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As Divisões do Pedobatismo │ Por Jeffrey Johnson

 

Nota de tradução: Este texto consiste na introdução do magistral livro The Fatal Flaw of the Theology Behind Infant Baptism & Covenantal Dichotomism, por Jeffrey D. Johnson. Este livro será futuramente publicado em formato eBook, e depois impresso, pela editora O Estandarte de Cristo.

Introdução

Católicos, Anglicanos, Luteranos e Presbiterianos são todos chamados de pedobatistas, porque todos batizam os seus filhos infantes, contudo o fazem por diferentes razões.[1] Para tornar as coisas mais complicadas, dentro do Presbiterianismo existem grandes distinções.[2]

 

Tradicionalmente, a doutrina do pedobatismo tem sido restrita a dois grupos: aqueles que ensinam que o batismo comunica graça salvífica aos bebês (ex opere operato, “pela obra operada”), e aqueles que creem que o batismo infantil não comunica salvação, mas essa é uma grande simplificação do assunto. Dentro desses dois ramos, existem muitos subgrupos.

 

Para compreender as múltiplas divisões dentro do pedobatismo, é proveitoso rever a história doutrinária do batismo infantil — observar a progressão, desenvolvimento e mudanças dentro da prática — e particularmente destacar como a relação entre o batismo infantil e a fé tem mudado ao longo dos anos. Isso ocorre porque a conexão entre a fé e o batismo infantil é exatamente o que distingue os vários grupos uns dos outros, como veremos.

 

A Antiguidade do Pedobatismo

Sem dúvida, o pedobatismo é uma prática muito antiga e histórica na igreja. Pode-se questionar se a prática era apostólica, mas ninguém pode negar com credibilidade a sua antiguidade.[3] Embora nenhum dos escritos patrísticos e lecionários[4] da igreja do primeiro e segundo séculos se refiram ao batismo infantil, o registro histórico data a prática desde o início do terceiro século, onde pelo menos algumas igrejas foram observadas seguindo a prática.

 

O primeiro tratado existente sobre o assunto vem das obras de Tertuliano de Cartago. Em sua obra, “Sobre o Batismo[5] (início do terceiro século), Tertuliano procurou desacreditar a validade do batismo infantil. A segunda referência (cronologicamente) relativa ao batismo de infantes é a “Tradição Apostólica”, de Hipólito (meados do terceiro século). Nessa obra, Hipólito afirmou que apenas os catecúmenos eram candidatos apropriados ao batismo, indicando a exclusão de bebês.

 

Cipriano de Cartago é o primeiro autor a escrever em apoio ao batismo infantil. Na “Epístola 58”, ele se referiu a uma decisão de um sínodo africano em 253 d.C., que exige o batismo infantil.[6] Para Cipriano, o batismo infantil não era uma opção, mas um dever.[7]

 

Com o passar do tempo, a prática cresceu em popularidade. Embora parecesse pelos escritos de Tertuliano e Hipólito que a prática foi originalmente recebida com oposição, no quarto século, os pais da igreja escreveram quase exclusivamente em favor do pedobatismo.

 

É discutível até que ponto a evidência patrística apóia o batismo infantil.

 

A questão, portanto, não é tanto se a igreja primitiva batizava os seus bebês, mas por que eles os batizavam?

 

As Divisões do Pedobatismo

Para simplificar, restringi as diferentes posições pedobatistas em oito divisões:

 

1. Fides Aliena: A igreja supre a necessária para o batismo pelo infante.

2. Fides Infusa: O batismo infunde no infante.

3. Fides Infantium: A dos próprios infantes está presente no batismo.

4. Simbolismo Sacramental: A legitimidade do batismo infantil é independente da fé.

5. Pré-credobatismo: O batismo precede a no infante, mas não garante a fé.

6. Regeneração Presumida: A igreja presume que os seus infantes batizados têm até que se prove o contrário.

7. Regeneração Batismal: O batismo comunica a todos os infantes (incluindo os não eleitos).

8. Pedofé: Os infantes têm antes do batismo.

 

Fides Aliena

Muitos dos pais da igreja primitiva ensinaram que o batismo lavava os pecados.[8] No entanto, esses mesmos pais da igreja não concordaram com os tipos de pecados perdoados no batismo. Somente os pecados cometidos antes do sacramento são perdoados,[9] ou o batismo também limpa pecados futuros? Embora a igreja não estivesse universalmente convicta, os pais da igreja concordaram que o batismo era um meio de graça efetivo para lavar ao menos os pecados passados.[10]

 

Contudo, vendo que os pais da igreja não criam que as crianças eram culpadas de pecado pessoal, então, “que necessidade havia para batizar crianças inocentes?”, esta foi a primeira pergunta que fizeram a si mesmos.[11] Além disso, porque a igreja primitiva administrava o batismo de adultos somente àqueles que confessavam sua fé — uma confissão que expressava fé em Cristo e arrependimento dos pecados — para a igreja primitiva, a fé e o batismo eram inseparáveis.[12] Com isso em mente, os primeiros pais patrísticos tinham outra pergunta a responder: Como as crianças são capazes de ter a fé necessária para o batismo? Orígenes procurou responder a primeira pergunta, enquanto Agostinho a segunda.

 

Se as crianças eram inocentes, por que precisavam de perdão? De acordo com Orígenes (aprox. 185-254), embora as crianças não tivessem pecado pessoal, elas ainda compartilhavam o pecado original de Adão. Portanto, bebês não batizados, embora inocentes, estavam em perigo. Por quê? Porque, se acontecesse de morrerem em sua infância, levariam a culpa de Adão para o túmulo. Por causa desse perigo, os bebês precisavam do batismo. Desta maneira, a igreja no terceiro século estabeleceu a necessidade teológica para o pedobatismo.

 

Se a fé e o batismo estão ligados, qual é a justificativa para batizar crianças que são incapazes de ter fé? Sim, elas precisam de perdão, mas como podem ser candidatas apropriadas ao batismo sem fé? Esse foi um verdadeiro problema teológico para a igreja primitiva.

 

Uma resposta adequada não veio até o início do quinto século. Diferentemente de Orígenes, Agostinho (aprox. 354-430) não cria que as crianças eram inocentes. Não apenas elas precisam de perdão em relação à culpa de Adão, mas também precisam de seus pequenos corações depravados serem purificados. Para Agostinho, as crianças têm necessidade dupla do batismo.[13]

 

De acordo com Agostinho, o sacramento do batismo não apenas remove a culpa do pecado de Adão, ele purifica o coração da sua depravação interior.[14] O batismo é um signa visibilia invisibilis gratiae (um sinal visível da graça invisível). Agostinho afirmou: “A água toca o corpo e purifica o coração”.[15] Em A Cidade de Deus, ele chegou a chamar o tanque batismal de “pia da regeneração”.[16] Por exemplo, ele escreveu: “criancinhas, que pela pia da regeneração, foram libertadas das amarras do pecado original em que estavam presas”.[17]

 

No entanto, Agostinho reconheceu que a fé é o pré-requisito para o batismo e as crianças são incapazes de exercer fé. Como elas podem receber perdão se não são capazes de crer? Qual foi a solução de Agostinho? Foi bem simples: a igreja é capaz de cumprir esse pré-requisito pelas crianças. Ou seja, a igreja crê no lugar do infante incrédulo, fides aliena (“fé de outro”).[18]

 

Em resumo, por que a igreja primitiva batizava infantes? Orígenes alegou que as crianças necessitam do batismo por causa da culpa de Adão, enquanto Agostinho afirmou que tal batismo é permitido porque a igreja supre a fé necessária para o batismo. Desta forma, a necessidade teológica e os fundamentos do pedobatismo foram estabelecidos.

