Tu Que Habitas Nos Jardins, por R. M. M’Cheyne

“Ó tu, que habitas nos jardins, os companheiros estão atentos para ouvir a tua voz; faze-me, pois, também ouvi-la. Vem depressa, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes dos aromas.” (Cânticos 8:13-14)

 

I. A descrição da Igreja, ou da alma crente: “Tu que habitas nos jardins”. Isto é verdade para o crente de duas maneiras.

1. Ele é fechado e separado do mundo: “Jardim fechado és tu, minha irmã, esposa minha” (Cânticos 4:12). Todos os crentes habitam dentro de um recinto. Assim como os jardins do Oriente estão fechados com uma cerca de canas, ou de figo da Índia, ou por uma parede de pedras, assim, todos os que são de Cristo são separados do mundo, Jesus diz: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (João 15:19). E, novamente, João diz: “O mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele” [1 João 3:1]. Grandes erros são cometidos aqui. Há muitas sebes que não são do plantio de Cristo. Muitos são separados, mas não pelo Evangelho de Deus.

(1) Alguns são separados por educação. Eles são educados longe do barulho e da agitação do mundo. Eles veem pouco de seus vícios, e ouvem pouco da sua profanação. Eles nunca estão autorizados a entrar em seu anel mágico. Eles são uma espécie de pessoas separadas. Mas, ah! eles têm um mundo em seu próprio coração.

(2) Alguns, mais uma vez, são separados do mundo por dores mundanas e angústias, ou por doença do corpo. Seu espírito orgulhoso está quebrado. O seu coração foi usado loucamente por acompanhar o mundo; mas agora ele adoece e morre dentro deles; o desejo se vai. Eles não têm mais coração para os seus ídolos. Trata-se de uma espécie de pessoas separadas. Mas, ah! eles não habitam nos jardins; esta é a separação da natureza, não da graça.

(3) Alguns têm uma separação arrogante do mundo, como os que diziam: “Para trás, porque sou mais santo do que tu”, como os Fariseus, que não falariam com um publicano. Estes são conhecidos por sua pouca compaixão pelo mundo. Ah! estes não habitam no jardim de Cristo.

(4) Há uma separação nominal do mundo. Essas pessoas têm um nome de quem vive, e estão mortas. Eles pertencem, possivelmente, a uma congregação peculiar, e à reunião de oração peculiar, pois eles têm um nome de Cristão e uma aparência Cristã, pois eles muitas vezes falam como Cristãos, e são chamados de Cristãos, o mundo os teme, e os tratam como se fossem crentes, mas o tempo todo sob este manto bate um coração não transformado, incrédulo, ímpio. Ah! irmãos, esta é uma separação feita por Satanás. Mas todos os que são de Cristo verdadeiramente habitam nos jardins. Eles são separados do mundo por um abismo infinito, intransponível.

Em primeiro lugar, pelo sangue. Assim como as casas de Israel foram separadas das casas dos egípcios por terem as portas aspergidas com sangue; semelhantemente há um conjunto de homens neste mundo, cujas portas dos corações foram aspergidas com sangue. O sangue de Cristo sobre a sua consciência marca-os como homens perdoados. Eles tinham a mesma natureza de outros homens; a mesma inimizade contra Deus, e repulsa desesperada dEle; eles tinham o mesmo amor aos ídolos como os outros homens; eles passaram sua juventude nos mesmos pecados que os outros homens; muitos deles foram até as profundezas do pecado; mas o Senhor Jesus os amou, e os lavou de seus pecados em Seu próprio sangue. “Justificados pela fé, temos paz com Deus” [Romanos 5:1]. Estes são os que habitam nos jardins. Ah! irmãos, vocês têm sido separados pelo sangue? Vocês têm o sangue carmesim de Jesus, tornando a sua alma diferente do restante dos homens?

Em segundo lugar, por Seu Espírito. Todos os que são verdadeiramente de Cristo são separados do mundo pela habitação do Espírito Santo. “Se alguém está em Cristo Jesus, nova criatura é” [2 Coríntios 5:17]. Ele tem novos desejos dados a ele, posto que ele desejava o que outros homens desejam. Louvor dos homens, um nome, o poder, o dinheiro, o prazer. Estes foram os principais objetos que estavam diante dele. Agora estes perderam o seu poder sobre ele. O mundo foi crucificado. Agora, ele deseja mais proximidade de Deus; uma mudança mais completa de coração; ele deseja espalhar o conhecimento de Jesus sobre o mundo. Ele é separado para o Evangelho de Deus. Ele tem novas tristezas. Uma vez todas as suas tristezas eram as tristezas do mundo; chorou pela perda de amigos ou bens deste mundo, mas agora essas dores são leves aflições. Seu mais pesado sofrimento agora é quando ele está longe de Deus, quando ele quer a presença de Deus e o sorriso de Deus, ou, talvez, a ausência do Espírito e a queima da corrupção interior, ou o pecado abundante ao seu redor, o faz suspirar e chorar, ou a arca de Deus faz com que seu coração trema. Este homem está separado, ele habita nos jardins.

