A Confissão de 1689 e a Teologia Pactual

Historicamente, os Batistas Reformados são pactuais. Embora eles difiram de seus irmãos Presbiterianos em algumas questões-chave, de acordo com A Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, os Batistas estavam igualmente comprometidos com uma robusta estrutura pactual da história da redenção. De fato, cada capítulo da Confissão é construído sobre uma matriz pactual. Embora o capítulo 7 seja inteiramente dedicado às alianças, os capítulos sobre criação, providência, Queda do homem, Cristo, justificação, arrependimento, evangelho, boas obras e perseverança são explicados a partir de uma perspectiva pactual.

Para nossos antepassados ​Batistas, uma alteração da doutrina dos pactos é uma alteração do Evangelho de Jesus Cristo. O evangelho, em seu contexto mais amplo, inclui o cumprimento do Pacto de Obras pelo segundo Adão, Jesus o Cristo, que foi quebrado pelo primeiro Adão; o segundo Adão suportou suas maldições e assegurou suas bênçãos para todos aqueles que são escolhidos por Deus para serem representados pelo Segundo Adão no Pacto da Graça.

Com isso em mente, o capítulo 7 da Confissão enfatiza três verdades essenciais relacionadas ao seu arcabouço pactual. O parágrafo 1 confessa um Pacto de Obras pré-lapsariano. O parágrafo 2 confessa um Pacto de Graça pós-lapsariano. O parágrafo 3 confessa um Pacto eterno de Redenção.

O Pacto de Obras

O parágrafo 1 confessa um Pacto de Obras pré-lapsariano. Embora a expressão “pacto de obras” apareça em 7.1 da Confissão de Westminster, mas esteja ausente em 7.1 da CFB1689, contudo, não é porque a CFB1689 nega que o acordo pré-Queda de Deus com Adão fosse um pacto de obras. Isso fica claro em 20.1, onde a CFB1689 o chama de “o Pacto das Obras”. Além disso, em 19.1, a CFB1689 explica que esse pacto pré-lapsariano foi baseado em obras:

Deus deu a Adão uma lei de obediência universal escrita em seu coração, e um particular preceito de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, a qual Ele obrigou-o e a toda sua posteridade, para pessoal, inteira, exata e perpétua obediência;2 prometeu vida sobre o cumprimento, e ameaçou com a morte a violação da mesma.

Adão, em seu estado de inocência (7.3), mereceria a vida eterna por meio da obediência à lei moral de Deus. Qualquer coisa menos que a obediência perfeita resultaria em morte. E, como Nehemiah Coxe nos lembrou, essa aliança não incluía nem mesmo “o mínimo de misericórdia perdoadora”.[1]

A Necessidade do Pacto de Obras

Além disso, a CFB1689 declara que o Pacto de Obras era necessário para a vida eterna ser prometida ao homem. Como diz 7.1: “Embora as criaturas racionais Lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam ter alcançado a recompensa da vida, senão por alguma condescendência voluntária da parte de Deus, que Ele Se agrada em expressar por meio de aliança”.

Isso implica que a qualidade da vida que Deus prometeu ao homem era de um valor maior do que a aquela que o homem possuía em sua inocência e de um valor maior do que aquela que Deus deveria recompensar o homem por sua obediência. Sem essa aliança, de acordo com a Confissão, a vida eterna não poderia ser oferecida ao homem.

A Perpetuidade do Pacto de Obras

Naturalmente, a Confissão afirma que o Pacto de Obras foi quebrado (20.1). Uma aliança quebrada, no entanto, não significa uma aliança revogada. Embora o Pacto das Obras tenha sido quebrado por Adão, a CFB1689 ensina que ele continua sendo obrigatório para toda a posteridade de Adão. Isto é, o mesmo Pacto de Obras que foi estabelecido com Adão antes da Queda continua a ser aplicado em toda a posteridade não-redimida de Adão após a Queda.

