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A Luta pela Verdade

A Luta Pela Verdade, Sermão Nº 112. Pregado numa manhã de domingo, 11 de janeiro de 1857.
Por C. H. Spurgeon. No Music Hall, Royal Surrey Gardens, Londres.

“Por isso disse Moisés a Josué: Escolhe-nos homens, e sai, peleja contra Amaleque; amanhã eu estarei sobre o cume do outeiro, e a vara de Deus estará na minha mão.” (Êxodo 17:9)

Os filhos de Israel foram tirados do Egito com mão erguida e braço forte. Foram conduzidos pelo vasto deserto vociferante, onde havia poucas permanentes moradias de homens. Por algum tempo prosseguiram sua marcha em solidão, descobrindo poços e alguns outros rastros de povos nômades, porém sem encontrar ninguém que interrompesse esta solidão. Apesar da impressão que naquela ocasião, como agora, havia tribos errantes que, como os beduínos árabes, vagavam por aqui e acolá através de toda a região em que se encontravam os filhos de Israel naquele momento. Esta gente, animada pela esperança de um saque, caiu subitamente sobre a retaguarda dos filhos de Israel, ferindo mui covardemente às últimas fileiras de seus exércitos, se apropriou do saque, e rapidamente recuou. Ganhando força e coragem pelo bem-sucedido despojo, logo se atreveram a atacar todo o exército de Israel, que naquele tempo contava com dois ou três milhões de almas, que foram tiradas do Egito e alimentadas milagrosamente no deserto.

Desta vez Israel não foi surpreendido, pois Moisés havia dito a Josué: “Escolhe-nos homens, e sai, peleja contra Amaleque; amanhã eu estarei sobre o cume do outeiro, e a vara de Deus estará na minha mão”. Suplicando a Deus, para que cada golpe com a espada fosse duplamente eficaz pela poderosa ajuda de Deus. Somos informados que obtiveram uma grande vitória. Os Amalequitas foram derrotados, e por causa de seu imotivado ataque contra os filhos de Israel, foram condenados ao extermínio. Encontramos que assim está escrito: “Escreve isto para memória num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus. E Moisés edificou um altar, ao qual chamou: O SENHOR É MINHA BANDEIRA. E disse: Porquanto jurou o SENHOR, haverá guerra do SENHOR contra Amaleque de geração em geração” [Êxodo 17:14-16].

Agora, amados, esta cena de guerra não está registrada na Escritura como um fato interessante para divertir o amante da história, mas está escrito para a nossa edificação. Recordemos o texto que diz: “Ora, tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso” [1 Coríntios 10:11]. Há uma lição que deve ser procedente disto, e nós a consideramos um ensinamento especial, pois agradou a Deus que este fora o primeiro texto ordenado pela autoridade divina como um registro para as gerações futuras. Pensamos que as jornadas dos filhos de Israel nos proporcionam muitos símbolos do caminhar da igreja de Deus por este mundo, e cremos que esta peleja contra Amaleque é uma metáfora e um emblema desta luta diária e constante que todo o povo de Deus deve manter, contra os pecados externos e os pecados internos.

No dia de hoje me limitarei especialmente ao pecado externo; falarei sobre a grande batalha que até o presente momento está sendo travada por Deus e Sua verdade, contra os inimigos da cruz de Cristo. Buscarei, primeiro, fazer alguns comentários sobre a guerra em si, depois vamos considerar o método autorizado para a guerra, que são dois: golpes firmes e orações consistentes, e logo concluirei exortando a igreja de Deus a uma diligência maior e mais zelosa na guerra por Deus e por Sua verdade.

I. Então, em primeiro lugar, faremos alguns comentários sobre A GRANDE GUERRA que é tipificada pela luta entre os filhos de Israel e Amaleque. Primeiro, notem que esta cruzada, esta luta sagrada, esta guerra santa da qual falo, não é contra homens, mas contra Satanás e contra o erro. “Não temos que lutar contra carne e sangue”. Os Cristãos não estão em guerra contra nenhum homem que caminha sobre a terra. Estamos em guerra contra a infidelidade, porém quanto aos infiéis, os amamos e oramos por eles; estamos em guerra contra qualquer heresia, porém não temos inimizade contra os hereges; nos opomos e declaramos guerra de morte contra tudo o que se oponha a Deus e à Sua verdade: No entanto, em relação a todo homem, procuraremos praticar a máxima santa: “Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam” [Mateus 5:44]. O soldado Cristão não tem pistola nem espada, pois não peleja com homens, mas combate contra as “hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” [Efésios 6:12], e contra outros principados e potestades diferentes dos que se assentam em tronos com cetros em suas mãos.

