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In Memoriam: A Canção Dos Suspiros, por Susannah Spurgeon

(Como ela lidou com a morte de seu amado marido, C. H. Spurgeon)

 

Eu escrevi isso há dez anos atrás, em meu retorno de Mentone, aquela bela vila na costa marítima; quando com uma mão o Senhor tinha me ferido até bem próximo da morte, enquanto que com a outra mão Ele havia derramado em meu coração ferido o azeite e vinho de Sua mui preciosa consolação. Foi um momento maravilhoso para a minha alma, e Ele me ajudou a cantar em voz alta sobre a Sua fidelidade, e bendizer o Seu Nome, embora Ele houvesse tirado de mim meu marido, a alegria e a coroa da minha vida terrena.

 

Devido a isso, por que Ele havia glorificado a Si Mesmo em minha dor, e dos recantos mais íntimos do meu coração tirei este cântico de dor, as palavras foram direcionadas a outros corações solitários, e descansei ali como “o orvalho de Hermom”. Durante muito tempo, recebi testemunho constante para o fato de que, de uma forma muito marcante, Deus estava usando a experiência que ele tinha me dado, como um bálsamo e tônico para curar e aliviar outros de Seus filhos enlutados, e ninguém além de mim pode dizer o quão precioso era esse conhecimento para o meu coração dolorido. Parecia de fato um valioso sofrimento e tristeza, se o amor e a compaixão de Deus se transformassem plenamente em uma doce sinfonia de louvor a Ele, e permitissem que alcançasse alguns para honrá-lO por uma resposta de doce submissão e perfeita verdade.

 

Assim, para a glória do meu querido Senhor, cuja graça é suficiente para mim nos meus dias mais escuros e mais angustiantes, eu tive a minha “Canção dos Suspiros” reproduzida, e meu único desejo sincero é que, como o Senhor, em seguida, lhe deu a aprovação de Sua bênção, então agora Ele não reterá a graça que sozinha designa transformar isto em Sua voz de consolo para aqueles que choram.

 

 

***

 

Como hei de cantar o cântico do Senhor em terra estranha?

 

Porque sou levada a uma terra estranha, cansada da solidão e tristeza. Eu sou uma prisioneira do luto, e a luz da minha vida foi subitamente apagada na escuridão.

 

No entanto, há uma canção a ser cantada.

 

A misericórdia tem superado a miséria. O amor Divino traspassou a escuridão de uma tristeza indescritível com um raio de glória celestial.

 

O grito angustiado de um coração foi abafado pela doce compaixão de um Deus consolador! “Louvado seja o Senhor! Louvai ao Senhor, ó minha alma!”

 

Esta é a canção do Senhor.

 

“Ele mesmo fez isso!” “O Senhor deu e o Senhor o tomou. Bendito seja o nome do Senhor”. Será que nosso querido Mestre ouve somente soluços e suspiros, e vê apenas lágrimas e tristeza, quando Ele pergunta por Seus próprios amados novamente, para que eles possam estar com Ele, e verem a Sua glória? Não, certamente. Pois toda a Sua vontade é o amor.

 

A harpa pode estar muitas vezes pendurada nos salgueiros, e algumas de suas cordas escolhidas podem estar apegadas para sempre à terra, mas a mão da fé deve alcançá-la para baixo, e os dedos hábeis do amor, em breve encontrarão alguns macios acordes de gratidão pelos quais repetir os Seus louvores.

 

Ele me ajudará a cantar.

 

Todas as semanas e meses desde que os portões de pérolas se abriram para que o meu amado marido pudesse passar para a excelente glória, tem havido, (por sua causa), no fundo do meu coração, um baixo tom de alegria em Deus, como o canto dos seixos em uma praia quando a maré vem rolando adentro.

 

Agradeço a Deus por isso. E agora que as águas profundas são um pouco acalmadas, esta música oculta deveria ser mais distinta e apreciável.

 

 

***

 

Tendo viajado muito agora na jornada da vida, e, depois de ter subido uma das poucas montanhas remanescentes entre a terra e o céu, eu permaneço um pouco sobre este “solo-vantajoso”, e olho para trás em todo o país por meio do qual o Senhor me conduziu.

 

Um bem definido percurso é visível, mas parece tortuoso e errante, às vezes contornando uma grande montanha, de onde se pode vislumbrar “a terra que está muito longe”, e, mais adiante, descendo para um vale sombreado por nuvens e trevas. Ao mesmo tempo, ele corre ao longe por entre lugares íngremes e pedras proeminentes, em outro tempo, ventos atravessam uma planície aberta, brilhante com a luz do sol da bondade e misericórdia, e se espalham por entre as brisas que flutuam nos campos do Céu.

 

Há flores de alegria e amor crescente ao longo do caminho, mesmo em lugares escuros, e “as árvores que o Senhor plantou,” dão sombra e abrigo do calor mui grande.

