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Charles Spurgeon e a Coragem no Púlpito, por Tom Ascol

Um dos grandes desafios que cada pastor enfrenta é a coragem para se manter fiel às suas convicções. Isso é ainda mais verdadeiro quando essas convicções, mesmo estando profunda e claramente embasadas na Escritura, são contrárias à opinião popular ou dos desejos de membros influentes das igrejas. Estou certo que não sou o único pastor que já foi ameaçado por líderes de igreja de ser “demitido” se eu insistisse no ensino e na pregação do verdadeiro significado de certas passagens da Escritura. Ainda mais comum é a pressão sutil que pastores frequentemente sentem de comprometer suas convicções para manter a paz. Há muito tempo perdi as contas do número de pastores que eu conheço que já sofreram sérias consequências por apenas pregar expositivamente sermões e clamar à congregação por uma santidade que seja proporcional ao Evangelho.

 

A coragem pastoral tende a ser contagiosa e exemplos de pastores fieis que se recusaram a comprometer a Palavra de Deus mesmo em face de grandes pressões são dignos de estudo por qualquer homem que deseja permanecer humildemente corajoso no cumprimento de sua responsabilidade pastoral. Um dos mais notáveis exemplos de tamanha coragem é Charles Spurgeon. Embora ele seja justamente lembrado por muitos feitos maravilhosos e por traços pessoais, é seguro dizer que se ele não tivesse sido corajoso em sua pregação, muito provavelmente seus sucessos teriam sido grandemente diminuídos.

 

Spurgeon nunca limitou a mensagem da Palavra de Deus apesar da oposição, da ridicularização ou do escárnio — tudo isso ele experimentou em excesso. Nem permitiu que a controvérsia, ou o medo dela, o silenciassem em qualquer assunto abordado pela Palavra de Deus. Como tal, ele continua sendo um maravilhoso exemplo de pregação corajosa para pastores modernos

 

Quando ainda era uma criancinha. Seu avô lhe ensinou a nunca temer defender aquilo que ele acreditava que era certo, independente das consequências. Na capela de Stambourne, onde Spurgeon cultuou com seus avós pelos primeiros anos de sua vida, era comum cantar a última linha de um hino duas vezes. Quando ele completou seis anos, ele estava convencido que esse era o jeito certo de cantar. Consequentemente, quando ele retornou à casa de seus pais e começou a adorar na igreja deles, ele repetiu a última linha do hino, mesmo que a congregação fizesse isso ou não. Somente após o que ele mesmo mais tarde descreveu como o “grande castigo” é que foi convencido de outra maneira.

 

Essa mesma disposição de permanecer sozinho diz algo sobre o seu ministério de pregação. Ele não teve tolerância com o que chamou de “homens maleáveis que são influenciados por todos e não tem opinião própria a não ser a daquela última pessoa com quem se encontraram” ou “irmãos cata-vento — homens cujas opiniões religiosas são influenciadas pelas opiniões doutrinárias de sua vizinhança atual”. Ele preferia ser fiel à Palavra de Deus e ser julgado como grosseiro do que andar em sintonia com o espírito desse tempo e comprometer a mensagem da Palavra de Deus em qualquer ponto.

 

Em nenhum momento sua coragem no púlpito foi mais óbvia do que no debate da regeneração batismal de 1864 e na controvérsia Down-Grade em 1887-91. No começo, Spurgeon sabia que estava atiçando um covil de cobras ao pregar contra o ensino da Igreja Anglicana. De antemão, ele disse ao seu editor que estava prestes a arruinar a venda de seus sermões impressos, porque tinha certeza que as controvérsias iriam lhe custar muitos amigos e provocariam muitos ataques. Ele estava quase certo. Ele foi violentamente atacado, e perdeu amigos, mas aquele sermão vendeu mais de 100.000 cópias e, finalmente, vendeu três vezes mais do que isso.

 

A última controvérsia exigiu ainda mais coragem porque Spurgeon estava praticamente sozinho em alertar contra as influências condenáveis da ideologia da alta crítica. Aqueles que deveriam ter estado com ele, não o fizeram e muitos amigos tentaram lhe persuadir a se calar. Spurgeon, no entanto, tinha comprado a verdade por um preço muito alto para vendê-la por tão pouco. Como um atalaia divinamente chamado para o bem do povo de Deus, ele tinha que clamar, mesmo que isso significasse ficar sozinho. Em um sermão em 1888, ele falou sobre a atemporalidade da convicção e sobre a coragem ao lutar pela verdade revelada de Deus.

 

Nós admiramos um homem que foi firme na fé, digamos, há 400 anos… Mas tal homem, hoje, é um incômodo e deve ser colocado para baixo. Chame-o de um fanático intolerante, ou dê-lhe um nome pior se você pode pensar em um. No entanto, imagine se naquelas épocas passadas, Lutero, Zwínglio, Calvino e seus companheiros dissessem: “O mundo está fora de ordem. Mas se nós tentarmos consertá-lo, só faremos uma grande contenda e nos levaremos a nós mesmo à desgraça. Vamos para as nossas câmaras, coloquemos as nossas toucas de dormir e durmamos sobre os maus momentos e talvez quando acordarmos as coisas estarão melhor”… Séculos após séculos teriam ido para baixo nos abismos infernais e os pântanos infecciosos do erro teriam engolido tudo. Estes homens amavam a fé e o nome de Jesus demasiado bem para vê-los pisoteados.

É hoje como era nos dias dos Reformadores. Decisão é necessária. Aqui está o dia para o homem — onde está o homem para o dia? Nós, que temos Evangelho passado para nós pelas mãos do mártir não nos atrevemos a brincar com ele — nem sentarmos e ouvi-lo negado por traidores que fingem amá-lo, mas que interiormente abominam cada linha dele… Vejam vocês, senhores, ainda há eras por vir. Se o Senhor não aparecer rapidamente, haverá outra geração e outra e todas estas gerações serão manchadas e feridas, se não formos fiéis a Deus e à Sua verdade hoje. Chegamos a um ponto de viragem no caminho. Se nos voltarmos para a direita, talvez os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos irão por esse caminho. Mas se nos voltarmos para a esquerda, as gerações ainda por nascer amaldiçoarão os nossos nomes por termos sido infiéis a Deus e à Sua Palavra.

 

Em um discurso a colegas pastores Spurgeon reiterou sua determinação em permanecer inflexível perante os deuses modernos da incredulidade. Por sua posição na controvérsia Down-Grade ele estava disposto a ser “comido por cachorros pelos próximos 50 anos” porque estava confiante que sua causa estava certa e que a história iria vindicá-lo. Melhor suportar a perda da própria vida pela causa de Deus e da verdade, Spurgeon raciocinou, do que ser lançado sobre “aquele monturo miserável que é feito das falhas de covardes e de vidas desperdiçadas. Que Deus salve a você e a mim dessa desgraça!”.

 

O Evangelho que foi protegido para e confiado a nós por um alto preço é digno de tal coragem da parte daqueles que devem ministrá-lo.