Sofrimento

[Cartas de Anne Dutton Sobre Temas Espirituais • Suffering]

Meu querido irmão,

O atual estado é de tribulação para todo o povo de Deus. Problemas de vários tipos, interiores e exteriores, como ondas do mar, vêm em grande escala, como se um puxasse o outro. Mas ainda assim, embora no mundo temos e teremos problemas, como nosso Senhor disse, quão grande é a paz que temos nEle! Um porto tranquilo em meio à aflição! E em todo tempo, bendito seja o Seu nome, o “Senhor dos ventos e das ondas” tem o prazer de conceder uma agradável calma, por Sua palavra de comando, “Paz, aquiete-se!” Oh, que pela sabedoria da fé e da oração, nós possamos nos preparar nos tempos calmos para uma tempestade!

“Levantai-vos, e ide-vos, porque este não é lugar de descanso; por causa da imundícia que traz destruição, sim, destruição enorme” (Miquéias 2:10). O pecado entrou e tristezas devem ser esperadas pelas presentes corrupções, as tentações de Satanás, armadilhas do mundo, dispensações das trevas, a face de Deus ser ocultada, a negação aparente de nossas orações, e do atraso das misericórdias prometidas; várias aflições na alma, no corpo, na reputação, nas circunstâncias, nas relações e amigos, em obras feitas para Deus, na Igreja e no mundo. Estas coisas devem ser esperadas de Deus, dos homens, dos amigos, dos inimigos, ao longo de nossa vida mortal, até, finalmente, a própria morte, em nossa passagem por este mundo para a terra de Emanuel.

E, no entanto, todas as coisas sabiamente misturadas e graciosamente superadas, cooperam e cooperarão juntamente para o nosso bem, e se tornarão a nossa salvação; sim, tantos preparativos pela graça para a nossa glória eterna, “porque nossa leve e momentânea aflição, produz para nós um peso muito mais excedente e eterno de glória”, e, “se sofremos com Cristo, também com Ele somos glorificados”.

Já que os sofrimentos de Cristo foram penais, o merecimento de nosso pecado e o fruto da maldição da lei para a satisfação da justiça Divina, e para a nossa redenção e salvação; assim, os Cristãos não sofrem como Cristo. Não! Nosso Jesus pisou o lagar da ira de Deus sozinho, e dos povos não havia ninguém com Ele. Nós, pobres pecadores, não, nem os anjos — aquelas criaturas sem pecado — mesmo que todas as suas hostes inumeráveis tivessem interposto, teriam sido capazes de suportar e superar aqueles sofrimentos que eram necessários para reparar a honra ferida de Deus, e satisfazer à justiça vingadora de Deus, pois os pecados dos homens, que eram objetivamente infinitos, exigiam uma expiação infinita. E, portanto, tal foi a graça ilimitada de Deus por nós que Ele colocou a iniquidade de nós todos sobre Seu próprio Filho — sobre o Filho de Sua própria natureza — vestido da  nossa, despejou todas as maldições de Sua santa lei em Cristo, como se estivesse em nosso lugar, e fez dEle nosso substituto, o qual era uma Pessoa infinita, logo, uma satisfação infinita por nossa culpa, para que pudéssemos ser isentos dos tormentos indizíveis que nossos pecados mereciam, que nos teriam afundado sob a ira Divina, e nos feito inconcebivelmente miseráveis para sempre.

E tal foi a graça ilimitada do Filho de Deus, que para que não sofrêssemos, Ele sofreu. Entrego-Me a sofrer livre e plenamente por todo o Meu povo, leve a Mim, o fiador, e deixe-os, os devedores, em liberdade. Deus, o Pai chamou a espada da justiça para despertar contra o Homem que era o seu companheiro, dizendo “Desperta, ó espada, contra o meu pastor; fere o pastor!” A mão da justiça vingadora de Deus estava sobre Cristo, para que pudéssemos escapar do golpe mortal, e fôssemos salvos eternamente de toda a miséria, para toda glória, pela mão de Sua infinita graça.