 

Vemos, então, que dois dos mais notáveis ​​defensores do batismo infantil lançaram as bases para considerar o batismo infantil como um meio de graça, ensinando que o batismo lava os pecados e concede perdão para os seus participantes.

 

Fides Infusa

Este fundamento para o batismo infantil foi suficiente para a igreja por vários séculos, mas no novo milênio, os teólogos escolásticos levantaram questões adicionais. Para citar Jonathan Rainbow:

 

Se a fides aliena resolve o problema da falta de fé do infante, introduz uma nova questão: quem de fato crê? Os primeiros escolásticos contavam com a possibilidade de que pais ou padrinhos não cressem de verdade. Nesse caso, o ato de crer recai sobre a igreja como um todo, como Agostinho havia dito. Mas, e se toda a igreja estivesse errada? Então, disseram os primeiros escolásticos, é a fé da ecclesia triumphans, a igreja que já está no céu, que é suficiente. Mas a igreja triunfante não necessita de fé; como pode “crer”? Resposta: a sua fé está depositada no tesouro do mérito.[19]

Foi através desse fluxo de pensamento que a igreja mudou na idade média de fides aliena para fides infusa (vertus infusa baptisme, uma virtude infundida pelo batismo). Em vez de os infantes confiarem na fé de outro, eles recebem a fé como um dom no batismo a partir do tesouro da igreja.

 

Primeiro, isso significa que dentro do sacramento do santo batismo há um depósito de graça divina. Como Tomás de Aquino afirmou: “os sacramentos contêm graça”.[20] Segundo, significa que a igreja, por meio da administração do batismo, tem o poder de conferir essa graça aos infantes ex opere operato.[21] “Se consideramos que um sacramento é uma causa instrumental da graça”, argumentou Tomás de Aquino, “devemos admitir que haja nos sacramentos um certo poder instrumental de produzir os efeitos sacramentais”.[22] E quais são os efeitos do batismo? Segundo Aquino, o batismo opera perdão dos pecados e a purificação da alma.

 

Assim, de Agostinho a Aquino, vemos a ascensão e o desenvolvimento do sacramentalismo. Sim, o sacramentalismo tem suas raízes na era patrística, mas encontra a sua expressão mais completa aqui na Idade Média.

 

Para uma compreensão do sacramentalismo, o professor R.A. Webb ofereceu uma boa explicação quando disse:

 

Deus depositou toda a graça salvífica nos sacramentos da Igreja, de modo que, como podemos dizer sobre o Filho de Deus, que Ele estava encarnado em Jesus Cristo, podemos dizer, de um modo paralelo, sobre a graça do Espírito, que está ensacramentada nestas ordenações eclesiásticas; através dos sacramentos da Igreja, toda a verdadeira justiça começa, e somente por eles é aumentada e, em caso de queda, restaurada; essas ordenanças sacramentais são indispensáveis ​​para a salvação de qualquer ser humano e conferem, de fato, a graça salvífica, ex opere operato […] Essas ordenanças, quando administradas adequadamente e sendo devidamente recebidas, são eficientes para comunicar a graça ex opere operato, ou seja, em virtude de serem administradas.[23]

O sacramentalismo tornou-se o ensino oficial da Igreja Católica sobre a eficácia do batismo. O Concílio de Florença (1439) confirmou que o santo batismo opera perdão dos pecados originais e pessoais, enquanto o Concílio de Trento (1546-63) confirmou que os sacramentos comunicam graça ex opere operato.

 

Até hoje, a Igreja Católica ainda não se retratou. O Catecismo da Igreja Católica, um subproduto do Vaticano II (1962-65),[24] afirma: “O batismo não apenas purifica de todos os pecados, mas também torna o neófito ‘uma nova criatura’, um filho adotivo de Deus, tornou-se um ‘participante da natureza divina’, membro de Cristo e coerdeiro com ele, e um templo do Espírito Santo”.[25] Scott Hahn, um popular apologista Católico, reafirma essa doutrina: “Todo sacramento produz seu efeito pelo poder de Cristo somente… O termo teológico latino para isso é, ex opere operato — literalmente, ‘pelo próprio fato da ação sendo realizada’ — o que denota o seu poder e eficácia intrínsecos”.[26]

 

Fides Infantium

A transição de fides aliena para fides infusa não ocorreu sem ressaltar outro problema teológico. Jonathan Rainbow explica:

 

Enquanto a doutrina da fides infusa evitou a casuística da fides aliena por tornar a fé batismal própria da criança, abriu novamente o problema que a aliena havia resolvido, a saber, as exigências dos textos do Novo Testamento que descrevem a fé como pré-requisito para o batismo. Claramente, a fé não pode ser tanto o pré-requisito para o batismo quanto o dom concedido pelo batismo.[27]

Martinho Lutero procurou ajustar a doutrina do batismo infantil, procurando resolver o antigo problema entre o batismo infantil e a fé. Sua solução foi simples. Os infantes são capazes de exercer a sua própria fé. Em vez de os infantes receberem a fé do tesouro da igreja, eles creem por si mesmos.

 

Segundo Lutero, a justificação é somente pela fé; portanto, para que o pedobatismo seja eficaz quanto à lavagem dos pecados, a fé pessoal do infante deve estar presente no batismo. “No batismo, os próprios infantes creem e têm a sua própria fé”.[28] Os infantes são justificados porque creem. Desse modo, a fé da igreja é intransferível. De acordo com Lutero, se eles não creem, seu batismo é inútil.

