“Esta é a voz do meu amado; ei-lo aí, que já vem saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros. O meu amado é semelhante ao gamo, ou ao filho do veado; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, espreitando pelas grades. O meu amado fala e me diz: Levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem. Porque eis que passou o inverno; a chuva cessou, e se foi; aparecem as flores na terra, o tempo de cantar chega, e a voz da rola ouve-se em nossa terra. A figueira já deu os seus figos verdes, e as vides em flor exalam o seu aroma; levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem. Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa. Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, porque as nossas vinhas estão em flor. O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios. Até que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado meu; faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes de Beter.” (Cânticos 2:8-17)
Não há nenhum livro da Bíblia que proporcione um melhor teste da profundidade do Cristianismo de um homem do que o Cântico dos Cânticos. (1) Se a religião de um homem estiver toda em sua cabeça, uma estrutura bem definida de doutrinas, construída como trabalho de pedreiro, pedra sobre pedra, mas não exercer nenhuma influência sobre o seu coração, este livro não pode deixar de ofendê-lo; pois, nele não há declarações rígidas de doutrina sobre as quais a sua religião sem coração possa ser construída. (2) Ou, se a religião de um homem for toda em sua imaginação; se, como Flexível em O Peregrino, ele seja levado pela beleza exterior do Cristianismo; se, como a semente lançada sobre o solo rochoso, a sua religião é estabelecida apenas nas faculdades superficiais da mente, enquanto o coração permanece rochoso e impassível; embora ele desfrute deste Livro, mais do que o primeiro homem, ainda assim, há um ar misterioso de íntima comoção nele, em que não pode senão fazê-lo tropeçar e ofender-se. (3) Mas se a religião de um homem for a religião do coração; se ele não tem não apenas doutrinas em sua cabeça, mas o amor de Jesus em seu coração; se ele não tem somente ouvido e lido do Senhor Jesus, mas tem sentido a sua necessidade dEle, e foi levado a apegar-se a Ele, como o primeiro entre dez mil, e totalmente desejável, então este livro será inestimavelmente precioso para sua alma; pois contém os mais ternos suspiros do coração do crente pelo Salvador, e os mais ternos desejos do coração do Salvador em direção ao crente.
“O seu assunto é totalmente sublime, espiritual e místico; e as formas de sua composição, universalmente alegóricas” — John Owen.
Há uma concordância entre os melhores intérpretes deste Livro — (1) Que ele consiste não de um cântico, mas de muitas canções; (2) que esses cânticos estão em uma forma dramática; e (3) que, como as parábolas de Cristo, elas contêm um significado espiritual, sob a veste e ornamentos de alguns episódios poéticos.
A passagem que eu li compõe um destes cânticos dramáticos, e o tema deste é uma visita repentina que uma noiva oriental recebe de seu senhor ausente. A noiva é representada para nós como sentada sozinha e desolada em um quiosque, ou bosque oriental — um lugar seguro e de retraimento nos jardins do Oriente — descrito por viajantes modernos como “um bosque cercado por um muro verde, coberto por videiras e jasmins, com janelas de gelosias”.
Os montes de Beter (ou, como estão no limiar, os montes da divisão), os montes que a separam de seu amado, parecem quase intransponíveis. Eles parecem tão íngremes e escarpados, que ela teme que ele nunca mais consiga vir por sobre eles para visitá-la. Seu jardim não possui nenhuma beleza que a atraia a seguir adiante. Toda a natureza parece participar de sua tristeza; o inverno reina por fora e por dentro; nenhuma flor aparece na terra; todos os pássaros canoros parecem estar tristes e silenciosos sobre as árvores; e a voz de amor da rola não é ouvida na terra.
É enquanto ela está sentada, assim, solitária e desolada que a voz de seu amado alcança o seu ouvido. O amor é rápido em ouvir a voz que é amada; e, portanto, ela ouve mais rápido do que todas as suas donzelas, e o cântico inicia com a sua exclamação impetuosa: “Esta é a voz do meu amado!”. Quando ela sentou-se em sua solidão, as montanhas entre ela e seu senhor pareciam quase intransponíveis, elas eram tão elevadas e íngremes; mas agora ela vê com que rapidez e facilidade ele salta estes montes, de forma que ela pode compará-lo a nada além de um gamo, ou ao jovem cervo, as criaturas mais formosas e mais rápidas das montanhas. “O meu amado é semelhante ao gamo, ou ao filho do veado”.
