“E apedrejaram a Estêvão que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito.” (Atos 7:59)
Estevão foi o primeiro a morrer como um mártir pela causa de Cristo; e ele parece assemelhar-se ao Salvador mais do que qualquer um que o seguiu posteriormente. Seu próprio rosto pareceu como o rosto de um anjo. Sua sabedoria irresistível em disputar com os judeus era muito semelhante à de Cristo; sua oração por seus inimigos em seu último suspiro quase com as mesmas palavras usadas pelo Salvador, e a recomendação de sua alma às mãos do Senhor Jesus, foi feita no mesmo espírito de confiança como aquela em que Cristo disse: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” [Lucas 23:46]. Não pode haver dúvida de que foi ao olhar para Jesus ele se tornou, assim, semelhante a Cristo; e a última visão que ele teve de Cristo parece especialmente tê-lo dado a compostura celestial na morte, o que está muito acima do natural.
Duas coisas devem ser notadas: (1) Aquela era uma visão de Cristo à mão direita de Deus. (2) Aquela era uma visão de Cristo em pé. Cristo, estando à mão direita de Deus é mencionado dezesseis vezes na Bíblia; treze vezes Ele é descrito como sentado ali; duas vezes como estando ali; mas somente aqui Ele é mencionado como estando de pé. Isso parece ter produzido uma profunda e vívida impressão no espírito de Estevão, pois ele clama: “Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus”, então, com uma doce certeza de que as mãos de Cristo foram estendidas para recebê-lo, ele gritou, “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
Doutrina. Uma vez que Cristo está à mão direita de Deus, e visto que Ele ergue-se para receber o crente moribundo, os crentes devem entregar o seu espírito ao Senhor Jesus.
I. Se Cristo está à destra de Deus, os pecados dos crentes devem estar perdoados, de forma que ele pode tranquilamente dizer: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Se o túmulo estivesse fechado sobre a cabeça de Cristo para sempre, se a pedra permanecesse na boca do sepulcro até hoje, então poderíamos muito bem estar em dúvida se Ele havia sofrido o suficiente no lugar dos pecadores. “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a sua fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” [1 Coríntios 15:17]. Mas é verdade que Cristo está à destra de Deus? Então, a pedra foi revolvida do sepulcro. Deus O deixou sair livre da maldição que foi colocada sobre Ele. A justiça de Deus está bastante satisfeita. Se vocês vissem um criminoso colocado na prisão, e as portas da prisão se fecharem atrás dele, e se vocês nunca o vissem sair de novo, então vocês poderiam muito bem acreditar que ele ainda permanecia na prisão, e ainda suportando a justa sentença da lei; mas se vocês vissem as portas da prisão se abrirem, e o prisioneiro sair livre, se vocês o vissem andando em liberdade nas ruas, então vocês saberiam imediatamente que ele havia satisfeito a justiça de seu país, que ele havia sofrido tudo o que era necessário sofrer, que ele pagou o último centavo.
Assim foi com o Senhor Jesus. Ele foi considerado um criminoso, os crimes dos pecadores culpados contra Deus foram todos deixados à Sua porta, e Ele foi condenado por causa deles. Ele foi conduzido até a morte de cruz, e à sombria prisão de Sua sepultura rochosa, a pedra foi rolada para a boca da sepultura. Se vocês nunca O vissem sair, então poderiam muito bem crer que Ele ainda estaria suportando a justa sentença da Lei. Mas, olhem! “Já ressuscitou, não está aqui”, “Ressuscitou verdadeiramente o Senhor”, Deus, que era Seu Juiz, O ressuscitou dentre os mortos, e O assentou à Sua direita nos lugares celestiais; de modo que vocês podem ter certeza que Ele satisfez a justiça de Deus. Ele sofreu tudo o que era necessário que Ele sofresse, Ele pagou até o último centavo. Agora, há aqui qualquer um de vocês ouvindo-me, que se unirá ao Senhor Jesus? É este o Salvador a quem você toma por seu Fiador? “Tem bom ânimo, perdoados te são os teus pecados”. Porque, se o Fiador está livre, então vocês estão livres. Foi isso que ofereceu uma paz tão tranquila para Estevão ao morrer. Ele tinha a mesma natureza vil que vocês têm, ele cometeu os mesmos pecados que vocês cometem, ele teve a mesma condenação sobre ele que vocês têm; mas quando ele viu Jesus Cristo, a quem ele havia tomado como seu Fiador, estando livre, de pé à mão direita de Deus, então ele sentiu que a condenação já havia sido suportada, que a ira de Deus foi completamente afastada de sua alma; e, assim sendo interiormente persuadido do perdão, ele entregou o seu espírito nas mãos de Cristo: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
Ó irmãos, apeguem-se ao mesmo Senhor Jesus. Ele ainda é tão livre quanto era quando Estevão morreu. Ele sempre será livre; a morte não tem mais poder sobre Ele; pois Ele sofreu tudo. Tomem-nO como seu Fiador; apeguem-se a Ele como o seu Salvador, e vocês podem hoje ter a mesma paz que Estevão tinha, e podem morrer com a mesma paz no peito, dizendo: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
II. Se Cristo está à destra de Deus, então o crente é aceito por Deus, e pode tranquilamente dizer com Estevão: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
O Filho de Deus veio a ser um Fiador para os homens em dois aspectos: (1) Ao sofrer a ira que eles mereciam sofrer; e, (2) ao efetuar a obediência que os homens haviam deixado de prestar.