 

Como os infantes são capazes de ter fé quando ainda precisam desenvolver algum pensamento cognitivo? Para Lutero, isso não era um problema. A fé é irrefletida na criança; pode existir sem a mente ter consciência disso.[29] De acordo com Lutero, “a razão de modo algum contribui para a fé”.[30] Habilidades de raciocínio não desenvolvidas não impedem a fé, mas, de acordo com Lutero, torna os infantes “receptores mais adequados e apropriados para o batismo”.[31]

 

Nesta visão, como as crianças recebem fé no batismo? Embora as Escrituras ensinem que a fé vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus, isso não significa que a fé deva advir de uma compreensão cognitiva da Palavra. Ouvir, no sentido comum de compreender o pensamento proposicional, não é necessário para o pedofé. Pelo contrário, a fé é um dom de Deus comunicado pelo poder sobrenatural do Espírito Santo que opera através da Palavra. Ou seja, a Palavra de Deus confere fé ao infante sobrenaturalmente, sem a cooperação da criança. Como afirma Lutero: “A fé vem pela Palavra de Deus, quando é ouvida; crianças pequenas ouvem essa Palavra quando recebem o batismo, e com isso também recebem fé”.[32] A fé é um dom de Deus recebido no batismo, independente da vontade e compreensão do infante. Em resumo, a Palavra no sacramento cria fé na criança, não o poder do intelecto.

 

Portanto, o batismo nas águas é um sinal vazio sem ser acompanhado pela Palavra na cerimônia batismal. É a Palavra unida às águas do batismo que inicia a fé no infante.

 

Desta forma, o reformador alemão procurou se afastar do ex opere operato. Lutero alegou: “Ninguém se beneficia de cerimônias… simplesmente por ex opere operato, ou seja, pelo simples ato de fazer ou observar”.[33]

 

Embora a doutrina pedobatista de Lutero seja uma mudança da posição católica romana, permanece um meio de graça sacramental, “pelo qual Deus oferece, comunica e assegura a Sua graça aos homens”.[34] O poder da Palavra na cerimônia batismal transforma e muda o interior dos infantes. Lutero escreveu em seu Catecismo Menor que o batismo “opera o perdão dos pecados, liberta da morte e do diabo e confere salvação eterna a todos os que creem”.[35] O sucessor de Lutero, Filipe Melanchthon, manteve essa posição quando declarou: “…nós confessemos que o batismo é necessário para a salvação, que as crianças devem ser batizadas e que o batismo de infantes não é inefetivo, mas é necessário e eficaz para a salvação”.[36] Em relação ao batismo infantil, ele também afirmou: “As crianças precisam do perdão dos pecados; elas carregam consigo a miséria da fraqueza humana e desobediência inata. Agora, Deus ordenou à Igreja que perdoasse os pecados e oferecesse tal perdão através dos sacramentos. Daí resulta que há o dever de oferecer perdão às crianças por meio do batismo”.[37] Além disso, o bispo Hans Martensen (1808-1884) disse: “Ao sustentarmos isso, o significado mais profundo do termo, dizemos que o batismo não é meramente o penhor, nem meramente a promessa e declaração da graça de Deus, mas o lavar da regeneração”.[38]

 

Simbolismo Sacramental

O reformador suíço, Ulrico Zuínglio, ao se afastar de uma posição ex opere operato, se dirigiu ao outro extremo do espectro. Para Zuínglio, o batismo nas águas é um rito “exterior” que não tem influência sobre a obra “interior” do Espírito. Não apenas os infantes são incapazes de fé, mas a fé é desnecessária. Porque o batismo é apenas um sinal, não tem eficácia. “Nada exterior pode nos tornar puros e justos”.[39] Portanto, visto que o batismo não é um meio de fé, a sua administração não tem relação alguma com a fé.

 

Zuínglio tentou resolver o grande dilema de como o batismo infantil se harmoniza com a fé excluindo a fé por completo. De acordo com Zuínglio, os teólogos ao longo da história da igreja têm procurado resolver um problema que de fato não era um problema. “Nesta questão do batismo — se posso ser perdoado por dizer isso — apenas consigo concluir que todos os doutores têm errado desde o tempo dos apóstolos”.[40]

 

A solução de Zuínglio foi separar o símbolo daquilo que é significado pelo símbolo. Em outras palavras, Zuínglio procurou separar o batismo “exterior” do batismo “interior”. O batismo nas águas deve ser distinguido e mantido separado da lavagem da regeneração do mesmo modo que a circuncisão da carne deve ser distinguida da circuncisão do coração. A ordenança exterior da Antiga Aliança não salvava mais as crianças judias do que o batismo nas águas na Nova Aliança salva os filhos dos crentes.

 

Com essa distinção entre exterior e interior, Zuínglio separou o batismo infantil da fé. As referências bíblicas que vinculam a fé ao batismo referem-se apenas à lavagem interior e espiritual da regeneração, não ao batismo nas águas. O batismo espiritual e o batismo nas águas são diferentes. Portanto, eles devem ser distinguidos e mantidos separados cronologicamente.

 

Para Zuínglio, o batismo nas águas não tem relação com a fé e a regeneração. Nesse sentido, o batismo nas águas é apenas um símbolo exterior.

 

Ainda assim, Zuínglio, ensinou que os infantes precisavam do batismo. Por quê? Não porque o batismo esteja ligado à fé, mas porque corresponde à circuncisão do Antigo Testamento. Se os infantes na Antiga Aliança eram circuncidados, então os infantes pertencentes à Nova Aliança precisam ser batizados. O batismo não comunica fé salvífica, mas coloca os bebês na Nova Aliança, da mesma forma que a circuncisão colocava os os infantes na Antiga Aliança. Se a Nova Aliança é em essência a mesma que a Antiga Aliança, então o que foi praticado na Antiga deve ser praticado na Nova. Portanto, a continuidade das alianças exige o batismo infantil, não a fé.

 

Pré-Credobatismo

Os teólogos Assembleia de Westminster desenvolveram a compreensão de Zuínglio sobre o pedobatismo; isto é, no que diz respeito à continuidade pactual entre a circuncisão e o batismo.

 

Contudo, ao contrário de Zuínglio eles buscaram aproximar a fé do batismo infantil. Os teólogos de Westminster não se contentaram em ver o batismo como meramente um sinal ou símbolo exterior. O batismo é também um selo da graça de Deus.

 

Embora o batismo não salve ex opere operato, há eficácia e graça reais conferidas no sacramento. Por exemplo, o capítulo 28 e parágrafo 5 da Confissão de Fé de Westminster (CFW) deixa claro que o batismo não concede fé ou salvação pela cerimônia em si: “Posto que seja grande pecado desprezar ou negligenciar esta ordenança, contudo, a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente ligadas com ela, que sem ela ninguém possa ser regenerado e salvo os que sejam indubitavelmente regenerados todos os que são batizados”. O parágrafo 6, por outro lado, explicita que o batismo é mais do que apenas um sinal exterior; a graça é oferecida, manifestada e conferida nas águas do batismo também:

 

A eficácia do batismo não se limita ao momento em que é administrado; contudo, pelo devido uso desta ordenança, a graça prometida é não somente oferecida, mas realmente manifestada e conferida pelo Espírito Santo àqueles a quem ele pertence, adultos ou crianças, segundo o conselho da vontade de Deus, em seu tempo apropriado.

