[Capítulo 9 do livro A Guide to Fervent Prayer • Editado]
“E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus nos chamou à sua eterna glória, depois de havemos padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e estabeleça. A ele seja a glória e o poderio para todo o sempre. Amém.” (1 Pedro 5:10-11)
Tendo considerado nos dois capítulos anteriores, o suplicante, a definição, o Objeto e o apelo desta oração, vamos agora contemplar, em quinto lugar, a sua petição: “E o Deus de toda a graça… ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e estabeleça”. A força apropriada da gramática Grega faria a petição ser lida assim: “o Deus de toda graça… Ele mesmo vos aperfeiçoe, Ele mesmo vos confirme, Ele mesmo vos fortaleça, Ele mesmo vos estabeleça”. Há muito mais contido nessas palavras do que aparece na sua superfície. A plenitude do seu significado só pode ser descoberta por um exame paciente das Escrituras, assim, determinando como os vários termos são utilizados em outras passagens. Eu considero as palavras “Ele mesmo vos aperfeiçoe” como a principal coisa solicitada. As três palavras que se seguem são, em parte, uma amplificação e, em parte, uma descrição do processo pelo qual o efeito desejado seja alcançado, embora cada uma das quatro palavras requer ser considerada separadamente. Expositores antigos — que adentraram nas coisas de modo muito mais profundo e completo do que os nossos expositores modernos o fazem —, levantaram a questão de saber se esta oração recebe o seu cumprimento na vida presente ou na vida por vir. Depois de pesar cuidadosamente os prós e os contras de seus argumentos, concluí tendo em vista o alcance extraordinário da palavra grega katartiz? (Nº 2675, em Strong e Thayer), aqui traduzida por aperfeiçoar, que esta petição é concedida em uma resposta dupla: aqui e no futuro. Considerarei a ambos em meus comentários.
Duas Significações Relevantes
Katartiz? significa aperfeiçoar (1) por ajustar ou articular de modo a produzir um objeto impecável; ou (2) por restaurar um objeto que se tornou imperfeito. Para que você seja capacitado a formar seu próprio julgamento, definirei antes as passagens em que a palavra Grega é de forma variada traduzida em outro lugar. Em cada passagem citada a palavra ou palavras colocadas em itálico são a tradução em Português da palavra Grega traduzida como aperfeiçoar em nosso texto. Quando o Salvador diz: “Mas corpo me preparaste [ou “me equipaste”, tolerância admissível] (Hebreus 10:5), devemos entender, como disse Goodwin, que “aquele corpo foi formado ou articulado pelo Espírito Santo, com a alma humana, em todas as suas partes, em um instante de sua união com o Filho de Deus”, e que ele era imaculadamente santo, impecável, e sem mancha ou defeito. Katartiz? é usado novamente para expressar a consumação final e perfeita da obra da primeira criação de Deus: “os mundos pela palavra de Deus foram criados” (Hebreus 11:03). Ou seja, eles estavam de tal forma concluídos que nada mais era necessário para a sua perfeição; pois como Gênesis 1:31 nos diz: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom”.
Mas essa mesma palavra Grega tem um sentido muito diferente em outras passagens. Em Mateus 4:21 encontra-se na frase “consertando as redes”, em que se denota a reparação do que foi danificado. “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão” (Gálatas 6:1). Neste texto, isso significa tal como a restauração de um membro que está fora da articulação. Sem dúvida, essa foi uma das significações que o Apóstolo Pedro tinha em mente quando escreveu esta oração, pois aqueles por quem ele orava haviam sido desarticulados ou dispersos por perseguições (1 Pedro 1:1, 6, 7). Paulo também tinha esse tom de significado diante dele quando exortou os Coríntios divididos: “sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer” (1 Coríntios 1:10). Mais uma vez, a palavra é usada às vezes para expressar o suprimento de uma deficiência, como acontece em 1 Tessalonicenses 3:10: “para que possamos ver o vosso rosto, e supramos o que falta à vossa fé?”. A palavra falta implica uma deficiência. Mais uma vez, a palavra ocorre em Hebreus 13:21: “Vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo Jesus” (Hebreus 13:21). Aqui o apóstolo ora para que os santos avancem para maiores níveis de fé e de santidade nesta vida.