Tenho observado, sem dúvida, que alguns Cristãos (e é um sentimento ao qual todos estamos inclinados), são muito propensos a converter a guerra de Cristo em uma luta de carne e sangue, em vez de que esta seja uma contenda contra o erro e a maldade espirituais. Acaso não notaram nunca, nas controvérsias religiosas, como os homens contendem entre si, e fazem alusões pessoais e se insultam mutuamente? Que é isto senão a consequência de esquecer o que é a guerra de Cristo? Não estamos lutando contra os homens, estamos combatendo em favor dos homens, e não contra eles. Estamos combatendo por Deus e Sua verdade, contra o erro e contra o pecado; mas não contra os homens. Ai, ai, para o Cristão que se esquece deste cânon sagrado de guerra! Não toquem nas pessoas dos homens, mas firam seu pecado com coração inteiro e braço forte, destruam os pequenos e os grandes; que não sobreviva nada que seja contra Deus e Sua verdade; porém não estamos em guerra contra as pessoas dos pobres homens enganados. Odiamos a Roma da mesma maneira que aborrecemos o inferno, mas oramos sempre pelos seus ferventes partidários. Denunciamos ferozmente a idolatria e a infidelidade, porém os homens que se degradam com qualquer delas não são objetos de nossa ira, mas de nossa piedade. Não pelejamos contra homens, mas contra as coisas que consideramos falsas diante de Deus.

Devemos fazer sempre esta distinção, pois do contrário o conflito com a igreja de Cristo será rebaixado a uma simples batalha de força bruta e de roupa ensanguentada, e assim o mundo será outra vez Aceldama: um campo de sangue. Este erro é o que tem atado os mártires à fogueira e lançado os confessores na prisão, porque seus oponentes não conseguem distinguir entre o erro imaginário e o homem. Enquanto eles falavam com vigor contra o suposto erro, em sua intolerância sentiam que também deveriam perseguir o homem, o que não necessitavam e nem deviam fazer. Nunca terei medo de expressar o que penso utilizando todas as palavras mais simples que posso juntar, e não temo dizer coisas duras contra o Diabo, nem contra o que o Diabo ensina, porém sou amigo de todo habitante deste vasto mundo, e não tenho inimizade com ninguém nem por um momento, como poderia tê-la contra um bebê que acaba de ser trazido ao mundo. Devemos odiar o erro, devemos aborrecer a falsidade, porém não devemos odiar os homens, pois a guerra de Deus é contra o pecado. Que Deus nos ajude sempre a fazer esta distinção.

Porém agora, observemos que a guerra que o Cristão faz (e podemos dizer isso para encorajá-lo), é uma guerra justíssima. Em qualquer outro conflito em que os homens tenham participado, existiram duas opiniões: alguns opinaram que a guerra era justa e outros disseram que era injusta; porém em relação à guerra sagrada na qual estão envolvidos todos os crentes, há somente uma opinião entre os homens de mente reta. Quando o antigo sacerdote estimulava os cruzados à guerra, lhes fazia gritar Deus Vult: Deus assim o quer. E nós podemos dizer o mesmo com maior razão. Uma guerra contra a falsidade, uma guerra contra o pecado é uma guerra de Deus; é uma guerra estimulante para qualquer Cristão, pois ele está muito seguro que conta com o selo da aprovação de Deus quando vai à guerra contra os inimigos de Deus.