Sim, enquanto ela está falando, ele já chegou ao muro do jardim; e agora, eis que “ele olha pelas janelas, espreitando pelas grades”. A noiva, a seguir, nos relata o convite suave, que parece ter sido o cântico de seu amado vindo tão rapidamente sobre os montes. Enquanto ela se sentava solitária, toda a natureza parecia morta, o inverno reinava; mas agora ele diz a ela que ele trouxe o tempo da primavera, juntamente consigo. “Levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem. Porque eis que passou o inverno; a chuva cessou, e se foi; aparecem as flores na terra, o tempo de cantar chega, e a voz da rola ouve-se em nossa terra. A figueira já deu os seus figos verdes, e as vides em flor exalam o seu aroma; levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem”.
Movida por este convite premente, ela sai de seu lugar de retraimento para a presença de seu senhor, e se apega a ele como uma temerosa pomba das fendas das rochas; e, em seguida, ele se dirige a ela com estas palavras da mais terna e delicada afeição: “Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa”. Alegremente concordando em ir adiante com seu senhor, ela ainda lembra que esta é a época de maior perigo para as vinhas, devido as raposas que mordiscam a casca das vinhas; e, portanto, ela não sairá sem deixar o comando de cautela para as suas donzelas: “Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, porque as nossas vinhas estão em flor”.
Ela, então, renova a aliança de seu casamento com o seu amado, com estas palavras de pertinente afeição: “O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios”. E por fim, por ela saber que esta temporada de comunhão íntima não durará, já que o seu amado deve sair novamente sobre os montes, ela não suportará que ele vá, sem rogar-lhe que frequentemente renove estas visitas de amor, até que amanheça aquele dia feliz em que eles não mais precisaram estar separados: “Até que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado meu; faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes de Beter”.
Podemos muito bem desafiar o mundo inteiro de gênios para produzirem em qualquer idioma um poema como este — tão pequeno, tão abrangente, tão delicadamente bonito. Porém, o que é muito mais para o nosso atual propósito, não há nenhuma parte da Bíblia que desvele mais lindamente um pouco da experiência mais íntima do coração do crente.
Olhemos, então, agora para a parábola como uma descrição de uma dessas visitas que o Salvador muitas vezes faz às almas crentes, quando Ele manifesta-se a eles de forma diferente do que o faz ao mundo.
I. QUANDO O CRENTE ESTÁ SOZINHO.
Quando Cristo está longe da alma do crente, ele se sente solitário.
Nós vimos na parábola, que quando o seu senhor foi embora, a noiva estava sentada sozinha e desolada. Ela não se importou com a juventude e alegria para animarem as suas horas solitárias. Ela não solicitou a harpa do menestrel para acalmá-la em sua solidão. Não havia flauta, nem adufe, nem vinho em suas festas. Não, ela sentou-se sozinha. Os montes pareciam quase intransponíveis. Toda a natureza participou de sua tristeza. Se ela não podia estar feliz sem à luz da face do seu senhor, ela estava decidida a não alegrar-se com mais nada. Ela sentou-se solitária e desolada. Exatamente assim é com o verdadeiro crente em Jesus. Quaisquer que sejam os montes de Beter que estejam entre a sua alma e Cristo, se ele foi seduzido por velhos pecados, de forma que as suas iniquidades fazem separação entre ele e o seu Deus; e os seus pecados encobrem o Seu rosto dele, para que não lhe ouça [Isaías 59:2]; ou se o Salvador retirou por um momento, a luz consoladora de Sua presença para a simples prova da fé de Seu servo, para ver, se ele, quando anda em trevas, e não tem luz nenhuma, confia no nome do Senhor, e firma-se sobre o seu Deus [Isaías 50:10].
