— The Founders Journal • Primavera de 2017 | Nº 108 —
Assim como os seus antecessores pedobatistas fizeram na Confissão de Fé de Westminster (CFW), os Batistas Particularmente afirmaram, na Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 (CFB), um único Pacto da Graça e apenas um povo de Deus desde Gênesis até Apocalipse. Não só os Batistas compartilharam essa convicção da mesma salvação pelo Pacto da Graça em toda a Bíblia, mas eles endossaram totalmente o conceito do Pacto de Obras que foi quebrada por Adão e consumado por Cristo.
No entanto, a CFB não é uma mera cópia do WCF e o capítulo 7 “Sobre a Aliança de Deus” é um testemunho importante da forma como os Batistas Particulares modificaram a compreensão prevalente sobre a teologia federal. Eu escrevo “modificaram” em vez de “rejeitaram” porque, mesmo em relação às alianças, os Batistas Particulares compartilhavam muito do que a WCF ensina. Os parágrafos 1 e 2 do CFB são quase idênticos aos da WCF; a diferença pode ser observada negativamente do que foi deixado de fora (especialmente os parágrafos 5 e 6 da WCF) e positivamente no parágrafo 3 do CFB, que articula distintamente a visão pactual Batista.
Neste artigo, examinaremos primeiro o parágrafo 1 e o Pacto de Obras para preparar o cenário para os parágrafos 2-3 e o Pacto da Graça. O primeiro parágrafo explica o que precisava ser feito pelo homem para receber a vida eterna. Após a Queda, o Pacto da Obras foi substituído pelo Pacto da Graça dado livremente aos crentes porque Cristo cumpriu a lei de obras mencionada no parágrafo 1. Vamos seguir esta progressão.
Como o Homem Pode Merecer a Vida Eterna Diante de Deus?
O objetivo da aliança de Deus é trazer a vida eterna ao homem. A primeira aliança levaria o homem à vida pelas obras. Deus deu a Adão “uma lei justa, que seria para a vida se ele a tivesse guardado” (CFB 6.1). Adão, ao cumprir o Pacto de Obras, ganharia a vida eterna, ou seja, ele teria selado seu vínculo de comunhão com Deus (João 17:3) em justiça por sua obediência em alcançar a incorruptibilidade e a imortalidade (1 Coríntios 15:53-54). Mas uma criatura finita e natural pode realmente merecer a vida eterna diante de um Deus infinito e eterno? O primeiro parágrafo do cap. 7 explica como isso pode acontecer:
A distância entre Deus e a criatura é tão grande, que, embora as criaturas racionais Lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam ter alcançado a recompensa da vida, senão por alguma condescendência voluntária da parte de Deus, que Ele Se agrada em expressar por meio de aliança.
A distância entre Deus e a criatura também é chamada de distinção Criador/criatura. Essa distinção e distância é tão grande que é impossível para o homem merecer qualquer coisa de Deus. A confissão apoia essa visão da impossibilidade do homem em seu estado natural de merecer qualquer coisa diante de Deus por duas passagens bíblicas: Lucas 17:10 e Jó 35:7-8. Deus não deve nada para o homem e o homem deve tudo a Deus. Mas, através de uma aliança, Deus condescende a recompensar a obediência do homem com a vida eterna. Isso é a que o parágrafo 1 se refere aludindo ao Pacto de Obras que foi apresentado no capítulo 6.
O que é o Pacto da Graça?
O Pacto da Graça é o meio pelo qual Deus deu a vida eterna aos homens após a Queda; isso abrange todos os eleitos de todos os tempos. Essa aliança é introduzida pela confissão no parágrafo 2:
Ademais, tendo o homem trazido a si mesmo a maldição da lei, por sua Queda, aprouve ao Senhor fazer um Pacto de Graça, no qual Ele oferece livremente aos pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo, exigindo deles a fé nEle, para que eles sejam salvos; e prometendo dar a todos os que são ordenados para a vida eterna, o Seu Espírito Santo, para torná-los dispostos e capazes de crer.
O Pacto da Graça é, simplesmente, a salvação somente pela graça, somente pela fé, somente por Cristo. Basicamente, qualquer homem está sob a maldição do Pacto de Obras quebrado em Adão ou sob a benção do Pacto da Graça em Cristo.
Embora as Escrituras não usem a expressão “Pacto da Graça”, a substância dessa aliança particular é encontrada em todos os lugares a partir de Gênesis 3:15, através da história da redenção, até sua consumação no NT. A epístola aos Hebreus atribui diretamente à graça da Nova Aliança (o Pacto da Graça) a salvação daqueles que foram chamados desde a Queda:
E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna (Hebreus 9:15).