Amados, não duvidamos de maneira nenhuma que quando alçamos nossas vozes como uma trombeta contra o pecado, nossa guerra é justificada pelas leis eternas da justiça. Quisera Deus que todas as guerras tivessem uma causa tão justa e verdadeira, como a guerra que Deus pelejou com Amaleque: contra o pecado no mundo! Ademais, recordemos que é uma guerra de suma importância. Grita-se por vezes em outras guerras: “Ingleses! Lutem pelo que lhes pertence e por suas casas, por suas esposas e por seus filhos, combatam e rechacem o inimigo!” Porém esta guerra não é meramente para proteger nossas posses e nossas casas, nossas esposas e nossos filhos, mas é por algo maior que tudo isto. Não é contra aqueles que matam o corpo, e depois nada mais podem fazer, mas é uma luta pelas almas, pela eternidade, contra aqueles que querem lançar o homem na perdição eterna. É um combate por Deus, pela libertação das almas dos homens da ira vindoura. É em verdade uma guerra que deve ser iniciada, deve ser continuada e combatida em espírito, por todo o exército dos eleitos de Deus, sabendo que nenhuma guerra pode ser mais importante. A salvação instrumental dos homens é, sobre todas as coisas, o objetivo mais elevado que podemos alcançar, e afugentar os inimigos da verdade é uma vitória que sobrepuja todas as coisas desejáveis. A religião deve ser a base de cada bênção que a sociedade espera gozar. Ainda que lhe deem pouca importância, a religião tem a ver com nossa liberdade, com nossa felicidade, e com o nosso bem-estar. A Inglaterra não seria o que agora é se não fosse por sua religião, e naquela hora que abandonará seu Deus, sua glória terá caído, e em seus estandartes se escreverá: “Icabode”.

Naquele dia quando o Evangelho for silenciado, quando nossos ministros deixarem de pregar, quando a Bíblia for acorrentada, naquele dia (Deus queria que não suceda nunca), naquele dia, a Inglaterra poderia reputar-se entre os mortos, pois haveria caído, posto que Deus lhe teria abandonado, vendo que havia deixado sua aliança com Ele. Cristãos, nesta peleja pela justiça, vocês estão combatendo por sua nação, por suas liberdades, por sua felicidade e sua paz; pois a menos que preservem a religião, a religião do céu, tudo isto verdadeiramente será destruído.

Continuando, reflitamos em que, nesta grande guerra por Deus e por Cristo, estamos pelejando com inimigos insidiosos e muito poderosos. Permitam-me fazer outra vez a observação de que na medida em que falo de certas características, não estou falando dos homens, mas de seus erros. Neste momento, estamos experimentando dificuldades peculiares na grande guerra pela verdade: peculiares, pois mui poucos a apreciam. Temos inimigos de todos os tipos, e todos eles muito mais despertos do que nós. O infiel tem seus olhos bem abertos, está espalhando suas doutrinas em toda a parte. E enquanto nós pensamos — bons homens ingênuos, que seguramente nossa grandeza está amadurecendo — a geada está queimando nossos brotos de justiça, a menos que despertemos. Que Deus nos ajude!

Quase em todo lugar, a infidelidade parece ocorrer como uma grande influência, não a infidelidade ousada e jactanciosa de Tom Payne, mas uma infidelidade mais cortês e moderada, não a infidelidade que mata a religião com um garrote, mas aquela que procura envenenar com pequenas doses de veneno, e segue seu caminho, afirmando que não tem lesionado a moral social. Em todas as partes isto está aumentando; temo que a grande massa de nossa população está imbuída de um espírito infiel. Então nós temos mais a temer do que supomos, a partir de Roma. Não de Roma abertamente, desta nós temos pouco a temer. Deus tem dado ao povo da Inglaterra um espírito Protestante tão valoroso que qualquer inovação aberta proveniente do Papa de Roma seria instantaneamente repelida. Refiro-me ao Catolicismo Romano que tem se infiltrado na Igreja da Inglaterra debaixo do nome Puseísmo. Isto tem aumentado por todas as partes; estão começando a usar velas em seu altar, que é só um prelúdio destas grandes chamas com as quais querem consumir nosso Protestantismo. Oh! que existissem homens que lhes desmascarassem! Há muito que temer a partir deles. Todavia, não lhes daria maior importância se não fosse por algo que é pior. Temos que lutar contra um espírito, que não sei como denominá-lo, a menos que lhe chame um espírito de moderação enferma nos púlpitos das igrejas protestantes. Os homens têm começado a limar os ásperos fios da verdade de Deus, a descartar as doutrinas de Lutero, e de Zwínglio e de Calvino, tratando de adaptá-las para acomodar aos gostos mais refinados. Podem visitar nestes dias uma capela da igreja Católica, e ouvir um sermão pregado por algum sacerdote Católico que é tão bom como o que pode pregar um ministro Protestante, porque não aborda os pontos de controvérsias, nem expõe as partes chaves de nossa Religião Protestante. Advirto, também, o muito desprezo que há na grande maioria de nossos livros para com a sã doutrina! Os autores imaginam que a verdade não tem maior valor do que o erro; que quanto às doutrinas que pregamos, não têm maior importância; todavia sustentamos que: “O homem de vida reta não pode equivocar-se”.

