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Argumentos em Favor de Confissões de Fé Robustas na Igreja │ Por Tom Hicks

 

Muitas vezes surge uma pergunta sobre se a igreja deve ter uma confissão mínima de fé ou uma confissão de fé robusta e enciclopédica. Alguns argumentam que a confissão formal de uma igreja deve ser curta, para que os cristãos com uma variedade de pontos de vista sobre doutrinas secundárias possam se unir à igreja, enquanto o pastor é livre para ensinar qualquer coisa que acredite que a Bíblia signifique. Mas afirmo que é responsabilidade bíblica da igreja como um todo, não apenas do pastor, confessar o seu entendimento do significado de toda a Bíblia, e que o pastor deve submeter-se à confissão da igreja. A Bíblia diz que “a igreja” é “coluna e firmeza da verdade” (1 Timóteo 3:12). Alguns temem que subscrever uma confissão de fé robusta seja impraticável em uma igreja local, mas eu discordo.

 

Historicamente, na América, as igrejas Batistas mais antigas tinham confissões abrangentes de fé, duas das mais influentes são a Confissão da Filadélfia entre os Batistas no Norte e a Confissão de Charleston entre os Batistas no Sul. Ambas as confissões são baseadas na Segunda Confissão de Fé Batista de Londres. Em termos práticos, em nossos dias, as igrejas precisam de uma confissão robusta para melhor promover sua saúde e para permanecerem fiéis a Cristo em meio à crescente onda de secularismo e autonomia individual. Porém, o mais importante é que a Bíblia indica que a igreja deve confessar sua compreensão da Bíblia como um todo e, portanto, a confissão da igreja deve ser robusta.

 

1. O Requisito Bíblico Básico da Confissão

 

As Escrituras ensinam que os cristãos devem confessar sua fé. No Antigo Testamento, uma confissão básica de fé é encontrada no Shemá. Deuteronômio 6:4 diz: “Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único SENHOR”.

 

No Novo Testamento, vemos o conteúdo de uma confissão básica em Romanos 10:9-10, que diz: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação”.

 

Então, em um nível muito básico, uma confissão de fé em Cristo como Senhor e Salvador é necessária para a salvação. Mas essa confissão básica se expandirá à medida que os cristãos crescerem em sua compreensão das Escrituras e rejeitarem os erros doutrinários.

 

2. A Natureza Expansiva das Confissões na Bíblia

 

Quando estudamos as confissões encontradas na Bíblia, uma das coisas que descobrimos é que, quando a igreja encontra novos erros, confessa mais e mais doutrina para confrontar esses erros.

 

Uma Confissão Contra o Judaísmo. 1 Coríntios 8:6 combina a confissão de que há um só Deus com a confissão de que há um só Senhor Jesus Cristo. Ela diz: “Há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele”. Nessa confissão, a afirmação judaica básica do monoteísmo é afirmada. Mas, a fim de distinguir-se claramente dos judeus que negavam a divindade de Cristo, a igreja também afirmou Cristo como Senhor e Criador de todas as coisas.

 

Uma Confissão Contra a Divisão. Alguns cristãos professos da igreja primitiva gostariam de dividir a igreja entre cristãos judeus e cristãos gentios. Mas o apóstolo Paulo confessou em Efésios 4:4-6: “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós”. Esta confissão afirma a unidade de todos aqueles que estão unidos a Cristo.

 

Uma Confissão Contra o Gnosticismo, o Ascetismo e o Paganismo. Vemos uma expansão adicional da confissão da igreja em 1 Timóteo 3:16, na qual Paulo escreve que: “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória”. Essa confissão foi escrita quando a igreja enfrentou uma série de heresias adicionais, incluindo gnosticismo, ascetismo e paganismo. A igreja confrontou essas heresias mais recentes, ao mesmo tempo em que também confrontava os erros mais antigos do judaísmo. Aprendemos com isso que os erros mais antigos não vão embora, e é por isso que a igreja deve continuar aumentando sua confissão. A igreja precisava confessar que Cristo é o Senhor, contrariando o judaísmo. Precisava declarar a plena humanidade de Cristo, contraindo o gnosticismo. Precisava afirmar a suficiência da obra de Cristo para salvar, contrariando o ascetismo. E precisava confessar que Deus é um, contrariando o politeísmo do paganismo.

 

Uma Confissão de Todo o Conselho de Deus. Provavelmente, o ponto alto da confissão da igreja é visto no livro de Romanos. Romanos pode ser um exemplo do conteúdo do ensino de Paulo quando ensinou “todo o conselho de Deus” (Atos 20:27). Paulo ainda não havia estado em Roma; assim, sua carta apresentava um resumo do que ele considerava ser a doutrina cristã fundamental. Considere o que Paulo diz em Romanos 16:17: “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles.” Quando Paulo fala da “a doutrina que aprendestes” ele está se referindo a tudo o que havia acabado de ensinar-lhes no livro de Romanos. Romanos é uma enciclopédia da teologia, e é o que Paulo considerou necessário para a vida e a saúde da igreja local em Roma. Considere as doutrinas ensinadas na carta de Paulo aos romanos.

 

• Romanos 1 e 2 ensinam a doutrina da Queda e do pecado, que todos estão condenados sob a lei de Deus.

• Romanos 3 e 4 ensinam a doutrina da justificação somente pela fé com base na justiça imputada de Cristo.

• Romanos 5 ensina a doutrina das cabeças federais de Adão e de Cristo.

• Romanos 6-8 ensina a doutrina da santificação, fundamentada na união com Cristo.

• Romanos 9-11 ensina as doutrinas da relação entre o povo de Deus do Antigo Testamento e o povo de Deus do Novo Testamento, bem como a eleição incondicional para a salvação.

