A Soberania de Deus Sobre o Mal, por David Mathis

Parte 1

 

Deus é o “Autor” do Pecado?

 

— 29 de agosto de 2007 —

 

 

Esta é primeira parte de uma série de outras 4 partes, sobre como falar da soberania de Deus sobre o pecado.

 

Em seus últimos três sermões, John Piper fez algumas declarações polêmicas a respeito da soberania de Deus sobre o pecado.

 

• 12 de agosto: “Deus criou [Satanás e seus demônios] sabendo o que e como eles seriam, exercendo nesse papel muito maligno, eles glorificariam a Cristo. Conhecendo tudo o que eles se tornariam, Deus criou-os para a glória de Cristo”.

• 19 de agosto: “Deus é soberano sobre Satanás e, portanto, a vontade de Satanás não acontece sem a permissão de Deus. Sendo assim, cada movimento de Satanás é parte do propósito e plano geral de Deus”.

• 26 de agosto: “Tudo o que existe, incluindo o mal, é ordenado por um Deus infinitamente santo e todo-sábio, afim de fazer a glória de Cristo brilhar com mais intensidade… O pecado de Adão e a Queda da raça humana nele, em pecado e miséria, não surpreendeu a Deus e faz parte do Seu amplo plano em mostrar a plenitude da glória de Jesus Cristo”.

Desiring God recebeu uma enxurrada de e-mails sobre isso — alguns até mais enérgicos que outros! — questionando (ou discordando abertamente) sobre a soberania de Deus sobre o pecado.

 

Consideramos que John Frame fornece uma ajuda significativa em como falar a respeito da soberania de Deus sobre o pecado. Dr. Frame e a Editora P&R graciosamente nos deram permissão para citar um trecho de seu Doctrine of God [A Doutrina de Deus]. Os trechos abaixo (e nas próximas três partes desta série) não estão disponíveis em outros lugares da web. Se você for auxiliado por eles, nós imensamente recomendamos que você compre o livro, A Doutrina de Deus.

 

***

 

A porção a seguir é extraída do livro A Doutrina de Deus, Capítulo 9, “O Problema do Mal”, por John Frame. Os títulos são adições; os parágrafos são do Dr. Frame.

 

Deus é Soberano Sobre o Pecado

 

…Deus realmente endurece corações e através de Seus profetas Ele antevê o pecado do homem com grande antecedência, indicando que Ele está no controle das livres decisões humanas. Hoje, os teólogos têm encontrado dificuldades para formular, em termos gerais, como Deus age para resultar nessas ações pecaminosas… Nós diríamos que Deus é a “causa” do mal? Essa linguagem é certamente problemática, uma vez que normalmente associamos causa com culpa… Aparentemente, se Deus causa o pecado e o mal, Ele seria o culpado por isso.

 

Palavras: As Ferramentas do Teólogo

 

Por essa razão, tem havido muita discussão entre os teólogos quanto a que verbo deve melhor descrever a agência de Deus no que diz respeito ao mal. Aqui estão algumas possibilidades iniciais: conceber, ocasionar, controlar, originar, decretar, preordenar, incitar, incluir no Seu plano, fazer acontecer, ordenar, permitir, planejar, predestinar, predeterminar, produzir, estar por detrás, desejar. Muitos destes são termos extra-bíblicos; nenhum deles é perfeitamente fácil de definir neste contexto; de forma que os teólogos precisam ter cuidadosas reflexões sobre qual desses termos, se houver um, deve ser sustentado, e em qual sentido. As palavras são as ferramentas do teólogo. Em uma situação como esta, nenhuma das possibilidades é totalmente adequada. Existem várias vantagens e desvantagens entre os diferentes termos. Vamos considerar alguns daqueles que são mais frequentemente discutidos.

 

1) Deus Seria o Autor do Pecado?

 

A palavra autor é quase universalmente condenada na literatura teológica. Raramente é definida, mas parece significar tanto que Deus é a causa eficaz do mal e que causando o mal, de fato, faz algo realmente errado1. Assim, a Confissão de Westminster diz que: Deus “não é, nem pode ser o autor ou aprovador do pecado” (5:4). Apesar dessa negação em uma grande Confissão Reformada, os Arminianos regularmente acusam a Teologia Reformada de fazer de Deus o autor do pecado. Eles assumem que se Deus ocasiona o mal, em qualquer sentido, Ele deve, portanto, aprová-lo e merece a culpa. Em sua opinião, nada a não ser o livre-arbítrio do homem servirá para absolver Deus da acusação de ser o autor do pecado.