Primeiro, o Pacto de Obras continua após a Queda porque suas maldições continuam atormentando a raça humana após a Queda. A Confissão ensina que o primeiro Adão foi o cabeça federal da raça humana e que ele trouxe condenação universal e morte a todos os seus descendentes, por sua falha em manter o Pacto das Obras (6.1, 2, 3). Porque a condenação universal e o pecado original continuam, o Pacto de Obras continua.

Segundo, o Pacto de Obras continua após a Queda porque suas exigências legais continuam válidas para a raça humana após a Queda. Os termos do Pacto de Obras consistiam em mais do que apenas abster-se de comer da árvore proibida; exigia completa obediência à lei moral de Deus que estava escrita na consciência de Adão (19.1). E embora seja impossível para os descendentes de Adão comer da árvore proibida, eles são capazes de violar a lei moral de Deus que é igualmente escrita em sua consciência. Como afirma a Confissão: “A mesma lei que primeiramente foi escrita no coração do homem, continuou a ser uma regra perfeita de justiça após a Queda” (19.2).

Terceiro, o Pacto de Obras continua após a Queda porque a incapacidade moral do homem não anula a culpabilidade moral do homem. Embora a Confissão claramente ensine que o homem caído é incapaz de cumprir as exigências do Pacto de Obras: “O Pacto das Obras foi quebrado pelo pecado, e tornou-se inútil para conduzir à vida” (20.1), declara que os termos e promessas/ameaças do Pacto de Obras continuam para todos os filhos de Adão. Por exemplo, de acordo com a Confissão, Israel lembrou-se dos termos do Pacto de Obras pré-lapsariano no pacto pós-lapsariano que foi estabelecido com eles no Monte Sinai. A “mesma lei” que foi escrita no coração de Adão, de acordo com a confissão, foi “entregue por Deus no Monte Sinai” (19.2). Assim, mesmo que os homens caídos não possam obedecer, Deus ainda requer a obediência deles.

Quarto, o Pacto das Obras continua após a Queda, como 19.6 implica fortemente, porque a única maneira de ser livre das exigências da lei “como um Pacto de Obras” é ser justificado por Cristo e trazido para o Pacto da Graça pela fé. Ao contrário de nossos amigos Presbiterianos, os Batistas não acreditam em nenhuma membresia pactual dupla. De acordo com a CFB1689, os descendentes de Adão estão sob o Pacto das Obras ou estão sob o Pacto da Graça. É um ou outro: pois é impossível que aqueles representados pelo primeiro Adão (isto é, a semente natural dos crentes) sejam membros do Pacto da Graça. Além disso, assim como é impossível para aqueles que são representados pelo primeiro Adão manterem o Pacto das Obras, assim também é impossível para aqueles que são representados pelo segundo Adão quebrarem o Pacto da Graça. Esse é um importante distintivo Batista confirmado pela CFB1689.

Em resumo, o Pacto de Obras consistia em Deus prometendo a Adão e a seus filhos a vida eterna por uma obediência perfeita, e ameaçando a morte eterna por um único ato de desobediência. Embora Adão tenha quebrado o Pacto de Obras e trazido a morte e a condenação sobre toda a sua semente, as exigências e maldições do Pacto de Obras continuam a ser aplicadas a todos os descendentes de Adão que estão fora da fé em Jesus Cristo.

O Pacto da Graça

Porque o Pacto de Obras deixa os pecadores sem esperança, os pecadores precisam do Evangelho. Por causa disso, o parágrafo 2 introduz o Evangelho apresentando o Pacto da Graça: “Ademais, tendo o homem trazido a si mesmo a maldição da lei, por sua Queda, aprouve ao Senhor fazer um Pacto de Graça, no qual Ele oferece livremente aos pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo” (7.2). A união entre o Pacto da Graça e o Evangelho é reafirmada no capítulo 20: “O Pacto das Obras foi quebrado pelo pecado, e tornou-se inútil para conduzir à vida, então, Deus Se agradou em desvelar a promessa de Cristo, a semente da mulher, como o meio de chamar os eleitos, gerando neles a fé e o arrependimento. Nesta promessa a essência do Evangelho foi revelada, e é feita eficaz para a conversão e salvação dos pecadores” (20.1).

