Teologia Bíblica Batista Pactual
Quando estudamos Teologia Bíblica, buscamos compreender o enredo geral das Sagradas Escrituras e como cada parte se conecta com o todo. Diante das diversas vertentes existentes, iremos começar a tratar sobre a posição Batista Pactual (Aliancista credobatista). A posição compatível com a Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 e que foi defendida por gigantes do passado como Charles Haddon Spurgeon, Benjamin Keach, Neemiah Coxe, A.W. Pink.[1] e até mesmo homens como John Bunyan e John Gill.[2] tiveram posições similares. Além disso, até mesmo o príncipe dos puritanos, John Owen, tinha uma interpretação bem semelhante a que vamos apresentar.[3] Por se tratar de uma posição robusta, profundamente bíblica, histórica e confessional, precisa ser considerada com muita atenção e com a Bíblia nas mãos. Pois, nosso objetivo não deve ser somente defender correntes teológicas como torcedores de times de futebol, mas conhecermos, de fato, a verdade bíblica. No presente artigo, pretendo dar um ponta pé inicial no assunto fazendo um voo panorâmico nas Sagradas Escrituras para posteriormente tratarmos dos assuntos de maneira mais detalhada.
Um Resumo do Enredo das Sagradas Escrituras
Deus criou todas as coisas (Gn 1.1). Fez o ser humano a sua imagem e semelhança (Gn 1.26). O Senhor, fez uma aliança condicional com Adão no Éden, na qual se ele obedecesse poderia comer da árvore da vida e viver eternamente, porém, se desobedecesse morreria (Gn 3.22 /Gn 3.3) com todas as implicações dessa morte (física, espiritual e eterna). Adão e Eva, seduzidos pela serpente (o diabo Ap 12.9), pecaram contra Deus e quebraram a aliança, sofrendo as consequências da queda (Gn 3.17 / Os 6.7). Por ser Adão, o cabeça federal (um indivíduo que representa um grupo) da humanidade, toda a sua descendência foi afetada por seu pecado (Rm 5.12). Porém, o Senhor promete que um descendente da mulher esmagaria a cabeça da serpente e ela lhe feriria o calcanhar (Gn 3.15). Esta é a primeira promessa do evangelho nas Escrituras (protoevangelho), apontando para o sacrifício de Cristo, aquele que viria para desfazer as obras do diabo (1Jo 3.8). Ele morreu para pagar o preço pelos pecados do seu povo (Mt 1.21), foi sepultado, mas ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras (1 Co 15.3-4) despojando todo principado e potestades (Cl 2.15), aplacando a ira de Deus. Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo (2 Co 5:18).
Ao longo de todo o A.T. a promessa a respeito do descendente da mulher se desenvolve através de sombras, sinais e tipos que apontavam para Cristo (Lc 24.27 / Cl 2.16-17 / 2 Tm 3.14-15). Após a queda, toda a criação foi afetada (Rm 8.18), logo percebemos que Caim mata Abel, Lameque também se torna assassino e a imoralidade se multiplica grandemente na terra (Gn 6). Diante da perversidade do coração humano, o Senhor envia um dilúvio, porém preserva um remanescente, Noé e sua família. Com Noé, estabelece uma aliança de preservação, na qual o Senhor não destruiria mais a terra por meio de um dilúvio. Essa garantia traz uma estabilidade física para o desenvolvimento da promessa e o sinal dela era o arco no céu (Gn 9.12).
É importante notarmos que mesmo após o Dilúvio, a corrupção humana permanece. Notamos, na sequência, que os homens em direta rebelião a Deus, ao invés de honrá-lo e obedecê-lo, buscam unir-se para engrandecerem a si mesmos, o que culmina na dispersão destes pela terra após o Senhor confundir a língua que falavam a ponto de não entenderem uns aos outros (Gn 11.4-9).
No desenrolar da história, o Senhor chamou Abrão (Gn 12), a quem fez promessas que tinham aspectos físicos e espirituais, aspectos terrenos e aspectos celestiais, aspectos condicionais e aspectos incondicionais (Gn 12 e Gn 17). Os aspectos físicos da aliança abraâmica se cumpririam na nação de Israel, o sinal desta aliança era a circuncisão física, a terra prometida era Canaã e o desenvolvimento da mesma se dá com sua descendência física na nação de Israel sob a Antiga Aliança (Leia Gl 4.24-31).
Entretanto, os aspectos espirituais da aliança abraâmica referiam-se a Cristo, o descendente de Abraão (Leia Gl 3.16) e se cumpririam na Nova Aliança. A circuncisão na Nova Aliança é no coração (regeneração), os herdeiros dessas promessas são aqueles que creem em Cristo, são aqueles que tem a fé de Abraão (Gl 3.29). O Senhor, lembrando da aliança que fez com Abraão, resgatou o povo do Egito por meio de Moisés, com quem também fez uma aliança no Sinai (Ex 20). A antiga aliança (Aliança Sinaítica) tinha aspectos condicionais como o pacto feito com Adão no Éden (obedeça e viva, desobedeça e morra). É uma aliança nacional, condicional e temporal, e distinta substancialmente da Nova Aliança (Hb 8). A nação de Israel é constituída nas leis cerimoniais, civis e morais da Aliança Sinaítica. Ela serve para preservar a linhagem do Messias, aponta para ele através de suas sombras, sacrifícios e cerimônias, mostra a necessidade de obediência perfeita a lei, de expiação de pecados, da necessidade de um mediador e serve como aio para conduzir a Cristo (Gl 3.24-25).