Até que ponto o batismo infantil é eficaz? Exatamente quando e como a graça é conferida no batismo? De acordo com a CFW, a eficácia do batismo infantil “não se limita ao momento em que é administrado”. Ou seja, os efeitos do batismo são frequentemente adiados. Como a confissão afirma, a regeneração vem no “tempo apropriado” de Deus.

 

Parece que a CFW ensina que o batismo infantil pode acompanhar ou preceder a regeneração, mas não a confere. Em algum momento, os filhos da aliança devem crer por si mesmos para que o batismo tenha algum efeito. Expandindo esse ponto, Charles Hodge observa: “O batismo, sem fé, não tem efeito”.[41] A fé deve ser acrescentada.[42] Além disso, James Bannerman (1807-1868) afirma que o infante “tem em si, em virtude de seu batismo, um direito de propriedade às promessas do seu Deus; e lançando mão desse direito, e pleiteando-o a Deus em fé, ele pode acrescentar-lhe o direito de possessão, e assim entrar no pleno gozo da salvação que ele suplica para sua alma”.[43]

 

Ainda assim, o texto da confissão permanece ambíguo. Quão próxima a fé está vinculada ao batismo infantil? Como o batismo confere graça? A CFW não oferece uma resposta precisa, e não há muita explicação do que realmente ocorre no momento do batismo. O grau em que o batismo é eficaz para a fé futura não é claramente expresso na confissão.[44] Isso significa que a eficácia do batismo espera pela fé ou a fé (mesmo que adiada) é conferida de alguma forma pelo batismo?[45]

 

Por causa dessa ambiguidade, os Presbiterianos ficam divididos sobre como interpretar a CFW 28.6, e muitos diferem em como veem os seus bebês batizados.

 

A Igreja Presbiteriana na América, por exemplo, discordou sobre essa questão no século XIX. Os Presbiterianos do Norte, fortemente influenciados pelos teólogos de Princeton, viam os filhos da aliança com menos suspeita do que seus colegas do Sul. Charles Hodge, por exemplo, estava disposto a ver os filhos da aliança na mesma luz que seus pais crentes. “Não afirmamos a sua regeneração, ou que são verdadeiros membros do corpo de Cristo; nós apenas afirmamos que eles pertencem à classe de pessoas que somos obrigados a considerar e tratar como membros da Igreja de Cristo. Esse é o único sentido em que mesmo os adultos são membros da Igreja, no que se refere aos homens”.[46] Isto é, a igreja deve considerá-los como crentes e membros genuínos da igreja.

 

No Sul, por outro lado, James Henly Thornwell não foi tão generoso. Segundo ele, a igreja deve tratar bebês batizados…

 

exatamente como ela trata todos os outros homens impenitentes e incrédulos; ela deve exercer o poder das chaves e excluí-los da comunhão dos santos. A igreja deve excluí-los de todos os privilégios do santuário interior. Ela deve excluí-los de sua herança até que se mostrem aptos a possuí-la… Eles não são escravos do pecado e do Diabo, existindo em uma comunidade livre com o propósito de serem instruídos para a liberdade dos santos? Até que eles cheguem a Deus, ela distintamente ensina que eles devem ser tratados como a Igreja trata todos os inimigos de Deus.[47]

Embora tenha existido discordâncias sobre a eficácia do batismo infantil, todos aqueles que sustentam uma interpretação histórica da CFW confirmam que o batismo infantil não regenera os seus participantes ex opere operato.

 

Regeneração Presumível

Do outro lado do Mar do Norte, a Igreja Reformada da Holanda buscou aproximar ainda mais a fé do batismo infantil, quase tão perto quanto a Igreja de Roma. Ao contrário dos teólogos de Westminster, os teólogos holandeses não se contentaram em separar cronologicamente o batismo infantil da fé e da salvação.

 

Contudo, a Igreja Reformada Holandesa estava ciente de que nem todos os bebês batizados se tornam verdadeiros crentes. Este foi um problema para a Igreja Reformada. Como a igreja pode crer que o pedobatismo comunica fé salvífica se o batismo não concede de modo universal a fé a todos os que recebem o sacramento?

 

Abraham Kuyper tentou resolver esse dilema ensinando que nem todo batismo é um “batismo verdadeiro”. Os bebês não eleitos recebem apenas água no batismo; para os tais, o sacramento é ineficaz. Isso é o que Kuyper chama de “pseudo-batismo”. “Às vezes, há um pseudo-batismo, como quando ocorre um pseudo-nascimento entre os homens, de modo que nenhum batismo aconteceu ou nenhuma criança nasce”.[48] Por outro lado, os bebês eleitos são imediatamente regenerados pelas águas do batismo.

 

Como a igreja deve ver os seus filhos da aliança? Porque o Pacto promete aos crentes que a sua semente pertence a Deus, a igreja deve presumir que os seus filhos estão entre os eleitos de Deus. Visto que a igreja presume que eles estão entre os eleitos, eles também devem presumir a sua regeneração.

 

Essa doutrina é conhecida como regeneração presumível. Embora não seja certo que o batismo regenere todas as crianças, a igreja presume a regeneração delas até que haja prova em contrário. Dessa forma, o batismo infantil é eficaz para a salvação, mas apenas para os eleitos.

 

Regeneração Batismal

Em nossos dias, aqui nos Estados Unidos da América, houve um movimento teológico recente dentro dos círculos Presbiterianos Reformados para voltar a uma compreensão ex opere operato sobre o batismo. Em janeiro de 2002, em Monroe, Louisiana, um pequeno grupo de pastores — Douglas Wilson, John Barach, Steve Wilkins e Steve Schlissel — falaram na conferência anual de pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church sobre as implicações práticas e pastorais do Aliancismo Reformado. As opiniões expressas nesta conferência ficaram conhecidas como Theology Auburn Avenue [Teologia da Evenida Auburn], ou mais recentemente identificadas pelo nome de Visão Federal.

 

Em relação ao batismo infantil, os defensores da Visão Federal ensinam que o batismo regenera todos os filhos da aliança. Eles chegaram a essa conclusão porque acreditam que o batismo efetua exatamente o que ele significa. “A promessa de Deus nos assegura que existe uma unidade básica e fundamental entre o símbolo e a coisa significada. A água e o Espírito não podem ser divididos”.[49]

 

Zuínglio separou completamente o batismo “exterior” do batismo “interior”, alegando que o batismo nas águas não tem eficácia para a salvação. O símbolo retrata a regeneração, mas não a produz. Os teólogos de Westminster não estavam dispostos a afirmar que o batismo regenera; para eles, o símbolo da regeneração e o ato de regeneração nem sempre ocorrem cronologicamente juntos. Kuyper e a Igreja Reformada da Holanda não estavam dispostos a afirmar que o batismo infantil regenera os não-eleitos. Estes recebem o símbolo da regeneração, mas para eles é um símbolo vazio ou falso, conhecido como um pseudo-batismo. Os defensores da Visão Federal, ​​por outro lado, afirmam que não há separação entre o símbolo da regeneração e o ato da regeneração. “Um símbolo por si só não é um sacramento. Um sacramento, por definição, inclui a outorga das coisas significadas. Assim, não pode haver tal coisa como um batismo ‘interior’ que ocorre à parte de um símbolo exterior, assim como não pode haver nenhum batismo ‘exterior’ ou ‘ritual’ que seja apenas um símbolo, sem qualquer obra do Espírito que o acompanhe”.[50]

 

O que isso significa em relação ao batismo infantil? Significa que o batismo infantil regenera universalmente todos os bebês devidamente batizados, eleitos e não eleitos. Isso significa que os infantes entram no batismo secos e incrédulos e saem molhados e crentes.