O Pacto da Graça é o Único Meio de Salvação

Embora a Confissão ensine a perpetuidade do Pacto das Obras ao longo das dispensações do Antigo e do Novo Testamentos, ela afirma firmemente que a salvação em ambas as dispensações é por graça e graça somente. A continuidade do Pacto de Obras não tinha o propósito de levar os pecadores à lei, mas levá-los aos seus joelhos. Porque a lei é incapaz de conceder a vida eterna aos quebradores da aliança, Deus revelou o Evangelho imediatamente após a Queda (20.1). Adão e todos os seus descendentes caídos receberam esperança de vida eterna através da proclamação do Evangelho e através da proclamação do Evangelho somente.

O que é interessante sobre o parágrafo 2 é a ausência do principal distintivo da teologia pactual Presbiteriana: que a Antiga e a Nova Alianças são duas administrações diferentes do mesmo Pacto de Graça. A Confissão de Westminster afirma: “Não há, portanto, dois pactos de graça diferentes em substância, mas um e o mesmo sob várias dispensações” (7.6). Isso permite que os Presbiterianos incorporem filhos incrédulos ao Pacto da Graça. Essa frase foi removida da CFB1689, e por uma boa razão. A Confissão de 1689 não afirma que o pacto Mosaico era uma administração do Pacto da Graça. Em vez disso, ela simplesmente diz que o Pacto da Graça foi intrinsecamente revelado no protoevangelho (Gênesis 3:15), e então, com maior clareza, foi revelado ao longo da progressão da dispensação do Antigo Testamento até que chegou à sua plena manifestação no Novo Testamento: “Esta Aliança [Pacto da Graça] é revelada [não estabelecida] no Evangelho; primeiramente a Adão na promessa de salvação pela semente da mulher, e depois por etapas sucessivas, até que a sua plena revelação foi completada no Novo Testamento” (7.3).

Mais explicitamente, a Confissão de 1689 diz que o Pacto da Graça — que foi estabelecido pelo sangue de Jesus — possuiu um efeito retroativo durante a dispensação do Antigo Testamento: “Embora o preço da redenção não tenha sido realmente pago por Cristo senão depois da Sua encarnação, contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela foram comunicados aos eleitos, em todas as épocas” (8.6). Isso está de acordo com Benjamin Keach, que disse: “Todos os crentes, que viviam sob o Antigo Testamento, foram salvos pelo Pacto da Graça, que Cristo estava para estabelecer”.[2]

Isso implica que o Pacto da Graça é idêntico à Nova Aliança. Então, ao invés de o Pacto da Graça ser estabelecido através de várias administrações dos diferentes pactos do Antigo Testamento (Abraâmico, Mosaico e Davídico), foi estabelecido por Cristo na Nova Aliança. Portanto, os crentes do Antigo Testamento foram salvos pela fé em Cristo, da mesma forma que os crentes do Novo Testamento são salvos pela fé em Cristo. Ou, como afirma o parágrafo 3: “é somente pela graça desta Aliança que todos da posteridade do caído Adão que já foram salvos, obtiveram a vida e a bem-aventurada imortalidade” (7.3).

E, se a participação no Pacto da Graça é pela fé em Cristo somente, então somente os crentes, e não seus filhos incrédulos, estão no Pacto da Graça. De fato, essa é um dos principais distintivos da teologia pactual Batista: somente os crentes, em qualquer dispensação, são membros do Pacto da Graça. Essa formação torna a teologia pactual da Confissão de Fé Batista de 1689 distinta da teologia pactual da Confissão de Fé de Westminster.

