A Necessidade dos Cristãos Fazerem Boas Obras | Por Tom Hicks

É necessário que os cristãos façam boas obras? Em caso afirmativo, em que sentido? Havia uma enorme disputa histórica entre os Protestantes sobre se é correto afirmar que as boas obras são “necessárias para a salvação”. Depois de um longo debate entre si, os Luteranos rejeitaram a linguagem das boas obras como “necessárias para a salvação” e optaram por dizer que elas são “sinais de salvação eterna”. Os Reformados, por outro lado, acreditavam que a disputa era principalmente um debate quanto a palavras, e não podiam ver nenhuma diferença significativa entre dizer que “as boas obras são necessárias para a salvação” ou que é “impossível ser salvo sem boas obras”.

Os Marrow Men [literalmente, os “homens da essência”] da Escócia, incluindo James Hog, Thomas Boston, e Ebenezer e Ralph Erskine, compuseram juntos um documento de respostas a perguntas da Comissão da Assembleia Geral, que, em parte, abordava a questão da necessidade de boas obras. Eles disseram que preferiam não falar das boas obras como sendo “necessárias à salvação” devido ao “perigo de se assemelharem aos Papistas e outros inimigos do Evangelho da graça”. Eles temiam que, dizer que as boas obras são “necessárias para a salvação, pudesse implicar que os seres humanos podem causar sua própria salvação ou que podem salvar a si mesmos por meio de boas obras.

Os Marrow Men afirmam, entretanto, que as boas obras são “consequências e efeitos de uma salvação já obtida, ou antecedente, induzindo e preparando o sujeito para a salvação a ser obtida”; mas negaram que elas são “causas ou meios adequados de se obter a posse da salvação”. Eles prefeririam dizer que “santidade é necessária naqueles que serão salvos do que necessária para a salvação; que somos salvos não pelas boas obras, mas para elas, como frutos e efeitos da graça salvífica; ou que a santidade é necessária para a salvação, não como um meio para um fim, mas como parte do fim em si mesmo”. Em outras palavras, boas obras não são necessárias para se obter a salvação, mas Deus nos salva em parte ao nos dar boas obras como dons adquiridos pelos méritos de Cristo. Deus nos salva do pecado e da desobediência ao nos dar a santidade e as boas obras.

John Colquhoun (1748-1827), que foi um proponente da Teologia da Essência, escreveu um livro maravilhoso intitulado Um Tratado sobre a Lei e o Evangelho. Neste livro, ele aborda a questão da necessidade de boas obras na vida do cristão. Aqui está um resumo do que ele diz:

Maneiras nas Quais Nossas Boas Obras Não são Necessárias

1. Nossas boas obras não são necessárias para fazer com que Deus seja misericordioso e gracioso conosco. “Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Romanos 5:10 – NVI). Deus livremente estende sua graça e misericórdia a nós!

2. Nossas boas obras não são necessárias para juntar para nós algum direito de confiar em Cristo para a salvação. Em outras palavras, nós não precisamos fazer boas obras antes de confiarmos em Cristo. Jesus disse: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento” (Lucas 5:32 – NVI). Seu pecado e falta de boas obras são a razão pra você chegar a Cristo pela fé!

3. Nossas boas obras não são necessárias para que possamos adquirir um relacionamento pessoal com Cristo. Nós nunca mereceremos ter um relacionamento com Jesus pelas nossas boas obras. Os Judeus, erroneamente, não buscaram a Deus “pela fé, mas como se fosse por obras” (Rm 9:32 – NVI). Nós só devemos buscar entrar em um relacionamento pessoal com Jesus pela fé.

4. Nossas boas obras não são requisitos para que adquiramos um direito a níveis crescentes de santificação. Em outras palavras, não temos que fazer boas obras antes que Deus nos faça crescer em santidade e em semelhança a Cristo. Deus diz: “vocês foram lavados, foram santificados” (1 Coríntios 6:11 – NVI), significando que Deus trabalha a santidade em Seu povo unilateralmente.

5. Nossas boas obras não têm papel na obtenção de um direito à vida eterna no céu. Seu direito de propriedade ou “título” para o céu não depende de forma alguma das suas boas obras. Hebreus 9:12 diz que Jesus “obteve eterna redenção” para nós. Jesus comprou nossa herança pela Sua obediência!

Maneiras nas Quais Nossas Boas Obras são Necessárias

1. Nossas boas obras são necessárias como reconhecimento da autoridade de Deus sobre nós e como atos de obediência aos Seus mandamentos. Paulo diz: “A vontade de Deus é que vocês sejam santificados” (1 Tessalonicenses 4:3 – NVI).

2. Nossas boas obras são necessárias como frutos da eterna eleição do Pai, redenção em Cristo, e Regeneração pelo Espírito. “Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade” (2 Tessalonicenses 2:13 – NVI). “Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Efésios 2:10 – NVI).

3. Nossas boas obras são necessárias como um grande fim do Evangelho de Jesus Cristo. 1 Timóteo 6:3 fala do Evangelho como “o ensino que é segundo a piedade”.

4. Nossas boas obras são necessárias como expressões de gratidão ao nosso Deus e Salvador por todos os Seus benefícios a nós. “Portanto, já que estamos recebendo um Reino inabalável, sejamos agradecidos e, assim, adoremos a Deus de modo aceitável, com reverência e temor, pois o nosso ‘Deus é fogo consumidor’!” (Hebreus 12:28-29 – NVI).

5. Nossas boas obras são necessárias para que andemos no caminho que leva ao céu. Boas obras não são necessárias para se ter o direito ou título para o céu, mas são necessárias para se andar em Cristo, e apenas aqueles que andam Nele vão para o céu. Hebreus 12:14 diz: “Esforcem-se para viver em paz com todos e para serem santos; sem santidade ninguém verá o Senhor”.

