O Sola Scriptura Nega Todo Tipo de Tradição?

Visto que todo o conselho de Deus para sua glória, a salvação, a fé e a vida do homem é encontrado nas Escrituras, então nada deve ser adicionado a elas. Essas palavras são muito fortes. Não há tempo ou circunstância em que algo possa ser adicionado. O cânon das Escrituras está completo, e o Espírito falou completamente ao seu povo. E se o Espírito não fará acréscimos às Escrituras, que lugar há para as tradições dos homens?

Este parágrafo articula o conceito de Sola Scriptura. Deve-se reconhecer que a ideia de Sola Scriptura foi mal compreendida e representada por muitos. Embora certamente seja traduzida para o português como “Somente a Escritura”, esta noção deve ser considerada com muito cuidado. Ela não é, e nunca foi destinada a ser, um slogan que omitisse referência a outros documentos. Pelo contrário, pretendia-se argumentar que a Escritura é o documento supremo, estando acima de todas as fontes no desenvolvimento da fé e prática cristãs.

Qual é a relação entre essas outras fontes e a Escritura?[1] É útil notar que a frase Sola Scriptura não se originou na era da Reforma, mas era conhecida e estabelecida muito antes. Heiko Oberman abordou e explicou esta questão de forma útil, por meio de uma categorização que explica o status da questão na era medieval. Ele sugere que havia duas formas de tradição, que ele chama simplesmente de Tradição 1 e Tradição 2.[2] Oberman argumenta que estas eram abordagens concorrentes à questão de Sola Scriptura e aos pronunciamentos da igreja.

A Tradição 1 pode ser descrita como a Escritura e a verdade encontrada nela. A Escritura é a base, mas não pode ser concebida separadamente da doutrina que ensina. E a doutrina que ensina não pode ser concebida separadamente da Escritura. Largamente, esta era a tradição exegética — o trabalho e labor dos teólogos-exegetas (lembrando que antes da era moderna estes não eram diferenciados) que era público e verificável. De maneira alguma isso minava o Sola Scriptura. Pelo contrário, protegia-o das interpretações incomuns das Escrituras propostas por hereges.

Por outro lado, a Tradição 2 ganhou destaque no final da Idade Média. Ela pode ser descrita como a Escritura complementada com as doutrinas reveladas à igreja por quaisquer meios — desenvolvimentos históricos ou pronunciamentos de autoridades, especialmente do papa. Segundo Oberman, William de Ockham acreditava que, ao receber novas doutrinas, a igreja não estava inventando ideias inéditas, já que a verdade é eterna, mas sim descobrindo ou reconhecendo verdades que até então eram desconhecidas. Dessa forma, eram extrabíblicas. Essas revelações relacionavam-se em grande parte ao direito canônico e tornaram-se a revelação coordenada para a igreja — ou seja, a Escritura mais essas doutrinas ou práticas extrabíblicas. Assuntos como a devoção mariana e a transubstanciação foram recebidos, identificados e dogmatizados desta forma.[3] Esta é a Tradição 2. Oberman argumenta que, no período medieval, a Tradição 1 era largamente proposta por teólogos e a Tradição 2, em grande parte, por juristas canônicos.[4]

Para os reformadores e seus sucessores, a Tradição 1 era essencial; a Tradição 2 deveria ser rejeitada. A Tradição 1 reconhece que a Escritura vem primeiro e é necessária para seus princípios fundamentais, mas também reconhece um lugar para a construção racional da doutrina com base nos primeiros princípios da Escritura, embora não necessariamente usando a linguagem explícita da Escritura, ou sequer um único texto da Escritura. A doutrina da Trindade é o grande exemplo. O termo “Trindade” não é encontrado em lugar algum na Palavra de Deus, nem existe um texto explícito que diga expressamente: “Deus é um e Deus é três”. Mas a doutrina é ensinada por toda a Escritura. Quando hereges postulavam que Cristo não poderia ser divino porque Deus é um; ou quando sugeriam que Deus se revela por diferentes modos em várias eras, os teólogos voltavam à Escritura para confirmar ou negar essas ideias e extrair dessa fonte divina as doutrinas a serem cridas. Os reformadores e seus sucessores entenderam bem esse ponto e o mantiveram. Eles não eram biblicistas que exigiam um texto explícito para cada doutrina; eles eram homens da igreja que se viam como parte dessa longa linha de crentes que se estende por milênios. Quando rejeitavam as tradições dos homens, eles estavam rejeitando a Tradição 2.

[1] Muito do material nos parágrafos seguintes vem do meu ensaio, “Person and Place: Two Problems with Biblicism”, em SCCP, 111-127.

[2] Heiko Oberman, The Harvest of Medieval Theology (Durham: Labyrinth, 1983), 365ff.

[3] Oberman, Harvest, veja especialmente as páginas 380-382.

[4] Oberman, Harvest, 369.

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