A Necessidade da Morte de Cristo, por Stephen Charnock

[Extraído de Cristo, Nossa Páscoa • Editado]

“Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?” (Lucas 24:26)

Vejamos aqui o mal do pecado. Nada é mais adequado para mostrar a baixeza do pecado e a grandeza da miséria por causa dele, do que a satisfação devida por ele; como a grandeza de uma enfermidade é vista pela força do remédio, e o valor da mercadoria pela grandeza do preço que custou. Os sofrimentos de Cristo expressam o mal do pecado, muito acima dos julgamentos mais severos sobre qualquer criatura, tanto no que diz respeito à grandeza da Pessoa, e a amargura do sofrimento. Os gemidos moribundos de Cristo mostram a terrível natureza do pecado aos olhos de Deus; como Ele foi maior do que o mundo, por isso Seus sofrimentos declaram que o pecado é o maior mal do mundo. Quão maligno é que o pecado deva fazer Deus sangrar para curá-lo! Ver o Filho de Deus levado até a morte pelo pecado é a maior porção de justiça que jamais Deus executou. A terra tremeu sob o peso da ira de Deus, quando Ele puniu a Cristo, e os céus estavam escuros como se estivessem fechados para Ele, e Ele clama e geme, e nenhum alívio aparece; nada, senão o pecado é a causa da meritória aquisição disto.

 

O Filho de Deus foi morto pelo pecado da errônea criatura; se houvesse alguma outra maneira de expiar um mal tão grande, havia permanecido com a honra de Deus, que está inclinado a perdoar, remeter o pecado sem uma compensação por morte, não podemos pensar que Ele teria consentido que Seu Filho se submeteria assim a tão grande sofrimento. Nem todos os poderes no céu e na terra poderiam nos conduzir ao favor novamente, sem a morte de algum grande sacrifício para preservar a honra da veracidade e da justiça de Deus; nem a interposição graciosa de Cristo, sem que Ele se tornasse mortal, e bebesse o cálice da ira, poderia aplacar a justiça Divina; nem as Suas intercessões, sem que sofresse os golpes devidos a nós, poderiam remover a miséria da criatura caída. Toda a santidade da vida de Cristo, a Sua inocência e boas obras, não nos redimiriam, sem a morte. Foi por meio disto que Ele fez expiação por nós, satisfazendo a justiça vindicatória do Pai, e restaurou-nos de uma morte espiritual e inevitável. Quão grandes eram os nossos crimes, que não poderiam ser lavados pelas obras de uma criatura pura ou a santidade da vida de Cristo, mas exigiram a efusão do sangue do Filho de Deus para a libertação deles! Cristo em Sua morte foi tratado por Deus como um pecador, como Alguém que permaneceu em nosso lugar, caso contrário, Ele não poderia ter sido sujeito à morte. Pois Ele não tinha pecado de Sua autoria, e “a morte é o salário do pecado” (Romanos 6:23). Isto não é consistente com a bondade e a justiça de Deus como Criador, o afligir uma criatura sem causa, nem com o Seu infinito amor por Seu Filho O moer por nada. Algum mal moral deve, portanto, ser a causa; pois nenhum mal físico é infligido sem algum mal moral anterior. A morte, como uma punição, supõe uma falha. Cristo, não tendo nenhum crime Seu próprio, deve, então, ser um sofredor por nós. “Nossos pecados estavam sobre ele” (Isaías 53:6), ou transferidos sobre Ele. Vemos, assim, como o pecado é odioso a Deus, e, portanto, deve ser abominável para nós.

Devemos ver o pecado nos sofrimentos do Redentor, e, em seguida, pensar amavelmente sobre eles, se conseguirmos. Vamos então, nutrir o pecado em nossos corações? Isto é acentuar mais pregos que perfuraram Suas mãos, e dos espinhos que feriram a Sua cabeça, e fazer dos gemidos de Sua morte o tema de nosso deleite. É expor a Cristo que sofreu, para que sofra novamente; um Cristo que é ressusrreto e ascendido, sentado à mão direita de Deus, novamente à terra; colocá-lO sobre uma outra cruz e restringi-lO a um segundo túmulo. Nossos corações deveriam ser quebrantados diante da consideração da necessidade de Sua morte. Nós devemos expurgar o nosso coração de nossos pecados por meio do arrependimento, como o coração de Cristo foi aberto pela lança. É isto que “não convinha que o Cristo padecesse?” nos ensina.

