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O Poder Conservador das Doutrinas da Graça, por Thomas J. Nettles

Aquilo que proponho neste artigo é que as Doutrinas da Graça têm uma tendência intrínseca para preservar e dar uma maior coerência aos princípios que definem o evangelicalismo ortodoxo. Claro, eu não sou o primeiro a fazer esta observação. Vários outros homens na história da Igreja Cristã argumentaram que os fundamentos Cristãos são tão dependentes da iniciativa de Deus na revelação e salvação que qualquer esforço para manter o testemunho Cristão vibrante, e dar testemunho, a parte das Doutrinas da Graça é algo de curta duração.

Esta afirmação, no entanto, tem particular relevância para os Batistas do Sul neste tempo. Tendo lutado bravamente e fielmente durante anos com o senso de responsabilidade da verdade, para restabelecer a fidelidade absoluta à veracidade completa da Escritura como uma fundação para a educação e missões teológicas; não faz sentido, que devamos compreender algumas das dinâmicas de como essa afirmação está perdida, e que estrutura de crença é mais consistente com a sua conservação? Além disso, quando vemos a negação da onisciência e da imutabilidade de Deus, e uma fermentação geral no evangelicalismo dos principais princípios do processo teológico; e quando se percebe que a receita para a mistura da chamada dose inicial da essência do Arminianismo; é preciso cultivar a disciplina, o cuidado e a habilidade de análise teológica para ser um fiel discípulo do Senhor nestes dias.

Quando Spurgeon exercia tanto sua espada e sua espátula na “Downgrade Controversy”, ele considerou seu engajamento nesta controvérsia como algo mais fundamental do que a discordância sobre a intenção da expiação. “A luta atual não é um debate”, escreveu ele, “sobre a questão do Calvinismo ou Arminianismo, mas da verdade de Deus versus as invenções dos homens” [Sword and Trowel [A Espada e a Espátula], em abril de 1887, p. 196]. Este fato, no entanto, não fez Spurgeon negligenciar ou deixar de mencionar: “O Arminianismo geralmente tem sido a via pela qual os antigos têm viajado para baixo rumo ao Socinianismo”. Novamente na combinação de reserva e de afirmação, Spurgeon continua: “Nós nos preocupamos muito mais com as verdades evangélicas centrais do que com o Calvinismo como um sistema, mas acreditamos que o Calvinismo tem em si uma força conservadora que ajuda a manter os homens na verdade vital, e, portanto, estamos tristes ao ver qualquer pessoa desistir dele, após uma vez o haver aceito”. Batistas do Sul “o aceitaram”; agora, pela graça de Deus, que possamos suspender o ‘desistir dele’”.

Nenhuma pessoa viva entende tudo da revelação Divina. Cada um de nós é suscetível a erro na interpretação ou na doutrina. Procurar evitar, tanto quanto possível, o erro é uma incumbência que repousa sobre todos os ministros Cristãos, particularmente em áreas vitais da verdade do Evangelho. Portanto, torna-se obrigatório, ao pensar nas implicações das doutrinas que cremos, buscar fervorosamente compreender a relação de uma parte da verdade Divina com outra. Todos os elementos estão conectados, e nenhuma parte dela é irrelevante para outra. Deus é um em Ser, embora em três Pessoas. O amor pelo Filho, não diminui em nada o amor para com o Pai, e a compreensão da obra do Filho, contribui para a nossa compreensão do Pai; é a mesma coisa com o amor e conhecimento da Pessoa e obra do Espírito Santo. Mesmo assim, um aumento em sua compreensão da justificação, pode gerar um aumento significativo em sua compreensão da cruz, ou até mesmo da obra do Espírito na regeneração. Estes, por sua vez terão impacto sobre o pensamento sobre a igreja e a natureza de seus membros. Há “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” [Efé-sios 4:5], e nosso objetivo é conduzir o nosso povo a uma “à unidade da fé, e ao conheci-mento do Filho de Deus” [Efésios 4:13]. Não existem doutrinas sem importância na Palavra de Deus; uma fraqueza em um determinado ponto nos torna mais suscetíveis ao erro em outros. Essa é a verdade que levou o apóstolo Paulo a dizer aos Gálatas: “Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde” [Gálatas 2:21], e novamente aos Coríntios: “Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E também os que dormiram em Cristo estão perdidos” [1 Coríntios 15:16-18].