 

Deus Não é o Autor do Pecado

 

Entretanto, como vimos [no capítulo 8 de A Doutrina de Deus] o livre-arbítrio é incoerente e antibíblico. E, como vimos [no capítulo 4 de A Doutrina de Deus] Deus permite as humanas ações pecaminosas. Negar isto, ou acusar Deus de maldade por causa disso, não está em discussão para um Cristão que crê na Bíblia. De alguma maneira, devemos confessar que Deus tem um papel em ocasionar o mal, mas que ao fazê-lo ainda assim Ele é santo e irrepreensível!… Deus realmente permite os pecados, mas sempre por Seus próprios bons propósitos. Assim, ao permitir o pecado, Ele próprio não comete pecado. Se esse argumento é são, então, a doutrina Reformada, da soberania de Deus, não implica que Deus seja o autor do pecado.

 

 

Parte 2

 

Deus “Causa” o Pecado?

 

— 30 de agosto de 2007 —

 

 

Esta é a segunda parte, de outras 4, a respeito de como falar da soberania de Deus sobre o pecado.

 

***

 

O trecho a seguir é extraído de A Doutrina de Deus, capítulo 9, “O Problema do Mal”, por John Frame. Os títulos são adições; os parágrafos são do Dr. Frame.

 

2) Deus “Causa” o Pecado?

 

Causa é outro termo que tem levado os teólogos a muita discussão… Autores Reformados têm… negado que Deus é a causa do pecado. João Calvino ensina: “Pois, a própria e genuína causa do pecado não é o conselho oculto de Deus, mas a vontade evidente do homem”,2 ainda que no contexto, ele também afirme que a Queda de Adão não ocorreu “sem o conhecimento e a ordenação de Deus”3. Eis alguns outros exemplos:

 

Cuide para que você não faça de Deus o autor do pecado, ao culpá-lO por Seu inviolável decreto quanto às falhas do homem, como se eles, os santos decretos, fossem a causa ou ocasião dos pecados; temos a certeza de que não são e nem podem ser mais do que a suposição de que a luz seria a causa das trevas.4

 

É [Deus] Quem criou, preserva, impulsiona e dirige todas as coisas. Mas de nenhuma maneira se segue, a partir dessas premissas, que Deus é, portanto, a causa do pecado, pois o pecado é nada menos que, anomia, ilegalidade, falta de conformidade com a lei divina (1 João 3:4), uma mera ausência de retidão; consequentemente sendo em si mesmo algo essencialmente negativo, e não pode ter nenhuma razão positiva ou proveitosa, mas apenas uma contrária ou imperfeita, como vários homens sábios têm observado.5

 

De acordo com os Cânones de Dort, “A causa ou culpa por essa incredulidade, assim como de todos os outros pecados, não está em parte alguma em Deus, mas no homem” (1:5).

 

Causa e Ordem

 

Nestas citações, causa parece assumir as conotações do termo autor. Para esses autores, dizer que Deus “causa” o mal é dizer, ou, talvez, implicar, que Ele é o culpado por isso. Observe que a expressão “causa ou culpa” no trecho dos Cânones de Dort é tal que os termos parecem ser tratados como sinônimos. Entretanto note que, embora acima Calvino rejeite a causa, ele afirma a ordenação. Deus não é a “causa” do pecado, mas o pecado é por Sua “ordenação”. Para o leitor moderno, a distinção não é evidente. Ordenar é causar, e vice-versa. Se a causa implica culpa, então ordenação parece acarretá-la também; se não o for, então não há implicações. Mas, evidentemente, no vocabulário de Calvino e de seus sucessores havia uma diferença entre os dois termos.

 

Podemos Dizer que Deus Causa o Pecado

 

Para nós, a questão ergue-se em saber se Deus pode ser a causa eficiente do pecado, sem ser o culpado por isso. Os teólogos mais antigos negaram que Deus era a causa eficiente do pecado… [Em parte] porque eles identificaram causa como autoria. Mas se… a conexão entre causa e culpa, na linguagem, moderna não for mais forte do que a conexão entre a ordenação e culpa, então, (assim e somente assim) não me parece errado dizer que Deus causa o mal e o pecado. Certamente devemos empregar tal linguagem cautelosamente, apesar da perspectiva ao longo da história de sua rejeição na tradição.

