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A Ressurreição de Jesus Cristo, por João Calvino

[The Resurrection of Jesus Christ • Um Sermão • Editado]

 

“E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a pedra da porta, e sentou-se sobre ela. E o seu aspecto era como um relâmpago, e as suas vestes brancas como neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados, e como mortos. Mas o anjo, respondendo, disse às mulheres: Não tenhais medo; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque já ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde o Senhor jazia. Ide pois, imediatamente, e dizei aos seus discípulos que já ressuscitou dentre os mortos. E eis que ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis. Eis que eu vo-lo tenho dito. E, saindo elas pressurosamente do sepulcro, com temor e grande alegria, correram a anunciá-lo aos seus discípulos. E, indo elas a dar as novas aos seus discípulos, eis que Jesus lhes sai ao encontro, dizendo: Eu vos saúdo. E elas, chegando, abraçaram os seus pés, e o adoraram. Então Jesus disse-lhes: Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia, e lá me verão.” (Mateus 28:1-10)

Alguém pode achar estranho, à primeira vista que o nosso Senhor Jesus, desejando dar evidência de Sua ressurreição, apareceu antes às mulheres do que aos Seus discípulos. Mas nisto temos que considerar que Ele queria provar a humildade de nossa fé. Pois nós não devemos ser fundamentados em sabedoria humana, antes devemos receber em obediência absoluta o que sabemos proceder dEle. Por outro lado, não há dúvida de que Ele desejava punir os discípulos, quando Ele lhes enviou as mulheres para instruí-los, porque a instrução que tinham recebido de Sua boca não fora de nenhum proveito para eles quando foram provados por este teste. Pois, olhem como eles se espalharam. Eles abandonaram o seu Mestre; eles estão confundidos pelo medo. E que bem tem feito a eles que estivessem por mais de três anos na escola do Filho de Deus? Essa covardia, então, mereceu grande castigo, a ponto deles haverem sido totalmente privados do conhecimento que tinham recebido antes, na medida em que eles o haviam, por assim dizer, pisoteado sob os pés e o enterrado. Ora, nosso Senhor Jesus não queria puni-los severamente, mas para mostrar-lhes a sua culpa por meio de uma correção suave, Ele nomeou mulheres para serem seus mestres. Eles foram escolhidos de antemão para anunciar o Evangelho a todo o mundo (eles são realmente os primeiros mestres da Igreja), mas posto que eles se mostraram tão covardes e ficaram tão desnorteados, ao ponto de que a sua fé estava, por assim dizer, amortecida. É inteiramente apropriado que deveriam saber que eles não são dignos de ouvir qualquer ensinamento da boca de nosso Senhor Jesus Cristo. Observe, então, por que eles são enviados de volta para as mulheres até que tenham melhor reconhecido seus erros, e Jesus Cristo os restaurasse à sua posição e privilégio, contudo, pela graça. Além disso, como já disse, todos nós, em geral, somos convidados a receber o testemunho, que é enviado a nós por Deus, mesmo que as pessoas que nos falam sejam de pouca importância ou se elas não têm crédito ou reputação aos olhos do mundo. Como de fato, quando um homem é eleito ou nomeado para ser um oficial público ou um funcionário público, o que ele faz será recebido como autêntico. Alguém não diria isso ou aquilo para contradizê-lo, pois, o ofício dá a ele o respeito entre os homens. E será que Deus tem menos proeminência do que os príncipes da terra, se Ele ordena somente aqueles a quem Ele quiser para serem Suas testemunhas, não devemos receber tudo o que Ele diga, sem contradição ou réplica? Certamente deve ser assim, a menos que nós queiramos ser rebeldes até mesmo contra o próprio Deus. Isso é, então, o que temos que lembrar, em primeiro lugar.

