Nem Todos os Que São de Israel São Israelitas (Romanos 9:6) │ Por Brandon Adams

 

[Este texto foi revisado e expandido em 27/8/16 {Nota do próprio autor do texto, Brandon Adams}]

 

Em Romanos 8, Paulo expõe a verdade de que nada pode separar o cristão eleito do amor de Deus. A questão que surge então é: como isso é verdade e como isso é reconfortante se Israel, o povo escolhido de Deus, tiver sido separado de Deus? Creio que Paulo responde à pergunta usando a mesma estrutura que ele explica em Gálatas 4.

 

Em Gálatas 4:21-31, Paulo usa os termos filhos de carne e filhos de promessa com um duplo significado. O primeiro significado refere-se aos nascimentos físicos de Ismael e Isaque. “O que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa” (v. 23). Ele observa que Ismael “gerado segundo a carne perseguia” Isaque “era segundo o Espírito” (v. 29).

 

Ele então toma esses fatos e dá-lhes uma interpretação e aplicação simbólicas. “Estas coisas são simbólicas” (v. 24, NKJV) “Essas coisas devem ser entendidas figurativamente” (ACF) “Isso é usado aqui como uma ilustração” (NVI). “Essas coisas são ilustrações” (HCSB). “Agora isso pode ser interpretado alegoricamente” (ESV). “Por quais coisas se quer dizer outra coisa” (Genebra). “Quais coisas sejam ditas por outro entendimento.” (Wycliffe) “Quais coisas são alegorizadas” (Young's Literal) [“O que se entende por alegoria” (ACF)].

 

Paulo alegoriza a narrativa histórica de Ismael e Isaque para explicar as diferenças entre a Antiga e a Nova Aliança “Pois estas são as duas alianças” (NKJV). “Estas mulheres representam duas alianças” (NVI). “Essas mulheres são duas alianças” (ESV). “Pois estas mães são os dois Testamentos” (Genebra). As mães de Ismael e Isaque correspondem a estas duas alianças. “A do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar” [ACF].

 

As duas alianças, por sua vez, correspondem a duas Jerusalém: uma terrestre, outra celestial. “Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre”.

 

A correspondência alegórica com Ismael e Isaque é que essas duas alianças/Jerusaléns haviam dado à luz nos dias de Paulo: judeus e cristãos. “Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós”.

 

Depois de estabelecer todos esses pontos, Paulo então aplica o duplo significado dos termos filhos de carne e filhos de promessa. “Nós, irmãos, somos filhos da promessa como Isaque” (v28). Note que “filhos da promessa” está sendo usado em dois sentidos diferentes. O primeiro sentido (v. 23) se refere à narrativa histórica do nascimento de Isaque como um cumprimento da promessa de Deus de dar a Abraão um descendente físico. O segundo sentido refere-se à salvação eterna como um cumprimento da promessa de Deus de dar Abraão uma descendência espiritual (como Paulo justamente havia estabelecido em 3:29). Assim como o nascimento de Isaque foi uma obra do Espírito, à parte da obra da carne de Abraão (gerando a Ismael), assim o nascimento do cristão é uma obra do Espírito sem as obras da sua carne (no que os judaizantes insistiram). Em outras palavras, Paulo dá ao nascimento de Isaque um significado tipológico. Comentando essa passagem Agostinho disse:

 

Esta interpretação da passagem, que nos foi transmitida com autoridade apostólica, mostra como devemos entender as Escrituras dos dois pactos [alianças], o antigo e o novo. Uma porção da cidade terrena tornou-se uma figura da cidade celestial, não tendo um significado em si mesma, mas significando outra cidade, e, portanto, servindo, ou “estando em servidão”. Pois, ela foi fundada não por causa de si mesma, mas para prefigurar outra cidade; e esta sombra de uma cidade foi também ela mesma prenunciada por outra figura anterior. Pois, a serva de Sara, Agar, e seu filho, eram uma figura desta figura. E, como as sombras deveriam passar quando a plena luz viesse, Sara, a mulher livre, que prefigurou a cidade livre (que por sua vez também foi prefigurada de outra maneira por aquela sombra da cidade de Jerusalém), portanto, disse: “Ponha fora esta serva e o seu filho; porque o filho desta serva não herdará com Isaque, meu filho”, ou, como diz o apóstolo, “com o filho da mulher livre”. Na cidade terrena, então, encontramos duas coisas: a sua própria presença óbvia, e sua apresentação simbólica da cidade celestial. Agora, os cidadãos são gerados para a cidade terrena pela natureza contaminada pelo pecado, mas para a cidade celestial pela graça que liberta da natureza do pecado; onde os primeiros são chamados “vasos de ira”, os últimos “vasos de misericórdia”. E isso foi tipificado nos dois filhos de Abraão: Ismael, o filho de Agar, a serva, tendo nascido segundo a carne, enquanto Isaque nasceu da mulher livre, Sara, segundo a promessa. Ambos, na verdade, eram da descendência de Abraão; mas um foi gerado por lei natural, o outro foi dado pela promessa graciosa. Em um nascimento, a ação humana é revelada; no outro, a bondade divina vem à luz.

 

Se nos voltarmos para Romanos 9, podemos ver Paulo empregando o mesmo raciocínio. Agostinho viu essas passagens como paralelas.

 

E, sem dúvida, o grande apóstolo entendeu perfeitamente o que ele estava dizendo, quando descreveu os dois testamentos como passíveis de distinção alegórica da escrava e da livre, atribuindo os filhos da carne ao Antigo, e os filhos da promessa ao Novo. “Isto é, não são”, diz ele, “os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência” (Romanos 9:8). Os filhos da carne, então, pertencem à Jerusalém terrena, que é escrava com seus filhos; ao passo que os filhos da promessa pertencem à Jerusalém do alto, a livre, a mãe de todos nós, eterna, nos céus (Gálatas 4:25-26).