Queridas almas, vocês têm sido, assim, separados do mundo? “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade” [2 Tessalonicenses 2:13]. Ah irmãos, o sangue de Cristo tem vos separado do mundo não-perdoado? Será que o Espírito de Cristo, vos separou do mundo não regenerado? Existe uma separação real, eterna feita entre vocês e o mundo? Se não, vocês perecerão com o mundo.

2. Habitar nos jardins também parece significar habitar em deleite. Quando Deus fez o homem, no princípio, Ele plantou um jardim no Éden, ao Oriente; e do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis ??à vista e boas para comida, e a árvore da vida no meio do jardim. E o Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para cultiva-lo e guarda-lo. Aquele jardim era um tipo de doce deleite da alma de Adão; e ali, dia após dia, ele ouviu a voz de Deus, que passeava no jardim, na viração do dia. Quando Adão caiu, Deus o expulsou do jardim para este mundo sombrio, coberto de espinhos e abrolhos, para ganhar o pão com o suor do seu rosto. O homem já não andava com Deus em um jardim de delícias. Mas quando um pecador é levado a Cristo, ele é trazido para o jardim de Cristo: “Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso” [Hebreus 4:3]. Ele diz: “desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento; e o seu fruto é doce ao meu paladar” [Cânticos 2:3]. Ele se torna alguém que habita nos jardins. Na verdade, ele é alguém vindo do deserto. Este mundo é um deserto, para o crente — cheio de dor, doença, suspiros e morte — um mundo que crucificou seu Senhor, e o persegue; um mundo frio, incrédulo e ímpio. Ainda assim, a alma habita nos jardins: “A sua alma pousará no bem” [Salmos 25:13]. É verdade, o crente tem seus momentos de deserção, e nuvens, e dúvidas, e águas profundas em tais ocasiões, o seu grito é, ‘Miserável Homem que sou!” Ainda assim, quando o olho repousa sobre Jesus, a sua alma habita em um jardim de delícias.

Ó! irmãos, que foram levados para o jardim de Cristo; vocês encontraram grande prazer nele, um melhor do que o Éden — um direito à árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus! Muitos de vocês pensam que é uma coisa maçante tornar-se um Cristão. Você olha para os seus lados, a sua calma, caminhada humilde, por meio do mundo. Você pensa que eles são ranzinzas, taciturnos, severos. Mas, ó homem! você está apenas olhando para a casca: você não pode ver o que é sentido interiormente, você não pode ver a luz do sol do céu que repousa sobre tal alma, você não pode saborear por um momento o prazer de estar em paz com Deus […].

“Feliz é o homem que acha sabedoria,

E o homem que adquire entendimento.

Ela é mais preciosa do que rubis;

E todas as coisas que possas desejar não se pode comparar com ela.

Vida longa de dias está na sua mão direita;

Em sua mão esquerda riquezas e honra.

Os seus caminhos são caminhos de delícias,

E todas as suas veredas são paz.

Ela é uma árvore da vida para os que dela lançam mão:

E feliz é todo aquele que a retém.”

Ah, irmãos, vão e aprendam o hino que assim começa:

“Irão os homens fingir prazer

Aqueles que nunca conheceram ao Senhor?

Podem todos os tesouros do mundano

A verdadeira paz de espírito pagar?”

II. A exclamação Cristo: “os companheiros estão atentos para ouvir a tua voz”.

1. A alma em Cristo tem muitos companheiros amáveis, irmãos e irmãs em Cristo Jesus. A alma que está unida à videira está unida a todos os ramos: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” [1 João 3:14]. “Companheiro sou de todos os que te temem” [Salmos 119:63].

Os crentes têm muitas coisas a dizer um ao outro; como João diz a Gaio: “Tinha muito que escrever, mas não quero escrever-te com tinta e pena. Espero, porém, ver-te brevemente, e falaremos face a face” [3 João 1:13-14]. Assim como os crentes nos dias de Malaquias: “Então aqueles que temeram ao Senhor falaram frequentemente um ao outro; e o Senhor atentou e ouviu” [Malaquias 3:16].