Além disso, observemos também — apesar de nosso Senhor Jesus Cristo ter aparecido para as mulheres e que mantiveram o primeiro grau de honra — que Ele mesmo deu testemunho suficiente da Sua ressurreição, de modo que, se não fecharmos os olhos, tamparmos os ouvidos e por certa malícia nos endurecermos e nos fizermos insensatos, temos uma certeza abundante deste artigo de fé, como também este é de grande importância; pois, quando São Paulo refuta a incredulidade de quem ainda duvidava que Jesus Cristo foi ressuscitado, ele menciona não somente as mulheres, mas ele menciona Pedro e Tiago, em seguida, os doze apóstolos, então, mais de quinhentos discípulos a quem nosso Senhor Jesus apareceu. Como, então, podemos desculpar a nossa maldade e rebelião se não dermos crédito a mais de quinhentas testemunhas que foram escolhidas para isso, não da parte do homem, mas da majestade soberana de Deus. E não foi apenas uma vez que o nosso Senhor Jesus declarou-lhes que Ele vivia, mas muitas vezes.

Posto que os apóstolos duvidaram, sua incredulidade deve nos servir para uma maior confirmação. Pois, se na primeira aparição houvessem crido na ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, pode-se alegar que isso teria sido algo muito simples. Mas eles são tão lentos que Jesus Cristo tem que confrontá-los por serem pessoas obstinadas, sem fé, por ter mentes tão pesadas e rudes, de modo que eles não compreendem nada. Quando, então, os apóstolos estavam tão despreparados para receber este artigo de fé, isso deve fazer-nos todos ainda mais crentes nele. Pois, se isso foi assim levado para eles, como pela força, é uma boa razão agora para nós prosseguirmos. Como se isso dissesse: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram” [João 20:29]. Agora, então, quando é assim falado, que o nosso Senhor Jesus apareceu a duas mulheres, pensemos no que é dito em outra passagem por São Paulo, para que saibamos que não precisamos tropeçar diante daqueles que falam, por darmos crédito ao que eles dizem de acordo com a importância ou a condição de suas pessoas, mas, sim, que devemos elevar os nossos olhos e os nossos sentidos ao alto, para nos sujeitarmos a Deus, que bem merece ter toda a superioridade sobre nós e que estejamos presos à Sua Palavra. Porque, se nós não somos dóceis, é certo que nunca lucraremos com o ensinamento do Evangelho. E não deve ser tido como tolice quando recebemos o que Deus declara e atesta a nós. Pois, quando tivermos aprendido, pela obediência, a nos beneficiarmos em Sua escola e na fé, conheceremos que a perfeição de toda a sabedoria é que sejamos assim obedientes a Ele.

Agora vamos a esta história que aqui é narrada. Diz-se que “no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”, ou seja, o primeiro dia da semana. Pois os Judeus guardam o Sábado, que eles chamam de Sabath, como o dia de descanso, como também a palavra significa, e então nomeiam os dias seguintes em toda a semana, primeiro dia após o Sabath, segundo dia, etc. Agora, porque eles consideram o início do dia ao entardecer, é dito que as Marias compraram unguentos aromáticos depois que o Sabath terminou e fizeram os preparativos para vir no dia seguinte ao sepulcro. E não haviam apenas duas. É verdade que São João nomeia apenas Maria Madalena. São Mateus nomeias duas delas, e nós vemos por São Lucas que havia um grande número ali. Mas tudo isso concorda muito bem. Pois, Maria Madalena liderou, e a outra Maria é aqui chamada explicitamente porque ela seguiu mais de perto. Enquanto isso, várias outras vieram para ungir o corpo de nosso Senhor Jesus, mas sobretudo é aqui dito que viam o sepulcro para saber se haveria acesso e entrada. É por isso que aquelas duas são aqui especialmente marcadas.

São Mateus acrescenta que o anjo apareceu a elas, enquanto as duas estavam ali. Mas porque somente uma falava a palavra, é o motivo pelo que ela é, assim, especialmente nomeada. Finalmente, quando elas vão embora, encontram o nosso Senhor Jesus, que as envia aos Seus discípulos, a fim de que todos possam ser reunidos na Galiléia, querendo mostrar-lhes a Sua ressurreição, e isso, porque a cidade de Jerusalém havia se privado disso por sua maldade em relação a tal testemunho. Verdade é que a Fonte da Vida ainda estava ali, pois dEle procedeu a Lei e a Palavra de Deus, mas enquanto isso, nosso Senhor Jesus não quis revelar-Se aos Seus discípulos naquela cidade, quando a maldade ainda estava tão recente ali. Por outro lado, Ele também desejou estar de acordo com a dureza de coração deles. Pois eles estavam, por assim dizer, tomados de espanto, de modo que o sentido da visão não teria sido suficiente, a menos que Ele lhes tomasse à parte, e Se mostrasse de tal forma que eles seriam totalmente convencidos.

