deus; e quando eles O amam, é porque Ele os amou primeiro (1 João 4:10, 19) e, apesar de Cristo ter dito amar os que O amam, e que do Pai é dito amá-los também; no entanto, isto não deve ser entendido do primeiro amor de Deus e de Cristo, por eles, nem da primeira apresentação do mesmo; porém de mais e maiores manifestações deste por eles; e é descrito das pessoas que são certa e evidentemente, os objetos de Seu amor; mas não como sendo a causa do mesmo (Provérbios 8:17; João 14:21, 23, 16:27).

 

Nem são as boas obras a causa deste amor; pois isso, pelo menos, em uma instância disto, foi antes do bem ou o mal ser feito (Romanos 9:11-12) e em outros casos, irrompeu em direção a eles, e veio sobre eles enquanto eles ainda estavam em seus pecados, e antes que eles fossem capazes de realizar boas obras, (Romanos 5:8; Tito 3:3-4; Efésios 2:2-4) e como pode isto ser pensado, que, das melhores obras dos homens que são tão impuras e imperfeitas chegando a ser consideradas como trapo da imundícia, que estas devem ser a causa do amor de Deus aos homens? Não, até mesmo a própria fé não é; isto “é dom de Deus”, e flui do amor eletivo, e é um fruto e evidência dele (Efésios 2:8; Atos 13:48, Tito 1:1). Deus ama os homens, e não porque eles têm fé; mas eles têm fé dada a eles, porque Deus os ama; é verdade, de fato, que “sem fé é impossível agradar a Deus”; isto é, fazer as coisas que são agradáveis à Sua vista; mas, então, as pessoas dos eleitos de Deus, podem ser, e são, agradáveis a Deus, em Cristo, antes da fé, e sem ela.

 

Em suma, o amor de Deus flui puramente de Sua boa vontade e prazer; que “terá misericórdia de quem Ele tiver misericórdia” (Êxodo 33:19), isto é aquele rio puro que sai do trono de Deus e do Cordeiro, como um emblema da soberania (Apocalipse 22:1), como Deus amou o povo de Israel, porque Ele os amava, ou os amaria; e por nenhuma outra razão, (Deuteronômio 7:7-8) da mesma maneira Ele ama Seu místico e espiritual Israel.

 

3b. O amor de Deus é eterno, ele não começa no tempo, é sem começo, é desde a eternidade: isso é evidente a partir do amor de Deus a Cristo, que era, antes da fundação do mundo; e com o mesmo amor que ele O amava, ele amava o Seu povo também, e bem antes (João 17:23-24), e de vários atos de amor a eles na eternidade; como a eleição deles em Cristo, o que supõe Seu amor a eles (Efésios 1:4), o Pacto da Graça feito com eles, na qual, as concessões da graça e promessas de glória, foram feitas antes dos tempos dos séculos; e Cristo foi estabelecido como o Mediador da mesma desde a eternidade. Todas estas são fortes provas de amor a eles (2 Timóteo 1:9; Tito 1:2; Provérbios 8:22-23).

 

3c. O amor de Deus é imutável, inalterável e invariável; é como ele, “o mesmo hoje, ontem e para sempre”, e, de fato, Deus é amor; e esta é a Sua natureza; é o próprio; e, portanto, deve ser, sem qualquer variação, ou sombra de mudança. Ele não admite distinções, pela qual isso parece alterar e variar. Alguns falam de um amor de benevolência, por que Deus quer ou deseja bem aos homens; e, em seguida, vem em um amor de beneficência, e Ele faz o bem a eles, e opera o bem neles, e, em seguida, um amor de complacência e deleite ocorre, e não mais. Mas isso é fazer de Deus mutável, como nós somos. O amor de Deus não admite graus, ele não aumenta nem diminui; é o mesmo desde o instante na eternidade que era, sem qualquer alteração.

 

É desnecessário perguntar se é o mesmo antes como após a conversão, uma vez que eram tão grandes, senão maiores dons de amor, agraciados para com o objeto amado, antes da conversão, como depois; como o dom do próprio Deus, na Aliança Eterna; o dom do Seu Filho para morrer por eles, quando em seus pecados; e o dom do Espírito Santo a eles, a fim de regenerar, vivificar e convertê-los; o próprio céu, a vida eterna, não é um dom maior do que estes; e ainda assim eles foram todos dados antes da conversão. Nunca houve paradas, abandonos ou impedimentos a esse amor; nem a Queda de Adão, nem os tristes efeitos disso; nem os pecados atuais e transgressões do povo de Deus, em um estado natural; nem todas as suas rebeldias, depois de chamados pela graça; pois ainda os ama voluntariamente (Oséias 14:4), pois Deus previu que eles cairiam em Adão, com os outros, que eles seriam transgressores desde o ventre, e fariam o mal que podiam; no entanto, isto não O impediu de ocupar Seus pensamentos de amor para com eles, a Sua escolha deles e Aliança com eles.

 

A conversão é uma mudança neles; os traz do poder de Satanás a Deus, das trevas à luz, da escravidão para a liberdade; da comunhão com homens maus para a comunhão com Deus, mas não faz mudança no amor de Deus; Deus muda Suas dispensas e relacionamentos com eles, mas nunca muda o Seu Amor; às vezes Ele repreende e os castiga, mas ainda assim Ele os ama; Ele às vezes esconde o rosto deles, mas Seu amor continua o mesmo, (Salmo 89:29-33; Isaías 54:7-10) as manifestações de Seu Amor são várias; para alguns são maiores, para outros menores; e, assim, para as mesmas pessoas, em momentos diferentes; mas o amor em Seu próprio coração é invariável e imutável.

 

3d. O amor de Deus dura para sempre; é um amor eterno, nesse sentido (Jeremias 31:3), é o elo de união entre Deus e Cristo, e os eleitos; e isso nunca pode ser dissolvido; nada pode separá-lo, nem separar dele (Romanos 8:35, 38, 39). A união é o vínculo disto, é próximo a isto, e semelhante a isto, que há entre as três Pessoas Divinas (João 17:21, 23). A união entre a alma e o corpo, pode ser, e é dissolvida, no momento da morte; mas nem a morte, nem a vida podem separar aqueles; esta bondade de Deus nunca se afasta; a saúde, e riqueza, e os amigos e a própria vida podem afastar-se, este nunca, (Isaías 54:10) tudo o que Deus tira, assim como todas as coisas podem ser ditas levadas por Ele, Ele nunca retirará isso (Salmo 89:33), tendo amado os Seus que estavam no mundo, Ele os amou até o fim, até o fim de suas vidas, até o fim dos tempos e por toda a eternidade (João 13:1).