Conhecer a doutrina da eleição ajuda a saber mais sobre a realidade da regeneração, e ambos por sua vez, nos fazem mais confiantes no poder e propósito da pregação da Palavra. Caso contrário, Paulo não poderia ter dito: “Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus; Porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo, e em muita certeza, como bem sabeis quais fomos entre vós, por amor de vós” [1 Tessalonicenses 1:4-5]. A realização do ideal de uma membresia regenerada da igreja seria muito reforçada por um conhecimento profundo da natureza e da evidência do novo nascimento. Grande parte da confusão atual sobre o grande número de membros ausentes e não-residentes não só poderia ser explicado, mas remediado pela aplicação cuidadosa e corajosa da doutrina do chamado eficaz nas igrejas locais.

Com este pano de fundo, portanto, vou procurar rapidamente demonstrar essas conexões através de uma discussão meramente sugestiva de duas doutrinas: a inerrância das Escrituras e expiação substitutiva.

Além da realidade histórica de que as defesas mais convincentes e formidáveis ​​de inspiração bíblica terem vindo de dentro da ala Reformada do Protestantismo (veja as obras de Warfield, Hodge, Turretin, Calvino, Dabney, Thornwell, Andrew Fuller, J. P. Boyce e John L. Dagg), o Calvinismo histórico, fornece a justificativa teologicamente mais integrada da inerrância do que qualquer sistema teológico. O Arminianismo sustenta uma visão a qual propõe que é impossível que Deus infalivelmente administre qualquer atividade de modo a predeterminar um resultado, e que, ao mesmo tempo, envolva a agência humana sem destruir a liberdade da ação do homem neste processo. Seu sistema teológico pode garantir a infalibilidade das Escrituras apenas por assumir, que os escritores humanos se tornaram autômatos durante o processo de escrituração (Eles realmente não afirmam isso, mas seu sistema logicamente exige esta afirmativa).

Calvinismo, por outro lado, não depende de indeterminação para a liberdade. A ilustração mais poderosa disto é a doutrina de Deus. Deus é determinado em santidade e verdade e ainda é perfeitamente livre e digno de louvor pela Sua veracidade. Mesmo assim, pode haver ação humana livre que absolutamente se conforme com as respectivas personalidades envolvidas, e, ao mesmo tempo, absolutamente conforme com a providência do decreto de Deus. Esta estende-se para a produção de uma revelação escrita. Se Herodes e Pôncio Pilatos podem agir condenavelmente na execução dos exatos propósitos de Deus na crucificação de Cristo, então os apóstolos, em cujos corações o amor a Cristo foi derrama-do, podem agir livremente como mestres da Igreja e ao mesmo tempo produzir uma Escritura inerente e determinada por Deus.

A inerrância aparece como uma aberração no sistema Arminiano; mas é uma parte coerente do sistema Calvinista.

Em segundo lugar, uma expiação substitutiva e propiciatória, tem estado no coração da vida evangélica Batista do Sul. O Arminianismo produz uma tensão com a compreensão da expiação, enquanto o Calvinismo abraça-a como endêmica, como suporte, e de fato necessária, à exposição do Evangelho. Não pode haver dúvida de que a Escritura ensina a morte substitutiva de Cristo. “O Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” [Isaías 53:6]. “Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” [1 Pedro 3:18]. “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós” [2 Coríntios 5:21]. “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” [Roma-nos 4:25]. Além disso, todo o testemunho bíblico não deixa saída ao altar no qual é ofereci-da uma propiciação. “Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” [Romanos 5:9]. “Ao qual Deus propôs para propiciação… para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” [Romanos 3:25-26]. Aqueles que estavam separados de Deus e eram inimigos Ele reconciliou por haver “feito a paz pelo sangue da sua cruz” [Colossenses 1:20]. “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo” [1 Tessalonicenses 5:9].

O Arminianismo tende a produzir sistemas de expiação que são variações da teoria da influência moral. Grotius, um líder dos Arminianos holandeses desenvolveu a teoria do governo moral da expiação. A atração que esses pontos de vista da expiação, têm para o Arminianismo, é que eles não afirmam que a obra expiatória de Cristo tem um resultado objetivo correspondente. O impacto da expiação é subjetivo e é, portanto, apenas um poder motivador ao arrependimento e à fé pela qual o perdão é obtido. A expiação propiciatória e substitutiva, envolve a ideia bíblica de justiça que a punição deve ser proporcional ao crime e não ser levada além do merecimento do crime. Se Cristo sofreu, de fato pelos pecados, a ira de Deus recebeu uma solução justa, então algo objetivo foi estabelecido, e todos os benefícios causados ​​pela morte de Cristo devem ser dados, de outra forma, a punição, seria infligida sem a liberação correspondente, e a árdua experiência da alma de Cristo ficaria sem correspondente satisfação. Estes aspectos objetivos da expiação são inconsis-tentes com uma expiação universal que tem um sistema de libertação subjetiva; isto é, a eficácia de uma expiação substitutiva propiciatória não pode, em último caso, depender das respostas humanas do arrependimento e fé. Vários grupos não-Calvinistas, têm sido pressionados pela lógica da sua própria posição a rejeitar a expiação substitutiva.