 

As Causas Remotas e Imediatas

 

É interessante que Calvino usa causa, referindo-se ao agir de Deus em acarretar o pecado, quando ele distingue entre Deus como a “causa remota” e a agência humana como a “causa imediata”. Argumentando que Deus não é o “autor do pecado”, ele diz: “A causa imediata é uma coisa, a causa remota é outra”6. Calvino pontua que quando os homens maus roubaram os bens de Jó, Jó reconheceu que “o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor”. Os ladrões, a causa imediata do mal, são culpados; mas Jó não questionou os motivos do Senhor, a causa remota. Calvino, no entanto, não cria que a distinção imediata/remota é suficiente para nos mostrar por que Deus é inculpável:

 

Mas o quanto isso foi ordenado pela presciência e decreto de Deus, que o futuro do homem ocorresse sem Deus estar implicado como associado na falta como o autor e aprovador da transgressão, é claramente um segredo que muito ultrapassa a percepção da mente humana, de modo que eu não me envergonho de confessar ignorância.7

 

Calvino usa a distinção remota/imediata meramente para distinguir entre a causalidade de Deus e a das criaturas e, assim, afirmar que o primeiro é sempre justo. Todavia, ele não acredita que a distinção resolva o problema do mal…

 

Pelo menos, a discussão acima indica que Calvino está disposto em alguns contextos a se referir a Deus como a “causa do pecado e do mal”. Calvino também descreve Deus como a única causa do endurecimento e reprovação dos ímpios:

 

Portanto, se não podemos atribuir qualquer motivo à concessão da Sua misericórdia a Seu povo, mas apenas que isso assim agradou-O, não podemos também ter qualquer motivo para Sua reprovação de alguns, além de Sua vontade. Quando a Deus é dito dispensar misericórdia ou endurecimento a quem Ele quer, os homens são lembrados de que eles não devem procurar por qualquer causa além de Sua vontade.8

 

 

Parte 3

 

Deus Permite o Pecado?

 

— 31 de agosto de 2007 —

 

 

Esta é a terceira parte de uma série de 4 partes sobre como falar da soberania de Deus sobre o pecado.

 

***

 

O trecho a seguir é extraído de A Doutrina de Deus, capítulo 9, “O Problema do Mal”, por John Frame. Os títulos são adições; os parágrafos são do Dr. Frame.

 

3) Deus Permite o Pecado?

 

Considere agora o termo permitir. Este é o termo preferido na teologia Arminiana, o qual equivale a uma negação de que Deus causa o pecado. Para o Arminiano, Deus não causa o pecado; Ele apenas permite. Teólogos Reformados, no entanto, também têm usado o termo, referindo-se à relação de Deus com o pecado. O Reformado, no entanto, insiste no contrário dos Arminianos, que a “permissão” de Deus sob pecado não é menos eficaz do que Sua ordenação do bem. Calvino nega que haja qualquer “mera permissão” em Deus:

 

A partir disso, é fácil concluir quão tolo e frágil é o apoio da justiça Divina conferida pela sugestão que os males vêm a existir não pela vontade de Deus, mas apenas por Sua permissão. É claro que, à medida que eles são males, que os homens cometem com suas mentes más, o que eu mostrarei com maiores detalhes em breve, eu confesso que eles não são agradáveis ​​a Deus. Todavia, é um refúgio muito leviano dizer que Deus ociosamente permite-lhes assim, quando as Escrituras mostram-nO não apenas querendo, mas sendo o autor deles.9

 

 

A permissão de Deus é uma permissão eficaz…

 

Sim, Deus permite o pecado; mas não é “Mera Permissão”

 

Se a permissão de Deus é eficaz, como ela difere de outros exercícios de Sua vontade? Evidentemente, o Reformado usa permite principalmente como um termo mais delicado do que causa, e para indicar que Deus causa o pecado com um tipo de relutância advindo de Seu santo ódio pelo mal.

 

Este uso realmente reflete um padrão bíblico: Quando Satanás age, ele age, em um sentido óbvio, pela permissão de Deus10. Deus permitiu que ele atacasse a família, as riquezas e a saúde de Jó. Contudo, Deus não quis permitir que Satanás tirasse a vida de Jó (Jó 2:6). Sendo assim, Satanás está em uma coleira curta, atuando somente dentro dos limites atribuídos por Deus. E, neste contexto, todos os atos pecaminosos são semelhantes. O pecador é limitado em seu agir, antes que ele se depare com o julgamento de Deus.