• Romanos 12 a 16 ensinam sobre a vida na igreja, submissão às autoridades, liberdade cristã e missões.

 

Se é correto que Romanos seja o resumo de Paulo de “todo o conselho de Deus”, e se as igrejas devem confessar e proclamar todo o conselho de Deus, então a confissão de fé de uma igreja precisa conter uma plenitude de doutrina, semelhante à do tipo de teologia robusta que encontramos nessa epístola de Paulo. Isso significa que a confissão de uma igreja deve ser enciclopédica, não minimalista.

 

3. O Modelo do Ensino Apostólico

 

Os apóstolos ensinaram resumos de toda a Bíblia, todo o conselho de Deus (Atos 20:27), que não eram eles mesmos idênticos às Escrituras, mas ainda assim possuíam autoridade porque organizavam e refletiam a doutrina da Bíblia. Em Atos 20, está escrito que Paulo ensinou todo o conselho de Deus em três anos (Atos 20:31). Três anos não é tempo suficiente para uma exposição de cada versículo da Bíblia, mas parece que era a quantidade certa de tempo para ensinar um resumo abrangente da Bíblia e mostrar como esse resumo se origina da Bíblia.

 

Embora o ensinamento apostólico tenha autoridade divina, ele não era idêntico à própria Bíblia, o ponto aqui é mostrar que tanto os pastores quanto as igrejas adotaram resumos abrangentes. Assim, enquanto, por um lado, as confissões da igreja não têm autoridade divina como os apóstolos, por outro, elas tentam fornecer resumos sólidos do ensino da Bíblia, seguindo o exemplo apostólico.

 

Os Pastores Devem Aderir a um Modelo. Paulo fala ao pastor Timóteo em 2 Timóteo 1:13-14: “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido, na fé e no amor que há em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito pelo Espírito Santo que habita em nós”. A palavra grega modelo (hupotuposis), é um derivativo de tupos, e significa “tipo” ou “forma”. O pastor Timóteo não meramente tinha a Bíblia em sua mente e deveria ensinar e guardar as palavras da Bíblia, mas também um resumo organizado da Bíblia.

 

As igrejas devem aderir a um modelo. Não apenas pastores, mas igrejas inteiras devem confessar o modelo apostólico de doutrina. Em Romanos 6:17, Paulo diz à igreja: “Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues”. A palavra “forma” (tupos) está relacionada com a palavra “modelo” (hupotuposis), que vimos acima em 2 Timóteo 1:13. Aqui, novamente, Paulo não está se referindo à própria Bíblia como a “forma”, já que a Bíblia não é meramente uma forma ou modelo de ensino, mas a própria Palavra de Deus. O que Paulo está dizendo é que a igreja de Roma havia recebido e estava comprometida com um resumo abrangente do ensino bíblico.

 

Assim, tanto os pastores como as igrejas de hoje também devem ter um robusto resumo doutrinário da Bíblia em suas confissões de fé, que Paulo chama de “modelo” (2 Timóteo 1:3) ou “forma” (Romanos 6:17).

 

4. O Testemunho da História da Igreja

 

Embora a história da igreja não seja autoritativa, podemos e devemos aprender com os santos que vieram antes de nós. E quando estudamos a história da igreja após a conclusão do cânon bíblico, descobrimos que sua confissão se expandiu à medida que novos erros surgiram.

 

Durante os primeiros séculos da igreja, a principal questão a ser tratada foi: “Que livros compõem a Bíblia?”. Muitos estavam rejeitando os 66 livros da Bíblia. O falso mestre Marcião negou que o Antigo Testamento é a Palavra de Deus, e os gnósticos estavam tentando fazer adições à Palavra de Deus. Então, a igreja confessou o cânon bíblico. E a confissão da igreja se desenvolveu.

 

Nos anos 300 d.C., a igreja estava lidando com a questão: “Qual é a relação de Cristo com Deus?”. E hereges como Ário disseram que Jesus é apenas um homem glorificado. Mas Atanásio disse: “Não, a Bíblia ensina que Jesus é Deus”. Assim, a igreja escreveu o Credo Niceno, que afirma claramente que Jesus compartilha a mesma natureza divina que Deus. E a confissão da igreja continuou a crescer.

 

Então, nos anos 400 d.C., a questão veio a ser: “Qual é a natureza da humanidade?”. Pelágio argumentou que os seres humanos têm a capacidade de fazer o que Deus ordena. Eles não são tão pecadores a ponto de precisarem de graça especial, disse Pelágio. Mas Agostinho disse: “Não, a Bíblia afirma que os seres humanos não podem fazer nada que Deus ordene a menos que Deus lhes dê a graça para fazê-lo”. E a igreja confessou essa doutrina bíblica da incapacidade natural do homem e da necessidade de graça sobrenatural no Concílio de Orange.

 

Avançando para os anos 1500, a questão tornou-se: “Os seres humanos podem se salvar por suas obras?”. A Igreja Católica Romana argumentou que os próprios méritos de uma pessoa podem alcançar a salvação. Mas Lutero e Calvino disseram: “Não, a Bíblia diz que somos salvos somente pela graça por meio da fé”. E a confissão da igreja cresceu um pouco mais.

 

E em cada estágio da história da igreja, a ortodoxia foi esclarecida contra o pano de fundo do erro, e a confissão da igreja foi se tornando cada vez maior.

 

Portanto, com base no exemplo bíblico, no ensino apostólico e no testemunho da igreja, eu sugiro que as igrejas adotem confissões de fé robustas que expressem completamente o ensino da Bíblia para a saúde das igrejas e para o bem do seu testemunho a um mundo que está lhes observando.