Entre ou cadastre-se

O Segundo Mandamento — Adoração, por Cornelius Van Til

1. Observações

O Primeiro Mandamento trata da religião adequada como o fundamento da moralidade. O Segundo Mandamento trata da expressão externa da religião. O Primeiro Mandamento nos ensina que devemos servir a Deus; o Segundo como podemos fazer isso corretamente, tanto quanto a expressão exterior da religião está em causa. Assim, estes dois Mandamentos se referem a questões completamente distintas. Isto é facilmente esquecido. Por vezes, ouve-se um sermão sobre o Primeiro Mandamento em que todos os tipos de materiais que servem para fabricar imagens de Deus são mencionados. No entanto, quando os homens usam imagens na adoração eles não estão necessariamente procurando substituir um deus falso pelo verdadeiro Deus. Pode ser uma adoração defeituosa ao verdadeiro Deus. É, de fato, uma transgressão do Segundo Mandamento leva muito facilmente a uma transgressão do Primeiro. Imagens muito facilmente atraem a atenção exclusiva a si mesmas e, portanto, tornam-se objetos em vez de meios de adoração. No entanto, isso não faz com que se identifique a adoração das imagens com a idolatria. Se, de algum modo, nós podemos fazer a comparação entre os vários mandamentos da lei, o Primeiro Mandamento é mais central do que qualquer outro objetivamente e, portanto, também mais central do que o Segundo. Uma vez que é feita uma substituição do único Deus verdadeiro, toda a verdadeira religião e a moralidade simultaneamente são reduzidas a nada.

2. O que é Comandado

Para saber qual é o conteúdo positivo do Segundo Mandamento é necessário antes de tudo que nós formemos uma concepção verdadeiramente bíblica do que se entende por “a imagem de Deus”. Agora podemos falar da imagem de Deus no sentido da ideia que Deus tem de Si mesmo. Só Deus conhece Seu próprio ser. Só Ele tem a imagem completa e verdadeira de Si próprio. Esta concepção da imagem de Deus é um dos fatores que se relacionam à religião e também à adoração. Nenhuma verdadeira religião ou verdadeira adoração são possíveis a menos que Deus revele ao homem, de acordo com a capacidade do homem, algo da Sua imagem de Si próprio. Todas as religiões e cultos não-teístas tornam-se vãs por serem desprovidas desta autorrevelação de Deus. Este Mandamento começa por analisar o homem. Agora é importante termos a certeza — a fim de formar uma verdadeira concepção de adoração — de sabermos o que o homem é. Entretanto, como se pode saber o que o homem é, a menos que se saiba o que Deus é? A natureza do homem e, portanto, a natureza da verdadeira religião e verdadeira adoração — na medida em que é determinada pela natureza do homem — é determinada pela natureza de Deus.

Portanto, quando falamos da imagem de Deus no segundo sentido do termo, a saber, a imagem de Deus no homem, temos o segundo e também secundário fator determinante da composição da religião e da adoração. Pela imagem de Deus no homem, não estou me referindo à ideia de Deus que o homem pode ter formado, por si mesmo. Não é a “minha ideia minha de Deus”, mas “a ideia de Deus a meu respeito” o que aqui é referido. Isto é, devemos saber a composição do homem, como ele foi formado de Deus. Como tal, podemos distinguir entre a imagem de Deus no homem, no mais amplo e no sentido estrito do termo. Por imagem de Deus no homem, no sentido mais amplo se entende que o homem, pelo fato de haver sido criado por Deus, o Espírito, tem um espírito como personalidade absoluta, uma autoconsciência e uma personalidade finita autodeterminando-se. Por imagem de Deus no sentido mais restrito pretende-se que originalmente o homem era eticamente perfeito, que ele possuía verdadeiro conhecimento, justiça e santidade (Colossenses 3:10; Efésios 4:24).

A partir destes dois fatores determinantes: Deus como um Espírito, imortal, invisível e o homem que como um espírito finito e eticamente perfeito expressa-se através de seu corpo, podemos verificar os princípios da verdadeira adoração.