Não estabeleçamos o nosso descanso em qualquer coisa em nós mesmos, não em qualquer coisa abaixo de um Cristo morrendo; nem no arrependimento ou reforma. O arrependimento é uma condição de perdão, não uma satisfação da justiça; isto às vezes move a bondade Divina para afastar o julgamento, mas não é nenhuma compensação à justiça Divina. Não há aquele bem no arrependimento quanto há o mal no pecado de que se arrepende, e a satisfação deve ter algo de equidade, tanto da injúria e da pessoa desonrada; a satisfação que é suficiente para uma pessoa particularmente errada não é suficiente para um príncipe justamente ofendido; pois a grandeza do mal remonta à dignidade da pessoa. Ninguém pode ser maior do que Deus, e, portanto, nenhuma ofensa pode ser tão maligna como as ofensas contra Deus; e poderiam algumas lágrimas ser suficentes aos pensamentos de alguém para lavá-los? O mal cometido contra Deus pelo pecado é de um nível mais elevado do que a ser compensado por meio de quaisquer boas obras da criatura; embora de mais grandiosa elevação. O arrependimento de qualquer alma é tão perfeito a ponto de ser capaz de responder à punição à justiça de Deus exigida na Lei? E se a graça de Deus nos ajudasse em nosso arrependimento? Não pode ser concluído a partir disso, que o nosso perdão é formalmente adquirido pelo arrependimento, mas que somos dispostos por ele a receber e valorizar um perdão. Não é congruente com a sabedoria e justiça de Deus a concessão de perdões a obstinados rebeldes. O arrependimento não é em nenhum lugar citado como expiatório do pecado; um coração quebrantado é chamado de um sacrifício (Salmos 51:17), mas não é um propiciatório. O pecado de Davi foi expiado antes que ele escrevesse esse Salmo (2 Samuel 12:13). Embora um homem possa chorar muitas lágrimas como as gotas de água contidas no oceano, enviar o maior número de rajadas de orações como ser houvesse gemidos emitidos de cada criatura desde a fundação do mundo; embora ele fosse capaz de sangrar tantas gotas de seu coração como se tivessem sido derramadas de veias de sacrifícios de animais, tanto na Judéia e de todas as partes do mundo; embora ele fosse capaz, e verdadeiramente aplicasse à caridade todos os metais das minas do Peru; ainda assim isto não poderia absolvê-lo da menor culpa, nem limpá-lo da menor impureza, nem conceder o perdão do menor crime por meio de qualquer valor intrínseco nos atos em si mesmos; os próprios atos bem como as pessoas podem falhar sob a censura da justiça ardente. Somente a morte de Cristo nos concede a vida. Somente o sangue de Cristo sacia aquele justo fogo que o pecado acendeu no coração de Deus contra nós. Indicar qualquer outro meio de apaziguamento de Deus, além da morte de Cristo, é fazer com que a cruz de Cristo não tenha nenhum efeito. Nós devemos aprender isso a partir de “não convinha que o Cristo padecesse?”