 

Eu posso ver dois peregrinos pisando esta estrada da vida juntos, de mãos dadas, coração ligado a coração. É verdade que eles tiveram rios para vadear, e montanhas para cruzar, e ferozes inimigos para combater, e muitos perigos para atravessar, mas o seu Guia foi vigilante, seu Libertador infalível, e sobre eles pode verdadeiramente ser dito: “Em todos os seus sofrimentos, Ele também sofreu, e Ele pessoalmente os salvou. Em Seu amor e misericórdia os remiu. Ele ergueu-os e conduziu-os através de todos os anos”.

 

Principalmente, eles seguiram o seu caminho cantando, e para um deles, pelo menos, não havia nenhuma alegria maior do que dizer aos outros sobre a graça e glória do Rei bendito para cuja terra Ele estava avançando. E quando ele assim falava, o poder do Senhor era visto, e os anjos se alegravam pelo arrependimento dos pecadores.

 

Mas, finalmente, chegaram a um lugar na estrada, onde encontraram dois caminhos, e ali, em meio aos terrores de uma tempestade, como nunca haviam enfrentado antes, eles se separaram. Um foi levado para a glória invisível; o outro, golpeado e ferido pela terrível tempestade, a partir de agora labuta ao longo da estrada, sozinho.

 

Mas a “bondade e misericórdia”, que, por tantos anos, havia seguido os dois viajantes, não o deixou solitário, melhor se fez a ternura do Senhor “guiando-o mansamente,” e escolhendo pastos verdejantes para os pés cansados??, e águas tranquilas para o alívio e refrigério de seu filho tremente. Ele deu, além disso, em suas mãos um encargo solene: ajudar companheiros-peregrinos ao longo da estrada, enchendo sua vida com interesses abençoados, e curou a sua própria tristeza profunda, dando-lhe poder para aliviar e confortar outros.

 

“Com Cristo, que é muito melhor!” (Filipenses 1:23).

 

Desde a solene meia-noite, quando Deus tomou para Si meu querido e amado tesouro mais precioso, “o desejo dos meus olhos”, meu querido e amado esposo, as palavras inspiradas acima têm sido uma fonte de consolo e conforto ao meu coração desolado. Na primeira angústia da minha dor, eu as escrevi no cartão de “despedida”, e os ramos de palmeiras que ondulavam sobre o seu cadáver em sinal de vitória eterna, deram sua grande mensagem de consolação para milhares de pessoas enlutadas, chorando.

 

Agora, como o passar dos dias, e a sensação de perda que se aprofunda, é ainda mais intensamente percebido o abençoado fato estabelecido por estas palavras, que vêm novamente com o poder Divino de cura para minha alma sofredora. É porque para ele é ainda muito melhor estar com Cristo, que eu posso pacientemente, e mesmo alegremente, suportar minha vida solitária. Às vezes, eu posso viver com essa alegria no pensamento de sua eterna glória “com Cristo”, de modo que eu me esqueço do pesar de minha própria grande e indizível perda.

 

Um querido amigo escreveu, assim, para mim, noutro dia: “Oh, quando penso nele, como capaz de louvar o seu Salvador, e pregar sem fadiga ou dor, já não mancando, ou apoiado em seu cajado, sem tosse, sem debilidade, sem dedos ou tornozelos inchados, longe da nevoeiros e neblinas, onde nenhuma heresia angustia seu coração, quando eu penso nele, desta forma, o meu coração salta cheio de alegria”!

 

Sim, a fé pode realmente exultar na glória de nosso amado.

 

Depois de sua trasladação, eu tive melhor tempo e oportunidade para perceber a consolação envolvida no meu texto, e para provar o poder consolador da garantia de que, apesar de que meu precioso marido houvesse dado adeus para o melhor que a terra poderia dar, seu estar “com Cristo” era “muito melhor”.

 

 

***

 

Em um lindo jardim, muitas vezes eu vagava sozinha, onde, apenas algumas semanas antes, sua presença doce intensificava cada encanto, e duplicava cada prazer. Lá, em meio a olivais e esplanadas cobertas de rosas, o querido Mestre me ensinou Sua estimativa da verdadeira afeição por relembrar a minha mente as Suas próprias palavras aos Seus discípulos: “Se me amásseis, certamente exultaríeis porque eu vou para o Pai” [João 14:28]; e, assim, Ele me fez entender que o pensamento de felicidade eterna do meu querido deve superar e banir a minha própria dor e tristeza egoísta.

