[Excerto da Obra Cristo, Totalmente Desejável • John Flavel]
Jesus Cristo é a Pessoa mais amorável (desejável) a quem as almas podem lançar seus olhos. “Tu és mais formoso do que os filhos dos homens” (Salmos 45:2).
Ele É “Totalmente Desejável”
Aqui é dito de Jesus Cristo, o que não pode ser dito de nenhuma das meras criaturas, que Ele é “totalmente desejável” […].
Consideremos esta excelente expressão, e particularmente reflitamos no que está contido nela, e vocês descobrirão esta expressão “totalmente desejável.”
Primeiramente, isto exclui de Jesus Cristo toda a desamabilidade e desagradabilidade. Co-mo um teólogo disse há tempos atrás: “Não há nada nEle que não seja amorável”. As excelências de Jesus Cristo são perfeitamente exclusivas de todas as suas oposições; não há nada de característica ou qualidade contrária encontrada nEle para contaminar ou desvalorizar a Sua excelência. E neste aspecto Cristo infinitamente transcende a mais excelente e amável das coisas criadas. Qualquer que seja a amabilidade encontrada nelas, não há nada sem desagrado.
As mais belas pinturas devem ter suas sombras; as mais raras e brilhantes pedras preciosas devem ter fundos escuros para realçar as suas belezas; a melhor criatura é apenas um amargoso doce, no máximo, se há alguma coisa agradável, também há algo azedo. Se uma pessoa tem cada habilidade, tanto inata quanto adquirida, de forma a deleitar-nos, ainda assim há também alguma corrupção natural misturada a isto, de modo a nos afastar. Mas, não há nada assim em nosso totalmente desejável Cristo, Suas excelências são puras e sem mistura. Ele é um mar de doçura sem uma gota de fel.
Segundo, “totalmente desejável,” ou seja, não há nada indesejável encontrado nEle, então tudo o que há nEle é completamente desejável. Como cada vislumbre de Deus é precioso, assim cada coisa que há em Cristo é preciosa: Quem pode pesar a Cristo em um par de balanças, e dizer a vocês qual é o Seu valor? “Seu preço é melhor do que os rubis, e tudo o que tu possas desejar não se compara a Ele” (Provérbios 8:11).
Em terceiro lugar, “totalmente desejável”, ou seja, Ele abrange todas as coisas que são desejáveis, Ele sela a soma de toda a amabilidade. As coisas que brilham como uma estrela solitária com uma glória específica, todas se encontram em Cristo como uma gloriosa constelação. Colossenses 1:19: “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitas-se”. Lancem os seus olhos sobre todas as criaturas, sondem o universo, vocês observarão força em alguém, beleza em um segundo, fidelidade em um terceiro, sabedoria em um quarto; mas vocês não encontrarão ninguém que excede nelas todas como Cristo. O pão tem uma qualidade, a água outra, vestimentas outra, medicações outras; mas nada tem todas elas em si mesmas, como Cristo as tem. Ele é pão para o faminto, água para o sedento, veste para o nu, cura para o ferido; e seja o que for que a alma possa desejar é encontrado nEle (1 Coríntios 1:30).
Em quarto lugar, “totalmente desejável”, ou seja, nada é desejável em oposição a Ele, ou separado dEle. Se Ele verdadeiramente é totalmente desejável, então seja o que for que se oponha a Ele, ou à parte dEle não pode ter nenhuma amabilidade em si. Afaste a Cristo, e onde está a amabilidade de qualquer prazer? O melhor consolo da criatura separado de Cristo é apenas uma cisterna rota. Isto não pode oferecer uma gota de genuíno consolo (Salmo 73:26). É com uma criatura — a mais doce e amável criatura — como com a bela imagem no espelho; afaste o rosto e onde está a imagem? Riquezas, honras e relações consoladoras são doces quando a face de Cristo sorri sobre nós através delas; mas sem Ele, que trivialidades vazias são todas elas?