 

O que Deus Permite Ocorrer, Ocorrerá

 

É certo, portanto, usar permissão para indicar a ordenação de Deus sobre o pecado. Mas não devemos supor, como os Arminianos fazem, que a permissão Divina é algo menor do que a Sua ordenação soberana. O que Deus permite ou autoriza ocorrer, ocorrerá. Deus poderia facilmente ter evitado o ataque de Satanás a Jó, se Ele quisesse. O fato dEle não haver impedido o ataque implica que Ele pretendia que acontecesse. Permissão, então, é uma forma de ordenação, uma forma de causalidade11. Que isso seja, às vezes, tomado de outro modo é um bom argumento contra o uso do termo, mas possivelmente não um argumento decisivo.

 

Não discutirei outros termos em minha lista (exceto deseja, que [é discutido no capítulo 23 de A Doutrina de Deus]). O que foi dito acima deve ser suficiente para indicar a necessidade de cautela na escolha do vocabulário, e também a necessidade de se pensar com cuidado antes de condenar o vocabulário de outros. Não é fácil encontrar termos adequados para descrever a ordenação Divina do mal. A nossa língua não deve comprometer nem a plena soberania de Deus ou a Sua santidade e bondade.

 

Nenhuma destas formulações resolve o problema do mal. Não é uma solução dizer que Deus ordena o mal, mas não cria-o ou causa-o (se optarmos por dizer assim). Esta linguagem não é uma solução para o problema, mas apenas uma maneira de levantá-la. Pois, a questão do mal é como Deus pode ordenar o mal sem ser o seu autor. Como pontuou Calvino, a distinção entre a causa remota e imediata também é insuficiente para responder às questões diante de nós, embora seja útil em afirmar de quem é a culpa pelo mal. Também não é uma solução dizer que Deus permite, em vez de ordenar, o mal. Como vimos, a permissão de Deus é tão eficaz quanto a Sua ordenação. A diferença entre os termos não traz nada à luz que vá resolver o problema.

 

 

Parte 4

 

O Modelo Autor-História

 

— 1 de setembro de 2007 —

 

 

Esta é a quarta parte de uma série de 4 partes sobre como falar da soberania de Deus sobre o pecado.

 

***

 

A porção a seguir é extraída do livro A Doutrina de Deus, Capítulo 9, “O Problema do Mal”, por John Frame. Os títulos são adições; os parágrafos são do Dr. Frame.

 

 

O Modelo AutorHistória

 

Eu deveria… dizer algo mais sobre a natureza da agência de Deus no que diz respeito ao mal. Lembre-se que a partir do [capítulo 8 de A Doutrina de Deus] modelo do autor e sua história: a relação de Deus com agentes livres é como a relação de um autor para com seus personagens. Vamos examinar em que medida o relacionamento de Deus com o pecado humano é como o de Shakespeare em relação a Macbeth, o assassino de Duncan.

 

Shakespeare matou Duncan?

 

Tomei emprestada a ilustração de Shakespare/Macbeth da excelente Teologia Sistemática de Wayne Grudem12. Mas eu discordo de Grudem em um ponto. Ele diz que poderíamos dizer que Macbeth ou Shakespeare “matou o rei Duncan”. Concordo, é claro, que tanto Macbeth e Shakespeare são responsáveis, em diferentes níveis de realidade, pela morte de Duncan. Mas, enquanto eu analiso a linguagem que normalmente se usa em tais contextos, parece claro para mim que nós não diríamos normalmente que Shakespeare matou Duncan. Shakespeare escreveu o assassinato em sua peça. Mas o assassinato aconteceu no mundo da peça, não no mundo real do autor. Macbeth fez isso, não Shakespeare. Sentimos a retidão da justiça poética movida contra Macbeth por seu crime. Mas nós certamente consideraríamos muito injusto se Shakespeare fosse julgado e condenado à morte por matar Duncan13. E ninguém sugere que há qualquer problema em conciliar a benevolência de Shakespeare com sua onipotência sobre o mundo do drama. Na verdade, há razão para nós louvarmos Shakespeare por levantar esse personagem, Macbeth, para nos mostrar as consequências do pecado.14

 

Deus Produz o Pecado sem Ele mesmo Pecar

 

A diferença entre níveis, então pode ter significado moral, bem como metafísico15. Isso pode esclarecer porque os escritores bíblicos não hesitaram em dizer que Deus produz o pecado e o mal, e não serem tentados a acusá-lO de maldade. A relação entre Deus e nós, é claro, é diferente em alguns aspectos da relação entre um autor e seus personagens. Mais significativamente: nós somos reais; Macbeth não é. Mas entre Deus e nós há uma grande diferença no tipo de realidade e no status relativo. Deus é o absoluto controlador e autoridade, o mais presente fato da natureza e da história. Ele é o legislador, nós, os receptores da lei. Ele é a cabeça do pacto; nós somos os servos. Ele criou a criação para a Sua própria glória; nós buscamos a Sua glória, em vez de a nossa própria. Ele nos faz como o oleiro cria o vaso, para seus próprios fins. Será que estas diferenças não colocam Deus em uma categoria moral diferente também?