Mesmo que o sacrifício do Pacto da Graça pelo qual todas as bênçãos advêm não tenha sido derramado até muito depois de a promessa ter sido feita, muitos já haviam sido chamados e possuíam pela fé a herança eterna. A eficácia retroativa da Nova Aliança é uma das principais razões pelas quais muitos Batistas Particulares equipararam o Pacto da Graça com a Nova Aliança.
Distinção entre Obras e Graça
Agora que introduzimos brevemente o Pacto de Obras e o Pacto da Graça, é extremamente importante distingui-las para que não confundamos a Lei e o Evangelho. O Pacto de Obras, mesmo que se origine “por alguma condescendência voluntária da parte de Deus” é uma aliança condicional. A natureza dessas duas alianças é tão distinta quanto as obras e a graça o são (Romanos 11:6). A questão não é se os cristãos tenham que obedecer a lei; de fato, aquele quanto uma lei moral, exige a obediência deles (João 15:9-10). A questão é se o Pacto da Graça é condicional ou incondicional. De acordo com a Escritura, essa aliança é inteiramente incondicional: “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade” (Romanos 4:16).
A fé, que às vezes é chamada de condição, não é meritória; ela não é tanto uma condição como um meio para entrar no Pacto da Graça. A fé não vem do homem, mas de Deus (Efésios 2:8). Toda noção de um Pacto da Graça condicional, quer para entrar ou permanecer na aliança, compromete o Evangelho da livre graça (Gálatas 5:4).
Mesmo que pareça bastante simples distinguir entre o Pacto de Obras em Adão e o Pacto da Graça em Cristo, os princípios envolvidos em suas relações são muitas vezes confundidos. Um motivo dessa confusão vem do modo como o Pacto da Graça às vezes está relacionado com as alianças do Antigo Testamento (Abraâmica, Mosaica e Davídica). Os Reformados, antes dos Batistas Particulares, identificaram essas alianças como administrações do Pacto da Graça. Tendo em vista que a Antiga Aliança, que incluiu Abraão, Moisés e Davi, como pensavam a maioria dos pensadores Reformados, era condicional em sua natureza (Gênesis 18:19; Êxodo 19:5; Deuteronômio 7:12, 27:26; 2 Samuel 7:14). Ao apresentá-la como uma administração do Pacto da Graça, encontramos o risco de cair em graça condicional. É assim que a igreja, ao longo de sua história, muitas vezes misturou graça imerecida com obras meritórias. Os Batistas rejeitaram completamente de sua Confissão a ideia de que o Pacto da Graça foi administrado pelas alianças do A.T. Assim, eles evitam a confusão entre a Lei e o Evangelho.
Rejeitando Também o Aliancismo Pedobatista
Além disso, considerando a Antiga Aliança como uma administração do Pacto da Graça, os teólogos Reformados justificam facilmente o pedobatismo. Ao ensinar que a Antiga Aliança era o Pacto da Graça anteriormente administrado, eles poderiam declarar que os filhos de qualquer pessoa que é um membro do Pacto da Graça também estão no Pacto da Graça por privilégio de nascimento natural (Gênesis 17:7). E visto que as crianças deveriam receber o sinal da aliança logo após nascimento (Gênesis 17:10), é normal que elas também o recebam sob a nova administração do Pacto da Graça.
Por outro lado, se a aliança estabelecida com Abraão não fosse o Pacto da Graça, mas outra aliança subserviente ao Pacto da Graça, podemos manter o princípio Batista de que não é a descendência por nascimento natural, mas por nascimento espiritual, que concede a entrada no Pacto da Graça e em todos os seus privilégios (João 1:12-13, 3:3-6). É por isso que o sinal da aliança deve ser reservado apenas aos que professam a fé em Cristo. “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (João 3:6).
Onde Estava o Pacto da Graça Durante o Tempo da Antiga Aliança?
Se a Antiga Aliança não era uma administração do Pacto da Graça, o que era e onde estava o Pacto da Graça durante esse tempo? A primeira parte do CFB 7.3 responde esta pergunta:
Esta Aliança é revelada no Evangelho; primeiramente a Adão na promessa de salvação pela semente da mulher, e depois por etapas sucessivas, até que a sua plena revelação foi completada no Novo Testamento…
O Federalismo de 1689 substituiu o conceito pedobatista de um Pacto da Graça sob diferentes administrações pelo conceito de um Pacto da Graça revelado por um modelo de etapas sucessivas. A compreensão desse federalismo em particular é que o Pacto da Graça não foi formalmente estabelecido durante o período do A.T., mas foi revelado através das diferentes alianças. Portanto, de acordo com essa visão, a Antiga Aliança era distinta e subordinada ao Pacto da Graça. Examinemos agora como isso estava conectado ao Pacto da Graça prenunciando as condições do Eterno Pacto da Redenção.