Quaisquer que sejam os montes de separação, é a evidência segura de um crente que ele se assentará desolado e sozinho. Ele não consegue rir, longe de seus intensos cuidados, como os homens mundanos podem fazer. Ele não consegue mergulhar-se na taça da intemperança, como os miseráveis homens cegos podem fazer. Mesmo o inocente vínculo da amizade humana não traz nenhum bálsamo para a sua ferida, ou melhor, até mesmo a comunhão com os filhos de Deus agora é desagradável para a sua alma. Ele não consegue apreciar o que ele gostava antes, quando aqueles que temiam ao Senhor falavam um com o outro. Os montes entre ele e o Salvador parecem tão vastos e intransponíveis, que teme que Ele nunca mais o visitará. Toda a natureza participa de sua tristeza, o inverno reina por fora e por dentro. Ele senta-se sozinho, e fica desolado. Estando aflito, ele ora; e o peso de sua oração é o mesmo daquele de um velho crente: “Senhor, se eu não posso me contentar com a luz de Tua face, que me concedas não ser feliz com nada mais; pois a alegria sem Ti é morte”.
Ah! meus amigos, vocês conhecem algo sobre esse sofrimento? Vocês sabem que é, assim, sentar-se sozinho e estar desolado, porque Jesus está fora da vista? Se vocês o sabem, então se alegrem, se é possível, mesmo em meio a vossa tristeza! Pois, essa mesma tristeza é uma das marcas que vocês são crentes, de forma que vocês encontram toda a vossa paz e toda a vossa alegria na união com o Salvador.
Mas ah, quão oposto é o caminho da maioria de vocês! Vocês não conhecem nada dessa tristeza. Sim, talvez vocês zombem disso. Vocês conseguem estar felizes e contentes com o mundo, mas vocês nunca tiveram uma visão de Jesus. Vocês podem estar felizes com seus companheiros, embora o sangue de Jesus nunca tenha sussurrado paz à tua alma. Ah, quão evidente é que vocês estão se apressando para o lugar onde “não há paz para os ímpios, diz o meu Deus” [Isaías 57:21].
II. A VINDA DE CRISTO ATÉ O CRENTE.
A vinda de Cristo até o crente desolado é, muitas vezes, súbita e maravilhosa.
Nós vimos na parábola, que foi quando a noiva estava sentada sozinha e desolada que ela ouviu, de repente, a voz do seu senhor. O amor é rápido em ouvir, e ela exclama: “A voz do meu amado!”. Antes, achava as montanhas quase intransponíveis; mas agora ela pode comparar a rapidez dele a nada, a não ser ao gamo, ou ao filho do veado. Sim, enquanto ela fala, ele está na parede, na janela, mostrando-se através da grade. Muitas vezes, exatamente assim ocorre com o crente. Enquanto ele se senta sozinho e desolado, os montes da separação parecem uma barreira vasta e intransponível para o Salvador, e ele teme que Cristo nunca volte. Os montes de provocações de um crente são frequentemente mui grandes. “Que eu tenha pecado novamente, eu que fui lavado no lavado no sangue de Jesus. É pouco que os outros homens pequem contra Ele; eles nunca O conheceram, nunca O amaram como eu amei. Certamente eu sou o maior dos pecadores, e pequei demais, meu Salvador. Os montes de minhas provocações cresceram até o céu, e Ele nunca mais poderá voltar para mim”. Assim é que o crente escreve coisas amargas contra si mesmo; e nessa ocasião, é que muitas vezes ele ouve a voz de seu Amado. Algum texto da Palavra, ou alguma palavra de um amigo Cristão, ou alguma parte de um sermão, mais uma vez revela Jesus em toda a Sua plenitude, o Salvador dos pecadores, até mesmo do principal. Ou pode ser que Ele se dá a conhecer à alma desconsolada no partir do pão, e quando Ele fala as palavras gentis: “Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós… Tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim” [1 Coríntios 11:24-25]; então, ele exclama: “A voz do meu amado! Eis que vem saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros”.
Ah! meus amigos, vocês conhecem alguma coisa desta alegre surpresa? Se conhecem, por que vocês sempre sentam-se em desespero, como se a mão do Senhor estivesse encolhida de forma que Ele não possa salvar, ou como se Seus ouvidos estivessem agravados de forma que Ele não possa ouvir? Na hora mais tenebrosa digam: “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o meu Deus” [Salmos 42:11]. Venham com expectativa à Palavra. Não venham com essa indiferença apática, como se nada que um verme companheiro possa dizer seja digno de sua audição. Esta não é a palavra do homem, mas a Palavra do Deus vivo. Venham com grandes esperanças, e então vocês encontrarão a promessa verdadeira, que Ele enche os famintos com coisas boas, embora Ele despeça os ricos de mãos vazias.