 

Assim, dia após dia, eu vagava em meio a uma profusão de beleza da natureza, respirando o perfume de suas mais escolhidas flores, com o céu azul profundo acima de mim, e o azul ainda mais profundo do mar Mediterrâneo espalhava-se como um lago de safira abaixo de mim; com a vista mais encantadora de montanhas, vales e litoral, banhado em luz do sol, e as cidades distantes do litoral brilhando como cidades douradas à luz clara, e apenas o canto de uma ave marinha ou o traço das pequenas ondas na praia, marcavam o ritmo das harmonias sem fim da terra, e do mar, e do céu. No entanto, mesmo aqui, e faltando tão duramente seu terno interesse e participação em toda a minha alegria, eu estava habilitada a lembrar que esta era apenas mera beleza terrena, tudo fugaz e perecível, e que, ele está na Terra Gloriosa, onde “a primavera permanece eternamente”, e está “com Cristo”, o que era “muito melhor”.

 

Algumas vezes, meus pensamentos recordam daqueles passeios gloriosos até às montanhas, que tão recentemente apreciamos juntos, em que cada curva da estrada revelava uma nova beleza da perspectiva, e um clímax perfeito de prazer era alcançado quando, depois de muito tempo, em escalada constante, os cavalos conduziam a carruagem triunfante ao “lugar” da singular vila da montanha ou cidade onde estávamos hospedados. Ali, cerca de 800 ou 900 pés acima do nível do mar, as casas estavam amontoadas entre as rochas como ninhos de andorinhas, e a vista adiante de nos era encantadora além de qualquer descrição, e meu amado, com ânsia infantil, voltou-se para mim, e disse: “não, esposa, não é que vale a pena percorrer todo o caminho para ver?” Sim, verdadeiramente, e se não houvesse mais nada a ver além de sua exultante felicidade em minha tão desejada presença com ele, isso teria bem pago qualquer esforço de amor da minha parte.

 

Mas, bom e precioso como tudo era — e, oh! quão doce é a memória agora! — meu coração compreende que era apenas uma pobre alegria terrena, desvanecida e sombria, e mais uma vez eu tenho que dizer: “Ele está com Cristo, o que é muito melhor!”

 

 

***

 

Os “Salões de mármore” do Sr. Hanbury estavam cheios de tesouros de arte e riquezas coletados a partir de muitas terras. Tudo o que o gosto mais perfeito poderia desejar estava lá em abundância pródiga, e os quartos estavam cheios das mais escolhidas e preciosas coisas que a terra e a riqueza poderiam fornecer. Fiz descobertas, a cada dia, de algo mais raro e caro, ou mais bonito do que eu havia visto antes, e meu primeiro impulso foi o de ir e dizer ao meu marido sobre isso, ou trazê-lo para compartilhar meu prazer e admiração.

 

Mas, infelizmente! ele se foi, e meu coração sangra novamente, e minha dor desperta para uma terrível intensidade, até que, em toques suaves dentro de minha alma, o bendito Espírito sussurrava: “Ele está com Cristo, o que é muito melhor!”

 

 

***

 

Para baixo, pela da costa do mar, com as águas azuis beijando o cascalho em meus pés, e fazendo até as pedras cantarem uma constante canção de alegria, eu costumava sentar-me e pensar na bem-aventurança eterna do meu amado, até que eu quase podia juntar-me à melodia universal em torno de mim, embora as lágrimas fossem cegando meus olhos e meu coração doía com uma dor indizível. Eu não podia ver o outro lado das brilhantes águas do Mediterrâneo, a luz era muito deslumbrante, e minha visão estava limitada, mas eu sabia que, para além do horizonte, lá estava uma linda “terra-de-verão”, onde os rigores do inverno são desconhecidos, e os ventos gelados do Norte nunca sopram.

 

Mesmo assim, eu não podia, com os olhos do corpo, ver a outra praia do mar que nos separa, a qual meu precioso marido tão recentemente havia cruzado, mas a fé sabia que a Cidade Celestial estava lá, e que ele estava, mesmo assim, andando pelas ruas de ouro, regozijando-se na plenitude da alegria à mão direita de Deus! Melhor, ah, muito melhor, é estar com Cristo do que estar comigo! Como me sobraram lágrimas e tristeza, e dor, e pecado, mas lá, o próprio Deus tinha limpado todas as suas lágrimas, e nem pranto, nem pecado, nem mal de qualquer tipo, jamais poderia ferir seu espírito gentil, ou maltratar seu coração amoroso!

 

 

***

 

Muitas dessas ponderações estavam em meu coração durante esses dias tristes e sagrados, mas a conclusão de todas elas é isto: que não havia felicidade terrena, nem expectativa arrebatadora, nem os preciosos laços do amor conjugal, nem “[algo] melhor” que este mundo ou seus relacionamentos possam dar, que não foi silenciado,

e ultrapassado, e superado além da medida:

o abençoado fato de que estar “com Cristo é muito melhor!”

 

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Sola Scriptura! • Sola Gratia! • Sola Fide! • Solus Christus! • Soli Deo Gloria!

 

Agora Susannah e Charles estão juntos novamente, e eternamente estarão com Senhor.

O que é muito melhor!