 

Como a Palavra de Deus não falha quando Israel não foi salvo através do Messias? Porque a Israel segundo a carne nunca foi prometida a salvação eterna através do Messias. A eleição de Deus para a salvação eterna não se baseia em qualquer coisa que qualquer pessoa faça, inclusive ser nascido como um filho de Abraão. Para provar esse ponto, Paulo demonstra que até mesmo as bênçãos recebidas por seus “compatriotas segundo a carne” (principalmente que “segundo a carne, Cristo veio” deles) nunca foram baseadas no nascimento físico, mas foram apenas dadas pela eleição soberana de Deus.

 

A abordagem de Paulo é a mesma que em Gálatas 4. Ele dá ao nascimento de Isaque uma interpretação tipológica.

 

6 Não que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas; 7 Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. 8 Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência. 9 Porque a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei, e Sara terá um filho.

 

Observe cuidadosamente que a palavra de promessa é: “Por este tempo virei, e Sara terá um filho”. Essa promessa se refere especificamente ao nascimento físico de Isaque. Essa promessa particular não se aplica aos cristãos. Não é uma promessa de salvação. Contudo, assim como em Gálatas 4, Paulo usa essa narrativa histórica e a aplica tipologicamente à questão da salvação eterna. E assim como o argumento de Paulo em Gálatas 4 enfatizou a obra do Espírito, à parte das obras dos cristãos, Paulo aplica a tipologia do nascimento de Isaque em Romanos 9 para ensinar que a salvação está enraizada na eleição soberana de Deus, sem as obras — “não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece”. Ele faz isso mostrando que o nascimento físico de Isaque foi segundo a eleição soberana de Deus e que a seleção de Jacó como aquele por quem a Aliança Abraâmica continuaria e, portanto, por meio de quem o Messias seria nascido também segundo a eleição soberana. Agostinho observa: “o que lemos historicamente como previsto e cumprido na descendência de Abraão segundo a carne, também nós devemos investigar o significado alegórico [tipológico], como este deve ser cumprido na descendência de Abraão segundo a fé”. Isaac Backus observa: “no anteriormente mencionado capítulo 9 de Romanos, Paulo evidentemente mostra que, como Israel literalmente, foi escolhido dentre outros povos, assim também o Israel espiritual é escolhido de entre judeus e gentios”. Nehemiah Coxe disse: “Crentes são os filhos da promessa… tipificados por Isaque, sendo gerados para Deus a partir de Sua própria vontade pela eficácia e graça de sua livre promessa” (80). Romanos 9:14-23 então aborda a objeção que é levantada contra a soberana eleição de Deus — tanto “ao serviço” quanto “à salvação”. Então, os versículos de 24 a 33 retomam a questão da salvação de Israel, e ali é demonstrado que o Israel que será salvo é o Israel escolhido por Deus “não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios” [v. 24]. Assim como “os filhos da promessa” tem um duplo significado, o mesmo acontece com “Israel”. Há um Israel tipológico (“são meus parentes segundo a carne” [v. 3]) bem como um Israel antítipológico (“nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios”). Portanto, “nem todos os que são de Israel são israelitas” [v. 6]. Paulo continua seu argumento através do capítulo 11, concluindo que “todo Israel será salvo” (ver Irons “Paul’s Theology of Israel’s Future: A Non-Millennial Interpretation of Romans 11” [A Teologia de Paulo sobre o Futuro de Israel: Uma Interpretação Não-Milenial de Romanos 11]).

 

Respondendo aos Arminianos

 

Essa interpretação tem o benefício adicional de abordar mais satisfatoriamente a típica objeção Arminiana à interpretação Calvinista de Romanos 9, que argumenta que Romanos 9 é sobre a eleição ao serviço.

 

A única abordagem de Romanos 9 que verdadeiramente trata da questão da justiça de Deus em relação ao Israel étnico é aquela eleição mencionada nos versículos 7-18, é uma eleição para o serviço. A tese de Paulo é que a palavra da promessa de Deus a Israel não falhou (Romanos 9:6a). Por que não? A resposta é Romanos 9:6b (NASB), “Porque nem todos os que são de Israel são israelitas”. Aqui Paulo não está distinguindo dois grupos dentro de Israel, os salvos e os perdidos, com a discussão subsequente enfocando em como Deus faz a distinção incondicionalmente. Em vez disso, o contraste é de um tipo completamente diferente. Há dois grupos, mas eles não são completamente distintos um do outro. Um está realmente dentro do outro, como um corpo menor dentro de um corpo maior. Ambos os grupos são chamados Israel, mas eles são diferentes tipos de Israel. O maior é Israel étnico, a nação física como um todo; o menor pertence a esse grupo, mas também se distingue dele como uma entidade separada, isto é, como o verdadeiro Israel espiritual, o remanescente de verdadeiros crentes que desfrutam das bênçãos da salvação eterna.

Mas o contraste entre esses dois Israéis não é que um é salvo enquanto o outro se perde. Isso não pode ser, uma vez que o grupo menor (salvo) também é uma parte do corpo maior. Qual é a diferença entre esses dois Israéis, e por que mesmo Paulo toca nesse assunto? A principal diferença é que o que as promessas da aliança de Deus para esses dois grupos não são iguais. As promessas que Deus fez a Israel étnico são diferentes das promessas que ele fez ao Israel espiritual. Paulo está dizendo, de fato: “Você acha que Deus foi injusto com o Israel étnico porque nem todos os judeus são salvos? Você não sabe que há dois tipos de israelitas, cada um com um conjunto diferente de promessas? Você está realmente confundindo esses dois israelitas. Você está tomando as promessas de salvação que se aplicam apenas ao grupo menor e está erroneamente tentando aplicá-las a Israel como um todo”.