Se Cristo ficou como Fiador no sofrimento, então todo pecador moribundo que se apegou a Ele deve estar liberto da maldição de Deus. Se Ele ficou como Fiador na obediência, então Ele e todo pecador que se apegou a Ele devem ser recompensados com um lugar na glória. Agora, se Cristo não tivesse ressuscitado dos mortos, então teria sido manifesto que Deus não havia aceitado Sua obediência como digna da vida eterna. Mas se Cristo ressuscitou, e não somente isso, mas se Ele está à mão direita de Deus, o lugar de maior glória no Céu, onde há delícias perpetuamente, então tenho certeza de que Deus está satisfeito com Cristo como um Fiador para o homem.
Se vocês vissem algum nobre do reino enviado pelo rei para um lugar longínquo e incumbido de uma perigosa missão, com a promessa de que, se ele a cumprisse, seria promovido a sentar-se no lugar mais próximo do trono. Se vocês nunca vissem o retorno daquele nobre para reivindicar a sua recompensa, então diriam imediatamente que ele falhara em seu empreendimento. Mas se vocês o vissem voltar, em meio aos aplausos da multidão reunida, e se vocês o vissem recebido no palácio do rei, e sentado à direita da majestade, então diriam imediatamente que ele havia conseguido o que ele se propôs a fazer, e que o rei no trono estava bem satisfeito com ele.
Exatamente assim, queridos irmãos, se vocês tivessem estado no Céu naquele maravilhosíssimo dia que sempre existiu, o qual o Sabath Cristão é um monumento duradouro, quando Cristo subiu ao Pai e nosso Pai, vocês teriam visto o sorriso de inefável complacência com que Deus recebeu de volta em glória o Fiador dos homens, dizendo: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” [Salmos 2:7], […] e novamente, “Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” [Salmos 110:1]. Tendo visto tudo isso, então vocês conheceriam quão excelente é a obediência de Cristo aos olhos do Pai.