Agora, vemos novamente aqui como as mulheres que são nomeadas ainda não estavam autorizadas a adorar o nosso Senhor Jesus Cristo como seu Mestre, apesar de terem sido afetadas por Sua morte. Consequentemente, podemos também julgar que a Palavra de Deus já havia sido inscrita em seus corações. Pois, embora a sua fé fosse fraca, elas buscaram nosso Senhor Jesus no sepulcro. Também há nelas uma certa ignorância, que não pode ser desculpada. Pois elas já deveriam ter elevado os seus espíritos ao alto, à espera da ressurreição que havia sido prometida a elas, pois o terceiro dia foi especialmente designado. Elas estavam, então, tão ocupadas que não entenderam a coisa principal, a saber, que o nosso Senhor Jesus teve que obter vitória sobre a morte para adquirir para nós vida e salvação. Eu digo que é a coisa principal, porque sem isso o Evangelho não seria nada (como diz São Paulo) e nossa fé seria totalmente aniquilada. Assim, essas pobres mulheres, por mais que reconhecessem o Evangelho que fora pregado a elas como sendo pura verdade, no entanto, estavam tão perturbadas e confusas que não entenderam que Ele deveria ressuscitar, e, assim, elas vêm ao sepulcro com os unguentos aromáticos. Há, então, uma falha que deve ser condenada. Mas o serviço delas é, contudo, agradável a Deus, pois Ele desculpa o espanto delas e corrige. Nisto vejamos que quando o nosso Senhor aprova o que fazemos, ainda assim, não coloquemos isso em nosso crédito, a ponto de dizer que merecemos isso, quando que ocorre é completamente o contrário, pois se Ele recebe aquilo que não foi digno de ser oferecido a Ele, isto acontece por Sua graça abundante. Pois sempre haverá ocasião para condenar as nossas obras, quando Deus as examina estritamente, porquanto elas sempre estarão contaminadas com alguma mancha. Mas Deus nos poupa e não recusa o que Lhe oferecemos, qualquer que seja a fraqueza ou falha que haja, vendo que tudo é purificado pela fé e sabemos que não é sem motivo que são aceitáveis a Ele em Jesus Cristo. Isso é, então, o temos que observar.

No entanto, reconheçamos também que ali no sepulcro de nosso Senhor Jesus Cristo certamente deve ter havido outra fragrância, muito melhor, muito mais forte, do que a daqueles unguentos cuja menção é feita. Já mencionamos que os judeus estavam acostumados a ungir o corpo, a fim de serem confirmados na esperança da ressurreição e da vida celestial. Isso era para mostrar que os corpos não se deterioram a tal ponto de não serem preservados até ao último dia, e de modo que Deus possa restaurá-los. Mas o corpo de nosso Senhor Jesus Cristo teve que ser isento de toda essa decadência. Agora, as especiarias não efetuariam isso, mas, por ter sido declarado que Deus não consentia que Seu Santo e Divino Ser visse a corrupção, é por isso que por um milagre, nosso Senhor Jesus foi preservado de toda corrupção. Além disso, porque Ele ficou livre de corrupção, agora estamos certos e seguros da glória da ressurreição, que já nos foi manifestada em Sua Pessoa. Vemos, então, agora, que a fragrância do sepulcro e da ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo tem até mesmo nos envolvido, para que possamos ser vivificados por meio disso. Agora, o que se segue? Que já não podemos ir tão longe quanto aquelas mulheres a olhar para o sepulcro, devido à ignorância e fraqueza em que nos encontramos, mas que elevemos nossos olhos ao alto, uma vez que Ele nos chama e nos convida para ali, visto que Ele nos mostrou o caminho, e nos declarou que Ele entrou em posse de Seu reino celestial para nos preparar um aposento e um lugar ali, quando pela fé ali O encontraremos.