A letargia e a frieza estão se infiltrando nos púlpitos Batistas e de muitas outras denominações, e com elas, uma sorte de anulação de toda a verdade. Enquanto, em geral, prega-se pequenos erros dignos de atenção, a verdade em si é proferida de uma maneira tão breve que ninguém a detecta, e em um estilo tão ambíguo que ninguém é golpeado por ela. Enquanto o homem faz isso, as flechas de Deus são atenuadas e a borda de Sua espada é embainhada no dia da batalha! Os homens já não veem a verdade como costumavam. A boca de veludo está substituindo a almofada de veludo e o órgão é a única coisa no prédio que produz um som certo. De todas estas coisas, “bom Senhor, livra-nos!”.

Que o céu ponha um fim a toda esta moderação mal entendida; necessitamos de uma verdade expressada com franqueza nestes dias perigosos; necessitamos de um homem neste momento que fale como Deus lhe mande e que não se preocupe com a opinião de ninguém. Oh! se tivéssemos entre nós alguns dos velhos pregadores escoceses. Aqueles pregadores Escoceses faziam tremer os reis; não eram servos de homens; eram mui senhores em qualquer lugar que iam, porque cada um deles dizia: “Deus me deu uma mensagem; minha fronte é como diamante contra os homens; falarei o que Deus me disser”. Como Micaías, estes pregadores diziam “Vive Jeová que o que Jeová me disser isso falarei” [1 Reis 22:14]. Heróis da verdade, soldados de Cristo, despertem! Neste momento temos inimigos. Não creiam que a luta terminou. A grande guerra da Verdade se torna mais intensa e feroz do que nunca. Oh! soldados de Cristo! Desembainhem suas espadas! Levantem-se outra vez por Deus e por Sua verdade, para que o Evangelho da graça imerecida não seja esquecido. Somente deixe-me acrescentar referente a esta guerra, que terá duração perpétua. Recordemos, amados irmãos, que esta guerra entre o bem e mal deve ser contínua, e não deve cessar nunca, até que a verdade tenha obtido a vitória.

Se supõem que nossos antepassados fizeram o suficiente pela verdade e por Deus, e que vocês podem desfrutar o ócio, cometem um grave erro. Até este dia quando o comando tenha a verdade e a verdade tenha o comando, não devemos embainhar nunca nossas espadas; até a feliz hora em que Cristo reina, quando seja Senhor de todas as terras, quando “converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças em foices” [Isaías 2:4] e os homens já não aprenderão mais a guerra. Até este dia o conflito deve manter-se. Que ninguém pense que temos alcançado uma posição na qual não temos necessidade de estar vigilantes: Assim como a guerra foi terrível no passado, continua sendo agora, mesmo que de outra maneira. Agora não temos necessidade de resistir até à morte em nossa luta com o pecado, todavia temos necessidade de um poder intenso de resistência tão firme como o que possuíam os mártires e testemunhas nos dias do passado.

Irmãos, temos que despertar; o exército deve estar pronto, os soldados do Senhor devem despertar e ter a consciência de sua posição. Agora, tocamos a trombeta, corram para a batalha, soldados adormecidos! Seus estandartes devem ondular, e suas espadas devem ser desembainhadas, é um dia de luta: um dia de guerra e de contenda.

Entretanto, não posso concluir esta seção de meu sermão sem destacar que, não é meramente o erro na religião que devemos combater, mas o erro na prática. Oh! amados, este mundo continua sendo perverso, e Londres continua sendo uma cidade abominável. Temos um belo brilho em todos os lugares: Um belo exterior, porém, infelizmente, em suas partes ocultas o pecado ainda domina. Esta é a grande cidade das falsas aparências, a espalhafatosa casa da falsidade, o lugar imundo da corrupção. Nossas ruas estão revestidas de belas casas; todavia, o que encontramos em seu interior? O que encontramos ali, nas entranhas de nossa cidade? Londres é uma culpada colossal, é uma pecadora monstruosa, e por todos os lados há quem viva nos mais repugnantes vícios, e, contudo, prosseguem sua carreira desenfreada e sem censura, pois é de mal gosto apontar aos homens seus pecados; além disso, são pouquíssimos os que têm o espírito de falar claramente contra os pecados dos homens.