A adoração deve ser espiritual. Isso decorre da espiritualidade de Deus. Qualquer adoração deve ser fixada em Deus como Espírito. Ele nunca pode ser pensado como representado por coisas materiais ou sensuais. Isso seria nivelar o Criador ao nível da criatura. Esta espiritualidade na adoração também está implícita na composição do homem. Este também é, antes de tudo, espiritual. Entretanto, verdade é que seu corpo é uma parte essencial de sua personalidade finita. Disto se segue que o homem pode e até deve dar expressão externa ao culto de seu espírito. Mas essa expressão externa não reduz a espiritualidade de culto se o que é externo é usado apenas como um meio para o interno. A adoração se torna não-espiritual ou sensual, se (a) Deus é pensado sensualmente e (b) se o homem usa o externo como um fim e não como um meio.

Em segundo lugar, a adoração deve ser regulada por Deus. Isto está implícito no fato de que Deus é o Espírito absoluto e o homem, a personalidade finita. A adoração naturalmente não pode deixar de ser baseada na revelação. Não estamos aqui falando da Bíblia. O homem original respirava na revelação de Deus e estava perfeitamente sem qualquer necessidade de revelação especial. Segue-se que se o homem privou-se a si mesmo desta verdadeira revelação, ele não pode mais saber como regular o seu culto a Deus, a menos que Deus mais uma vez venha a ele em revelação especial. Depois do advento do pecado, é imperativo sobre o homem ter seu culto direcionado de acordo com as instruções da revelação especial, sob qualquer forma que possa vir. A história de Mica no Antigo Testamento nos fornece uma ilustração interessante neste assunto. Mica pensou, em senso comum, que deveria se opor à regulação do Senhor, que todos os israelitas deviam vir ao lugar central de adoração em épocas determinadas. Assim sendo, ele fez o seu próprio pequeno santuário e estabeleceu seu próprio sacerdote, com o resultado disto ele fracassou por sua desobediência. O princípio envolvido deve ser enfatizado hoje, quando as pregações via rádio e nos automóveis, mais uma vez parecem usar o “senso comum” contra o regulamento de Deus de que não devemos negligenciar a nossa congregação. É claro que a questão da regulação do culto não se limita ao local de reunião, mas envolve muito mais.

Em terceiro lugar, o local de adoração de culto deve ser mediado. Como o primeiro princípio foi derivado, pelo menos em parte, a partir de considerações metafísicas, isto é, a partir da composição do homem como uma criatura, semelhantemente este terceiro princípio é derivado de considerações éticas, isto é, a perda do homem da imagem de Deus no sentido mais restrito. Quando o homem era eticamente perfeito, ele podia olhar imediatamente para Deus. Visto que o homem, em sentido estrito, perdeu a imagem de Deus, ele não pode mais vir a Deus a não ser através de um mediador. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim” [João 14:6]. Em Cristo, Deus restaura a Sua imagem ao homem. “E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade” (Efésios 4:24). “E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” [Colossenses 3:10]. Agora, na medida em que somente em Cristo a imagem de Deus, no sentido mais restrito, é restaurada ao homem, ninguém pode realmente adorar a Deus exceto por meio de Cristo. Mesmo durante a dispensação do Antigo Testamento isso era verdade. Mesmo então, o culto teve que ser mediado através do sacerdote com suas vestes sacerdotais e o tabernáculo que em conjunto prefiguravam a Cristo. Mais diretamente, desde a encarnação, a adoração é em primeiro lugar a comunhão entre a Igreja, ou seja, o corpo de Cristo, e o próprio Cristo como Sua cabeça.

3. O que é proibido

O que é proibido é, naturalmente, qualquer forma de transgressão ou negligência de qualquer um ou de todos os princípios da verdadeira adoração enumerados. E se qualquer um destes princípios é ignorado, todos eles o são. Qualquer adoração carnal e sensual é diretamente uma violação do princípio da espiritualidade na adoração, torna-se imediatamente um culto de nossa própria vontade. Outrossim, qualquer forma de adoração baseada em nossa própria vontade tende, de forma evidente e imediata, a se tornar sensual. Finalmente qualquer adoração não-mediada é, ipso facto, baseada em nossa própria vontade e também tende a tornar-se sensual.