O Pacto da Graça é o Cumprimento do Pacto de Obras

Além disso, de acordo com a CFB1689, Cristo estabeleceu o Pacto da Graça, cumprindo as exigências legais do Pacto das Obras: como a CFB1689 diz: “[o Senhor] foi feito sujeito à Lei,22 que Ele cumpriu perfeitamente” (8.4). Ele não somente obedeceu às mesmas exigências do Pacto de Obras que fomos obrigados a obedecer, Ele “suportou o castigo que nos era devido, que nós deveríamos ter recebido e sofrido” (8.4).

É por isso que somos salvos pelas obras, mas as obras que nos salvam são as obras imputadas de Cristo que vêm a nós pela fé e pela graça somente. O Pacto da Graça é o cumprimento do Pacto das Obras, ou pode-se dizer que a Nova Aliança é um Pacto de Obras para Cristo, mas um Pacto de Graça para os crentes. Como Benjamin Keach afirmou:

No que se refere a Cristo… foi uma aliança condicional. Cristo recebe tudo por nós, totalmente por conta de Seus próprios méritos. Mas, seja o que for que recebamos em virtude deste pacto, é inteiramente por graça e favor gratuitos, através dos Seus méritos, ou através da redenção que temos pelo Seu sangue.[3]

Nessa estrutura pactual, vemos a unidade das Escrituras e um único plano de redenção em todo o Antigo e Novo Testamento. Os filhos de Adão são condenados pelo primeiro Adão, ou são justificados pelo segundo Adão. Eles estão sob o Pacto das Obras ou sob o Pacto da Graça — e isso depende de quem é o seu cabeça federal. Novamente, isso separa os Batistas dos Presbiterianos, pois não permite que filhos incrédulos ou que quebradores da aliança sejam membros do Pacto da Graça.

O Pacto da Redenção

O último parágrafo do capítulo 7 explica por que a história da redenção não mostra Deus como que ajustando os Seus planos inesperadamente à medida que age. O Pacto da Graça foi estabelecido por Cristo ao suportar a penalidade do Pacto das Obras em Sua morte e merecendo a recompensa do Pacto das Obras em Sua ressurreição. No entanto, tudo isso estava de acordo com o plano eterno de Deus que foi estabelecido entre o Pai e o Filho antes da fundação do mundo (7.1). Ou como o capítulo 8 explica: “Aprouve a Deus, em Seu eterno propósito, e de acordo com o Pacto estabelecido entre ambos, escolher e ordenar o Senhor Jesus, Seu Filho unigênito, para ser o Mediador entre Deus e os homens” (8.1). Assim, a história da redenção, incluindo o Pacto de Obras do período pré-lapsariano e o Pacto da Graça pós-lapsariano, é o resultado do Pacto Eterno da Redenção.

Conclusão

A teologia pactual de 1689 é brilhantemente exposta. Afirma claramente as principais características da teologia pactual Batista. Existe (1.) um Pacto de Obras que foi quebrado pelo primeiro Adão e condena todos os incrédulos, (2.) mas que foi cumprido pelo segundo Adão que estabeleceu o pós-lapsariano Pacto da Graça somente para os crentes, (3.) e isso estava de acordo com o Pacto Eterno da Redenção.

Com uma clara distinção entre o Pacto das Obras e o Pacto da Graça, e com uma clara distinção entre incrédulos e crentes, a Confissão de 1689 apresenta uma teologia pactual distinta que é completamente Batista.


[1] Nehemiah Coxe e John Owen, Covenant Theology: From Adam to Christ [Teologia Pactual: De Adão a Cristo] (Palmdale, CA: Reformed Baptist Press Press, 2005), p. 49.

[2] Benjamin Keach, “The Display of Glorious Grace” [A Exibição da Graça Gloriosa] in The Covenant Theology of Benjamin Keach [Teologia Pactual de Benjamin Keach] (Conway: Free Grace Press, 2017), p. 110.

[3] Ibid., 157.

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