 

A Visão Federal vai além da posição Reformada Holandesa de regeneração presumível. Em seu livro principal, The Federal Theology [A Teologia Federal] eles argumentam:

 

Para Kuyper, alguns infantes recebem o símbolo exterior do batismo, enquanto outros recebem o símbolo e a realidade interior. Mas dividir o sacramento em dois deste modo é profundamente problemático tanto filosófica quanto biblicamente. A regeneração presumível não assegura aos pais que os seus filhos da aliança são regenerados. Kuyper não conseguiu lidar com o imenso e insolúvel problema pastoral que o seu ponto de vista causou, a saber, se alguns batismos são falsos, todos os batismos ficam sob suspeita.[51]

Ao contrário da opinião de Kuyper, não há presunção na regeneração batismal. “Considerar e tratar os nossos filhos batizados como cristãos não é uma questão de fingimento ou presunção”. Como John Barach afirma ousadamente: “Não há espaço para presunção na aliança de Deus”.[52]

 

O argumento básico deles parece ser este: Se Deus não regenera todos os filhos da aliança no batismo, então eles não pertencem a Deus. Se os filhos da aliança não pertencem a Deus, então Deus é infiel à promessa da aliança. A promessa da aliança é que Deus será o Deus dos crentes e de sua descendência. Portanto, o batismo infantil deve ser eficaz para todos os filhos da aliança, independentemente de serem eleitos.[53]

 

Porque o batismo regenera todos os filhos da aliança, os defensores da Visão Federal: “Aprendamos a tratar os nossos filhos batizados como os cristãos que são”.[54]

 

Como eles respondem ao fato de que nem todos os bebês batizados crescem como cristãos? Eles alegam que nem todos os filhos da aliança permanecem na fé. Embora todos os infantes batizados recebam a salvação, incluindo a união com Cristo, nem todos perseveram até o fim. “Uma pessoa batizada é cristã até e a menos que tenha apostatado”.[55] Como Mark Horne afirma em seu livro recente sobre pedobatismo:

 

A verdade é clara: Deus quer que os cristãos considerem seus filhos como cristãos. Isso não significa que eles irão automaticamente para o Céu, continuem acreditando ou não no Evangelho. Assim como todos os cristãos mais velhos, as crianças devem continuar na fé, mas o ponto é que as crianças não são pequenos incrédulos que precisam ser convertidos. Eles não são inimigos de Cristo. Eles são crentes que precisam ser discipulados e encorajados a crescer em graça e maturidade por toda a vida.[56]

Em outras palavras, os infantes, se não permanecerem fiéis à aliança, caem da graça, perdem a sua salvação e negam a fé que lhes foi dada em seu batismo. A Visão Federal torna a salvação condicional à fidelidade à aliança, que alguns dos regenerados de Deus não mantém. No entanto, o batismo regenera todos os filhos da aliança e eles permanecerão nesse estado a menos que apostatem.

 

Pedofé

Alguns dentro do campo da Visão Federal são ainda mais extremos em sua visão da salvação infantil e da doutrina da regeneração batismal. Por exemplo, Rich Lusk, em seu livro Paedofaith [Pedofé], vai um passo além; ele afirma que todos os filhos da aliança são regenerados desde o ventre. Eles têm fé antes de seu batismo. “O batismo não cria a fé (como na teologia Luterana), mas oferece Cristo à fé já presente no coração da criança”.[57] Sem qualquer ambiguidade, ele afirma que “Deus nos dá filhos com fé. Os filhos da aliança começam a vida como crentes, não precisando de conversão, mas de perseverança (cf. Hebreus 10:36). Eles devem ser recebidos e criados como filhos de Deus”.[58]

 

Lusk olha para o antigo problema de como a fé se encaixa com o batismo infantil e, essencialmente, afirma que os credobatistas estão certos; a fé deve preceder o batismo.

 

Como a pedofé se relaciona com o pedobatismo? Simplesmente não faz sentido dizer que Deus nos autorizou a batizar incrédulos. Tudo nas Escrituras parece conectar a fé ao batismo (cf. Marcos 16:16). Na medida em que o pedobatismo é considerado como o batismo sem a fé mais frequentemente do que não, a prática se esvai e o argumento Batista é fortalecido. Se o pedobatismo tem base bíblica, a pedofé deve ser uma realidade.[59]

Em outro lugar ele diz: “Batizar pessoas incrédulas profanaria e seria um abuso do batismo, tanto quanto convidar incrédulos à Mesa do Senhor seria um abuso da refeição sacramental. Nós nunca batizaríamos conscientemente adultos incrédulos, então por que batizar uma criança a menos que tenhamos alguma razão para considerá-la como crente?”.[60]

 

Quando e como os infantes recebem fé, Lusk não explica completamente: “Como Deus trabalha na mente e no coração da criança simplesmente não faz parte da revelação de Deus para nós e não há muita esperança de que cientistas ou psicólogos possam ajudar aqui em um caminho definitivo e totalmente satisfatório (cf. Eclesiastes 11:5)”.[61] Ainda assim, em outro lugar, ele fala como se os pais fossem, de algum modo, um meio ou canal da graça de Deus. “No máximo, podemos supor que Deus opera através dos pais de uma maneira misteriosa para comunicar-se com a criança”.[62] De alguma forma, o Espírito Santo, através da mãe, concede fé à criança. Referindo-se ao Salmo 22:9, Lusk afirma: “Parece que Davi está indicando que a aliança de Deus santifica os limites naturais entre pai e filho, de modo que o cuidado ‘natural’ que os pais dão ao filho se torna um meio de graça para ele. De maneira misteriosa, a amamentação alimenta não apenas o corpo de Davi, mas também a sua fé”.[63]

 

A relação entre o batismo infantil e a fé mudou e foi alterada ao longo da história da igreja. Este tem sido (e continua sendo) um problema teológico para os pedobatistas. Tornou-se um círculo completo, começando com a posição Católica — ex opere operato até a posição de Zuínglio, que é exatamente a posição oposta, depois volta a uma posição ex opere operato, mantida pelos adeptos da Visão Federal.