Nosso Aperfeiçoamento Tem Relação Com o Processo de Santificação
Desta forma, poderá ver, a partir de seu uso em outras passagens, que a palavra Grega traduzida como aperfeiçoar em 1 Pedro 5:10 pode oferecer um significado de algo como isto: “O Deus de toda graça… Ele mesmo vos aperfeiçoe em todos esses níveis sucessivos de graça que são necessários para que vocês alcancem a maturidade espiritual”. Esse significado não necessariamente implica qualquer culpa pessoal ou fracasso naqueles por quem se ora, assim como uma criança não deve ser responsabilizada por não ter ainda atingido a plena estatura de um adulto ou de não ter atingido o conhecimento que vem com a idade madura. É com este princípio em mente que Deus prometeu levar à perfeição a boa obra que Ele começou na alma de seu povo (Filipenses 1:6). Um Cristão pode ir até a medida de graça recebida do alto, sem qualquer divergência intencional em seu curso, e ainda ser imperfeito. Este foi o caso com o apóstolo Paulo, um dos mais favorecidos dos filhos de Deus, que confessou: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito” (Filipenses 3:12). Houve, e há, algumas almas privilegiadas que nunca deixaram o seu primeiro amor, que seguiram rapidamente na busca do conhecimento do Senhor, e que (como o teor geral de suas vidas) têm se conduzido de acordo com a luz recebida. No entanto, mesmo estes têm necessidade de mais adições de sabedoria e santidade para torná-los ramos mais fecundos da videira e para movê-los sempre na direção à consumação de sua santidade no céu.
Um exemplo disso aparece no caso dos santos de Tessalônica. Eles não somente haviam experimentado uma conversão notável (1 Tessalonicenses 1:9), mas eles se comportaram da maneira mais exemplar e que mais honrava a Deus, de modo que o apóstolo deu graças a Deus por eles por causa da “obra da vossa fé, do trabalho do amor, e da paciência da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de nosso Deus e Pai” (vv. 2-3). Não somente as suas graças interiores eram saudáveis e vigorosas, mas em sua conduta exterior eles foram feitos “exemplo [padrão] para todos os fiéis” (v. 7). No entanto, Paulo estava mui ansioso para visitá-los novamente, para que pudesse aperfeiçoar o que faltava em sua fé (1 Tessalonicenses 3:10). Ele desejava que fossem abençoados com outras fontes de conhecimento e graça que promoveria uma caminhada mais íntima com Deus e uma maior resistência e superação de tentações. Pois essa fé que repousa sobre Cristo para perdão e aceitação de Deus, que Ele concede na conversão, é também uma fé consciente se fundamente sobre a nossa aceitação por Deus. Paulo refere-se a isto como a “plenitude da inteligência” (Colossenses 2:2). Com essa bendita segurança, Deus nos dá a rica experiência da “alegria indizível e cheia de glória” (1 Pedro 1:8) e do fazer firme a nossa vocação e eleição, a fim de que uma entrada abundante em Seu reino seja iniciada nesta vida (2 Pedro 1:10-11). No entanto, este aperfeiçoamento também se aplica à recuperação e restauração dos Cristãos que tropeçaram, como é evidente, no próprio caso de Pedro.
Pedro ora pelo Estabelecimento ou Confirmação da Fé Daqueles a Quem se Dirige
Mas suponha que Deus assim conserte e restaure aqueles que foram achados em falta, ainda assim, eles não podem cair novamente? Sim, de fato, e, evidentemente, Pedro teve uma tal contingência em vista. Assim, ele acrescenta a palavra “confirmar”. Pedro anelava que eles fossem tão confirmados na fé que eles não caíssem. Para os inconstantes e vacilantes, esse foi um pedido para que eles não fossem mais lançados para lá e para cá, antes fossem inamovíveis em suas crenças. Para os desanimados que, tendo posto a mão no arado, não olhassem para trás por causa das dificuldades do caminho. Para aqueles que estavam andando de perto com o Senhor, para que pudessem ser confirmados em santidade diante de Deus (1 Tessalonicenses 3:13); pois os mais espirituais estão diariamente em necessidade de graça sustentadora A palavra Grega usada (st?riz?, Nº 4.741, em Strong e Thayer) de um modo geral significam firmar ou confirmar. Ela ocorre nas palavras de Cristo em Lucas 16:26: “está posto um grande abismo”. Ela é encontrada novamente em conexão com Cristo e é traduzida assim: “manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém” (Lucas 9:51). É a palavra dirigida pelo Senhor ao próprio Pedro: “e tu, quando te converteres, confirma [ou “fixa firmemente”] teus irmãos” (Lucas 22:32). Nosso Senhor estava comissionando Pedro, com antecedência, para restabelecer aqueles de Seus condiscípulos que também poderiam ceder à tentação de negar o Seu Mestre. Da mesma forma, Paulo quis estabelecer e consolar os santos de Tessalônica a respeito de sua fé, e isso em relação à tentação ou tribulação (1 Tessalonicenses 3:1-5).