E o mesmo ainda acontece com os crentes. Podem dizer de suas experiências passadas modesta e humildemente, com auto-aversão, e para a glória de Cristo; como Jesus disse ao que havia sido endemoninhado: “Torna para tua casa, e conta quão grandes coisas te fez Deus” (Lucas 8:39); e como Davi fala: “Vinde, e ouvi, todos os que temeis a Deus, e eu contarei o que ele tem feito à minha alma” (Salmos 66:16). Eles falam um com o outro em suas angústias, como está escrito: “Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” [1 Tessalonicenses 4:18]. Não, “consolai-vos a vós mesmos”, mas “consolai-vos uns aos outros”, esta é uma ordenança de Deus que o consolo deve ser ministrado de crente para crente. Que gentil mão de amor deve trazer a taça da consolação. Eles falam uns aos outros sobre Jesus: “Vistes aquele a quem ama a minha alma?” [Cânticos 3:3], para onde foi o teu amado, ó mais formosa entre as mulheres? Para onde se retirou o teu amado, para que o busquemos contigo?” [Cânticos 6:1]. Eles exortam uns aos outros diariamente, durante o dia chamado hoje.

Ah! esta é uma verdadeira marca de todos os verdadeiros crentes: “os companheiros estão atentos para ouvir a tua voz”. Assim muitos de vocês podem saber se vocês não estão em Cristo por isso, que vocês nunca aprenderam a língua pura de Canaã. É verdade que há muitos que têm as frases dos Cristãos, e tem muito falar, que passarão a ser nuvens sem chuva, virgens loucas, tendo uma lâmpada, e pavio, e chama, porém nenhuma gota de óleo no interior, ainda assim, se vocês não têm o discurso de Canaã, se vocês não tiverem uma palavra para aqueles que caminham em direção a glória, eu temo que vocês não pertencem a essa companhia.

2. Ouça a exclamação de Cristo. “Faze-me, pois, também ouvi-la”. Cristo se queixa de que falamos mais uns aos outros do que com Ele. Este é muitas vezes o caso, especialmente com os jovens crentes. Quando o peito se enche de alegria, o crente o derrama antes perante seus companheiros, em vez de diante do Senhor. Na tristeza, quando as nuvens têm coberto a alma, Cristo é esquecido, e algum companheiro procurado para ouvir suas queixas. Na dificuldade, quantas vezes o crente corre primeiro para algum companheiro na terra em busca de conselho! Agora, a palavra de Cristo é: “faze-me, pois, também ouvi-la”, corra primeiro para Mim.

(1) Porque Cristo é um Salvador zeloso: “Porque o Senhor teu Deus é um Deus zeloso” [Deuteronômio 6:15]. Quando Cristo levou-nos para Si mesmo, Ele disse: “E naquele dia, diz o SENHOR, tu me chamarás: Meu marido; e não mais me chamarás: Meu senhor. E da sua boca tirarei os nomes dos Baalins, e não mais se lembrará desses nomes” [Oséias 2:16-17]. Lembrem-se de como Ele disse: “Amas-me mais do que estes?” [João 21:15] E disse-lhe: “Que tenho eu com os ídolos?” [Oséias 14:8]. Agora, o Senhor Jesus não pode suportar que devemos ter um amigo mais próximo do que Ele mesmo. Ele deve ser o nosso parente mais próximo. Devemos nos inclinar sobre o Amado. “Faze-me, pois, também ouvi-la”.

(2) Porque nEle são completamente supridas todas as nossas necessidades. É verdade que os companheiros são tão queridos e amáveis ??na sua vida; mas de onde eles tiraram toda a graça que os tornou assim? Não foi a partir de Cristo? Talvez nós amamos sua brandura e mansidão; sua santa sabedoria, para aconselhar-nos em circunstâncias difíceis; mas ah! de onde eles tiraram isso? de Jesus. Eles não são nada senão cisternas; Cristo é a fonte. Eles são apenas criaturas; Cristo é o Criador. Devemos deixá-los, e valer-nos dEle. “Faze-me, pois, também ouvi-la”.