 

A Posição Sob Crítica e Por Quê

Para manter nossos pensamentos e argumentos alinhados, é importante distinguir as várias divisões do pedobatismo. Uma crítica da posição Luterana ou mesmo da posição Católica não pareceria a mesma que a dirigida à Visão Federal. Alguns dos argumentos seriam sem dúvida semelhantes, mas a direção fundamental de cada crítica pareceria bem diferente.

 

Como cada divisão constrói o seu argumento para o batismo infantil de modo diferente, cada divisão deve ser refutada de modo diferente. Neste livro, no entanto, me concentrarei apenas na posição Presbiteriana. Por que os Presbiterianos em particular? Porque o propósito deste trabalho não é tanto convencer o pedobatista obstinado quanto é ajudar a persuadir os amigos credobatistas de sua posição, pois parece que há duas razões comuns de que tais pessoas se desviem para o Presbiterianismo. Em primeiro lugar, eles fazem a transição para o Presbiterianismo porque muitos estudantes da Bíblia acham que é o próximo passo lógico depois de aceitar o Calvinismo — muitos credobatistas, que aceitaram a Fé Reformada através de muito estudo e luta, muitas vezes têm tendido à posição pedobatista sem muito estudo ou luta. Em segundo lugar, porque não é frequente que os Batistas Calvinistas se convertam ao Catolicismo ou ao Luteranismo; é principalmente a posição Presbiteriana que geralmente atrai os nossos jovens pastores e pregadores.

 

Outras razões parecem incluir o fato de que o pedobatismo apoiado pela Confissão de Westminster não é tão distante de um salto teológico quanto outras posições pedobatistas; uma pessoa não precisa acreditar que o batismo salva crianças para ser Presbiteriana. Além disso, muitos dos grandes autores lidos pelos Batistas Calvinistas são Presbiterianos, e o peso desses estudiosos é muito influente. Os Presbiterianos também fazem um bom trabalho educando e atraindo jovens pregadores Batistas para seus seminários e escolas de ensino superior. Muitos entram como Batistas e se graduam como Presbiterianos.

 

Com todas essas razões em mente, estreitei meu foco para a posição Presbiteriana do batismo infantil, pois é essa divisão do pedobatismo que é a mais preocupante, e parece ser de grande influência para o crente Batista.

 

Como pretendo refutar de modo mais específico a posição Presbiteriana, espero não levantar muitas das objeções mais familiares contra o pedobatismo — há muitos livros excelentes já escritos a partir dessa abordagem para que haja uma necessidade legítima de outra.[64] O principal objetivo deste livro não será sobre as várias falhas do “batismo infantil”, mas sim um ataque direto e forte à própria estrutura pactual na qual o pedobatismo está enraizado. Em vez de tentar cortar todos os ramos da árvore do batismo infantil, eu buscarei golpear a sua base. Para erradicar a árvore do batismo infantil, suas raízes mais profundas devem ser exumadas, examinadas e refutadas.

 

A base para o batismo infantil, pelo menos do ponto de vista Presbiteriano, é a teologia pactual pedobatista. A teologia pactual pedobatista (também conhecida como teologia federal) é mais do que apenas uma doutrina isolada e independente. É uma hermenêutica bíblica, uma grade ou matriz teológica na qual a Escritura é interpretada e compreendida. Nesse sentido, é uma doutrina fundamental, uma doutrina pela qual as outras doutrinas, como o batismo, são explicadas.

 

Portanto, ao tentar esclarecer a falha fatal da teologia por trás do batismo infantil, procurarei expor a falha fundamental do batismo infantil.

 

Embora esta seja uma crítica da teologia pactual pedobatista, este livro não é inteiramente negativo. Como aqueles que escavam um terreno antes de edificarem sobre ele, eu tenho trabalhado para remover apenas o cascalho solto, de modo que aquilo que é sólido permaneça. Por isso, muito deste livro é positivo e instrutivo. Ou seja, ao lê-lo, você deve não apenas esperar ouvir argumentos contra a teologia pactual pedobatista, mas ouvir ensinamentos positivos sobre a natureza da Antiga e da Nova Alianças — descobrindo como elas diferem e se relacionam adequadamente uma com a outra.

 

Além disso, não tentei refutar todos os aspectos da teologia pactual pedobatista. Muito, se não a maioria, do que a teologia da pactual pedobatista ensina é inamovível. Há muitas pedras robustas que devem ser preservadas. Por exemplo, a teologia pactual pedobatista enfatiza como Deus lida com o homem exclusivamente através de alianças, como a revelação da redenção de Deus tem sido progressiva — como cada um dos pactos de Deus ao longo da história acrescentou luz ao plano eterno da redenção divina — e como Deus não mudou os seus planos ou mudou de ideia ao longo da história; antes, Deus têm cumprido constante e progressivamente um plano pactual coeso e unificado. Em relação a essas importantes verdades pactuais, J.I. Packer escreve:

 

A doutrina bíblica, do começo ao fim, tem a ver com os relacionamentos pactuais entre Deus e o homem; a ética bíblica envolve expressar as relações pactuais de Deus para conosco em relacionamentos de aliança entre nós e os outros; e a religião cristã tem a natureza da vida pactual, na qual Deus é o objeto direto de nossa fé, esperança, amor, culto e serviço, todos animados por gratidão pela graça.[65]

Por essa razão, é com muita hesitação que uso o termo “teologia pactual” nessa crítica. Este livro não é um ataque à importância dos pactos de Deus, nem um ataque a um sistema de teologia pactual coeso.[66] Além disso, hesito em usar esse rótulo porque minha posição é muito semelhante, se não idêntica, a uma forma de teologia pactual articulada por muitos Batistas pactuais.[67] É a teologia pactual como definida pela maioria dos pedobatistas Presbiterianos que esta obra procura desafiar, e não uma estrutura pactual coesa da história da redenção.[68] Há uma distinção entre a teologia pactual Batista e a Presbiteriana; portanto, é devido à clareza que identifiquei a teologia pactual que está sob crítica como teologia pactual pedobatista.

 

Além disso, com toda a sinceridade, não escrevi esse livro por nenhum desejo de provocar controvérsia. Entristece-me (como deveria acontecer com todos nós) ver disputas e discussões entre o precioso povo de Deus. Deve ser com muita calma, prudência, amor e longanimidade que atacamos a crença de outro cristão em uma questão secundária da fé. Muitas pessoas são excessivamente ansiosas para entrar em batalhas verbais com seus irmãos e irmãs em Cristo.

 

Assim, embora essa obra seja um pouco polêmica por natureza, busquei evitar o uso de qualquer observação depreciativa ou incisiva, que muitas vezes incita uma hostilidade desnecessária. Eu tenho muitos amigos Presbiterianos valiosos demais para perdê-los devido a argumentos precipitados e acalorados. Meu objetivo final é edificar, não derrubar.