Pedro Ora para que Deus Se Agrade em Conceder Força Moral a Eles
Mas, ainda que nós sejamos assim confirmados pela graça de Deus, de modo que não podemos cair total e finalmente, ainda assim, somos fracos e podemos estar labutando sob grandes debilidades. Por isso, o apóstolo acrescenta à sua petição a palavra “fortalecer”. Este verbo Grego (stheno?, Nº 4.599 em Strong e Thayer) não é usado em outras partes do Novo Testamento, mas, a partir de sua posição aqui entre “confirmar” e “estabelecer”, ela parece ter a força revigorante contra fraquezas e corrupções. Lembro-me da oração que Paulo ofereceu, em nome dos Efésios, para que fossem “corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior” (Efésios 3:16). Paulo emprega um substantivo negativo (asthenes, Nº 772 em Strong e Thayer), formado a partir da mesma raiz, em Romanos 5:6: “Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Em nosso estado não-regenerado, estávamos totalmente desprovidos de capacidade e habilitação para fazer aquelas coisas que são agradáveis a Deus. O estado de impotência espiritual de uma alma não-regenerada não é apenas dito ser “fraco”, mas a condição do corpo quando morto é expresso por um substantivo (astheneia, Nº 769) derivado de asthenes (Nº 772). “Semeia-se em fraqueza”, ou seja, é sem vida, totalmente desprovido de qualquer vigor. Mas, por contraste, “ressuscitará com vigor” (1 Coríntios 15:43); ou seja, isso deve ser dotado e capacitado com todas as habilidades das criaturas racionais, mesmo como as que os anjos têm (Lucas 20:36), os quais “excedem em força” (Salmos 103:20). Assim, este pedido pelo fortalecimento dos santos deve ser entendido como por suprimentos de graça que fortalecerão as mãos cansadas e joelhos desconjuntados e os capacitarão a superar todas as forças de oposição.
Pedro Ora para que Eles Possam Ser Estabelecidos em Fé, Amor e Esperança
Apesar de sermos confirmados de modo que nunca seremos perdidos, e embora sejamos fortalecidos para resistirmos contra as tribulações, ainda assim, podemos nos tornar instáveis e inseguros. Portanto, Pedro acrescenta a palavra “estabelecer” à sua petição. Ele está preocupado para que eles sejam incansáveis em sua fé em Cristo, amor por Deus e esperança da glória eterna. O verbo Grego (themelio?, Nº 2.311) é traduzido como “edificada” em Mateus 7:25, “fundaste” em Hebreus 1:10, e “fundados” em Efésios 3:17. Em nosso texto, ele parece ser utilizado como o oposto de oscilações de espírito e dúvidas de coração. Pedro está dizendo algo como: Eu oro para que vocês sejam capazes de dizer com confiança: “porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia” (2 Timóteo 1:12), e que vocês não se desviem do caminho do dever por causa da oposição que vocês encontram. Não importa o quão boa uma árvore possa ser, se ela não estiver estabelecida na terra, mas sendo movida de lugar para lugar, ela terá pouco ou nenhum fruto. Quantos podem traçar a esterilidade de suas vidas pela condição incerta de seus corações e julgamentos! Davi poderia dizer: “Preparado está o meu coração, ó Deus, preparado está o meu coração”, e portanto, ele adicionou, “cantarei, e darei louvores” (Salmos 57:7). Esta também é uma benção que somente Deus pode dar. “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar”, diz Paulo (Romanos 16:25). Ainda assim, como Deuteronômio 28:9 e 2 Crônicas 20:20 mostram, devemos utilizar os meios indicados.
“Ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e estabeleça”. O objetivo último parece ser mencionado em primeiro lugar, e, em seguida, as etapas através do que isso deve ser alcançado. Mas, se considerados em conjunto ou isoladamente, todos eles relacionam-se com a nossa santificação prática. O acúmulo destes termos enfáticos indica a dificuldade da tarefa do Cristão e sua necessidade urgente de suprimentos constantes de graça Divina. A guerra do santo é uma de dificuldade incomum, e suas necessidades são profundas e muitas; mas ele relaciona-se com “o Deus de toda graça”! Por isso, é tanto o nosso privilégio e dever recorrer a Ele por meio de súplica insistente (2 Timóteo 2:1; Hebreus 4:16). Deus providenciou graça correspondente a todas as nossas necessidades, ainda assim, esta flui através dos meios que Ele designou. Deus irá nos “aperfeiçoar, confirmar, fortificar, e estabelecer”, em resposta à fervorosa oração, pela instrumentalidade de Sua Palavra, por Sua bênção para nós aos vários ministérios de Seus servos, e santificando-nos a disciplina de Suas providências. Aquele que deu ao Seu povo uma esperança segura também dará todo o necessário para a realização da coisa esperada (2 Pedro 1:3); mas é unicamente a nossa parte buscar a bênção desejada e necessária por meio da oração (Ezequiel 36:37).
Nosso Padecer com Cristo Deve Preceder o Sermos Glorificados com Cristo
Em sexto lugar, passamos a refletir sobre a qualificação desta oração: “depois de havemos padecido um pouco”. Esta cláusula está intimamente ligada com duas outras: (1) “que em Cristo Jesus nos chamou à sua eterna glória” e (2) a petição “Ele mesmo vos aperfeiçoe”. O apóstolo não orou para que os crentes fossem removidos deste mundo, assim que fossem regenerados, nem que eles fossem imediatamente aliviados de seus sofrimentos. Ao contrário, ele ora para que os seus sofrimentos deem lugar à glória eterna “depois de um tempo”, ou, como diz o original em Grego: “depois de um pouco de tempo”, pois todo o tempo é curto, em comparação à eternidade. Pela mesma razão, as aflições mais severas devem ser consideradas como “leves” e apenas “momentâneas” quando comparadas a um “peso eterno de glória” que nos aguarda (2 Coríntios 4:17). Os sofrimentos e a glória estão inseparavelmente ligados, pois “por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14:22). O apóstolo Paulo ensina claramente que aqueles de nós que somos filhos de Deus deveremos realmente compartilhar da herança de Cristo, “se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados” (Romanos 8:17). Se alguém não carrega qualquer cruz, ele não ganhará nenhuma coroa (Lucas 14:27). Todos os que sofreram por amor de Cristo na terra serão glorificados no céu; mas ninguém será glorificado, salvo aqueles que, de alguma forma ou de outra, estão sendo “feito conforme à sua morte” (Filipenses 3:10). Alguns dos sofrimentos do crente provem da mão da providência de Deus, alguns de “falsos irmãos” (2 Coríntios 11:26; Gálatas 2:4), alguns do mundo profano, alguns de Satanás e alguns de pecado interior. Pedro fala de “tentações” ou “tribulações” (1 Pedro 1:6), mas elas são contrabalançadas pela “multiforme graça” (1 Pedro 4:10). E ambas são dirigidas pela “multiforme sabedoria de Deus” (Efésios 3:10)!
