(Trecho retirado das páginas 45-47 do livro “O Coração Quebrantado“, por John Bunyan)

Tal pessoa se lamenta por isso, pois sente e percebe em si mesma uma depravação da natureza. Já disse antes que ela está consciente disso, ela vê e sente isso; e agora digo que ela se lamenta por isso.

É isso que a faz chamar a si mesma de “miserável”, é isso que a faz se aborrecer e se abominar, e é isso que a faz corar de vergonha diante de Deus (Romanos 7:24; Jó 42:5, 6; Ezequiel 36:31). Ela não encontra em si mesma, por natureza, nenhuma beleza ou formosura, antes quanto mais ela olha no espelho da Palavra, mais ela percebe quão desfigurada e deformada ela se tornou devido ao pecado. Nem todos veem isso, por isso nem todos se lamentam. Porém a pessoa de coração quebrantado vê que ela é corrompida, depravada, cheia de lascívia e maldade pelo pecado; ela vê que, em sua carne, não habita bem algum; e isso a faz se lamentar de coração — assim como alguém que que tem os ossos quebrados percebe que está machucado, lesionado e incapaz de agir como deveria e gostaria, o que o entristece e o faz lamentar.

Muitas pessoas se lamentam pelas suas transgressões atuais, porque frequentemente tais transgressões trazem vergonha para elas diante dos homens; mas poucas se lamentam pelos defeitos procedentes da natureza pecaminosa, porque não enxergam esses defeitos. Uma pessoa não pode se lamentar pelos defeitos de sua natureza pecaminosa até que veja que eles a tornaram desprezível para Deus; e nada mais além de uma visão de Deus pode fazer com que ela perceba o que realmente é e, assim, se lamente de coração por ser assim.

Ora, Jó disse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza”. Isaías declara: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros… e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”. E foi isso que fez Daniel dizer: “meu rosto mudou de cor e se desfigurou”, pois ele teve uma visão do Santo (Jó 42:5-6; Isaías 6:1-5; Daniel 10:8). Visões de Deus quebrantam o coração, porque, pela visão que a alma então passa a ter das perfeições divinas, ela percebe sua infinita e indescritível desproporção devido à vileza de sua própria natureza.

Suponha que um grupo de pessoas feias, desprovidas de atrativos e deformadas vivam juntas em uma casa; e suponha que nunca tenham visto alguém mais bonito ou dotado de atrativos naturais mais do que elas mesmas; elas não seriam capazes de se comparar com ninguém além de si mesmas e, consequentemente, não seriam afetadas nem se lamentariam pelos defeitos naturais de sua aparência. Porém, tire-as daquele lugar onde estavam isoladas e permita que elas contemplem o esplendor e as perfeições da beleza de outras pessoas, e então, elas se lamentarão e ficarão abatidas ao verem seus próprios defeitos.

É isso que aconteceu com os pecadores que, devido ao pecado, são deformados, corrompidos e depravados, mas podem viver tranquilamente isolados na escuridão. Eles não veem nem a Deus, nem anjos, nem santos em sua excelente natureza e beleza; e, portanto, tendem a considerar suas próprias feiuras e deformações como suas joias e glórias. Contudo, como eu disse, deixe que essas pessoas vejam a Deus, vejam os santos, ou os adornos do Espírito Santo, e a si mesmas como estando destituídas disso, e então elas não podem deixar de serem afetadas e levadas a lamentar sua própria deformidade.

Quando o Senhor Jesus Cristo mostrou apenas um pouco de sua excelência diante de Pedro, isso fez com que a depravação da natureza de Pedro fosse revelada diante dele, gerando um sentimento de grande confusão e vergonha, o que fez com que ele clamasse em meio aos seus companheiros: “Senhor, afaste-se de mim, porque sou pecador” (Lucas 5:4-8).

Portanto, esta é a causa de um coração quebrantado: uma visão das excelências divinas, e o sentimento de que sou uma pessoa pobre, depravada, arruinada, contaminada e desgraçada; e essa visão, ao quebrantar o coração, gera tristeza na pessoa de coração quebrantado.