 

Alguns dos cristãos mais piedosos e sábios eram e são Presbiterianos. Se não fosse por minha consciência, eu não ousaria, em minha fraqueza, discordar de homens piedosos e sábios como João Calvino, Jonathan Edwards, Charles Hodge e muitos outros teólogos louváveis. Você e eu, no entanto, não devemos curvar nossos joelhos a meros homens, mas à Palavra de Deus. Independentemente de quanto podemos admirar esses teólogos, eles de fato são mortais e nunca devemos permitir que a influência deles ofusque o ensino da Palavra viva.

 

Portanto, tenho inflexivelmente prosseguido com uma consciência limpa (não tendo nenhum desejo de romper a comunhão com qualquer um dos meus amigos pedobatistas, mas simplesmente falar a verdade em amor) para que eu possa ser de alguma ajuda para aqueles que estão se esforçando para chegar a uma conclusão sobre esse assunto importante. E por último, encomendo esta obra às mãos de Deus, que é capaz de usar os argumentos mais mal construídos para a Sua glória e para o bem do Seu reino.

 

 


[1] Pedobatistas (do grego pais significando “criança”) são aqueles que advogam a prática do batismo infantil.

[2] Há tal ampla gama de discordância que alguns Presbiterianos possuem mais em comum com credobatistas (do Latim, credo, “eu creio” —aqueles que acreditam que o batismo é reservado somente para crentes) do que com outros Presbiterianas.

[3] Veja Steven A. McKinion, Baptism in the Patristic Writings: Believer’s Baptism [O Batismo nos Escritos Patrísticos: O Batismo de Crentes. Edited by T. Schreiner & S.D. Wright (Nashville, TN: B&H Publishing, 2006), 163-88.

[4] Esta é uma evidência substancial, visto que esses primeiros lecionários deram instruções sobre como administrar os sacramentos.

[5] Escrito entre os anos 200 e 206 A.D.

[6] Veja Steven A. McKinion, Baptism in the Patristic Writings.

[7] Cipriano também escreveu em defesa da pedocomunhão [= infantes devem participar da Ceia do Senhor].

[8] Veja Phillip Schaff. History of the Christian Church [História da Igreja Cristã]. 8 Vols. (Peabody, MA: Hendrickson Publications, Inc., 1996), 2:253.

[9] Essa era a visão de Hermas e Justino Mártir. Assim, a razão pela qual Constantino e muitos outros daquele tempo esperaram até o leito de morte para serem batizados para garantir que o maior número possível de pecados fosse perdoado.

[10] Veja Ibid., 254.

[11] Ibid., 3:834.

[12] Veja Kenneth Scott Latourette. A History of Christianity [Uma História do Cristianismo]. 2 Vols. (Peabody, MA: Prince Press, 2001), 1:193.

[13] Veja Peter Brown, Augustine of Hippo [Agostinho de Hipona] (Berkeley, CA: University of California Press, 2000), 344.

[14] John Owen argumenta, no entanto, que Agostinho não acreditava na regeneração batismal. Veja Biblical Theology [Teologia Bíblica] (Morgan, PN: Soli Deo Gloria Publications. 2002), 621.

[15] Como citado em Tomás de Aquino, Summa Theologica [Suma Teológica], 3rd Parte, P. 64 Art. 1, Obj. 3.

[16] The City of God [A Cidade de Deus], livro XX. Capítulo 8. (Itálicos pelo presente autor.)

[17] Ibid,. 11:14.

[18] Veja Jonathan Rainbow, “Confessor Baptism”: The Baptismal Doctrine of the Early Church [Batismo de Confessores: A Doutrina Batismal da Igreja Primitiva], Edited by T. Schreiner & S. D. Wright (Nashville: B&H, 2006), 188.

[19] Ibid., 191.

[20] Summa Theologica, 3rd Part, P. 64. Art. 3. Resposta à Obj. 3.

[21] Charles Hodge, “O fogo produz combustão porque é ordenado por Deus e imbuído de poder para esse fim. Os sacramentos conferem graça porque são dotados de eficácia para conceder a graça e são ordenados por Deus para esse propósito” (Systematic Theology [Teologia Sistemática], Vol. 3. 508.).

[22] Summa Theologica, 3rd Part, P. 64. Art. 4. Obj. 4.

[23] The Theology of Infant Salvation [A Teologia da Salvação Infantil] (Harrisonburg, VA: Sprinkle, 1981), 236.

[24] Comissionado pelo papa João Paulo II, em 1986.

[25] Parte II, 1265.

[26] Swear to God [Juro por Deus] (New York: Doubleday, 2004), 19.

[27] Ibid.

[28] Citado em Jonathan H. Rainbow, “Confessor Baptism”: Believer’s Baptism, eds. T Schreiner & S. D. Wright (Nashville, TN: B&H Publishing, 2006), 163-88, 193.

[29] Geoffrey Bromiley: “Como a fé é a operação sobre-humana do Espírito, ela pode ser dada mesmo quando não há uma consciência normal dela e mesmo quando a autoconsciência como tal não se desenvolveu”. Children of the Promise: The Case For Baptizing Infants [Filhos da Promessa: O Argumento para Batizar Infantes], 72-24.

[30] Martin Luther’s Table Talk [Conversas à Mesa de Lutero], 353. A posição de Lutero sobre a fé está intimamente alinhada com o fideísmo, que afirma que a razão não é necessária para a fé. A fé aceita aquilo que razão sozinha é incapaz de acreditar. “Pois a razão”, Lutero ensinou, a razão “é o maior inimigo que a fé tem: nunca vem em auxílio de coisas espirituais, mas — com mais frequência do que o oposto — luta contra a Palavra de Deus” Ibid., 353.

[31] Ibid.

[32] Ibid.

[33] Apology of the Augsburg Confession, XXIV.5. Sept. 1531. Book of Concord, eds. Robert Kolb and Timothy J. Wengert (Minneapolis: Fortress Press, 2000), 258.

[34] Luther’s Small Catechism [Catecismo Menos de Lutero], 242.

[35] Parte IV, seç. 2

[36] “Apology of the Augsburg Confession”, in The Book of Concord [Apologia da Confissão de Augsburg, em Livro da Concórdia], 183.

[37] Loci Communes 1555 (Grand Rapids, MI: Baker, 1965), 213.

[38] Citado em R.A. Webb, The Theology of Infant Salvation [A Teologia da Salvação Infantil], (Harrisonburg, VA: Sprinkle, 1981), 241. A compreensão de Lutero da natureza da fé vai contra toda definição bíblica de fé. Sem uma compreensão cognitiva da mensagem do Evangelho (o objeto da fé); como o infante coloca sua confiança em Cristo? Como a fé pode existir sem um objeto? Em outras palavras, como pode haver fé sem uma aceitação mental e confiança em Cristo? Fé sem conhecimento não é fé de modo algum.

[39] Of Baptism [Sobre o Batismo], 130. Cintado em Ibid,. 198.