A Nossa Conformidade com Cristo Inclui Necessariamente Nossa Comunhão com Ele em Seus Sofrimentos
A abundante graça de Deus não exclui tribulações e aflições, mas aqueles que são os destinatários da graça Divina têm sido “ordenados para isso” (1 Tessalonicenses 3:3). Então, não nos espantemos ou desfaleçamos por eles, mas busquemos a graça para nos santificarmos. Os sofrimentos são necessários para os santos em várias considerações. Em primeiro lugar, eles são designados para que os membros possam se conformar com a sua Cabeça: “Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles” (Hebreus 2:10). Suficientes, então, para que o discípulo seja como o seu Mestre, para que ele seja aperfeiçoado depois de ter sofrido por algum tempo. O próprio Pedro faz alusão a esta ordem divinamente prescrita no caminho da salvação (ou seja, a humilhação, em seguida, a exaltação, que se aplica não somente à Cabeça, mas aos Seus membros também), quando ele se refere aos “sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (1 Pedro 1:11). Foi a vontade Divina que mesmo o Filho encarnado deveria aprender a “obediência [submissão], por aquilo que padeceu” (Hebreus 5:8). Houve um ponto de viragem no Seu ministério quando Jesus começou “a mostrar aos seus discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muitas coisas dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia” (Mateus 16:21). Por que Ele teve que sofrer assim? É porque Deus havia ordenado isso (Atos 4:28). Cristo foi tentado pelo Diabo apenas por causa da malícia de Satanás em relação a Ele? Não, pois foi “conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mateus 4:1; cf Marcos 1:12-13; Lucas 4:1-2). Lembrem-se durante as tribulações, queridos santos, que o próprio Salvador entrou no reino de Deus “por muitas tribulações” (Atos 14:22), assim como nós devemos fazer. Assim, “naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer [“aliviar” ou “ajudar”] aos que são tentados” (Hebreus 2:18). Portanto, tenhamos “grande gozo quando cairdes [nós cairmos] em várias tentações” (Tiago 1:2), pois, sofrer “como Cristão” é um meio pelo qual podemos glorificar ao nosso Deus redentor (1 Pedro 4:16). O privilégio de experimentar “a comunhão dos Seus sofrimentos” é um dos meios indicado por Deus através do que podemos saber que estamos em Cristo, e não mais identificados com o mundo que agora permanece sob a ira de Deus (Filipenses 3:7-11). Ouça as palavras de nosso Mestre (Mateus 5:10-12):
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.
A Graça de Deus é Magnificada ao Atender as Nossas Necessidades e Confundir Nossos Inimigos
Em segundo lugar, o Deus de toda graça fez esta designação porque a Sua graça é melhor vista em sustentar-nos e é mais manifesta ao nos trazer refrigério. Assim, encontramos o trono da graça magnificado por Deus nos dar “graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hebreus 4:16). Grande parte da glória da graça de Deus aparece em Seu apoiar os fracos, em libertar os tentados e em levantar os caídos. O Senhor não nos isenta do conflito, mas nos sustenta no mesmo. O chamado eficaz garante a nossa perseverança final, ainda assim, isso não torna desnecessárias as fontes contínuas de graça. Como Manton expressou: “Deus não apenas lhes dará glória no final de sua jornada, mas sustenta as suas despesas pelo caminho”.
Em terceiro lugar, nosso Pai nos conduz através de provas ardentes, a fim de confundir aqueles que se opõem a nós. A graça reina (Romanos 5:21), e a grandeza de uma monarquia é demonstrada por sua subjugação dos rebeldes e ao derrotar seus inimigos. Deus levantou o poderoso Faraó, a fim de manifestar Seu próprio poder. No contexto (1 Pedro 5:8), como já vimos, ele permite o diabo, como um leão que ruge, a rugir em nosso derredor, se opondo e atacando-nos. Mas Ele faz isso somente para o frustrar, pois é “certo que os presos se tirarão ao poderoso” (Isaías 49:25), e Deus “esmagará em breve Satanás debaixo dos vossos [nossos] pés” (Romanos 16:20).
O Sofrimento Prova Nossas Graças e Faz o Céu Mais Glorioso
Em quarto lugar, o sofrimento é necessário para testar e provar as nossas graças: “a prova da vossa fé opera a paciência” (Tiago 1:3). Considere o que Pedro diz sobre nós, que fomos gerados “de novo para uma viva esperança”:
“Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:6-7).
É o vento da tribulação que separa o trigo do joio, a fornalha que revela a diferença entre a escória e o ouro. O ouvinte que é um “solo pedregoso” se ofende e cai: quando é “chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende” (Mateus 13:21). Assim, também, para a purificação e resplendor de nossa esperança, nossos corações têm que ser mais completamente apartados deste mundo antes que eles se tornem estabelecidos sobre as coisas do alto.
Em quinto lugar, a glória de nossa herança eterna é reforçada por nosso suportar a aflição. Ouça as palavras de Thomas Goodwin:
O céu não é simplesmente alegria e felicidade, mas uma glória, e uma glória vitoriosa pela conquista “Ao que vencer” [as promessas são feitas] em cada uma das sete cartas de Apocalipse 2 e 3. Esta é uma coroa conquistada por mestria, e assim por esforço, de acordo com certas leis estabelecidas que devem ser observadas por aqueles que militam (2 Timóteo 2:5). A glória vitoriosa por conquista e mestria é a mais valiosa. A porção que Jacó ganhou “com a minha espada e com o meu arco” foi aquela reservada para seu amado José (Gênesis 48:22). Nós somos mais do que vencedores, por meio dAquele que nos amou.