Pode ainda ser observado que o princípio da espiritualidade na adoração foi mais grosseiramente violado em épocas passadas do que acontece hoje em dia. Era natural que o homem, tendo uma vez se apartado de Deus, devesse ainda sentir a necessidade de um deus, e que em fases passadas da história ele viesse a tentar incorporar sua ideia de Deus em formas sensuais. Primeiramente, ele fez seu deus à imagem de animais, porque ele ainda não havia se atrevido a colocar-se como Deus. Israel estava em constante perigo de ceder a esta tendência pecaminosa. Consequentemente, quando Deus foi reestabelecer a verdadeira adoração de Deus no mundo, através de Israel, era necessário dar um aviso especial contra a adoração sensual. Em Deuteronômio 4:15ss Deus conecta a ideia da verdadeira adoração com Sua própria espiritualidade: “Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois nenhuma figura vistes no dia em que o Senhor, em Horebe, falou convosco do meio do fogo para que não vos corrompais, e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura, semelhança de homem ou mulher…”.

A imagem de Deus, pode a princípio, ter sido usada como um símbolo para representar a Deus, a fim de ajudar o homem a adorar a Deus. É assim que a Igreja Romana persiste em querer usar tais imagens. Todavia, a Escritura não pode tolerar tal sabedoria do homem. Deus sabe melhor do que o homem o melhor caminho para o homem adorá-lO. Além disso, a imagem como símbolo torna-se prontamente a imagem como fetiche pelo que Deus é identificado com a imagem e a imagem é substituída por Deus. Desta forma, uma transgressão do Segundo Mandamento leva prontamente a uma transgressão do Primeiro Mandamento.

A forma moderna de transgressão do primeiro princípio da verdadeira adoração, muitas vezes assume a forma de um hiper-espiritualismo. A ênfase do modernismo em “valores espirituais” é uma boa indicação da falta da verdadeira espiritualidade. Podemos ver este exemplo na visão que o modernismo tem a respeito dos sacramentos. Estes sacramentos têm sido tão vazios em sua acepção a ponto de significar não mais do que símbolos vagos de uma realidade ainda mais vaga. A ressurreição corporal de Cristo é sacrificada para sua “ressurreição espiritual” e, portanto, estamos procurando “comunhão espiritual” com o “espírito de Cristo”. Isto ataca a raiz do verdadeiro culto de adoração, uma vez que lida com a expressão externa da religião. O modernismo é tão não-espiritual em seu culto como o era a forma mais baixa de cultos a animais.

O segundo princípio da verdadeira adoração, que deve ser regulada por Deus, foi violado ao longo dos tempos, não tanto através de um desejo expresso de autorregulação como através de uma negligência factual da verdadeira revelação de Deus. Desnecessário será dizer que as nações pagãs não consultam a verdadeira revelação de Deus, a fim de estabelecer os seus princípios de adoração. Mas o ponto não é tão óbvio e, ainda assim, verdade é que em muitas igrejas Cristãs muito pouca atenção é dada à Escritura na hora de determinar sobre quais princípios e práticas de culto serão adotados. O senso comum é que é determinante, em lugar das Escrituras. O que parece útil do ponto de vista da popularidade, muitas vezes tem mais peso do que o que é realmente ensinado nas Escrituras. No recente argumento sobre o lugar da mulher na adoração não foi tanto uma diferença de interpretação da Escritura que prevaleceu quanto a diferença entre aqueles que realmente consultam a Escritura como autoritativas e aqueles que consideram as necessidades do século XX como autoritativas. Segundo a visão ortodoxa, o que a Escritura ensina será, afinal de contas, melhor para o século XX não se importando com o que o próprio século XX pode pensar a respeito disso no presente. A autorregulação prenuncia a morte de qualquer igreja. Lembre-se de Mica.

O terceiro princípio da verdadeira adoração, ou seja, o da mediação, é violado por todos esses movimentos que retiram ou minimizam a centralidade objetiva da posição redentora de Cristo como o novo e vivo caminho para Deus. Mais uma vez nos deparamos com várias formas de transgressão. Podemos observar algumas das mais comuns:

Em primeiro lugar cabe dizer novamente que todas as nações que não possuem a verdadeira revelação de Deus em Cristo procuram entrar na presença de Deus, na medida em que eles realmente procuram vir à Sua presença, de maneiras independentes de Cristo. O homem pecador não pode ver nenhuma razão pela qual ele não seja, em si mesmo, bom o suficiente para apresentar a sua oferta a Deus. O homem pecador se ofende com a sugestão de que ele precisa de um mediador, como Cristo demanda ser.