Aqui está o ponto: há dois “povos escolhidos”, dois Israéis; mas somente o Israel remanescente foi escolhido para a salvação. Ao contrário do que comumente pensavam os judeus, a etnia de Israel como um todo não foi escolhida para a salvação, mas para o serviço. A aliança de Deus promete ao Israel físico como tal tem a ver apenas com o sue papel de nação no plano histórico-redentivo de Deus. Sua eleição foi utilitária, não redentora. Deus os escolheu para servir a um propósito. Os próprios judeus pensavam que essa eleição envolveu a promessa de salvação para os indivíduos, mas eles estavam simplesmente enganados. Esse mesmo erro está na raiz da visão Calvinista de que a eleição em Romanos 9 é a eleição para a salvação. Essa é a raiz do erro exegético de Piper, à medida que ele se esforça poderosamente para ler conteúdo de salvação nas bênçãos descritas em Romanos 9:4-5. Ele conclui que “cada um dos benefícios listados em 9:4-5 tem implicações salvíficas e escatológicas para Israel”, e então tenta explicar por que tais benefícios não foram desfrutados por todos os judeus. Sua resposta é que Deus faz uma distinção dentro de Israel, optando incondicionalmente por aplicar esses benefícios de salvação somente a alguns judeus. Schreiner adota uma abordagem semelhante, dizendo que a tese de Paulo em Romanos 9-11, como afirmado em Romanos 9:6 — que “a palavra de Deus não falhou” — refere-se às promessas de Deus para salvar Seu povo Israel.

Mesmo Forlines, um Arminiano, interpreta as promessas da aliança de Deus a Abraão e à sua semente (como em Gênesis 13:14-15, 17:8) como incluindo “a promessa da vida eterna”. Mas isso simplesmente não é verdade. Os termos da aliança que Deus fez com Abraão e mais tarde com Israel como um todo não incluíram a promessa de salvar ninguém simplesmente porque ele ou ela era um membro do povo da aliança. A promessa fundamental que Deus fez a Abraão e a sua descendência foi esta: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:3), promessa que se cumpriu quando “o Cristo segundo a carne” veio de Israel (Romanos 9:5, NASB). Todas as outras promessas e bênçãos foram subordinadas a esta e foram concebidas para cumprir a sua realização. Nenhuma envolveu uma promessa de salvação eterna para os membros individuais do povo da aliança. As bênçãos listadas por Paulo em Romanos 9:4-5 não incluem conteúdo de salvação.

Jack W. Cotrell. Perspectives on Election [Perspectivas sobre a Eleição] (pp. 125-126). B&H Publishing (01-11-2006). Kindle Edition.

 

Concordo totalmente com a crítica de Cotrell à típica interpretação Calvinista errada de Romanos 9 e com o que ele disse sobre a Aliança Abraâmica. É claro, ele está errado no resto de sua exegese, e ele perde a aplicação alegórica paulina à medida que Paulo muito claramente fala também da salvação individual. Piper é útil em abordar isto:

 

A questão esclarecedora que deve agora ser colocada é a seguinte: Se, como vimos (p. 53), o propósito de Deus é realizar seu ato de eleição livremente sem ser determinado por nenhum distintivo humano, a que ato de eleição intenciona Romanos 9:11-13 — uma eleição que determina o destino eterno dos indivíduos ou uma eleição que meramente atribui aos indivíduos e às nações os papéis que devem desempenhar na história? A questão é contextualmente apropriada e teologicamente explosiva.18 De um lado, aqueles que encontram em Romanos 9:6-13 predestinação individual e eterna são acusados ​​de importar um “problema moderno” (de determinismo e não-determinismo) para o texto e de falhar em compreender a corporatividade da eleição discutida.19 Por outro lado, alguns veem no texto uma clara declaração de “dupla predestinação” dos indivíduos à salvação ou condenação e afirma que “a história da exegese de Romanos 9 poderia ser descrita como a história das tentativas de escapar a essa observação clara” (Maier, Mensch und freier Wille, 356)…

J. Munck (Cristo e Israel, 42) argumenta que “Romanos 9:6-13 não fala, portanto, nem de indivíduos e de sua seleção para a salvação, nem do Israel espiritual, a igreja cristã. Antes fala dos patriarcas, que sem exceção tornaram-se “fundadores” de povos”.

A lista de estudiosos modernos do outro lado é igualmente impressionante… Sobre o contexto maior (incluindo Romanos 9:16) Henry Alford escreve: “Devo protestar contra todos os esforços para fazer parecer que nenhuma inferência reside nessa passagem quanto à salvação dos indivíduos. É bem verdade que o assunto imediato é a rejeição nacional dos judeus; mas devemos consentir em manter nossa razão em suspenso, se não reconhecermos a inferência de que o poder soberano e a livre eleição aqui provados pertencerem a Deus se estendem a todo exercício de Sua misericórdia — seja temporal ou espiritual… seja nacional ou individual…”.

O argumento básico contra a visualização da predestinação individual e eterna em Romanos 9:6-13 é que as duas referências do Antigo Testamento sobre as quais Paulo constrói sua tese não se referem, nos contextos do Antigo Testamento, aos indivíduos ou ao destino eterno, mas sim às nações e às tarefas história. O argumento contém uma boa dose de força, especialmente quando tratado (como costuma ser) sem referência ao desenvolvimento lógico do argumento de Paulo em Romanos 9:1-13…