Mas nós também devemos notar que São Mateus acrescenta: O anjo, diz ele, que apareceu, assustou os guardas de forma que eles ficaram como mortos. As mulheres foram semelhantemente assustadas, mas o anjo depois disso, administrou o remédio. “Quanto a vós”, disse ele, “Não tenhais medo; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque já ressuscitou, como havia dito”. Aqui vemos como Deus aceita o afeto e o zelo dessas mulheres, de forma que Ele corrige, no entanto, o que Ele não aprova. Quero dizer que Ele corrige através da boca do anjo que está ali em Seu nome. Já dissemos que é por bondade singular que Deus recebe nosso serviço quando é imperfeito embora Ele possa tê-lo em aversão. Ele recebe de nós, então, o que não tem valor como um pai receberá de seus filhos o que de outra forma seria considerado como lixo e gracejo. Eis que eu digo, como Deus é generoso para conosco. Mas, por outro lado, é verdade que Ele não deseja que os homens minimizem e tenham prazer nas suas faltas. Portanto, o anjo corrige esta falha da parte das mulheres. Apesar de sua intenção ser boa, ainda assim, elas são condenadas por sua culpa particular. Por isso, São Lucas registra que foram mais duramente repreendidas. “Por que buscais o vivente entre os mortos?” [Lucas 24:5]. Mas aqui nós temos que observar que os guardas, como homens que são incrédulos e perversos, que não tinham temor de Deus ou da religião, foram assaltados pelo medo, possivelmente, até mesmo, por assim dizer, entraram em pânico.

As mulheres, com certeza, estavam com medo, mas elas imediatamente receberam consoo o. Contemplem, então, o quão terrível a majestade de Deus é para aqueles a quem isso aparece. É por isso que nós sentimos nossa fraqueza quando Deus declara-Se a nós, e enquanto a princípio, estávamos inchados com presunção e éramos tão ousados que já não pensávamos ser homens mortais quando Deus nos dá qualquer sinal de Sua presença, temos necessariamente de ser esmagados, e saber o que a nossa condição é, ou seja, que somos apenas pó e cinzas, que todas as nossas virtudes são apenas fumaça que esvoaça para longe e desaparece. Isto, então, é comum a todos, sejam bons ou maus. Além disso, quando Deus aterroriza assim os incrédulos, Ele os deixa ali como homens réprobos, porque eles não são dignos de experimentar a Sua bondade de forma alguma. Por isso, também, eles fogem de Sua presença, eles ficam com raiva e rangem de dentes e ficam tão enfurecidos que eles perdem todo o sentido e razão, tornando-se homens totalmente brutais. Os fiéis, depois de terem sido atemorizados, levantam-se e tomam coragem, porque Deus os consola e dá-lhes alegria. Este temor, então, que os fiéis sentem na presença da majestade de Deus não é outro senão um primeiro passo em humildade, a fim de que eles possam prestar-lhe a homenagem que Lhe é devida, e para que eles se submetam a Ele, sabendo que eles não são nada, a fim de buscarem todo o seu bem somente nEle.

Então, é por isso que o anjo diz: “Não tenhais medo”. Esta palavra é digna de nota. Pois isto é mesmo como se ele tivesse dito: “Eu deixo esta gente em sua confusão, pois eles não são dignos de qualquer misericórdia, mas agora eu volto para vocês e lhes trago uma mensagem de alegria. Sejam, então, libertas desse medo, porque buscais a Jesus Cristo”. Posto que isso é verdade, aprendamos a buscar o nosso Senhor Jesus, e não (como já disse) em tal dureza de coração como essas mulheres de quem é aqui falado (como também não há mais qualquer ocasião para ir procurá-lO no sepulcro), entremos pela fé diretamente a Ele, sem simulação. E ao assim fazê-lo, tenhamos a certeza de que esta mensagem nos pertence e é dirigida a nós. Precisamos chegar com confiança e sem medo, mas não sem respeito (pois devemos ir com temor a fim de adorarmos a majestade de Deus). Mas, de qualquer maneira, não tenhamos medo como se estivéssemos completamente subjugados pela desconfiança. Deixe-nos saber, então, que o Filho de Deus Se adequará às nossas limitações quando vamos a Ele com fé, e mesmo, encontraremos nEle motivo de consolo e alegria, na medida em que é para nosso proveito e salvação que Ele tenha adquirido o senhorio e domínio da vida celestial.