Graça é Fornecida para Conflitos Internos e Externos
É um erro (cometido por alguns) restringir tanto as aflições do versículo 9 ou o sofrimento do versículo 10 a perseguições e provações exteriores. Antes, todos os assaltos internos (seja a partir de nossas próprias concupiscências ou de Satanás), e bem como todas as tentações, sejam quais forem, devem ser incluídos. O contexto exige isso, as palavras: “Sede sóbrios e vigilantes”, relaciona-se às nossas concupiscências, bem como a todas as outras provocações à prática do mal, assim, o chamado a resistir ao Diabo claramente se relaciona com suas tentações interiores para o pecado. A experiência de todos os santos o exige, pois as suas dores mais agudas são ocasionadas por suas próprias corrupções. Além disso, como Goodwin apontou, a nossa ação de colocar Deus diante dos olhos de nossa fé como “o Deus de toda graça”, argumenta o mesmo; pois a Sua graça está principalmente pronta para auxiliar-nos contra pecados interiores e tentações ao pecado. Além disso, toda a Sua graça se estende não somente a todos os tipos de misérias exteriores, mas a todos os males internos, que são a nossa maior tristeza, o que exige Sua graça abundante sobre todo o mais, e para o que Sua graça é principalmente dirigida (Salmo 19:14; 119:1-16; Provérbios 3:5-7; 4:20-27) Sua graça é o grande remédio para todos os males a que o crente está sujeito. Alguns são culpados de pecados piores após a conversão do que antes, e se não fosse o Deus de toda graça o seu Deus, onde eles estariam?
A Perfeição em Graça é Progressiva e Escatológica
“Depois de havemos padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e estabeleça”. Isso pode muito bem ser considerado como um pedido de graça para que possamos obedecer a exortação encontrada em 1 Coríntios 15:58: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor”. Devemos estar constantemente em oposição ao pecado e nos esforçando para sermos santos em toda maneira de viver. Este pedido recebe um cumprimento parcial nesta vida, mas uma realização completa e mais transcendente no céu. Os santos avançam para novos graus de fé e de santidade, quando, após temporadas de hesitação e sofrimento, Deus os fortalece e estabelece em uma forma mais estável de espírito. No entanto, apenas em nossa condição permanente após a morte, essas bênçãos serão totalmente nossas. Somente então seremos aperfeiçoados, no sentido de sermos plenamente conformes à imagem do Filho de Deus. Nossos corações serão feitos “irrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 3:13). Só então toda a nossa debilidade findará e nossos corpos “ressuscitarão com vigor” (1 Coríntios 15:43). Então, de fato, nós seremos eternamente estabelecidos, pois a promessa Divina é esta: “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá” (Apocalipse 3:12).
A Doxologia da Esperança Infalível
Em sétimo lugar, finalmente, chegamos à grande atribuição desta oração apostólica: “A ele seja a glória e o poderio para todo o sempre. Amém”. “O apóstolo, tendo acrescentado oração à sua doutrina, aqui adicionou louvor à sua oração”, diz Leighton. Isso expressou a confiança do apóstolo de que o Deus de toda graça concederia a sua petição. Ele estava certo de que o que ele pedira em nome dos santos seria a “glória” Divina, e que o Divino “poderio” infalivelmente o operaria. Há, portanto, uma dica prática implícita para nós nesta doxologia final. Isso indica onde o alívio deve ser obtido e onde a força deve ser encontrada em meio ao nosso sofrimento: ao olhar para a glória de Deus, que é a grande finalidade que Ele tem em vista em todo o Seu lidar conosco; e pela confiante crença no domínio de Deus em realizar todas as coisas para o nosso bem (Romanos 8:28). Pois, se é Seu o poderio, e Ele nos chamou à Sua glória eterna, então o que temeremos? Assim, certa é a nossa glorificação (Romanos 8:30) de forma que devemos dar graças por isso agora. A graça abundante e infinita de Deus está envolvida para efetivá-la, e Seu poder onipotente garante a sua realização.