O Eterno Pacto da Redenção
A Confissão enraíza o Pacto da Graça no Pacto pré-temporal da Redenção. O restante do parágrafo 3 expressa esse entendimento assim:
[…] e é fundada naquela transação da eterna Aliança que houve entre o Pai e o Filho para a redenção dos eleitos; e é somente pela graça desta Aliança que todos da caída posteridade de Adão que já foram salvos, obtiveram a vida e a bem-aventurada imortalidade, o homem é agora totalmente incapaz de ser aceito por Deus naqueles termos em que Adão permanecia em seu estado de inocência.
Desde a eternidade, o plano da redenção existe em Deus. Esse plano envolve a encarnação do Filho para redimir a posteridade caída que Lhe foi dada e levá-los à vida eterna (2 Timóteo 1:9-10). Esse Pacto da Redenção é revelado nas Escrituras através da doutrina da eleição (Efésios 1:3-5). Também é revelado pela missão que Cristo recebeu de Seu Pai (João 6:38-39; 1 Pedro 1:20).
Se definirmos o plano de redenção em termos de uma aliança, é necessário indicar quais os termos dessa aliança. O Filho deveria vir ao mundo assumindo a natureza humana como homem sob a lei (Filipenses 2:7; Gálatas 4:4). Ele deveria viver uma vida sem pecado e obedecer perfeitamente à vontade de Deus expressada na lei moral e obedecer ao que o Pai pediria além da lei (Mateus 5:17, 26:42; João 8:29). Ele teve que se tornar o representante sacrificial de todos os eleitos para se submeter à maldição da lei, morrendo em seu lugar na cruz (Gálatas 3:13; Filipenses 2:8; Hebreus 2:14-17). Em troca, o Pai lhe daria vida ao Lhe fazer levantar dos mortos e assentar-se à Sua direita, dando-Lhe um povo que O serviria e herdaria com ele a vida eterna (Atos 2:24; Filipenses 2:9-11; Tito 2:14). Esse foi o eterno Pacto da Redenção entre o Pai e o Filho.
As Escrituras nos dizem que esse plano divino chegou apenas “vindo a plenitude dos tempos” (Gálatas 4:4). Por isso, devemos entender que não só o tempo antes da encarnação estabeleceu o que era necessário para o Filho executar a redenção, mas também proveu o cenário de referência necessário para entender essa redenção. Como podemos entender a Pacto de Obras que o Filho teve que realizar sem a Antiga Aliança para revelar seu significado e entender o que Adão tinha quebrado? Como podemos entender a morte expiatória de Cristo sem o sistema sacrificial do Antigo Testamento para revelá-la? Como podemos contemplar nossa redenção eterna sem sua prefiguração na história da redenção? Todas essas coisas eram “sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2:17). O Antigo Testamento revelou Jesus Cristo e Sua obra (João 5:39), de modo que possamos contemplar a amplitude e o comprimento do amor de Deus revelado em Cristo, uma vez que a aliança foi cumprida (Efésios 3:1-21).
Assim como entendemos Adão à luz “daquele que havia de vir” (Romanos 5:14), entendemos todas as Escrituras do Antigo Testamento à luz de sua realização em Cristo (Lucas 24:27). O Pacto da Redenção consumado por Jesus nos ajuda a entender o Antigo Testamento que nos mostra, por sua vez, a glória divina que brilha na Nova Aliança de Gênesis ao Apocalipse (2 Coríntios 3:14-18). A Nova Aliança é a manifestação concreta das realidades celestiais no mundo visível. É somente por esta aliança (Nova Aliança) que a herança eterna (Eterno Pacto da Redenção/Pacto da Graça) é dada (Hebreus 9:15).
A Confissão encerra esta seção, afirmando que “é somente pela graça desta Aliança que todos da caída posteridade de Adão que já foram salvos, obtiveram a vida e a bem-aventurada imortalidade”. Assim, de todos os tempos, todos os que foram salvos, foram salvos pela graça oferecida na Nova Aliança em Jesus Cristo. Antes de se estabelecer sob a forma de uma aliança selada no sangue (Hebreus 13:20), foi revelada por uma promessa assegurada pelo juramento de Deus (Hebreus 6:17). Essa aliança de graça revelada e concluída na história é fundada na aliança eterna entre o Pai e o Filho para a redenção dos eleitos. É a fonte exclusiva da salvação de acordo com o que a Escritura declara expressamente: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4:12).