III. A VINDA DE CRISTO MUDA TODAS AS COISAS.
A vinda de Cristo muda todas as coisas para o crente, e Seu amor é mais suave do que nunca.
Nós vimos na parábola que, quando a noiva estava desolada e sozinha, toda a natureza estava mergulhada em tristeza. Seu jardim não possuía encantos para levá-la adiante, pois o inverno reinava dentro e fora. Mas quando o seu senhor veio tão rapidamente sobre os montes, ele trouxe a primavera junto com ele. Toda a natureza é alterada enquanto ele avança, e seu convite é: “Levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem. Porque eis que passou o inverno”. Exatamente assim é com o crente, quando Cristo está ausente: tudo é inverno na alma. Mas, quando Ele vem novamente sobre os montes da provação; Ele traz uma temporada de feliz primavera junto consigo. Quando esse sol da justiça surge de novo na alma, não apenas os Seus raios alegrantes caem sobre a alma do crente, mas toda a natureza se alegra com a sua alegria. As montanhas e colinas irrompem em cânticos diante dEle, e todas as árvores do campo batem palmas. É como uma mudança de estação para a alma. É como que a súbita mudança das chuvas torrenciais de inverno sombrio para a plena primavera colorida, que é tão peculiar aos climas do sol.
O mundo natural é totalmente modificado. Em lugar do espinheiro surge a faia, e em lugar da sarça surge a murta. Cada árvore e campo possuem uma beleza nova para a alma feliz. O mundo da graça é totalmente transformado. Antes a Bíblia estava completamente seca e sem sentido; agora, que inundação de luz é derramada sobre as suas páginas! Quão plena, quão revigorante, quão rica em significado, como suas frases mais simples tocam o coração! Antes a casa de oração estava completamente triste e melancólica antes, os seus serviços eram áridos e insatisfatórios; mas agora, quando o crente vê o Salvador, como ele O viu no interior do santo lugar, seu clamor é: “Quão amáveis são os teus tabernáculos, SENHOR dos Exércitos! Porque vale mais um dia nos teus átrios do que mil” [Salmos 84:1, 10]. Antes o jardim do Senhor estava todo triste e desanimado; agora a ternura em direção aos não-convertidos brota revigorada, e o amor ao povo de Deus arde no peito, aqueles que temem ao Senhor falam-se frequentemente. O tempo de cantar os louvores de Jesus chega, e a voz amorosa da rola a Jesus é mais uma vez ouvida na terra; a videira do Senhor frutifica, e a romã floresce, e a voz de Cristo para a alma é: “Levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem”.
Como a pomba temerosa perseguida pela águia, e quase feita uma presa, com asa vibrante e ansiosa, esconde-se mais profundamente do que nunca nas fendas das rochas, e nos lugares secretos do precipício, assim o crente caído, a quem Satanás desejou capturar, para que pudesse peneirá-lo como trigo, quando ele é restaurado mais uma vez com a presença toda-graciosa do seu Salvador, apega-se a Ele com fé vibrante, desejosa, e esconde-se mais profundamente do que nunca nas feridas de seu Salvador. Foi assim com Pedro ao cair, quando ele tão gravemente negou o seu Senhor, ainda assim, quando trazido novamente à visão de seu Salvador, de pé sobre a terra, foi o único dos discípulos que se cingiu com sua capa de pescador, e lançou-se ao mar para nadar até Jesus; e assim como aquele apóstolo caído, quando mais uma vez ele se escondeu na Rocha Eterna, descobriu que o amor de Jesus era mais terno em relação a ele do que nunca, quando ele começou aquela conversa, que, mais do que todas as outras na Bíblia, combina a mais amável das reprovações com o mais amável dos incentivos: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?” [João 21:15]. Exatamente assim cada crente caído encontra que quando novamente ele está escondido nas feridas recém-abertas do seu Senhor, a fonte de Seu amor começa a fluir renovada, e o ribeiro de bondade e afeição é mais pleno e transbordante do que nunca, porque a Sua palavra é: “Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa”.