Contudo, as mulheres foram embora com grande alegria e um grande medo. Aqui, novamente, a sinceridade de sua fé é evidenciada. Eu já disse que o propósito pelo qual elas aspiravam era bom, mas elas não tomaram o caminho correto, como podemos aprender com o fato de que elas são covardes, e que elas não podem fazer com que as suas mentes creiam ou não crerem na Ressurreição. Apesar de terem ouvido isso sendo falado muitas vezes, ainda assim, elas não conseguem dominar os seus sentimentos para chegarem a uma conclusão final que já não era necessário visitar o nosso Senhor Jesus no sepulcro. Note-se, então, a origem desse medo. Assim, vemos que é um sentimento equivocado. É verdade (como sugeri) que devemos temer a Deus para render reverência à Sua majestade, para obedecê-lO e sermos totalmente humilhados, para que Ele possa ser exaltado em Sua glória; para manter cada boca fechada, de modo que somente Ele seja reconhecido como justo, sábio e todo-poderoso. Mas esse medo mencionado aqui é, em segundo lugar, algum ruim e deve ser condenado, pois é causado pela confusão dessas pobres mulheres. Ainda assim, embora elas possam ver e ouvir o anjo falar, isso lhes parece quase como um sonho. Agora, por meio disso somos advertidos de que Deus, muitas vezes opera em nós mesmo quando não percebemos se temos sido beneficiados ou não. Porque há tanta ignorância em nós que, por assim dizer, nuvens nos impedem de chegar a aperfeiçoar a clareza, e estamos envolvidos em muitas imaginações. Em resumo, parece que todo o ensinamento de Deus é quase inútil. No entanto, encontramos alguma apreensão misturada com isso, que nos faz sentir que Deus tem trabalhado em nossos corações. Mesmo que tenhamos apenas uma pequena centelha de graça, não percamos a coragem. Em vez disso, oremos a Deus para que Ele possa aumentar esta pequena que Ele começou, e que Ele nos faça crer e que Ele possa nos confirmar, até que sejamos trazidos à perfeição, da qual ainda estamos mui longe. Apesar do fato de que as mulheres estivessem assim afetadas por seu medo e alegria foram considerados como uma falha, vemos que Deus sempre as governa pelo Seu Espírito Santo e que esta mensagem que foi entregue a elas pelo anjo não foi totalmente inútil.

Agora, temos que avançar. Nosso Senhor Jesus apareceu para elas no caminho, e disse-lhes: “Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia, e lá me verão”. Nós vemos ainda melhor nesta passagem como o Filho de Deus nos atrai a Si gradualmente, até que sejamos totalmente confirmados, como é necessário para nós. Era certamente o suficiente que as mulheres ouvissem a mensagem da boca do anjo, pois ele tinha marcas de que fora enviado por Deus. Seu aspecto era como um relâmpago. É verdade que a brancura da veste e coisas semelhantes não expressam vividamente a majestade de Deus. No entanto, essas mulheres tiveram um testemunho muito seguro de que não era um homem mortal, que falou, mas um anjo celestial. Este testemunho, então, poderia muito bem ter sido suficiente para elas, mas, mesmo assim, a certeza foi muito maior quando viram o nosso Senhor Jesus, a quem primeiro reconheceram ser o Filho de Deus e a Sua verdade imutável. Isso, então, é para ratificar mais claramente o que tinham ouvido anteriormente boca do anjo. E essa é também a forma como nós crescemos na fé. Pois, de início, não conhecemos nem o poder nem a eficácia que há na Palavra de Deus, mas se alguém nos ensina, e bem, nós aprendemos algo, e ainda assim é quase nada. Mas pouco a pouco Deus imprime estes aprendizados em nós pelo Seu Espírito Santo e por fim Ele nos mostra que é Ele Quem fala. Então, nos tornamos conscientes de que não só temos algum conhecimento, mas estamos convencidos de tal forma que as ciladas do Diabo, qualquer que ele trame, não são capazes de abalar a nossa fé, na medida em que temos essa convicção: de que o Filho de Deus é o nosso Mestre e nos apoiamos sobre Ele, sabendo que Ele tem o domínio completo sobre nós e que Ele é digno de toda autoridade soberana.