Portanto, sejamos sensíveis sobre a necessidade de um interesse na morte do Redentor. Não pensemos em beber das águas da salvação de nossas próprias cisternas, mas das feridas de Cristo. Não retirem vida de nossos próprios deveres mortos, mas dos gemidos de Cristo. Nós temos culpa. Nós mesmos podemos expiá-la? Nós estamos sob justiça; conseguiremos apaziguar isto por meio de qualquer coisa que possamos fazer? Há uma inimizade entre Deus e nós; podemos oferecer-Lhe qualquer coisa digna de ganhar a Sua amizade? Nossas naturezas estão corrompidas; podemos sará-las? Nossos serviços estão contaminados; podemos purificá-los? Há uma grande necessidade de que possamos aplicar a morte de Cristo a todos aqueles, como havia para Ele o submeter-se a ela. O leproso não foi limpo e curado pelo derramamento do sangue do sacrifício por ele, mas pela aspersão do sangue do sacrifício sobre ele (Levítico14:7). Como a morte de Cristo foi considerada uma causa meritória, assim a aspersão de Seu sangue foi predita como a causa formal de nossa felicidade (Isaías 52:15). Por meio de Seu próprio sangue, Ele entrou no Céu e glória, e por nada senão o Seu sangue nós podemos ter a ousadia de esperar por isto, ou a confiança de obter isto (Hebreus 10:19). Toda a doutrina do Evangelho é Cristo crucificado (1 Coríntios 1:23), e toda a confiança de um Cristão deveria ser Cristo crucificado. Deus não teria misericórdia exercida com uma negligência da justiça por meio do homem, embora a uma pessoa miserável: “Não respeitarás o pobre, nem honrarás o poderoso; com justiça julgarás o teu próximo” (Levítico 19:15). Será que Deus, que é infinitamente justo negligencia a Sua própria regra? Nenhum homem é um objeto de piedade, até que ele apresente uma satisfação à justiça. Como há uma perfeição em Deus que chamamos de misericórdia, o que exige fé e arrependimento da Sua criatura antes que Ele venha a conceder o perdão, assim há uma outra perfeição da justiça vingativa que exige uma satisfação. Se a criatura pensa que a sua própria miséria motiva a demonstração da perfeição da misericórdia, isto deve considerar que a honra de Deus requer também o contentamento de Sua justiça. Os anjos caídos, portanto não têm nenhuma misericórdia concedida a eles, porque ninguém jamais satisfez a justiça de Deus por eles. Não vamos, portanto, cunhar novas formas de buscar perdão, e falsos modos de apaziguar a justiça de Deus. O que podemos encontrar por detrás disso, capaz de contender contra as chamas eternas? Que refúgio pode haver por trás disso capaz de nos abrigar do ardor da ira Divina? Podem as nossas lágrimas e orações serem mais prevalentes do que os clamores e lágrimas de Cristo, que não pôde, por toda a força deles, desviar a morte de Si mesmo, sem a nossa perda eterna? Nenhum caminho senão a fé em Seu sangue. Deus, no Evangelho, nos envia Cristo, e Cristo pelo Evangelho nos traz a Deus.

Valorizemos este Redentor e a redenção por meio de Sua morte. Desde que Deus resolveu ver Seu Filho mergulhado em um condição de esvaziamento desgraçado, vestido na forma de um servo e exposto a sofrimentos de uma dolorosa cruz, ao invés de deixar o pecado impune, nós nunca deveríamos pensar nisto sem gratos retornos, tanto para o Juiz quanto para o Sacrifício. Pelo que Ele foi afligido, senão para adquirir a nossa paz? Moído, senão para sarar nossas feridas? Levado perante um juiz terreno para ser condenado, senão para que pudéssemos ser trazidos diante de um Juiz celestial para sermos absolvidos? Caído sob as dores da morte, senão para derrubar para nós os grilhões do inferno? E tornou-Se amaldiçoado na morte, senão para que fôssemos abençoados com a vida eterna? Sem isto a nossa miséria teria sido irreparável, a nossa distância de Deus [seria] perpétua. Que relações poderíamos ter tido com Deus, enquanto nós estávamos separados dEle por crimes de nossa parte e por justiça da Sua? O muro deve ser derrubado, a morte deve ser sofrida, para que a justiça possa ser silenciada, e a bondade de Deus novamente comunicada a nós. Esta foi a maravilha do amor Divino, agradar-se com os sofrimentos do Unigênito, para que Ele pudesse se agradar de nós, em consideração àqueles sofrimentos. Nossa redenção em tal caminho, como por meio da morte e sangue de Cristo, não foi apenas por graça. Seria assim se fosse apenas redenção; mas sendo uma redenção por meio do sangue de Deus, isto merece do apóstolo não menos do que o título do que “riquezas da graça” (Efésios 1:7). E isto merece e espera não menos de nós do que tal elevado reconhecimento. Isto nós aprendemos a partir de “não convinha que o Cristo padecesse?”.

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