Ah, meus amigos, vocês conhecem alguma coisa disto? Vocês já experimentaram essa venda de Jesus sobre o monte de vossas provocações, enquanto fez uma mudança de estação em vossa alma? E você, crente caído, encontrado, quando se escondeu nova e mais profundamente do que nunca nas fendas das rochas — como Pedro cingindo sua capa de pescador, e lançando-se ao mar — você encontrou o Seu amor mais terno do que nunca em sua alma? Então, isto não deveria ensinar-lhe o arrependimento rápido quando você cai? Por que manter-se por um momento sequer longe do Salvador? Você está esperando até que você mesmo limpe as manchas de sua veste? Ai! o que a purificará, senão o sangue que você está desprezando? Você está esperando até que torne a si mesmo digno da graça do Salvador? Ai! Embora você espere por toda a eternidade, você nunca poderá tornar-se mais digno. O seu pecado e miséria são sua única súplica. Venha, e você encontrará com que ternura Ele curará as suas rebeliões, e o amará voluntariamente, e dirá: “Pomba minha” e etc.
IV. CRISTO DESPERTA TEMOR, AMOR E ESPERANÇA.
Eu observo a tríplice disposição de temor, amor e esperança, que esta visita do Salvador desperta no seio do crente. Estes três formam, por assim dizer, um cordão no coração do crente restaurado, e um cordão de três dobras não se quebra facilmente.
1. Temor Filial.
Em primeiro lugar, há temor. Como a noiva na parábola não sairia para desfrutar a comunhão com seu senhor, sem deixar a ordem para que suas donzelas apanhassem as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, assim cada crente sabe e sente que o tempo da íntima comunhão é também o momento de maior perigo. Quando o Salvador foi batizado, e o Espírito Santo, como uma pomba, desceu sobre Ele, e uma voz, disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” [Mateus 3:17], foi, então, que Ele foi conduzido ao deserto, para ser tentado pelo Diabo; e exatamente assim é quando a alma está recebendo seus maiores privilégios e consolos, que Satanás e seus ministros estão mais próximos, estes são as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas.
(1) O orgulho espiritual está próximo. Quando a alma está se escondendo nas feridas do Salvador, e recebe grandes sinais de Seu amor, então o coração começa a dizer: Certamente eu sou alguém, o quão acima eu estou da média crentes! Esta é uma das raposinhas que comem a vida da piedade vital.
(2) Aqui há um valer-se de Cristo pelos seus consolos — olhando para seus consolos, e não para Cristo — inclinando-se sobre eles, e não sobre o seu amado. Esta é outra das raposinhas.
(3) Existe a falsa noção de que agora certamente você deve estar livre do pecado, e acima do poder da tentação, agora você pode resistir a todos os inimigos. Este é o orgulho que vem antes da queda e é outra das raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas.
Nunca esqueçam, eu vos suplico, que o temor é uma evidência da segurança de um crente. Mesmo quando vocês sentirem que é Deus quem opera em vocês, ainda assim, a Palavra diz: “operai a vossa salvação com temor e tremor” [Filipenses 2:12]. Mesmo quando a vossa alegria for transbordante lembrem-se do que está escrito: “alegrai-vos com tremor” [Salmos 2:11], e lembrem-se também do cuidado da noiva, e digam: “Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, porque as nossas vinhas estão em flor”.
2. Apropriando-se do Amor.
Mas se o temor cauteloso é uma marca de um crente em tal período, ainda mais é o apropriar-se do amor. Quando Cristo vem novamente dos montes da provação, e revela-Se à alma livre e plenamente como sempre, de uma forma diferente do que o faz ao mundo, então, a alma pode dizer: “O meu amado é meu, e eu sou dele”. Eu não digo que o crente pode usar essas palavras em todas as estações. Em tempos de escuridão e em tempos de pecado a realidade da fé de um crente deve ser medida antes por sua tristeza do que por sua confiança. Mas eu digo, que nas temporadas em que Cristo revela-Se de novo à alma, brilhando como o sol atrás de uma nuvem, com os raios do amor soberano, imerecido, então nenhuma outra palavra satisfará o verdadeiro crente, senão estas: “O meu amado é meu, e eu sou dele”. A alma vê Jesus como um Salvador tão gratuito, que tanto anseia que todos venham a Ele e tenham vida, estendendo Suas mãos o dia todo, não tendo nenhum prazer na morte do ímpio, clamando a os homens: “Convertei-vos, convertei-vos, por que morrereis?”.