Em quinto lugar, “totalmente desejável”, ou seja, transcende todas as excelências criadas em beleza e amabilidade. Se vocês compararem Cristo com as demais coisas, não importa quão amáveis, não importa quão excelentes e desejáveis, Cristo retira toda a amabilidade delas. “Ele é (como diz o apóstolo) antes de todas as coisas” (Colossenses 1:17). Não apenas antes de todas as coisas no tempo, natureza, e ordem; mas antes de todas as coisas em dignidade, glória e real excelência. Em todas as coisas Ele deve ter preeminência. Vamos somente comparar a excelência de Cristo com a das criaturas em poucas partícularidades, e quão evidente se mostrará a transcendente amabilidade de Jesus Cristo! Pois,
1. Todas as demais amabilidades são derivadas e secundárias; mas a amabilidade de Cristo é original e primária. Anjos e homens, o mundo e todas as coisas nele desejáveis, recebem o que de excelência eles desejam dEle. Eles são córregos da fonte. O Pai em na-da separa desta fonte e origem a mínima excelência que há nisto.
2. A amabilidade e excelência de todas as outras coisas é apenas relativa, consistindo em sua referência a Cristo, e submissão à Sua glória. Mas Cristo é amorável, considerado absolutamente nEle mesmo. Ele é desejável por Si mesmo; as demais coisas são desejáveis por causa dEle.
3. A beleza e amabilidade de todas as demais coisas são desbotadas e perecíveis; mas a amabilidade de Cristo é nova por toda a eternidade. A doçura da melhor das criaturas é uma flor desbotada; se não antes, ainda certamente na morte ela deve esvanecer. Jó 4.21: “Porventura não passa com eles a sua excelência?” Sim, sim, se elas são as excelências naturais do corpo, dons da mente adquiridos, feições amáveis, qualidades graciosas, ou qualquer outra coisa que achemos atrativo; tudo isto, como flores agradáveis, são murchadas, desbotadas, e destruídas pela morte. Mas “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8).
4. A beleza e santidade das criaturas são enganosas e perigosas. Um homem pode fazer delas um ídolo, e satisfazer a si mesmo além dos limites da moderação com elas, mas não há perigo de excesso no amor de Cristo. A alma está, então, em forma e disposição mais saudável quando está mais enferma de amor por Cristo (Cânticos 5:8).
5. A amabilidade de cada criatura está em uma natureza limitada e obstruída. Nossa estima [da criatura] diminui à medida que nos aproximamos dela, ou quanto maior o tempo em que nos deleitamos nela. Criaturas, como pinturas, são mais belas a certa distância, mas não é assim com Cristo; quanto mais perto a alma se aproxima dEle, e quanto maior o tempo em que vive em deleitar-se nEle, Ele se torna ainda mais doce e mais desejável.
6. Todas as outras amabilidades não podem satisfazer a alma do homem. Não há nada capaz o suficiente em qualquer uma das criaturas, ou em todo o universo natural de coisas criadas para estender e dilatar a alma do homem; mas a alma ainda sente a si mesma confinada e restrita com estes limites. Isto advém da inadequação e incapacidade da criatura para a mais nobre e mais excelente alma do homem. A alma é como um navio em um rio estreito que não tem espaço para virar-se. Ele está sempre encalhando e naufragando nas superfícies. Mas Jesus Cristo é de todas as formas suficiente para os vastos desejos da alma; nEle [a alma] tem suficiente espaço no mar. NEle a alma pode expandir todo o seu navegar sem receio de tocar o fundo. E assim, vocês veem qual a relevância desta frase: “totalmente desejável”.
Sobre o autor
John Flavel
John Flavel nasceu no ano 1628, em Bromsgrove, Worcestershire. Era filho de pais piedosos. Seu pai, Richard Flavel, era um ministro do evangelho, que juntamente com a esposa, foi preso em uma prisão em Londres, por causa do seu inconformismo com o anglicanismo daquela época. Seus pais
faleceram na prisão, por causa da praga. John Flavel foi educado por seu pai nos caminhos da religião. Em 1656, após ter sido educado em Oxford, Flavel foi convidado a tornar-se pastor de uma igreja em Dartmouth, Devon, onde passou a maior parte da sua vida. Embora o Ato de Uniformidade de 1662 tenha declarado seu ministério como ilegal, ele continuou pregando, administrando sacramentos e escrevendo fielmente sob pressão da perseguição. Flavel foi preeminente na sua capacidade de escrever tanto para o coração como para a mente. A popularidade de suas obras é, sem dúvida, em certa medida o resultado do tom afável e fervoroso no qual ele escreveu. Flavel trabalhou em Dartmounth, até a sua morte, em 1691.