6. Nossas boas obras são necessárias para evidenciar e confirmar nossa fé. Tiago diz: “Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta (…) eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras” (Tiago 2:17-18 – NVI). Uma vez que a fé verdadeira produz boas obras, boas obras provam ou evidenciam a fé.

7. Nossas boas obras são necessárias para fazerem nosso chamado e eleição uma certeza para nós. Nossas boas obras testemunham que somos filhos de Deus. “Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais tropeçarão” (2 Pedro 1:10 – NVI).

8. Nossas boas obras são necessárias para que continuemos na paz e alegria do Espírito Santo. “Os que amam a tua lei desfrutam paz” (Salmos 119:165 – NVI). Jesus disse: “Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor (…) Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa” (João 15:10-11 – NVI).

9. Nossas boas obras são necessárias para adornar a doutrina de Cristo. Cristãos devem mostrar “que são inteiramente dignos de confiança, para que assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador” (Tito 2:10 – NVI).

10. Nossas boas obras são necessárias para silenciar as acusações dos descrentes e evitar a ofensa. “Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção” (1 Pedro 2:12 – NVI).

11. Nossas boas obras são necessárias para a edificação e conforto de outros Cristãos. “Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé” (Gálatas 6:10 – NVI).

12. Nossas boas obras são necessárias para promover ao mundo a glória manifesta de Cristo. Paulo ora para que os crentes sejam “cheios do fruto da justiça, fruto que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus” (Filipenses 1:11 – NVI).

Tudo isso é consistente com o que encontramos na Segunda Confissão de Fé Batista de Londres, Capítulo 16, Sobre as Boas Obras:

Estas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são os frutos e as evidências de uma fé viva e verdadeira,3 e por elas os crentes manifestam a sua gratidão,4 fortalecem a sua confiança,5 edificam os seus irmãos, adornam a profissão do Evangelho,6 fazem calar os adversários e glorificam a Deus,7 de cuja feitura são, criados em Cristo Jesus para isso mesmo,8 a fim de que, tendo o seu fruto para santificação, eles possam ter por fim a vida eterna.9  (3 Tiago 2:18,22; 4 Salmos 116:12-13; 5 1João 2:3,5; 2Pedro 1:5-11; 6 Mateus 5:16; 7 1Timóteo 6:1; 1Pedro 2:15; Filipenses 1:11; 8 Efésios 2:10; 9 Romanos 6:22) (Parágrafo 2).

Pelas nossas melhores obras não podemos merecer da mão de Deus o perdão de nossos pecados ou a vida eterna, visto ser grande a desproporção que há entre elas e a glória por vir, e a infinita distância que há entre nós e Deus, a Quem não podemos ser úteis por meio delas, nem satisfazê-lO pela dívida dos nossos pecados anteriores;14 mas quando tivermos feito tudo o que pudermos, temos feito somente o nosso dever e somos servos inúteis. Se nossas obras são boas, elas procedem do Espírito.15 Contudo, à medida que elas são desempenhadas por nós, essas obras vão sendo contaminadas e misturadas com tanta fraqueza e imperfeição, que não podem suportar a severidade do julgamento de Deus.16 (14 Romanos 3:20; Efésios 2:8-9; Romanos 4:6; 15 Gálatas 5:22-23; 16 Isaías 64:6; Salmos 43:2 (Parágrafo 5).

Todavia, desde que os crentes, como pessoas, são aceitos por meio de Cristo, as suas obras também são aceitas nEle,17 não como se fossem nesta vida totalmente inculpáveis e irrepreensíveis diante de Deus; antes, significa que Ele, olhando para eles em Seu Filho, Se agrada de aceitar e recompensar aquilo que é sincero, embora realizado com muitas fraquezas e imperfeições.18 (17 Efésios 1:5; 1Pedro 1:5; 18 Mateus 25:21,23; Hebreus 6:10 (Parágrafo 6).

Portanto, a fim de evitar qualquer implicação de que nós podemos salvar a nós mesmos pelas boas obras, ou que nossas boas obras têm algum tipo de poder causal ou instrumental em nos salvar, talvez devamos evitar dizer que as “boas obras são necessárias para a salvação”. Teólogos Ortodoxos Reformados usaram essa terminologia, e a usaram com as advertências apropriadas. No entanto, essa linguagem é propensa a causar confusão, e a igreja pode ser melhor servida ao dizer que “Boas obras são frutos necessários da salvação” ou “Boas obras são necessárias da salvação”, ou talvez, mais precisamente, “Parte da salvação de Deus é que Ele nos salva das obras do pecado nos dando boas obras”. Devemos evitar qualquer implicação de que as pessoas devem fazer boas obras a fim de que elas possam obter a salvação por meio delas. Isso seria concordar com os Papistas e os inimigos do Evangelho.

*Edição: À luz do comentário de Sam Waldron abaixo, eu poderia acrescentar ao meu último parágrafo que as boas obras, em relação à salvação final, são “graça sobre graça”. É necessária uma santidade pessoal perfeita para se encaixar em um crente, ou para dá-lo a capacidade de desfrutar e experimentar a vida eterna no céu, e que Deus examina nossas boas obras no dia do julgamento como provas e evidências de nossa fé e justificação verdadeira. Assim, as boas obras nos preparam para receber a salvação final de Deus. Eu ainda gostaria de enfatizar, com toda a teologia Reformada, que, todas essas coisas vêm de Deus e nenhuma veio de nós, e, portanto, todas elas são salvação de Deus, e nós não estamos nos salvando (futuro) por meio de nossas boas obras, mas Ele que está nos salvando ao nos dar graças tão boas que revertem a maldição e os efeitos do pecado de Adão.

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