Do nosso próprio meio, vêm as várias correntes místicas de pensamento que têm tido mais ou menos contato com a igreja ao longo dos séculos. Agora existe uma forma muito sólida e bíblica do misticismo. Este misticismo atribui-se, tanto quanto possível, à revelação de Deus em Cristo na Escritura e por isso procura se apropriar emocionalmente da alegria do crente e da glória de Deus, tanto quanto pode na revelação de Deus. Ao lado da, ou como substitutos para este verdadeiro misticismo, já houve um falso misticismo que nega a revelação da necessidade da mediação e funciona independentemente dela. Pode até haver um hiper-espiritualismo que nega totalmente o uso ou a necessidade da expressão externa da religião por detrás deste misticismo. Este misticismo que por si mesmo é falso, quando de algum modo é posto em contato com a revelação em Cristo consiste em uma tentativa de elevar-se a si mesmo à uma teoria das faculdades. Ele afirma ter uma escadaria particular para o grande trono branco.

Nos tempos medievais, Dionísio, o Areopagita e Mestre Eckhart representam uma forma extrema de misticismo não-bíblico. No caso de Mestre Eckhart o que aconteceu foi realmente não mais do que uma variedade especial de panteísmo. Ele não só removeu a Cristo como mediador, mas também a distinção entre o Criador e a criatura.

Hugo de São Vítor e Bonaventura foram menos extremos. De acordo com Bonaventura, “de Deus a luz desce a todos; mas esta luz é multiforme no seu modo de comunicação. A luz exterior ou a tradição ilumina as artes mecânicas; a luz inferior, que é a dos sentidos, provoca em nós ideias experimentais; a luz interior que chamamos de razão, nos faz conhecer verdades inteligíveis; a luz superior vem da graça e das Sagradas Escrituras, e nos revela as verdades que santificam”.[1] Bonaventura pensou que ele poderia receber algumas revelações individuais da verdade de Deus. É isso que fez com que ele e muitos outros místicos se tornassem infiéis ao princípio da mediação na adoração.

Que a Igreja Romana deva ser especialmente sujeita a tais desvios místicos é devido ao fato de que ela própria é fraca no mesmo ponto da centralidade da revelação de Deus em Cristo. Sua doutrina da Tradição, infalibilidade papal, etc., mata na raiz o próprio princípio da mediação. Não admira então que Roma tem sido sempre disposta a abrigar os místicos mais extremos, visto que ela nunca fez qualquer forte oposição doutrinária contra o falso misticismo.

Entre as comunhões Protestantes também houve manifestações do mesmo espírito. Destes, podemos citar as várias formas de pietismo, bem como o movimento Quaker. A ideia de “luz interior” é uma violação do princípio da mediação na adoração.

Mais perigoso do que estes, no entanto, e mais subversivo do Protestantismo, sim do Cristianismo, são as formas modernas de misticismo, por exemplo, a de Dean Inge e a do modernismo em geral, o perigo iminente que ameaça o Cristianismo a partir desta fonte é ocultado pela homenagem verbal que este movimento dá a Cristo como mediador. Mas a sua própria doutrina, de que Jesus ensinou a paternidade universal de Deus, prova que eles O negaram como mediador em qualquer sentido muito específico. Cristo, de acordo com este ponto de vista, revelou o valor da alma humana per se. Consequentemente cada alma pode realmente em si mesma entrar em contato imediato com Deus. Ninguém precisa ir para o Céu ou para o Hades por nós para descobrir para nós o que é o caminho para Deus. “Olhe para dentro” é o lema. Olhe bem o suficiente e você encontrará a Deus, porque, na verdade, você é Deus. O Ideal dentro de você é a realidade de Deus. Assim diz o modernismo. Assim também diz o pragmatismo moderno, com sua hostilidade declarada ao Cristianismo. Se a religião pode prosperar sem a revelação[2] de qualquer tipo, por que então a adoração tem que ser mediada através do Cristo?