Mas toda essa obediência foi realizada, não por si mesmo, mas como um Fiador pelos homens. Ele mesmo foi aceito antes que Ele deixasse o Céu. Ele era infinitamente próximo e querido do Pai, e não precisava se tornar homem para obedecer por Si mesmo. Tudo o que Jesus Cristo fez ou sofreu foi como um Fiador em lugar dos pecadores. Vocês O tomarão por seu Fiador? Vocês se apegarão ao Senhor Jesus, porque vocês não têm nada de si mesmos para vos recomendar a Deus? Então, olhem para cima com os olhos da fé, e vejam-nO à mão direita de Deus. Se apeguem a Ele, e vocês serão completamente aceitos por Deus como Cristo é, vocês serão tão próximos de Deus quanto é o vosso Fiador. Ah! foi isso que deu ao moribundo Estevão tal mansa tranquilidade. Ele tinha a mesma natureza vil que vocês têm, ele tinha tão pouca obediência a Deus quanto vocês, ele era um pecador desprovido como vocês são; mas ele tomou o Senhor Jesus por seu Fiador, o Homem em seu lugar; de modo que, quando O viu à mão direita de Deus, ele sentiu que Cristo foi aceito, e que ele também fora aceito no Amado. E assim, sendo interiormente persuadido que em Cristo ele possuía um caminho seguro para o Pai, ele clamou, com o suspiro moribundo: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
Oh! tremam, pecadores desamparados, se apeguem ao Senhor Jesus. Ele é tão oferecido a vocês como Ele o foi a Estevão. Tome-nO como seu Fiador, apeguem-se a Ele como seu Salvador, e vocês podem, neste dia, ter o mesmo senso de aceitação que Estevão teve, e vocês podem morrer com o mesmo doce clamor confiante: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
III. Se Cristo se levanta para receber o crente moribundo, isso oferece ao crente uma confiança mui grande, de modo que ele pode tranquilamente dizer: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
Quando as almas crentes buscam por paz e alegria na fé, elas, mui geralmente, limitam a sua visão a Cristo sobre a terra. Elas se lembram dEle como o bom Pastor que busca a ovelha perdida; elas olham para Ele sentado ao lado do poço de Samaria; lembram-se dEle dizendo ao paralítico: “Tende bom ânimo, teus pecados te são perdoados”; mas elas bem raramente pensam em olhar para onde Estevão olhou: para onde Jesus está agora, à mão direita de Deus. Agora, meus amigos, lembrem-se de que se vocês quiserem ser Cristãos completos, vocês devem olhar para um Salvador completo, vocês quiserem olhar para um Cristo completo, devem erguer os olhos, da cruz para o trono, e vocês O encontrarão o mesmo Salvador, em tudo: “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente”. Já observei que onde quer que Cristo seja mencionado como estando à mão direita de Deus, Ele é mencionado como sentado lá em Seu trono e que, aqui, e somente aqui, nos é dito que ele está de pé. Se em outros lugares Ele é descrito como desfrutando de Sua glória, e introduzido em Seu repouso; somente aqui Ele é descrito como erguido de Seu trono, e de pé à mão direita de Deus.
1. Cristo se levanta para interceder: “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” [Hebreus 7:25]. Quantas vezes um crente seria reprovado, se não fosse pelo grandioso Intercessor! Quantas vezes a fé falha! “A minha carne e o meu coração desfalecem” [Salmos 73:26]; mas vejam aqui, Cristo nunca falha. No leito de morte, muitas vezes a mente é afastada do Salvador, por dores do corpo, e pela aflição de espírito; mas, oh! alma bem-aventurada é aquela que realmente aceitou a Cristo. Veja aqui, Ele se levanta do Seu trono para orar por você, quando você não pode orar por si mesmo. Olhe para Ele com os olhos da fé, e clame: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
2. Ele se levanta para defender.
(1) O mundo é um inimigo doloroso para o crente, pela tentação de um lado, e pela perseguição de outro. Oh! quão duramente ele se esforça para derrubá-lo. Crente feliz, você está seguro na hora da morte! Em primeiro lugar, porque o mundo não pode alcançar para além da morte. A língua sarcástica não pode cuspir seu veneno no além-túmulo. A pedra da violência pode matar o corpo, mas não há mais o que ela possa fazer. Em segundo lugar, mesmo se fosse possível que algumas setas do mundo chegassem além-túmulo, Jesus se levantaria para te defender. Seus braços eternos estão por baixo da alma que parte.
(2) O Diabo é um inimigo pior ainda naquela hora. Ele fica perto do leito de morte. Ele muitas vezes molesta, mas ele não pode te destruir, se tu te apegares a Jesus. Cristo tem todo o poder no Céu e na terra, e Ele se levanta para defender a sua alma. “Sou eu, não temais” [Mateus 14:27]. Ah! queridos irmãos, apeguem-se ao Senhor Jesus agora, se vocês querem que Ele se levante por vocês na hora da morte, se vocês anelam clamar com confiança: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
3. Ele se levanta para receber a alma que parte. Este é o mais doce de todos os consolos para os piedosos. Este é um pensamento doce, a saber, que os anjos estão esperando para receber a alma crente. Quando Lázaro morreu, os bons anjos o levaram para o seio de Abraão. Mas, oh! é mais doce pensar que Jesus olha para baixo, sobre o leito de morte, e Se levanta para receber a alma que O ama.