Por essa eleição de Isaque em vez de Ismael Deus mostra que a descendência física de Abraão não garante que alguém será um beneficiário da aliança feita com Abraão e sua semente… Mas, a interpretação continua, as bênçãos da aliança para as quais Isaque é livremente escolhido (antes de seu nascimento) e das quais Ismael é excluído (apesar de ser da descendência de Abraão) não incluem a salvação individual eterna. Alguém não pode inferir legitimamente de Romanos 9:7-9 que Ismael e seus descendentes estão eternamente perdidos, nem que Isaque e seus descendentes são eternamente salvos. O que Deus determinou livre e soberanamente é o descendente em particular (Isaque), cuja linhagem herdará as bênçãos da aliança: multiplicar-se excessivamente, dar origem a muitas nações, habitar a terra prometida e ter Deus como seu Deus (Gênesis 17:2-8). Esse benefício, não a salvação eterna, é que não é baseado na descendência física de Abraão, mas na eleição incondicional de Deus…

Um argumento plausível pode ser feito para a posição de que “Paulo já não se preocupa com dois povos e seu destino, mas sim de forma permanente com a eleição e a rejeição de duas pessoas [Jacó e Esaú] que foram levantadas ao nível de tipos” (Kaesemann, Romanos, 264). Acho que isso é provavelmente verdade… Mas… a falha decisiva na posição coletivista/histórica não é o seu fracasso em concordar com a afirmação de Kaesemann. Sua falha decisiva é em perguntar como o fluxo do argumento de Paulo de 9:1-5 sobre por meio do capítulo afeta a aplicação do princípio que Paulo estabeleceu em Romanos 9:6b-13. O princípio estabelecido é que as bênçãos prometidas por Deus nunca são desfrutadas com base naquilo que uma pessoa é pelo nascimento ou pelas obras, mas somente com base na soberana e livre predestinação de Deus (Romanos 9:11-12)… Podemos concordar com o argumento de que, na demonstração desse princípio da liberdade de Deus na eleição, Paulo usa textos do Antigo Testamento que não se relacionam explicitamente com a salvação eterna… [Mas] a solução que Romanos 9:6-13 desenvolve em resposta a esse problema [9:1-5], deve abordar a questão da salvação individual, eterna…

Se Paulo vê a eleição de Isaque (Romanos 9:7b) como a eleição de um indivíduo para a salvação ou como a eleição de sua posteridade para uma tarefa histórica, o princípio da eleição incondicional é imediatamente aplicado por Paulo à presente preocupação, isto é, quem verdadeiramente constitui o verdadeiro e espiritual “Israel” (9:6b), cuja salvação é garantida pela Palavra de Deus?

— John Piper, The Justification of God [A Justificação de Deus], pp. 56-73

 

Uma Antiga Aliança Interna/Externa?

 

Muitos Calvinistas simplesmente perderam essa explicação clara e histórica de Romanos 9, porque eles estavam muito ansiosos para usá-lo como um texto de prova para o batismo infantil (e os Batistas Calvinistas como Piper e Schreiner, mencionados acima, seguiram involuntariamente essa linha). A teologia pactual Pedobatista considera todos os pactos pós-Queda (Noético, Abraâmico, Mosaico, Davídico e Novo) como várias expressões (“administrações”) do mesmo pacto. Todos eles são o Pacto da Graça e todos eles são feitos com mais pessoas além dos eleitos. No entanto, o Catecismo Maior de Westminster, na pergunta 31 diz: “Com quem foi feito o Pacto da Graça? Resposta: O Pacto da Graça foi feito com Cristo, como o segundo Adão, e nEle, com todos os eleitos, como Sua semente”. Como os não-eleitos se encaixam nessa definição? Louis Berkhof observa:

O que induziu esses teólogos a falar do Pacto[1] como feito com os eleitos apesar de todas as dificuldades práticas envolvidas?… Os teólogos Reformados estavam profundamente conscientes do contraste entre o Pacto de Obras e o Pacto da Graça. Eles sentiram que no primeiro a recompensa do pacto dependia da obediência incerta do homem e, como resultado, não se materializou, enquanto no Pacto da Graça a plena realização das promessas é absolutamente segura em virtude da perfeita obediência de Jesus Cristo. Sua realização é segura através da operação da graça de Deus, mas, é claro, segura apenas para aqueles que são participantes dessa graça. Eles se sentiram constrangidos a enfatizar esse aspecto do Pacto especialmente contra os Arminianos e Neonomistas, que virtualmente o transformaram em um novo pacto de obras e tornaram a salvação mais uma vez dependente da obra do homem, isto é, da fé e da obediência evangélica. Por essa razão, enfatizaram a estreita ligação entre o Pacto da Redenção e o Pacto da Graça, e até hesitaram em falar da fé como a condição do Pacto da Graça…

A ideia de que o Pacto é plenamente realizada somente nos eleitos é uma ideia perfeitamente bíblica, como aparece, por exemplo em Jeremias 31:31-34; Hebreus 8:8-12… Mas agora surge a questão de saber se na estima destes teólogos Reformados todos os não-eleitos estão fora do Pacto da Graça em todos os sentidos da palavra. Brakel praticamente assume essa posição, mas não está de acordo com a maioria. Eles perceberam muito bem que um Pacto da Graça, que em nenhum sentido da palavra inclui outros, senão os eleitos, seria puramente individual, enquanto o Pacto da Graça é representado na Escritura como uma ideia orgânica. Eles estavam plenamente conscientes do fato de que, de acordo com a revelação especial de Deus no Antigo e no Novo Testamentos, o Pacto como fenômeno histórico é perpetuado em gerações sucessivas e inclui muitos em quem a vida do Pacto nunca é realizada. E sempre que desejassem incluir esse aspecto do Pacto em sua definição, diriam que ela foi estabelecida com os crentes e seus descendentes.