A ênfase moderna na imanência de Deus, que tem virtualmente negado a Divindade específica de Cristo e afirmado Sua humanidade essencial em tudo ajuda a desenvolver este falso misticismo pagão. Ou podemos ainda dizer que o falso misticismo promove a falsa ênfase na imanência de Deus.

Finalmente, podemos notar que grande parte da recente ênfase na arte como essencialmente religiosa é devida a uma manifestação do mesmo falso misticismo moderno. Muitas vezes, recitais de órgão são substitutos da pregação do Senhor. Ou, menos grave, os números musicais artísticos tornaram-se realmente grandes características do culto na igreja. Agora, admitindo-se que a arte é essencialmente religiosa e que a verdadeira arte não pode ser separada da religião, entretanto, nem toda a arte está seguramente em consonância com a religião Cristã. Como pessoas ortodoxas não temos qualquer objeção à forma mais artística de louvar ao Criador. Na verdade, acreditamos que só um Cristão pode ser verdadeiramente artístico, posto que somente ele pode realmente trazer a arte em conexão com a fonte da beleza. Mas estamos definitivamente convencidos de que o Criador não pode realmente ser louvado, exceto através de Cristo. Disso segue-se que a arte, se é para ser um elemento da verdadeira adoração a Deus deve estabelecer a sua ligação com Cristo como o restaurador do homem para com Deus.

Antes de passarmos ao Terceiro Mandamento ainda temos que observar a ameaça e a promessa conectadas com o Segundo Mandamento. A primeira coisa a notar é que essas ameaças e promessas realmente dizem respeito a toda a lei, pois a lei é um organismo e não há nenhuma boa razão para limitarmos qualquer ameaça ou promessa ao Segundo Mandamento. Em segundo lugar, a ameaça e a promessa trazem vividamente para o primeiro plano aquilo que já estava envolvido, como vimos no fundo teísta da lei, que a própria pessoa de Deus que está por trás da lei. Aqui está a autoridade final. É a autoridade que o homem precisa, sem a qual ele não pode viver. O homem quebra a lei por sua própria conta e risco. Quebrar a lei é um insulto pessoal direto contra com o Deus vivo. Nós nunca podemos ser imunes ao julgamento. Em terceiro lugar, há uma diferença entre a ameaça e a promessa, à medida que a punição ameaçada na lei se segue naturalmente sobre a quebra da lei, enquanto a recompensa que é prometida é uma adição agradável. “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer” (Lucas 17:10).

Quanto ao conteúdo da ameaça e da promessa devemos primeiro notar que elas são dadas às pessoas que estão dentro do âmbito da aliança. Agora vimos que a punição uma vez devida àqueles que são de Cristo desceu sobre o próprio Cristo. O mal que vem para os Cristãos é castigo e não punição. Como, então, Deus pode falar de punição a Israel, isto é, o povo de Deus? Porque nem todo o que é de Israel, é Israelita. Há aqueles que parecem ser de Israel e devem ser tidos como pertencentes a Israel por causa de sua profissão, ainda que em seus corações não sejam crentes. Sobre tais virá a punição. Esta não era uma ideia inserida mais tarde em Ezequiel 18:20: “A alma que pecar, essa morrerá”, que fez com que os homens postulassem um Deus justo, mas foi um Deus justo, que disse já em Deuteronômio 24:16: “Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado”. É aqui que lidamos com a questão fundamental do nosso assunto. No entanto, isto não exclui o fato de que nesta vida os filhos de Deus e os filhos do mundo estão frequentemente unidos por laços familiares. Igualmente verdade é que Deus estabeleceu leis físicas e morais que vigoram através das gerações. Deus trata, de fato, em toda a história da redenção, com indivíduos como membros da raça. Os filhos de Deus são membros da humanidade redimida. Aqueles não-resgatados realmente não pertencem mais à humanidade.

Por conseguinte, ocorrerá muitas vezes que os filhos de crentes podem sofrer as consequências do mal dos pecados de seus pais descrentes ou crentes. Mas, em todos esses casos, o crente não recebe punição, mas somente castigo e isto não necessariamente pelos pecados cometidos por ele, mas para que a glória de Deus seja manifesta.


[1] Ozanan, Dante e Ph. Th., P. 86, New York, 1898.

[2] Cf. Huxley, Religion Without Revelation [A Religião Sem a Revelação].