 

Deus não é Obrigado a Defender-Se

 

A própria transcendência de Deus desempenha um papel significativo nas respostas bíblicas ao problema do mal. Porque Deus é quem é, O Senhor do pacto, Ele não é obrigado a defender-Se contra as acusações de injustiça. Ele é o juiz, não nós. Muitas vezes nas Escrituras, quando acontece alguma coisa que coloca a bondade de Deus em questão, Deus Se abstém incisivamente de explicar. Na verdade, muitas vezes Ele repreende aqueles seres humanos que O questionam. Jó exigiu uma audiência com Deus, para que ele pudesse pedir a Deus as razões para os seus sofrimentos (23:1-7, 31:35-37). Mas quando ele se encontrou com Deus, Deus fez a pergunta: “Agora cinge os teus lombos, como homem; e perguntar-te-ei, e tu me ensinarás” (Jó 38:3). As perguntas principalmente revelaram a ignorância de Jó sobre a criação de Deus; se Jó não entendia os caminhos dos animais, como ele poderia presumir reclamar dos motivos de Deus em questão? Ele nem mesmo entendia as coisas terrenas; como ele poderia presumir a debater as coisas celestiais? Deus não é sujeito às avaliações ignorantes de Suas criaturas.16

 

O Oleiro e o Barro

 

É significativo que a figura oleiro/barro apareça em uma passagem nas Escrituras onde o problema do mal é explicitamente abordado17. Em Romanos 9:19-21, Paulo apela especificamente à diferença no nível metafísico e status entre o Criador e a criatura:

 

Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?.

 

Esta resposta para o problema do mal volta-se inteiramente para a soberania de Deus. Isso é tão longe quanto se poderia imaginar de uma defesa do livre-arbítrio. Isso traz à nossa atenção o fato de que Suas prerrogativas são muito maiores do que as nossas, assim como o modelo autor-personagem.

 

Um Sentido em que Deus é “Autor” do Mal

 

Pode-se objetar que esse modelo faz de Deus o “autor” do mal. Mas essa objeção, eu acho, confunde dois sentidos de “autor”. Como vimos, a frase “autor do mal” conota não apenas causalidade do mal, mas também culpa por isso. Pois, ter autoria do mal é fazê-lo. Mas, ao dizer que Deus está relacionado com o mundo como um autor de uma história, nós realmente fornecemos uma maneira de ver que Deus não deve ser responsabilizado pelo pecado de Suas criaturas.

 

Três Respostas Bíblicas para o Problema do Mal

 

Esta, é claro, não é a única resposta bíblica para o problema do mal. Às vezes, Deus não responde ao silenciar-nos, como acima, mas, mostrando-nos em certa medida que o mal contribui para Seu plano, o que eu tenho chamado de “maior boa defesa”. A maior boa defesa refere-se particularmente ao atributo de Senhorio de Deus no controle, de modo que Ele é soberano sobre o mal e usa-o para o bem. A resposta de Romanos 9 refere-se particularmente ao atributo de Senhorio Divino de autoridade. E Seu atributo de presença pactual dirige-se ao emocional problema do mal, confortando-nos com as promessas de Deus e o amor de Jesus, do qual nenhum mal pode nos separar (Romanos 8:35-39).

 

 

 


[1] Para que não haja confusão sobre a linguagem: o modelo de “autor/história” da relação de Deus para com as criaturas, o qual eu defenderei posteriormente, não faz de Deus o “autor do pecado”, neste sentido. Nada nesse modelo implica que Deus cometa ou aprove o pecado. Na verdade, eu argumentarei depois que ele nos fornece uma razão para negar isso.

 

[2] Calvino, Concerning the Eternal Predestination of God [Sobre a Eterna Predestinação de Deus] (London: James Clarke and Co., 1961), 122.

 

[3] Ibid., 121.