Teologia Sistemática

 

Ele então discute várias tentativas de teólogos Reformados de explicar esses diferentes sentidos de membresia pactual sob IV. O Duplo Aspecto do Pacto. Ele lista Um Pacto Externo e um Interno, A Essência e a Administração do Pacto, Um Pacto Condicional e um Absoluto, O Pacto como Relações Puramente Legais e como Comunhão de Vida. Ele defende a última visão (e argumenta contra as outras):

E. Membresia no Pacto como Relação Legal…

2. Filhos de crentes no Pacto. Com respeito aos filhos de crentes, que entram no Pacto pelo nascimento, a situação é, naturalmente, um pouco diferente. A experiência ensina que, embora pelo nascimento entrem no Pacto como uma relação legal, isso não significa necessariamente que eles também estão ao mesmo tempo no Pacto como uma comunhão de vida. Isso também não significa que a relação pactual jamais chegará à sua plena realização em suas vidas. No entanto, mesmo em nesse caso, deve haver uma garantia razoável de que o Pacto não é ou não permanecerá como uma mera relação legal, com deveres e privilégios externos, apontando para o que deveria ser, mas também se tornará uma realidade viva. Essa garantia é baseada na promessa de Deus, que é absolutamente confiável, que Ele irá trabalhar nos corações da juventude do Pacto com Sua graça salvífica e transformá-los em membros vivos do Pacto…

As promessas de Deus são dadas à semente dos crentes coletivamente, e não individualmente. A promessa de Deus de continuar o Seu Pacto e trazê-lo à plena realização nos filhos dos crentes, não significa que Ele dará a cada um deles a fé salvífica. E se alguns deles continuarem na incredulidade, teremos que ter em mente o que Paulo diz em Romanos 9:6-8. Nem todos os que são de Israel são israelitas; os filhos dos crentes não são todos filhos da promessa. Por isso, é necessário lembrar constantemente aos filhos do Pacto da necessidade de regeneração e conversão. O simples fato de que alguém está no Pacto não traz consigo a garantia da salvação.

Extraído de: Louis Berkhof. Teologia Sistemática. iBooks.

 

Observe o Catecismo Maior de Westminster:

 

CMW, Pergunta 166: A quem deve ser administrado o batismo? Resposta: O batismo não deve ser administrado aos que estão fora da igreja visível, e assim estranhos aos pactos da promessa, enquanto não professarem a sua fé em Cristo e obediência a Ele; porém as crianças, cujos pais, ou um só deles, professarem fé em Cristo e obediência a ele, estão, quanto a isto, dentro do Pacto e devem ser batizadas.

 

Em outras palavras, há mais de um sentido em que uma pessoa pode estar no Pacto da Graça. Pedobatistas sem exceção vão a Romanos 9:6 para defender esse “aspecto dual” do Pacto da Graça. Quando é dito que “nem todos os que são de Israel são israelitas”, eles interpretam como significando que “nem todos os que estão no Pacto da Graça pertencem ao Pacto da Graça”, estabelecendo assim dois níveis de pertencimento ao Pacto. Mas é isso que o texto está ensinando?

 

O erro fundamental da teologia do pacto Pedobatista é que eles combinam todos os pactos pós-Queda em um só pacto, contra o testemunho das Escrituras que claramente os distinguem como pactos separados. Se nos aproximarmos de Romanos 9:6 com essa pressuposição defeituosa, vamos interpretar mal o texto. Como vimos acima, Romanos 9:6 é um paralelo a Gálatas 4:21-31 onde Paulo distingue entre a Antiga e a Nova como Alianças separadas. Além de simplesmente não entender o argumento de Paulo, e a visão de Paulo sobre a tipologia de Israel ao longo de suas epístolas (como explicado acima), isso gera mais dois problemas.

 

Primeiro, leva-os a identificar a promessa do próprio nascimento de Isaque de alguma forma idêntica à promessa de salvação. Afinal de contas, Paulo diz: “Porque a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei, e Sara terá um filho”. Assim, muitos tentam argumentar que isso significava que a salvação devia ser confinada à descendência de Isaque em detrimento da descendência de Ismael, o que não é apoiado por qualquer coisa nas Escrituras. Essa linha de raciocínio é encontrada também quando é sugerido que a salvação foi limitada à nação de Israel durante o Antigo Testamento. Não só isso é a implicação necessária de sua interpretação errada de Romanos 9; é também uma implicação necessária de sua identificação da Antiga Aliança como o Pacto da Graça. Nehemiah Coxe explica:

 

Esse pacto [Abrâamico] não confinou o culto solene a Deus (por sacrifícios ou qualquer outra forma) à família de Abraão. Outros homens santos de então [que não eram de Israel] não estavam obrigados de maneira alguma a incorporar a si mesmos [naquele estado-igreja] pela circuncisão e de levarem sobre si esse sinal ou selo da aliança de peculiaridade que Deus deu a Abraão. Sem dúvida eles teriam de fazer isso se desde seu primeiro estabelecimento, [a circuncisão] tivesse sido dada simples e diretamente como um selo do Pacto da Graça; pois nesse caso, em razão de seu interesse naquele pacto, tanto no que diz respeito aos deveres como nos direitos, [esse selo] pertenceria a eles tanto quanto à família de Abraão.

 

Da história sagrada fica evidente que a ordem em virtude da qual a circuncisão foi administrada não se estendia para além de Abraão e sua família. Portanto, não temos fundamentos para concluir que Ló (apesar de intimamente ligado a Abraão) era circuncidado. Não há nada no comando de Deus ou no primeiro estabelecimento da circuncisão que o obrigava a ela ou o fazia participante [na aliança da circuncisão]. Ainda assim, não há dúvidas de seu pertencimento ao Pacto da Graça.

E não era Jó o único homem justo vivendo no mundo além da família de Abraão; os patriarcas Éber, Selá e Sem [por exemplo,] também estavam vivos. Eles tinham suas próprias famílias e interesses de modo que não há dúvidas de que o culto solene a Deus puro era mantido entre eles e de que eles promoviam a verdadeira religião na medida do possível enquanto viveram.