E o Senhor, nosso Salvador, em Seu amor que excede todo entendimento, “suportou a cruz, desprezando a ignomínia, pela alegria (da glória dEle e de Seu Pai em nossa salvação) que lhe estava proposta”. Assim, “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós”, e nós, os salvos, não temos participação nos sofrimentos penais do Salvador que Ele suportou de acordo com o Pacto, e que, por Ele ser uma Pessoa infinita, fez uma expiação infinita para a nossa culpa, e deu a eles um mérito infinito para nossa salvação. Não! “Seu braço sozinho trouxe a salvação, e de too o povo não havia ninguém com Ele”. E a Ele somente seja a glória, da parte de homens e anjos, para todo o sempre! Amém.

Mas, apesar dos Cristãos não sofrerem com Cristo naqueles Seus sofrimentos penais, ainda assim eles sofrem. Eles devem sofrer com Cristo, pois Seus sofrimentos eram filiais; pois “apesar de Ele ser um filho, ainda (em Sua natureza humana assumida), aprendeu a obediência pelas coisas que padeceu”, “Ele sofreu por nós, deixando-nos um exemplo (de mansidão e paciência, de zelo e coragem, de todo o dever filial, para a glória do Pai), para que sigamos Suas pisaduras”. E se sofremos com Ele, como Seus sofrimentos eram filiais, com Ele seremos também glorificados.

E a este respeito filial pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, ou têm uma comunhão com Ele nos sofrimentos:

1. Em que a causa principal dos sofrimentos, tanto para Cristo quanto para os Cristãos, era e é o amor de Deus Pai; “o cálice”, disse nosso Senhor, “que meu Pai (do amor de um Pai para Mim), dá-me de beber, os sofrimentos que Ele agora Me chama a suportar como fiança dos pecadores, a partir dEle, como um juiz, não beberei?” e, “O Senhor corrige ao que ama”, diz o apóstolo, “e qual o filho a quem o pai não corrija?”.

2. Em que os sofrimentos, tanto de Cristo, o Filho Primogênito, como dos Cristãos, os irmãos menores, foram e são os meios designados de Deus para o exercício de todas as graças, e para virem antes e preparar para toda a glória. Cristo primeiro sofreu e, em seguida, entrou em Sua glória, e assim deve ser com os Cristãos. Os sofrimentos de Cristo, a Cabeça, foram suportados em primeiro lugar, e depois se seguiu a glória, e, portanto, é assim que deve ser com todos os membros; os Cristãos devem primeiro sofrer com Cristo, e com Ele, em seguida, ser glorificados. Havia uma necessidade, por determinação Divina, que os sofrimentos de Cristo devessem preceder a Sua glória e prepara-lO para ela, como Ele disse: “Porventura não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e, em seguida, entrasse na Sua glória?” E, diz o apóstolo, “Se é certo que com Ele padecemos, para que também participemos da Sua glória”, tais palavras, embora nos deem a garantia de plenitude que também seremos glorificados, denotam da mesma forma a estreita ligação que existe entre sofrimentos e glória, e que os primeiros devem preceder e preparar para o último, como é evidente a partir da forma de expressão, “se é que sofremos com Ele, para que possamos também com Ele ser glorificados”.

3. Pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, em que os sofrimentos, tanto de Cristo e o dos Cristãos, foram e são suportados sob a influência do mesmo Espírito. O Espírito do Senhor em uma plenitude incomensurável repousou sobre Cristo, a Cabeça, e deu a Ele rápido entendimento no temor do Senhor, para que discernisse a mão de Seu Pai e Se submetesse à Sua vontade no amor a Ele em todos os Seus sofrimentos, com toda santa confiança nEle, e súplica sincera a Ele por libertação, e com mansidão e paciência até o término da mesma. E assim sobre os Cristãos, como os membros do corpo de Cristo, para lhes permitir suportar seus sofrimentos da mesma maneira, seguindo o exemplo que seu Senhor lhes deu, o Espírito de Deus e de glória repousa.

4. Pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, que seus sofrimentos são as aflições de Cristo, ou seja, da Cabeça, nos membros, pelos quais Ele Se interessa, e é interiormente e indizivelmente tocado. “Regozijo-me agora no que padeço por vós”, diz o apóstolo, “e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo”, o que também é verdade sobre cada crente; os sofrimentos que eles sofrem na sua carne são a aflições de Cristo.

5. Pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, em que ambos tinham e têm o mesmo fim principal em vista, ou seja, a glória de Deus em todos os seus sofrimentos. “Pai, glorifica o teu nome!”, diz nosso Senhor, quando Ele Se entregou às Suas mãos para suportar Seus maiores sofrimentos. E “nenhum de nós”, diz o apóstolo, “vive para si, e nenhum homem morre para si mesmo; pois, se vivemos, vivemos para o Senhor, e se morremos nós morremos para o Senhor” (isto é, em todos os nossos sofrimentos, que são mortes metafóricas, assim como em nosso último sofrimento da morte natural, buscamos a glória do Senhor); quer vivamos, portanto, ou morramos, somos do Senhor, dedicados à Sua honra.

6. Pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, em que ambos tinham e têm em todos os seus sofrimentos, um vislumbre da glória que se seguirá. “Cristo suportou a cruz, pela alegria (da coroa) que lhe estava proposta”, e os Cristãos, como Moisés, “suportam a aflição (as aflições do povo de Deus), considerando a recompensa do galardão”.

7. Pode-se dizer que os Cristãos sofrem com Cristo, na medida em que ambos os Seus sofrimentos e deles tinham e terão a mesma consequência: uma plena libertação da miséria mais profunda, e progresso para a maior glória. Os sofrimentos, tanto para Cristo como para os Cristãos, não foram, não são nem serão, eternos. Era impossível que a Cabeça sofredora, em razão da dignidade da Sua Pessoa e do mérito de Sua obediência, devesse ser atada sempre pelas ligaduras da morte; e é impossível que os membros sofredores, que são a plenitude da Cabeça, e que sendo remidos participantes em Seus méritos e Sua glória, sejam presos para sempre pelas cordas da aflição, “porque Cristo vive, os cristãos devem viver também”. “Os teus mortos (sob morte metafórica, bem como natural) e também o meu cadáver (estando misticamente nEle, e por influência dEle), viverão e ressuscitarão (do abismo mais profundo para a mais alta exaltação); despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos” [Isaías 26:19], pois, se sofremos com Ele, pela mesma causa, o amor de Deus; para o exercício das mesmas graças; e para preceder e preparar para a mesma glória de acordo com a proporção distinta da Cabeça e dos membros; se sofrermos sob a influência do mesmo Espírito — se os nossos sofrimentos são as aflições de Cristo — se Cristo e o Seu povo tem o mesmo fim em vista, a glória de Deus em todas as suas aflições; se tanto Cristo e os Cristãos têm um vislumbre em todos os seus sofrimentos da glória que se segue; e se os sofrimentos de Cristo e dos Cristãos têm o mesmo resultado em uma libertação completa de toda a miséria e avanço a toda glória, nós podemos estar bem certos, com o apóstolo, de que também com Cristo seremos glorificados, “Porque nós somos agora participantes dos sofrimentos de Cristo, para que quando a Sua glória for revelada possamos estar contentes também com alegria”, e, nossa leve tribulação, que não é mais que um momento, produz para nós (como nós pela graça somos lapidados e preparados) um peso muito maior e eterno de glória!