 

[4] Elisha Coles, A Practical Discourse on God’s Sovereignty [Um Tratado Prático Sobre a Soberania de Deus] (Marshallton, DE: The National Foundation for Christian Education, 1968), 15. Reimpressão de uma obra do século XVII.

 

[5] Jerome Zanchius, Observations On the Divine Attributes, in Absolute Predestination [Observações Sobre Os Atributos Divinos, em Absoluta Predestinação] (Marshallton, DE: National Foundation for Christian Education, nd), 33. Compare as formulações dos dogmáticos pós-reformação Polan e Wolleb em RD, 143, e de Mastricht em 277. Todos eles baseiam os seus argumentos sobre a premissa que o mal é uma mera privação.

 

[6] Calvino, op. cit., 181.

 

[7] Ibid., 124.

 

[8] Calvino, IRC [Institutas da Religião Cristã] 3.22.11. Compare com 3.23.1.

 

[9] Calvino em A Eterna Predestinação, 176. O termo autor levanta questões. Presumo que, na linha habitual do pensamento de Calvino, significa que Deus é autor dos acontecimentos maus, sem ter a autoria das suas características malignas. Mas, a utilização de autor indica aqui algo da flexibilidade da linguagem nas suas formulações, em contraste com a sua relativa rigidez em seus sucessores.

 

[10] Neste uso, e no uso teológico Reformado, “permissão” não tem nenhuma conotação de aprovação moral, como, às vezes, tem no uso contemporâneo do termo.

 

[11] Arminianos tradicionais concordam que Deus é onipotente e pode impedir ações pecaminosas. Então, nós queremos saber como eles podem se opor a este argumento. Se Deus pode impedir o pecado, mas escolheu não impedi-lo, não devemos dizer que Ele ordenou que isso acontecesse? Alguns Arminianos mais recentes afirmam que Deus criou o mundo, mesmo sem saber que o mal viria a ocorrer. Mas esta representação não faz de Deus, nas palavras de um dos meus correspondentes, uma espécie de “cientista maluco”, que “une uma combinação potencialmente perigosa de produtos químicos, sem saber que resultará em uma reação perigosa e incontrolável?”. Será que essa visão não faz de Deus culpado de descuido?

 

[12] Grand Rapids: Zondervan, 1994, 321-22.

 

[13] Pense em quantos escritores de programas de TV seriam tirados dentre nós, se essa base jurídica fosse válida. Mais nenhum comentário.

 

[14] Como o meu amigo Steve Hays assinala em correspondência, os aspectos sombrios dos dramas de Shakespeare também adicionam à sua grandeza como um artista. Nossa admiração por Shakespeare é parcialmente baseada em sua compreensão do pecado da alma humana e sua capacidade de expor e lidar com o pecado, não trivialmente, mas de maneiras que nos surpreendem e aprofundam nossa compreensão.

 

[15] A diferença metafísica entre o Deus Criador e o mundo do qual o mal é uma parte pode indicar a verdadeira conexão entre a ética e metafísica, em oposição à falsa conexão da “cadeia da existência”, de pensadores mencionados anteriormente neste capítulo. Pode também indicar um grão de verdade na teoria da privação: há uma diferença metafísica entre o bem e o mal, mas não é a diferença entre o existir e o não-existir, mas sim uma diferença entre existência e existência criada.

 

[16] Dizer isso é não adotar o ponto de vista de Gordon H. Clark de que Deus é ex lex ou fora de, não sujeito à lei moral. Veja Religion, Reason, and Revelation [Religião, Razão, e Revelação] (Phila.: Presbyterian and Reformed, 1961, onde ele argumenta que, por Deus estar acima da lei moral, Ele não está sujeito a ela. Certamente Deus tem algumas prerrogativas em Seu Ser que Ele nos proíbe, como a liberdade de tirar a vida humana. Mas, para a maior parte, as leis morais que Deus nos impõe são baseadas em Seu próprio caráter. Veja Êxodo 20:11, Levítico 11:44-45, Mateus 5:45, 1 Pedro 1:15-16. Deus não violará o Seu próprio caráter. O que as Escrituras negam é que o homem tenha compreensão suficiente do caráter de Deus e de Seu plano eterno (para não mencionar autoridade suficiente) para trazer acusações contra Ele.

 

[17] O problema é levantado, é claro, no Livro de Jó e em muitos outros lugares na Escritura. Mas, em meu conhecimento, Romanos 9 é a única passagem em que um escritor bíblico dá uma resposta explícita a ele. Jó, obviamente, nunca foi informado acerca do motivo pelo qual ele sofreu.
 

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