Melquisedeque [também] estava vivo nessa época. Se ele antes se chamava Sem ou se tinha algum outro nome, não é de nosso interesse. Mas isso é certo: era ele o sacerdote do Deus Altíssimo e rei de Salém. Em ambos os aspectos [de sacerdote e rei], ele era o tipo mais eminente de Jesus Cristo que já existiu no mundo; alguém maior do que Abraão, pois Abraão deu-lhe o dízimo [de tudo] e foi por ele abençoado [Gênesis 14:18-20]. Considerando que ele era tanto rei como sacerdote, não há dúvida de que havia uma sociedade de homens que era governada por ele e para quem ele ministrava, uma vez que um sacerdote é constituído a favor dos homens em coisas que dizem respeito a Deus [Hebreus 5:1]. Tal sociedade era naquele tempo tanto igreja de Deus como a família de Abraão, e pertenciam tanto ao Pacto da Graça como qualquer um deles. Ainda assim, eles não eram partes envolvidas na aliança da circuncisão nem deveriam receber o selo da mesma. E assim, fica claro que a circuncisão não era aplicada como um selo do Pacto da Graça, nem aqueles que eram circuncidados [necessariamente] estavam no Pacto da Graça.

Novamente, supor que todos os homens piedosos de então foram circuncidados como Abraão foi, e que suas descendências estavam obrigadas a guardar esse pacto em suas gerações como Abraão estava, frustraria necessariamente um dos maiores (senão o maior) objetivo da circuncisão e seu pacto. [Tal objetivo] era separar uma família [específica] e um povo de todos os outros no mundo para a vinda do Messias, a semente prometida, por meio deles e dentre eles para o cumprimento de todas as promessas feitas aos pais. Além disso, a promessa desse pacto no que diz respeito à herança da terra de Canaã nunca poderia ter sido feita com todos eles [ou seja, com todos os homens piedosos do mundo de então]; mas apesar disso, certamente o selar da promessa era algo que se pretendia pela circuncisão.

Parece que, por um lado, havia uma ordem positiva[2] que tornava a circuncisão necessária a muitos que nunca tiveram participação no Pacto da Graça; por outro, desde a primeira circuncisão houve muitos verdadeiramente participantes no Pacto da Graça que não estavam obrigados à circuncisão. Isso mostra o quão longe da verdade está [concluir] que a participação na Nova Aliança e o direito à circuncisão pode ser inferido um do outro.

Covenant Theology From Adam to Christ [Teologia Pactual: De Adão a Cristo], pp. 116-118.

 

Segundo, e seguindo o acima exposto, não há como explicar por que Ismael, alguém que Deus declarou que não era um filho da promessa (e, portanto, de acordo com a sua leitura de Romanos 9:6-8, alguém declarado reprovado) e com quem o pacto Abraâmico não seria estabelecido, receberia a circuncisão, que os Pedobatistas afirmam ser um selo da justiça da fé.

 

Conclusão

 

Em vez de ser um texto de prova para o federalismo de Westminster, a construção pactual interna/externa é importada para Romanos 9:6 por causa de um compromisso pactual anterior. Paulo está fazendo distinções entre Israel segundo a carne, a quem pertencem os [antigos] pactos (eles estão realmente em aliança com Deus), e o verdadeiro e espiritual Israel, a quem pertence o cumprimento final dos pactos anteriores: a Nova Aliança/Pacto da Graça. Ele demonstra que até mesmo Israel, segundo a carne, recebeu bênçãos com base na eleição soberana de Deus e ele aplica alegoricamente essa realidade histórica para chegar à conclusão de que nem todos os que são de Israel [espiritual, com quem é feita a Nova Aliança] são israelitas [isto é, do Israel carnal, com quem foi feita a Antiga Aliança].

 

Para mais, veja: http://www.1689federalism.com assim como Sangue de Touros e Bodes : Sangue de Cristo :: Israel Físico : Israel Espiritual e Proto-Federalismo de 1689 em Agostinho

 

Aqui está uma citação de Isaac Backus:

 

Mas o que, penso eu, colocaria essa questão sob a luz mais clara, é considerar isso sob a ótica do tipo e do antítipo. É abundantemente mostrado nas Escrituras que a igreja Judaica, suas formas e ordenanças, eram sombras das coisas celestiais (Hebreus 8:2-6 e 9:9, 23,24 &c). A semente de Abraão, Isaque e Israel — sendo escolhida dentre outras nações e sendo redimida com poder onipotente, e aproximada de Deus, para ser Seu povo peculiar e para participar das ordenanças e privilégios que nenhuma outra nação então desfrutava — fez notável sombra para o Israel espiritual de Deus, a quem Ele escolheu e redimiu pela graça onipotente a partir de tribo, e língua, e povo, e nação (Apocalipse 5:9). E como o Senhor disse a Israel no Sinai: E vós me sereis um reino sacerdotal (Êxodo 19:6), assim estes santos dizem: Tu nos fizeste para o nosso Deus, reis e sacerdotes (ver, Apocalipse 5:10). E no mencionado 9º de Romanos, Paulo evidentemente mostra que assim como o Israel literal foi escolhido dentre outras povos; assim também o Israel espiritual é escolhido dentre os judeus e gentios. O mesmo apóstolo chama a dispensação do Antigo Testamento de a letra; e o Novo Testamento, o Espírito (2 Coríntios 3:6). Aquela igreja tinha uma casa literal e um templo onde o nome de Deus era fixo, e sua adoração confinada (Deuteronômio 12:13; 1 Reis 8:29)…

Assim, misturando o tipo com o antítipo, as pessoas incorrem em um triste dilema; ao passo que se as considerarmos distintas, o caso é fácil…

Agora, se tomarmos essas coisas distintas, não há dificuldade; mas se as misturamos seremos levados a uma confusão sem fim.