Quando consideramos a presença da libertinagem feminina que há entre seus adeptos a dezenas de milhares, acaso não somos levados a concluir que o mesmo pecado deve ser frequente entre os homens? E ah! que terrível que tenhamos que expressar isto. E os homens que enganam e seduzem as pobres desventuradas mulheres, não são admitidos na sociedade como pessoas respeitáveis e morais? Que é isto senão uma abominável hipocrisia? Em Londres somos mais pecadores do que muitos supõem. Tudo está encoberto. Porém não creiam que podem enganar a Deus desta maneira; o pecado espreita a um horrendo ritmo pela terra; a iniquidade continuamente percorre as nossas ruas; disfarçada, é certo, não como pecado aberto, porém mui ofensiva para Deus e para os homens bons. Oh! irmãos meus, o mundo ainda é mau continuamente. Tem uma capa protetora, mas em todo momento a repugnante enfermidade está oculta interiormente. Outra vez lhes digo: levantem as armas, soldados de Cristo; a guerra contra o pecado não terminou, esta mal começou!

II. Porém agora, em segundo lugar, temos que advertir brevemente, OS MEIOS ESTABELECIDOS PARA A GUERRA. Quando Amaleque saiu contra Israel, Deus estabeleceu dois meios para combatê-los. Se houvesse desejado, poderia ter enviado um vento para afugentá-los ou poderia exterminar com os seus exércitos mediante ao rebento da praga, porém não Lhe agradou fazer desta maneira, pois havia outorgado a honra ao esforço humano, e, por isso, disse a Josué: “Escolha varões, e saí à peleja contra Amaleque”. É certo que, com a fortaleza de Deus, Josué pôde vencer o inimigo; porém Deus disse: “Uma vez que honro o esforço humano, ainda assim farei compreender aos homens que Deus faz tudo. Moisés, sobe ao cume do monte; permanece ali em oração, suspenda ao alto tua vara, e mandes aos soldados de Josué se apressem à batalha, Moisés intercederá, e vocês obterão um triunfo conjunto. Tua oração, ó Moisés, sem a espada de Josué, não prosperará; e a espada de Josué sem a oração de Moisés, não será eficaz”. As duas formas de combater contra o pecado são estas: Golpes firmes e orações consistentes.

Primeiro, a igreja deve empregar golpes firmes e batalha cruenta contra o pecado. De nada servirá que se tranquem em suas casas e peçam a Deus que detenha o pecado, a menos que vão e façam algo vocês mesmos. Se oram para permanecerem mudos, nunca terão uma bênção, a menos que vocês mesmos se envolvam. O agricultor ora por sua colheita; poderia obtê-la se não arou a terra e não semeou em seguida sua semente? O guerreiro ora pela vitória, mas se seus soldados estão tranquilos e permitem que lhes atirem, obteriam algum triunfo? Não, deve haver um exercício ativo do poder outorgado por Deus, pois a oração, sem esse exercício, não aproveitará em nada.

Então, irmãos e irmãs, que cada um de nós, em nossas respectivas esferas, acerte duros golpes contra o inimigo. Esta é uma luta na qual cada um dos membros do povo do Senhor pode fazer algo. E os que coxeiam apoiados em muletas, podem usá-las como armas de guerra, assim como os homens fortes podem brandir suas espadas! Cada um de nós tem uma tarefa que lhe tem sido confiada, se somos dos eleitos de Deus; procuremos cumpri-la. Tu distribuis folhetos, prossiga com tua tarefa, faça-o com diligência. Tu és um professor na escola dominical; prossiga e não te detenhas nesta bendita obra, faça-a como para Deus, e não como para o homem. Tu és um pregador; pregue conforme a habilidade que Deus te dá, e tenha sempre presente que Ele não requer mais de um homem do que Ele mesmo lhe tem dado, por tanto, não desanimes se tem pouco êxito, prossiga com teu trabalho. És como Zebulom, alguém que pode manejar a pena? Maneje-a com sabedoria, e com ela poderás ferir os lombos dos reis. E se não podes fazer grande coisa, ao menos passes as munições a outros, e pode servir de ajuda em suas obras de fé e em seus labores de amor. Façamos todos algo por Cristo.