A alma vê Jesus como um Salvador tão apropriado, a própria cobertura que a alma necessita. Quando ela primeiramente escondeu-se em Jesus, O encontrou adequado para todas as suas necessidades, a sombra de uma grande rocha em terra sedenta. Mas, agora, ele descobre uma nova adequação no Salvador, como Pedro, quando ele se cingiu com sua capa de pescador, e lançou-se ao mar. Ela encontra que Ele é um Salvador adequado para um crente caído; que Seu sangue pode apagar até mesmo as manchas daquele que, depois de ter comido pão com Ele, ainda levantou o calcanhar contra Ele.
A alma vê Jesus como um Salvador pleno, concedendo ao pecador não apenas perdão, mas transbordando perdões imensuráveis, concedendo não somente a justiça, porém a justiça que é mais do que mortal, pois ela é totalmente Divina; concedendo não somente o Espírito, mas derramando água sobre o sedento, e rios sobre a terra seca. A alma vê tudo isso em Jesus, e não pode deixar de escolhê-lO e deleitar-se nEle com amor renovado e apropriado, dizendo: “O meu amado é meu”. E, se alguém perguntar, Como podes tu, verme pecaminoso, chamar tal Divino Salvador de teu? A resposta está aqui: Porque eu sou dEle. Ele me escolheu desde a eternidade, senão eu nunca O teria escolhido. Ele derramou Seu sangue por mim, senão eu nunca teria derramado uma lágrima por Ele. Ele chorou por mim, mas eu nunca teria suspirado por Ele. Ele procurou por mim, mais eu nunca O teria procurado. Ele me amou, portanto, eu O amo. Ele me escolheu, por isso eu sempre O escolho. “O meu amado é meu, e eu sou dele”.
3. Esperança Orante.
Mas, por fim, se o amor é uma marca do verdadeiro crente em tal temporada, assim também é esperança em oração. Foi a palavra de um verdadeiro crente, em uma hora de comunhão elevada e maravilhosa com Jesus: “Senhor, bom é estarmos aqui” [Mateus 17:4].
Meu amigo, você não é crente se Jesus nunca Se manifestou à sua alma em suas devoções secretas, na casa de oração ou no partir do pão, em forma tão doce e avassaladora, que você clamou: “Senhor, é bom para mim estar aqui!”. Contudo, embora isso seja bom e muito agradável, como a luz solar para os olhos, ainda assim, o Senhor vê que não é mais sábio e melhor sempre estar ali. Pedro tem que descer novamente do monte da glória, e combater o bom combate da fé em meio à vergonha e afronta de um mundo frio e desdenhoso.
E assim é com cada filho de Deus. Nós ainda não estamos no céu, o lugar da visão plena e gozo eterno. Esta é a terra, o lugar da fé, da paciência e da esperança para o céu indicado. Uma grande razão pela qual o júbilo próximo e íntimo do Salvador não pode ser constantemente efetuado no seio do crente é para dar espaço para a esperança, a terceira corda que forma o cordão de três dobras. Até mesmo os crentes mais esclarecidos estão andando aqui em uma noite tenebrosa, ou crepúsculo, no máximo. E as visitas de Jesus para a alma apenas servem para fazer a escuridão ao redor mais visível. Mas a noite é passada, e o dia é chegado. O dia da eternidade está rompendo no oriente. O sol da justiça está apressando-se a subir sobre o nosso mundo, e as sombras estão se preparando para fugir. Até então, o coração de cada crente verdadeiro, que conhece a preciosidade da estreita comunhão com o Salvador, suspira em fervorosa oração, que Jesus frequentemente venha de novo, assim, orvalhante e subitamente o ilumine em sua sombria peregrinação.
Ah! sim, meus amigos, que todo aquele que ama ao Senhor Jesus com sinceridade, junte-se agora à bendita oração da noiva: “Até que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado meu; faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes de Beter”.
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“A Voz do Meu Amado” é extraído de Memórias e Lembranças do Reverendo Robert Murray M´Cheyne, por Andrew Bonar. Primeiramente publicado em 1844, (reimpresso, Edimburg: Oliphant, Anderson, & Ferrier), p. 431-440. Este Sermão foi pregado por M´Cheyne em 14 de Agosto de 1836, em St. Peter, Dundee. Ele, nesta época, era candidato ao ministério, e posteriormente tornou-se ministro de St. Peter.
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