Ó queridos irmãos, Ele é o mesmo tipo de Salvador na morte assim como Ele é na vida. (1) Uma vez vocês viveram sem oração, sem Deus, sem Cristo no mundo. Cristo não estendeu as mãos o dia todo, mesmo assim? (2) Uma vez vocês estavam prostrados sob convicções de pecado; vocês sentiram-se dignos do inferno, e que Deus, sendo justo, nunca teria piedade de sua alma. Cristo não se aproximou das suas almas, dizendo: “Paz seja convosco”? (3) Também estavam gemendo sob o poder da tentação, clamando contra o pecado que habita em vocês: “Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” [Romanos 7:24]. Cristo não se aproximou e disse: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” [2 Coríntios 12:9]?
Vocês ainda podem gemer sob o peso de agonias da morte. O último inimigo é a morte, pode ser uma luta difícil, pode ser um vale escuro; ainda assim, oh! olhem para onde Estevão olhou! Eis que Jesus que está em pé à mão direita de Deus, esperando para recebê-los para Si mesmo. Oh! doce morte, quando Deus está com vocês, o Espírito no seu interior, e Cristo esperando para recebê-los. Eis que Ele estende as mãos para receber o seu espírito na partida. Suspire e em Suas mãos entregue o seu espírito, dizendo: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
1. Aprenda que a morte não é morte para o Cristão: “E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá” [João 11:26]. Ele só está entregando a alma na mão de Cristo. Ele sabe o valor disso; pois Ele morreu por isso.
2. Aprenda que morrer é, para o crente, melhor do que viver. Se Cristo se levanta para receber a alma, então a alma estará com Jesus, estar com Cristo é estar em glória e por conseguinte é muito melhor. Estejam dispostos, Cristãos, a estarem ausentes do corpo e presentes com o Senhor. Ali vocês estarão livres da dor das pedras persecutórias; sem mais dúvidas sobre a sua alma, não mais haverá sarcasmo, nem amigos cruéis, nem mais haverá pecado em vosso coração. “Oh! quem me dera asas como de pomba! Então voaria, e estaria em descanso” [Salmos 55:6].
3. Conheça o pavor de não ter nenhuma participação em Jesus Cristo. Você deve morrer; e como é que você morrerá, pobre alma sem Cristo? Para quem você entregará o seu espírito ao morrer? (1) Não haverá bons anjos esperando em volta de sua cama; nem as mãos suaves de espíritos ministradores estendidas para receber a sua alma tremente. (2) Você não terá nenhum Cristo levantando-Se para recebê-lo. Você nunca lavou-se em Seu sangue; você não quis vir a Ele para ter vida; muitas vezes Ele estendeu as mãos, mas você as empurrou para longe; e agora Ele não terá compaixão de você. (3) Você não terá nenhum Deus; Deus não será o seu Deus; Ele não será seu amigo; você sempre foi Seu inimigo. Seu coração orgulhoso não se reconciliará com Ele; e agora você O encontrará verdadeiramente como um inimigo.
Para onde você irá? Você deve morrer. Sua respiração cessará. Esses olhos que olham para mim neste dia, se fecharam na morte; este coração que você sente bater no seu seio, deixará de bater. E o que você fará com a sua alma? A quem você entregará uma coisa desprovida, culpada, tremente, com a ira de Deus habitando sobre nela? Nenhum dos anjos se atreverá a protegê-la. Nem rochas ou cavernas ou montanhas, podem escondê-la. O próprio inferno não será um refúgio da justa ira de Deus. Oh! seja sábio agora: “Convertei-vos, convertei-vos dos seus maus caminhos; pois, por que razão morrereis?” [Ezequiel 33:11].
4. Aprenda, se você perdeu alguns amigos em Cristo, a estar consolado por eles. É verdade que eles se foram de você; mas lembre-se que se foram para as mais ternas mãos. Você levantou-se para dobrar seu corpo moribundo; mas o Senhor Jesus levantou-se para receber a sua alma imortal. Suas mãos débeis, mas afetuosas, foram estendidas para suavizar seu travesseiro moribundo; mas as mãos onipotentes do Salvador formaram uma mui doce e suave cama para a alma que partia. Siga a fé deles; olhe para o mesmo Salvador; e quando você vier a morrer, você usará as mesmas doces palavras: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.
Igreja de São Pedro, Dundee, 13 agosto de 1837.