A Short Description of the Difference between the Bond-Woman and the Free, as They Are the Two Covenants [Uma Breve Descrição da Diferença entre a Mulher Escrava e a Livre, Como Sendo Duas Alianças]

 

Em “DOLPHINS IN THE WOODS”: A Critique of Mark Jones and Ted Van Raalte’s Presentation of Particular Baptist Covenant Theology [“GOLFINHOS NA FLORESTA”: Uma Crítica à Apresentação de Mark Jones e Ted Van Raalte da Teologia Pactual Batista Particular], Samuel Renihan fornece a seguinte citação:

Entendemos que essa Escritura [Gálatas 3:29; Romanos 9:6-9] expõe Gênesis 17. Deus fez um Pacto Eterno de Graça com ABRAÃO e com sua descendência. Ora, as Escrituras declaram que Abraão tinha duas espécies de descendência: Uma nascida segundo a carne, e outra nascida segundo o Espírito (Gálatas 4.29). A questão é: quem são contados como a descendência de Abraão de acordo com o Pacto da Graça?

— Benjamin Coxe, William Kiffin e Hanserd Knollys. A Declaration Concerning the Publike Dispute Which Should have been in the Publike Meeting-House of Alderman-Bury, the 3d of this instant Moneth of December; Concerning Infants-Baptisme. Together, with some of the Arguments which should have been propounded and urged by some of those that are falsly called Anabaptists, which should then have disputed (London: n.p., 1645), 16. [Uma Declaração Sobre a Disputa Pública que Deveria ter acontecido na Cada de Reunião Pública de Alderman-Bury, no terceiro dia deste próximo Mês de Dezembro; A Respeito do Batismo de Bebês. Juntamente com alguns dos Argumentos que deveriam ter sido propostos e instados por alguns dos falsamente chamados Anabatistas, que deveriam então ser contestados (Londres: n.p., 1645), 16.

 

Nehemiah Coxe:

 

“A minha aliança, porém, estabelecerei com Isaque” [Gênesis 17:21]. Era a descendência de Isaque, e não a de Ismael, que o Senhor separaria para si, e daria a terra de Canaã, e com quem estabeleceria seu culto solene entre eles para ser seu Deus…

Mas mais uma vez o Senhor restringe [o pacto] ao rejeitar Esaú e escolher Jacó antes que as crianças tivessem praticado algum bem ou mal. Tudo isso aconteceu para que o propósito de Deus segundo a eleição ficasse firme e para que nos fosse revelado Sua soberania poderosa e inspiradora de temor na última dispensação da graça do Evangelho…

Não obstante, o pacto de peculiaridade feita com Israel e a dispensação à qual Deus lhes trouxe conforme seus fins era um tipo de pacto do Evangelho e do estado das coisas nesse Evangelho. Em Isaque temos um tipo dos filhos de Deus pela fé. Assim como ele (em sua descendência) era o herdeiro de Canaã, também [os filhos de Deus pela fé] são herdeiros do céu; assim como [Isaque] foi perseguido por Ismael, também [os filhos de Deus pela fé] devem esperar por tribulações no mundo e ser difamados por espíritos carnais e farisaicos que procuram estabelecer sua própria justiça recusando submeterem-se à justiça de Deus. Resumindo, o povo, sua adoração, e sua herança eram todos tipos. E ainda, como a descendência espiritual de Abraão pôde contemplar a sombra de seu próprio estado e privilégio na relação espiritual e no sistema tipológico da igreja judaica, agora também podem e devem considerar a si mesmos em seu estado terreno apenas um tipo.[3] Enquanto que eles eram figuras dos filhos da promessa, tanto eles mesmos como seu estado e seu propósito estavam figurados no filho da escrava e sua rejeição.

Covenant Theology From Adam to Christ [Teologia Pactual: De Adão a Cristo], pp. 102-3, 132.

 

Extraído de “Children of Promise”: Spiritual Paternity and Patriarch Typology in Galatians and Romans [“Filhos da Promessa”: A Paternidade Espiritual e a Tipologia dos Patriarcas em Gálatas e Romanos],

 

Esse artigo examina atentamente Gálatas 3 e 4:21-31, bem como Romanos 4 e 9:7-13, a fim de demonstrar que há uma consistência hermenêutica subjacente ao uso tipológico de Paulo dos patriarcas e que essa consistência apóia a visão de que “Israel” em Romanos 9:6b se refere ao Israel espiritual — isto é, à igreja … Esses textos fazem parte de um padrão maior de exegese predominantemente tipológica; todos foram cortados, por assim dizer, do mesmo tecido hermenêutico e não podem ser entendidos isoladamente um do outro…

O argumento de Romanos 9:7-8 assemelha-se muito e, em parte, parece assumir o que foi explicitamente provado em Gálatas 4:21-31, ou seja, a existência de uma antítese tipológica entre Isaque como um filho de Abraão segundo a promessa e Ismael como um filho segundo a carne com tekna (τέκνα) e sarkos     (σαρκὸς) muitas vezes implica. A introdução súbita de múltiplos filhos da promessa juntamente com múltiplos filhos segundo a carne em Romanos 9:8 só segue exegeticamente (τοῦτ’ἔστιν) a partir da menção de Isaque em Romanos 9:7 se as respectivas identidades tipológicas de ambos os filhos de Abraão podem ser tidas como garantidas — identidades que não são totalmente articuladas aqui, mas em Gálatas. De fato, só aqui e em Gálatas 4:23, 28-29 encontramos a antítese entre “filhos de carne” e “filhos da promessa”. Isso torna as passagens de Gálatas indispensáveis devido à sua elaboração consideravelmente maior para uma compreensão adequada de Romanos 9:8…

Como um filho da promessa cujo nascimento era totalmente dependente da graciosa atividade de Deus, Isaque se destaca como um tipo dos “filhos da promessa”, ou seja, crentes judeus e gentios…

Ao contrário de “o Israel da antiga aliança”, Paulo assim coloca “o Israel da nova aliança, consistindo em crentes judeus e gentios”.