A partir disso, então, meu querido irmão, esperemos por aflições enquanto estivermos neste mundo. Louvemos a Deus porque nós não sofremos com Cristo quando Seus sofrimentos eram penais, e que sofremos com Ele quando Seus sofrimentos são filiais. Oremos fervorosamente para uma eminente medida do Espírito de Cristo, para que, de igual modo, possamos suportar os sofrimentos para a glória de Deus. Esforcemo-nos sob a direção da Palavra e Espírito de Cristo para seguir as Suas pisaduras, tomá-lO, o nosso Modelo, como um exemplo de sofrimento e de paciência, e para sermos os “imitadores dos que, pela fé e paciência, herdam as promessas”. Vamos tomar cuidado para que não percamos as oportunidades preciosas nos dadas pela aflição para o exercício de todas as nossas graças. Alegremo-nos que os nossos sofrimentos são as aflições de Cristo na nossa carne, e que temos uma querida, simpatizante Cabeça que interiormente e indizivelmente sente as dores de cada membro, faz delas Suas próprias, e é bem capaz de nos apoiar nelas, e salvar-nos delas.

Lembremo-nos: “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:6-7). E esperemos, com toda santa confiança, um resultado feliz de nossas aflições como Cristo teve dos Seus, de modo que nós que agora sofremos com Ele, sejamos então glorificados com Ele; e que grandeza essa glória terá, nem olhos viram, nem corações conceberam: é inefável e será eterna!

Oh, meu querido irmão, é algo doce sofrer com Cristo; ter um companheiro tão doce na tribulação! Certamente tal pensamento de fé deve adoçar nossas poções mais amargas. Se Cristo, a Árvore da Vida, for lançado nas águas amargas da aflição, Ele não irá adoçá-las tão bem que nossos corações poderão bebê-las livremente? Eu acho que sofrer com Cristo deveria fazer nossos corações saltarem de alegria! Pois, se Ele está conosco não afundaremos na tristeza; os braços eternos abaixo de nós e nos elevarão dos mais profundos afogamentos. O Senhor ressuscitou, os santos ressuscitarão, as tristezas não nos prenderão nem um momento a mais do que o tempo determinado, nem excederão o seu grau determinado. Logo nossa leve e momentânea cruz se converterá em uma maciça coroa eterna. Se sofrermos com Cristo, reinaremos com Ele, seremos glorificados com Ele.

Oh esta doce expressão: com Ele! Parece colocar uma glória sobre a própria glória, uma doçura naqueles rios de deleite que estão à direita de Deus. Nossa glória não seria tão inefavelmente gloriosa, se não fosse para ser apreciada com Cristo, nem as alegrias do Céu tão inefavelmente doces, se não nos alegrássemos juntamente com Cristo. A outrora sofredora Cabeça e os outrora sofredores membros glorificados juntos! Oh, como isso aumentará a alegria uns aos outros em glória! As tristezas, tanto de Cristo quanto as dos Cristãos, então, se converterá em alegria perfeita, e sua alegria e glória eterna tanto maior para todos os tempos e tristezas que eles suportaram e as mortes que sobreviveram, para que reinem na vida juntos pelos séculos sem fim.

Dores não nos machucarão, irmão, se formos capazes de viver para Deus sob elas. Nada, a não ser o pecado será amargo após meditação; e as tristezas que nós encontrarmos, até mesmo do próprio pecado, pelo perdão de Deus e graça vencedora, se converterão em alegria da vitória, para o Seu louvor eterno.

Mas oh, essa coisa mortal, o pecado! O pecado desonra a Deus, nosso Pai, fere o Senhor nosso Redentor, e entristece o Senhor nosso Consolador; ele coloca a morte em nossos confortos e uma picada em nossas cruzes. Que tomemos cuidado para não ceder ao pecado, e então nós não precisaremos, com um temor servil, ter receio de sofrimentos; que sejamos humilhados diante de Deus por toda a nossa incredulidade e impaciência sob aflições, e avancemos mais seriamente depois de uma medida maior de fé e de amor, de humildade, mansidão e paciência, de um espírito perseverante, semelhante ao de Cristo, em todas as aflições com as quais somos provados; ´pois se é certo que com Ele (assim) padecemos, também com Ele seremos glorificados [Romanos 8:17].

Grande graça seja com você. Adeus, no Senhor.

 

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