Estes elementos objetivos, no entanto, estão no centro de um entendimento que afirma a certeza da efetividade completa da morte de Cristo. Esta expiação, em vez de estar sus-pensa sobre respostas subjetivas, está entre as causas do arrependimento e fé. As Doutrinas da Graça não veem nenhuma incoerência entre a pergunta: “Quem é que condena?”, e a resposta confiante: “É Cristo Jesus quem morreu”. A morte de Cristo sem falha liberta o seu beneficiário da condenação. A expiação universal não pode com coerência doutrinal gerar essa confiança.

Antes de minhas observações finais, eu quero emitir uma advertência referente à abordagem adotada nesta apresentação. Embora o argumento é que as Doutrinas da Graça dão maior coerência a todo o sistema da verdade Divina, e em particular os princípios evangélicos centrais do Evangelho, eu não estou argumentando que as Doutrinas da Graça são apenas o resultado de raciocínio inferencial. Elas são principalmente a incorporação de uma abordagem holística para a interpretação bíblica. Pode-se ver essas verdades operativas no ensino apostólico de Romanos 8, a Efésios 1, a 1 Pedro 1 e muitos outros locais e nas próprias discussões do nosso Senhor em João 3, 6, 10 e 17 e em Mateus 11 e outros lugares. Eles formam o substrato decretal e experiencial para os aspectos mais querigmáticos de obra salvadora de Deus, como a encarnação, crucificação, ressurreição e ascensão e a resposta humana como arrependimento e fé. Por essa razão, elas são um pouco mais ocultas em mistério, não só na realidade, mas na revelação; assim, estas questões são motivo de divergências evangélicas. Mas por essa razão também, elas fornecem a fonte mais agradável e defensável de unidade para toda a verdade bíblica.

Finalmente, embora eu ache que esta questão de coerência e de conservação deve ser pressionada e argumentada com tanto fervor espiritual quanto possível, dois fatores devem estar sempre presentes em nosso comportamento e informar a nossa orientação mental. O primeiro, é uma abençoada inconsistência, alimentada pela clareza das Escrituras, que muitas vezes salvaguarda a afirmação e prática evangélica. Esta semana, na capela em TEDS, eu liderei a congregação em um grande hino de William Gadsby, “Oh, Que Incomparável Condescendência”. Todos cantaram com alegria e exuberância. Um dos principais Arminianos em nosso campus me disse depois o quanto ele gostava do hino e como é maravilhosamente poético e claramente preciso teologicamente. Eu disse a ele que o hino foi escrito por um Batista hiper-Calvinista do século 19. Ainda assim, ele não encontrou nada no hino com o qual ele pudesse discordar. Um dos versos diz:

Será que vamos ver Sua brilhante glória,
Aqui ela brilha na face de Jesus;
Cantar e contar a agradável história,
Ó pecadores salvos pela graça;
E com prazer,
Diz ao culpado para abraçá-lO.

Um dos princípios hiper-Calvinistas é a rejeição do dever da fé por parte dos pecadores, o que implica o estado ilegítimo de instar, em assembleias mistas, para que os pecadores abracem Cristo. No entanto, aqui nós temos isto em um hino; um Arminiano cantando a afirmação de um hiper-Calvinista, “E com prazer, diz ao culpado para abraçá-lO”.

Segundo, temos de reconhecer que nós também conservamos algumas doutrinas ou interpretações numa fase incipiente ou embrionária que se permitíssemos amadurecer com suas tendências atuais poderiam ser destrutivas. Nós estamos na necessidade de repreensão constante e correção da Palavra de Deus. Além disso, temos algumas coisas verdadeiras, as quais seriam desnecessariamente destrutivas do amor e da unidade dos Cristãos, se o Espírito de Deus der licença para nosso orgulho espiritual ter seu impacto devastador final.

Oh! por favor Deus, concedei-nos por Sua graça a coragem de batalhar pela fé que foi entregue aos santos, a perseverança para andar na verdade, a habilidade de ensinar na direção de uma unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus, o poder para continuar em direção à vocação de Deus em Cristo Jesus, a consistência humilde para viver com a verdade a que temos atualmente atingido, e a esperança de acreditar que, se em alguma coisa estamos entendendo de outra maneira, é o Seu propósito e prerrogativa revelar-nos, corrigir-nos e tragar nosso entendimento e santidade que temos somente em parte, com a plenitude da glória de Cristo.