Nós vemos isso nessas mulheres. É verdade, que Deus não opera em todos da mesma maneira. Alguns, desde o princípio serão tão atraídos que eles perceberão que Deus tem exercido um poder extraordinário sobre eles, e não eles mesmos. Porém, muitas vezes nós devemos ser ensinados de tal forma que a nossa rudeza e fraqueza serão claramente vistas, para que por meio disso, sejamos muito mais admoestados a glorificarmos a Deus e a reconhecermos que é dEle que temos tudo.

Consideremos agora a palavra que nós citamos: “ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia, e lá me verão”. Nós vemos que o Filho de Deus apareceu aqui para Maria e sua companhia não somente para revelar-Se a sete ou oito [pessoas], mas Ele desejou que esta mensagem que seria publicada aos Apóstolos, fosse agora comunicada a nós, para que participemos dela. De fato, sem isso, que proveito para nós haveria na história da Ressurreição? Mas quando é dito que o Filho de Deus assim Se manifestou, e que Ele desejou que o fruto disso fosse comunicado a todo o mundo, assim é como nós obtemos muito melhor concepção. Assim, então, temos a certeza de que o nosso Senhor Jesus desejou que fôssemos assegurados da Sua ressurreição, porque nisto também repousa toda a esperança de nossa salvação e da nossa justiça, quando realmente sabemos que o nosso Senhor Jesus ressuscitou. Ele não somente nos purgou de toda a nossa imundície por meio de Sua morte e paixão, mas Ele não permaneceria em tal estado de fraqueza. Ele tinha que mostrar o poder do Seu Espírito Santo e Ele tinha que ser declarado Filho de Deus pela ressurreição dos mortos, como diz São Paulo, tanto no primeiro capítulo de Romanos, quanto em outras passagens. Assim é que agora temos que ter a certeza de que o nosso Senhor Jesus, sendo ressuscitado, quer que venhamos a Ele e que o caminho esteja aberto para nós. E Ele não nos espera olhar para Ele, mas Ele providenciou que nós pudéssemos ser chamados pela pregação do Evangelho e que esta mensagem fosse falada pela boca de Seus arautos que Ele escolheu e elegeu. Sendo assim, reconheçamos que hoje partilhamos a justiça que temos em nosso Senhor Jesus Cristo, para alcançar a glória celeste, uma vez que Ele não deseja estar separado de nós.

E é por isso que Ele chama Seus discípulos de Seus irmãos. Certamente este é um título honroso. E assim, este foi reservado para aqueles a quem o Senhor Jesus havia se comprometido como Seus servos. E não há dúvida de que Ele usou esta palavra para mostrar a relação fraternal que Ele queria manter em relação a eles. E assim Ele também está unido a nós, como é melhor declarado por São João. Na verdade, somos levados ao que é dito no Salmo 22, a partir do qual esta passagem é tomada: “Então declararei o teu nome aos meus irmãos” [v. 22], cuja passagem o Apóstolo, aplicando à pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, incluí não somente os doze apóstolos, ao chamá-los de irmãos de Jesus Cristo, mas confere o título a todos nós, em geral, que seguimos o Filho de Deus, e Ele quer que nós compartilhemos tal grande honra. É isso o porquê, também quando o Senhor Jesus diz: “eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” [João 20:17], não é falado para um pequeno número de pessoas, mas isso é dirigido a toda a multidão dos crentes.

Ora, nosso Senhor Jesus, embora seja o nosso Deus eterno, não faz menos na Sua qualidade de Mediador, que humilha-Se para estar perto de nós, e ter tudo em comum conosco, isso no que diz respeito à Sua natureza humana. Pois, embora seja, por natureza, o Filho de Deus e nós sejamos apenas adotados, e isso pela graça, ainda assim, essa comunhão é permanente, de modo que Aquele que é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio dEle é também o nosso, isso é certo, embora em diferentes aspectos. Pois, não precisamos ser levantados tão alto como nossa Cabeça. Não deve haver qualquer confusão aqui. Se em um corpo humano a cabeça não estivesse acima de todos os membros, seria uma aberração, isso seria uma massa confusa. É razoável também que o nosso Senhor Jesus mantenha a Sua posição soberana, uma vez que Ele é o único Filho de Deus, isto é, por natureza. Mas isso não impede que estejamos unidos a Ele em fraternidade, de forma que podemos clamar a Deus com ousadia, em plena confiança de sermos respondidos por Ele, uma vez que temos acesso pessoal e familiar a Ele.