Posteriormente, o Senhor fez uma aliança com Davi, e prometeu a este que um descendente seu herdaria o trono para sempre. Essa promessa também se referia a Jesus Cristo (At 2.25-35). Além disso, os profetas falaram de uma aliança superior que estava por vir (Jr 31.31-34) e anunciavam a vinda do Messias (Is 53).
Observamos que todo o Antigo Testamento serve como uma promessa, sombra, sinal que apontava para Cristo (Jo 5.39). Muito embora todos os crentes do A.T. fossem salvos pela fé (Hb 11.1-2) na promessa de Deus sobre um Messias que ainda viria, o preço pelos pecados desses foi consumado somente na cruz, pois o sacrifício de Cristo também tinha um efeito retroativo que alcançou até mesmo os crentes do A.T. (Rm 3.25-26). Portanto, ninguém é salvo por suas próprias obras, mas somente por meio do Filho e de mais nenhum outro.
O sacrifício de Cristo, acontece em cumprimento ao decreto Divino, o eterno acordo que foi feito antes que houvesse mundo (Jo 17 / Ef 1/ Rm 9), onde o Pai planejou a redenção do seu povo, o Filho executou a obra expiatória e o Espírito Santo é quem a aplica no coração dos crentes. Cristo é o cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo (Ap 13.8).
Portanto, na plenitude dos tempos, Cristo Jesus veio, nascido sobre a Lei (Gl 4.4), da linhagem de Abraão e Davi, o Filho de Deus, o Verbo que se fez carne (Jo 1.14), em cumprimento de todas as profecias , para resgatar a sua igreja, pagar o preço por todos os pecados do seu povo (Mt 1.21), de todos aqueles que n’Ele creem (Jo 3.16). Cristo Jesus é a substância para quem todas as sombras apontavam, Ele é a revelação superior (Hb 1.1-2). O sinal de Jonas apontava para a sua ressurreição (Mt 12.39-40), a serpente no deserto para o seu sacrifício (Jo 3. 15), o maná apontava para o pão da vida (Jo 6), Melquisedeque para o seu sacerdócio real (Hb 7), etc. Ele é o sumo sacerdote superior, o Rei superior, o Profeta superior (Hb 1.1-4). Ele é o descendente da mulher, o segundo Adão (Rm 5.19), Como foi nos dias de Noé será em sua segunda vinda, Ele é o descendente de Abraão por meio de quem todas as nações seriam abençoadas (Gl 3.16), Ele é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29), Ele é o descendente de Davi que assenta no trono (At 2.25-36). A nova aliança em Cristo Jesus é superior à Antiga. A lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (Jo 1:17).
A Nova Aliança é incondicional, todos os que fazem parte dela conhecem o Senhor, e tem seus pecados perdoados, ou seja, essa aliança é um pacto de graça e é feita com os salvos (Hb 8 / Gl 4 / Lc 22.20). A aliança abraâmica prometeu um pacto da graça, a Aliança Sinaítica mostrou as condições do pacto da graça, mas somente a Nova Aliança cumpre o pacto da graça. O sangue de bodes e ovelhas não tinha poder para pagar pecados (Hb 9.12), somente o precioso sangue de Cristo Jesus é quem nos redime de todo pecado (1 Pe 1.18-19). A Nova Aliança é com todos aqueles que foram regenerados, todos os que estão em Cristo, pois, n’Ele, não há judeu nem grego, Ele é tudo em todos (Gl 3.28). Os gentios convertidos são enxertados na oliveira (Rm 11), fazem parte da aliança, pois, de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades (Ef 2:14-16). Portanto a Nova Aliança é com os que crentes, os eleitos, quer judeus, quer gregos que se rendem a Cristo. A igreja de Deus é composta de judeus e gentios convertidos a Cristo.
Entendemos que o reino de Deus já está entre nós (Lc 17.21 / Mt 3.2), toda autoridade foi dada a Cristo (Mt 28.18), Ele assentou-se à destra da majestade nas alturas (Hb 1:3), mas ainda não na sua plenitude, que se dará na segunda vinda de Cristo e consumação de todas as coisas (Ap 21.1). Esse atual período, chamamos na Teologia de “já e ainda não”. O período da proclamação do Evangelho por toda a terra (Mt 28.18-19), no qual chamamos os rebeldes para renderem-se, enquanto há tempo, ao grande Rei que virá. O Senhor Jesus Cristo voltará, descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. (1 Ts 4:16,17). E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. (1 Co 15.24). Na consumação de todas as coisas, Satanás e seus demônios serão lançados no lago de fogo junto com todos os ímpios para sofrerem eternamente em justa condenação (Ap 20.10) e os justos viverão eternamente com Deus e serão o seu povo e habitarão em novos céus e nova terra onde habita a justiça (Ap 21.1). Por fim o Deus triúno reinará absoluto em majestade e glória.
Sendo assim, notamos aqui o enredo bem resumido das Escrituras seguindo a linha: Criação, Queda, Redenção e Consumação. No final das contas, ou alguém está em Adão, tentando se salvar por suas próprias obras, ou está em Cristo sendo salvo por meio d’Ele, Cristo é o cabeça federal da igreja. No final das contas, o Senhor reinará plenamente junto ao seu povo que resgatou por sua maravilhosa graça. Diante disso podemos dizer junto com Paulo: Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! “Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? ” “Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém (Rm 11:33-36).
Soli Deo Gloria
[1] A.W. Pink tem um livro excelente sobre os Pactos de Deus (Divine Covenants).
[2] Muitos aspectos da Teologia destes concordam com o Federalismo dos Batistas de 1689 ainda que não seja idêntico.
[3] O livro: “Os distintivos da Teologia Batista Pactual” escrito por Pascal Denault apresenta a semelhança da posição de John Owen com o Federalismo Batista de 1689.