[40] De Baptismo [Sobre o Batismo], (1525). Citado em Jonathan H. Rainbow, “Confessor Baptism”, em Believer’s Baptism, Ed. by T. Schreiner & S.D. Wright (Nashville: B&H, 2006), 163-188.

[41] Charles Hodge, Systemic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 3:590.

[42] Mas isso significa que a eficácia do batismo espera pela fé, ou a fé tardia é de algum modo conferida pelo batismo? A confissão não parece dar uma resposta direta.

[43] James Bannerman, The Church of Christ [A Igreja de Cristo] (Edinburgh: Banner of Truth, 1960), 1:115.

[44] Os filhos da aliança batizados têm maior probabilidade de crer em Cristo do que os filhos não batizados que são criados nas igrejas Batistas? Até que ponto o batismo infantil confere graça à criança? Não parece haver nenhuma resposta clara na confissão.

[45] R.B. Kuiper afirma: “Embora nem todos os filhos dos crentes sejam regenerados, ainda assim é um ensinamento claro das Escrituras que muitos deles são. Alguns nascem de novo enquanto meros bebês, outros enquanto adolescentes, outros ainda como adultos. O momento exato quando agrada ao soberano Deus conceder a graça da regeneração a um dado filho da aliança, não temos como dizer. Mas isso nós sabemos: na concessão da graça salvífica aos pecadores, Deus, embora não esteja preso pelos relacionamentos familiares, ainda assim os leva em conta. Ele é e se manifesta como o Deus dos crentes e seus filhos. Essa verdade está no coração da doutrina do Pacto da Graça encontrada na Escritura. A conclusão é justificada à medida que pode ser assumido que os filhos da aliança, de modo geral, são ou serão regenerados”. The Glorious Body of Christ [O Corpo Glorioso de Cristo] (Edinburgh: Banner of Truth, 2001), 211-12.

[46]The General Assembly” [A Assembleia Geral], in Biblical Repertory and Princeton Review 20 [Repertório Bíblico e Resenhas de Princeton] (1848), 351.

[47] Citado em Rich Lusk, “Paedobaptism and Baptismal Efficacy”, in The Federal Vision [Pedobatismo e Eficácia Batismal, em A Visão Federal], Ed. by Steve Wilkins and Duane Garner (Monroe, LA: Athanasius Press, 2004), 84.

[48] Citado em Ibid., 101.

[49] Ibid., 97.

[50] Ibid., 101.

[51] Rich Lusk, “Paedobaptism and Baptismal Efficacy: Historic Trends and Current Controversies” [Pedobatismo e Eficácia Batismal: Tendências Históricas e Controvérsias Correntes] in The Federal Vision, eds. Steve Wilkins and Duane Garner (Monroe, LA: Athanasius Press, 2004), 101.

[52]Covenant and Election” [Pacto e Eleição] in The Federal Vision, eds. Steve Wilkins and Duane Garner (Monroe, LA: Athanasius Press, 2004), 39.

[53] O defensor dos Visão Federal, Peter Leithart, tem uma visão ligeiramente diferente da eficácia do batismo infantil. A eficácia do batismo infantil depende em grande medida da educação cristã. “Parentes e outros que tratam um bebê batizado como cristão estão reafirmando seu status, aprimorando o rito do batismo, tornando-o efetivo. O status de ‘membro de Cristo’ conferido no batismo torna-se assim internalizado à medida que o batizado, tratado como crente, vê a si mesmo como os outros o veem e passa a aceitar as obrigações que o rito lhe impôs”. Mais uma vez, ele diz: “A eficácia do batismo infantil está ligada ‘ao modo como se considera e o trata’ as crianças batizadas como crentes (The Baptized Body. Moscou, ID: Canon Press, 2007., 128-29.).

[54] Rich Lusk, “Paedobaptism and Baptismal Efficacy: Historic Trends and Current Controversies”, in The Federal Vision, Ed. by Steve Wilkins and Duane Garner (Monroe, LA: Athanasius Press, 2004), 112.

[55] Ibid,.

[56] Mark Horne, Why Baptize Babies? [Por que Batizar Bebês?] (Monroe, LA: Athanasius Press, 2007), 21.

[57] Ibid., 44.

[58] Ibid., 5.

[59] Ibid., 108.

[60] Lusk, Paedofaith [Pedofé] (Monroe, LA: Athanasius Press, 2005), 5.

[61] Ibid.

[62] Ibid., 52.

[63] Ibid., 7. Seja qual for o caso, para Lusk, as crianças obtêm fé independente da Palavra de Deus. O “ouvir da fé” mencionado por Paulo (Gálatas 3:2) não é válido para os filhos da aliança. Ao contrário de Lutero, que torna a Palavra essencial para o pedofé, Lusk exclui a necessidade da Palavra e coloca os pais da aliança em seu lugar.

[64] Veja Abraham Booth, Paedobaptism Examined [Pedobatismo Examinado]. 3 vols. (Baptist Standard Bearer, 2006). Paul K. Jewett, Infant Baptism & the Covenant of Grace [Batismo Infantil e Pacto da Graça] (Grand Rapids: Eerdmans, 1977). David Kingdon, Children of Abraham [Filhos de Abraão] (Carey Publications, 1973). Fred Malone, The Baptism of Disciples Alone [Batismo de Discípulos Somente] (Cape Coral, FL: Founders Press, 2003). And, Believer’s Baptism [O Batismo de Crentes], edited by Thomas R. Schreiner and Shawn D. Wright (Nashville: B&H, 2006).

[65] Citado no prefácio de Herman Witsius, The Economy of the Covenants between God and Man [A Econômia dos Pactos entre Deus e o Homem] (Phillipsburg, NJ, P&R, 1990).

[66] Também hesito em usar o termo “teologia do pacto” porque o termo é um tanto ambíguo. Nem sempre significa o mesmo para todos os que se colocam sob o seu guarda-chuva. Muitos teólogos pedobatistas (por exemplo, John Owen, Meredith G. Kline, Michael Horton e Kim Riddlebarger) são identificados como pactuais, mas negam a ideia central da teologia pactual Presbiteriana histórica — unidade essencial entre a Antiga e a Nova Alianças. Muitos Batistas Reformados também afirmam ser pactuais, mas se pressionados, eles também geralmente negarão que a Antiga e a Nova Alianças são essencialmente a mesma (veja o capítulo 3). Até eu me considero como pactual em oposição a dispensacional.

[67] Veja James M. Renihan’s em sua introdução a Nehemiah Cox e John Owen, Covenant Theology [Teologia Pactual], ed. by Ronald D. Miller, James M. Renihan, and Francisco Orozco (Palmdale, CA: RBAP, 2005).

[68] Não é preciso ser dispensacional para rejeitar a principal ideia central da teologia pactual pedobatista. De fato, minha posição é muito semelhante à posição pactual de Meredith Kline, Michael Horton e Kim Riddlebarger.