Vemos, então, o significado desta palavra, quando nosso Senhor Jesus chama os discípulos de irmãos, de modo que hoje nós temos esse privilégio em comum com eles, isto é, por meio da fé. E isso não subtrai o poder e majestade do Filho de Deus, quando Ele se une com criaturas tão miseráveis como nós somos, e Ele está disposto a ser, por assim dizer, unido a nós. Pois, devemos ser ainda mais plenos de alegria, enquanto nós vemos que no erguer-Se da morte, Ele adquiriu para nós a glória celeste, para adquirir aquilo para nós pelo que Ele também havia Se humilhado, sim, estava mesmo disposto a se tornar como nada. Agora, uma vez que o nosso Senhor Jesus condescende a reconhecer-nos como Seus irmãos, de forma que podemos ter acesso a Deus, vamos buscá-lO, e vir a Ele com total confiança, sendo assim cordialmente convidados […].

Então, percebamos a unidade que temos com o nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, Ele está disposto a ter uma vida em comum conosco, e que aquilo que Ele tem pode ser nosso, até mesmo que Ele deseja habitar em nós, não em imaginação, mas, em verdade; não de um modo terrenal, mas espiritual; e, em qualquer caso, Ele assim opera pelo poder do Seu Espírito Santo, de forma que estamos unidos a Ele mais do que estão os membros de um corpo. E assim como a raiz de uma árvore envia a sua substância e seu poder através de todos os ramos, assim extraímos a substância e a vida a partir de nosso Senhor Jesus Cristo. E é também por isso que São Paulo diz que o nosso Cordeiro Pascal foi crucificado e sacrificado, portanto, nada mais resta, senão que façamos a festa e participemos do sacrifício [1 Coríntios 5:7-8]. E, como nos dias antigos, na Lei, quando o sacrifício era oferecido, eles comiam, agora também temos que vir e tomar a nossa carne e alimento espiritual neste sacrifício que foi oferecido para a nossa redenção. É verdade que nós não devoramos a Jesus Cristo na Sua carne, Ele não adentra em nós sob nossos dentes, como os papistas têm imaginado, mas nós recebemos o pão como um símbolo certo e infalível que o nosso Senhor Jesus nos alimenta espiritualmente com o Seu corpo; recebemos uma gota de vinho para mostrar que somos espiritualmente sustentados pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas observemos bem o que São Paulo acrescenta, que, assim como sob as figuras da Lei, não foi permitido comer o pão que foi fermentado e cuja massa era amarga, agora que não estamos mais sob tais sombras, devemos retirar o fermento da malícia, da maldade e de toda a nossa corrupção, e ter pão ou ázimo (ele diz) que não tenha amargura em si. E como? Em sinceridade e verdade. Quando, então, nos aproximarmos desta Mesa Santa, pela qual o Filho de Deus nos mostra que Ele é a nossa comida, que Ele entrega-Se a nós como alimento completo e inteiro, e Ele deseja que agora participemos no sacrifício que Ele de uma vez por todas ofereceu para a nossa salvação, devemos cuidar para que não tragamos a ela a nossa corrupção e contaminação, mas que renunciemos a estas, e busquemos apenas estar totalmente purificados, para que o nosso Senhor Jesus nos possua como membros de Seu corpo, e que por meio disso, também signifique que somos participantes da Sua vida. É assim que hoje devemos fazer uso desta Santa Ceia que está preparada para nós. Ou seja, que esta nos direcione à morte e à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e depois à Sua ressurreição, e que possamos estar tão seguros da vida e salvação, como pela vitória que Ele obteve ao ressuscitar dos mortos, a justiça nos é dada, e o portão do Paraíso foi aberto para nós, para que possamos nos aproximar corajosamente de nosso Deus, e oferecer-nos a nós mesmo em Sua presença, sabendo que Ele sempre nos receberá como Seus filhos.

Agora, prostremo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.