Acreditando que judeus e gentios juntos são o povo de Deus. Só eles são a “descendência” de Abraão e os “filhos da promessa”, porque eles e somente eles são os antítipos escatológicos de Isaque e Jacó…

Ele não só tem visto constantemente a descendência espiritual de Abraão, ele tem tratado consistentemente a descendência literal de Abraão tipologicamente. Os patriarcas das duas primeiras gerações depois de Abraão estão nas Escrituras como tipos de realidades escatológicas ainda maiores. Isaque e Jacó são tipos dos “filhos da promessa”… Ao mesmo tempo que essas tipologias eram vistas como cruciais para a visão de Paulo sobre o povo de Deus, tanto em Gálatas como em Romanos, elas também eram vistas como parte de um padrão maior de interpretação, ou seja, a apropriação sistemática para a igreja das Escrituras, bênçãos e promessas de Israel.

 

Finalmente, ouça uma vez mais Agostinho:

 

A quem se refere isto: “todos… desde o menor até ao maior deles” [Jeremias 31:34], senão a todos os que pertencem espiritualmente à casa de Israel e à casa de Judá, ou seja, aos filhos de Isaque, à semente de Abraão? Pois tal é a promessa que foi feita em relação a ele: “Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência. Porque a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei, e Sara terá um filho. E não somente esta, mas também Rebeca, quando concebeu de um, de Isaque, nosso pai; porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá ao menor” (Romanos 9:7-12). Esta é a casa de Israel, ou melhor, a casa de Judá, por causa de Cristo, que veio da tribo de Judá. Esta é a casa dos filhos da promessa — não por causa de seus próprios méritos, mas por causa da bondade de Deus. Porque Deus promete o que Ele mesmo realiza: Ele não faz a promessa por Si mesmo e outro a executa; pois isto faria dEle não um prometedor, mas um profetizador. Por isso, é “não por causa das obras, mas por aquele que chama” (Romanos 9:11), pois assim o resultado deveria ser seu próprio, não de Deus; pois, assim a recompensa deveria ser atribuída não à Sua graça, mas ao seu merecimento; e assim a graça já não seria graça, a qual foi tão fervorosamente defendida e retida firmemente por aquele que, embora fosse o menor dos apóstolos, trabalhou muito mais do que todos os outros — ainda que não ele mesmo, mas a graça de Deus que estava com ele (1 Coríntios 15:9-10).

“Todos me conhecerão” (Jeremias 31:34), Ele diz: “todos”, ou seja, a casa de Israel e a casa de Judá. “Todos”, no entanto, “nem todos os que são de Israel são israelitas” (Romanos 9:6), mas apenas de quem se diz no “salmo sobre o auxílio matutino” (Salmo 22) (isto se refere à nova e refrescante luz, significando o novo testamento [pacto]), “todos vós, semente de Jacó, glorificai-o; e temei-o todos vós, semente de Israel” (Salmo 22:23). Toda a semente, sem exceção, mesmo toda a semente da promessa e do chamado, mas apenas daqueles que são chamados segundo o Seu propósito (Romanos 8:28). “E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou” (Romanos 8:30). “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei” — ou seja, o que vem a partir do Antigo Testamento para o Novo — “mas também à que é da fé”, esta sendo de fato anterior à lei, até mesmo à “fé que teve Abraão” — ou seja, aqueles que imitam a fé de Abraão — “o qual é pai de todos nós; como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí” (Romanos 4: 16-17). Agora, todos estes que foram predestinados, chamados, justificados e glorificados, deverão conhecer a Deus pela graça do Novo Testamento [pacto], desde o menor até ao maior deles.

Como, então, a lei das obras — que foi escrita em tábuas de pedra, e sua recompensa, a terra da promessa, que foi a casa que o Israel segundo a carne recebeu após a sua libertação do Egito —, pertencia ao Antigo Testamento [pacto]. Semelhantemente a lei da fé — escrita no coração, e sua recompensa, a visão beatífica que a casa do Israel espiritual receberá quando liberta do presente mundo — pertencem ao Novo Testamento [aliança].

Um Tratado Sobre O Espírito E A Letra.

Capítulo 40 — Segundo O Que Deve Ser A Recompensa De Todos; O Apóstolo Sinceramente Defende A Graça.

Um Tratado Sobre O Espírito E A Letra.

Capítulo 41 — A Lei Escrita No Coração E A Recompensa Da Eterna Contemplação De Deus Pertencem Á Nova Aliança; Quem Entre Os Santos São Os Menores E Os Maiores.

 

Agostinho explica Romanos 9:6 com referência a Jeremias 31:34. Todos os israelitas conhecerão o Senhor, mas nem todos os que são de Israel [espiritual, com quem é feito a Nova Aliança] são israelitas [Israel carnal, com quem foi feita a Antiga Aliança]. Ele identifica corretamente o impulso do argumento de Paulo em Romanos 9 como eleição e reprovação, mas ele também identifica corretamente a eleição à salvação como correspondente à membresia na Nova Aliança (não à membresia “interior” no Pacto da Graça).

 


[1] Aqui e nas ocasiões seguintes, por “Pacto” Berkhof se refere ao Pacto da Graça.

[2] Ou seja, cerimonial. (Nota de Rafael e Renan Abreu)

[3] “Parte da cidade terrena veio a ser imagem da cidade celeste; não simboliza a si mesma, mas a outra e, portanto, serve-a. Não foi fundada para ser figura de si mesma, mas da outra, e a cidade que prefigurava foi por sua vez prefigurada por outra figura anterior. Com efeito, Agar, escrava de Sara, e o filho foram de certa maneira imagem dessa imagem”. Santo Agostinho; A Cidade de Deus, parte 2, livro 15; capítulo 2. Editora Universitária São Francisco, Vozes de Bolso, p. 209. (Nota de Rafael e Renan Abreu)

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