(3) A comunhão com Cristo é sempre santificadora. A comunhão com os homens, mesmo com os homens bons, muitas vezes endurece e fere a alma. Você está contando experiências? Você está apto a ser um homem agradável, para buscar parecer algo maravilhoso, muito humilde ou de muito crédito? Você está apto a buscar antes o louvor dos homens do que a glória de Deus. Você está em busca de conforto? Você está apto a se inclinar sobre a criatura, e esquecer o único Consolador; mas a comunhão com Cristo é sempre santificadora. É bom para a alma encontrar-se com Jesus. Oh, se tu fosses a Jesus e Lhe dissesse tudo; se tu O levasse a ouvir-te, quão mais feliz tu serias! Deixe haver muita sinceridade entre sua alma e Cristo. Não cubra nenhum pecado diante dEle; derrame cada alegria, cada tristeza, busque conselho em cada perplexidade. Veja aqui, Ele ordena que você venha e conte-Lhe tudo: “Faze-me, pois, também ouvi-la”.

III. A oração do crente.

1. Ele ora por um rápido retorno de Cristo à sua própria alma. É a presença de Cristo com a alma que dá a verdadeira paz e a verdadeira santidade. Não são as circunstâncias, nem os ministros, nem lugar, nem tempo, mas Jesus presente. Pois sentar-se à Sua sombra, proporciona grande prazer. Pois somente inclinar-se sobre o Amado apoia os seus passos vacilantes. Um verdadeiro crente não pode estar satisfeito, enquanto Cristo está longe; “Vem depressa, amado meu”; alguém que não é uma esposa pode se contentar com outros amantes, mas os suspiros da esposa fiel são pelo retorno de seu Senhor. As ordenanças são todas frias e estéreis até que Ele retorne. Ministros falam, mas não ao coração. Os companheiros não podem dar descanso nem acolhimento. Ó irmãos! Vocês sabem o que é suspirar consigo mesmos: “Vem depressa, amado meu”?

2. Ele ora por um rápido retorno de Cristo à Igreja. É a presença de Cristo, que faz o tempo doce de refrigério em uma Igreja. Quando Ele vem saltando sobre os montes, saltando sobre as colinas, as flores aparecem imediatamente na terra. O povo do Senhor é vivificado em todas as suas graças; eles começam a entoar canções de libertação; almas ansiosas brotam como a erva; e todo o jardim do Senhor exala aromáticos. Ah! se o Senhor Jesus viesse aqui com poder, eu pregaria e vocês ouviriam de outra maneira e não desta forma que nós fazemos. Eu não seria tão duro de coração, e vocês seriam derretidos sob Sua Palavra. Vocês não orarão: “Vem depressa, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes dos aromas”? Não é este um momento tão desejável?

3. Ele ora pela segunda vinda gloriosa de Cristo. É a verdadeira e visível vinda e presença de Jesus, o Rei, em Sua formosura, que aperfeiçoará a alegria de seu povo crente. (1) O amor da alma, então, será satisfeito. No momento estamos atingidos por muitas dúvidas. Estou realmente convertido? Estou em Cristo? Será que perseverarei até o fim? A alma tem muitas vezes uma fome por Cristo, e não pode saciá-la. Mas quando O veremos como Ele é, as sombras todas fugirão. Jamais teremos outra dúvida; para sempre estaremos com o Senhor. (2) Jesus deve então ser totalmente glorificado. Atualmente, Ele é desprezado e cuspido. Seus inimigos têm a mão levantada. Reis O desprezam, e a maioria dos homens O estima superficialmente. Mas, então, quando Ele vier será glorificado nos Seus santos e admirado em todos os que creem. Todos os seus santos deverão então bendizê-lO: “os homens serão abençoados nEle; todas as nações lhe chamarão bem-aventurado” [Salmos 72:17].

Ah! meus amigos, vocês podem dizer honestamente que esperam por esse dia? É uma bem-aventurada esperança para vocês? Somente aqueles que podem dizer: “Meu Amado”, podem desejar a Sua vinda. “Ai daqueles que desejam o dia do Senhor! Para que quereis vós este dia do Senhor? Será de trevas e não de luz” [Amós 5:18]. Ah! irmãos, quando Jesus vier nas nuvens do céu, todo olho o verá; e a maioria de vocês, eu temo, se lamentará por causa dele. Ah, lá está Ele! o Salvador que nós rejeitamos, O negligenciamos por toda a nossa vida, O desprezamos; Ali Ele vem para se vingar de nós que não conhecemos a Deus e não obedecemos ao Evangelho. Aqueles de vocês que podem dizer: “Meu Amado”, não estão em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão. Sua oração é: “Vem depressa, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes dos aromas”.

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