Eu não poderia crer que haja um Cristão no mundo que não posso fazer algo. Não há nenhuma aranha que se pendure nas paredes de um palácio de rei que não tenha uma função, não há nenhuma urtiga que cresça em um canto do cemitério que não tenha seu propósito, não há nenhum inseto que bata suas asas na brisa que não cumpra com algum decreto divino; e eu não poderia aceitar que Deus haja criado algum homem, especialmente algum homem Cristão, para que fosse um vazio, para que não fosse nada. Ele te fez com um propósito. Descubra qual é o propósito. Encontre teu lugar, e ocupe-o. Ainda que seja muito pequeno, ainda que seja “cortar lenha e tirar água,” faça algo nesta grande Batalha por Deus e por Sua verdade.

Josué deve sair e escolher varões. Parece que o vejo; dá a impressão que era um homem de guerra desde a sua juventude. Mas entre que miscelânea ele teria que eleger! Vamos, eles eram um grupo de escravos. Nunca haviam visto uma espada em suas vidas, exceto nas mãos dos Egípcios. Eram algumas criaturas pobres e miseráveis; foram uns covardes quando viram seus velhos inimigos no Mar Vermelho, e agora suas armas eram aquelas que o próprio mar Vermelho havia lançado de suas entranhas […]. Josué, sem demora, escolhe os mais fortes entre eles, e diz: “venham comigo”. Era de fato, como alguém o chamaria, um “regimento irregular” com o qual se apresentou para a luta: e contudo, esse regimento irregular saiu vitorioso. Josué ganhou o combate contra os Amalequitas, gente que possuía um treinamento para levar uma vida de rapina.

Então, vocês filhos de Deus, é possível que saibam muito pouco sobre táticas de guerra, e seus inimigos poderiam derrotá-los quanto aos argumentos, e aniquilá-los em matéria de lógica; porém, se são filhos de Deus, os que estão com vocês são mais que suficientes para lutar contra os inimigos; vocês viverão para vê-los caídos, mortos no campo de batalha. Somente pelejem com fé em Deus, e sairão vitoriosos.

No entanto isto não é tudo. Josué poderia haver pelejado, mas poderia ter sido derrotado se não houvesse sido por Moisés no cume do monte. Ambos eram necessários. Não vês a batalha? Não é de grande proporção, mas ainda assim é digna de toda tua atenção. Lá estão os Amalequitas, lançando-se à guerra com gritos discordantes; olhe, Israel os está repelindo e Amaleque foge! Espere, que é isto que vejo? Agora Israel retrocede e foge; Agora, novamente eles reanimam-se e afugentam a Amaleque! Vejam! São despedaçados pela espada de Josué, e o poderoso Amaleque se abate como o grão diante da foice do segador. As hordas de Amaleque estão se extinguindo. Porém outra vez! Outra vez a batalha oscila; Josué foge; mas novamente reanima suas tropas!

E acaso não observamos o fenômeno milagroso? Ao longe, no cume do monte está Moisés. Observem que quando seus braços estavam erguidos, Israel derrotava a Amaleque; porém no instante em que por cansaço baixava as suas mãos, então Amaleque tinha uma vitória temporal; e quando novamente Moisés alçava sua vara, Israel dispersava o inimigo. Cada vez que a mão da oração caia, a vitória oscilava entre os combatentes. Veem o venerável intercessor? Moisés, sendo um homem de idade avançada, se cansa de permanecer em pé, assim, por tantas horas, então o sentam sobre uma pedra; apesar disto, seus braços não são de ferro, e suas mãos estão baixando; todavia, vejam! seus olhos propelem fogo e suas mãos são alçadas ao céu, as lágrimas começam a rolar por sua face e as suas orações jaculatórias sobem ao céu como muitos dardos que acertam seu alvo no ouvido de Deus.

Podem vê-lo? Ele é o eixo da vitória; quando vacila, Amaleque prevalece; e quando recupera a sua força, o povo eleito ganha vitória; observe! Arão está sustentando sua mão por um momento, e logo se apoia sobre Hur, e o ancião troca suas mãos, pois a batalha dura todo o dia, e debaixo do sol ardente é um trabalho muito desgastante mantê-las em uma única posição. Porém vejam quão virilmente eles as mantêm; firmes como se houvessem sido esculpidas em pedra; cansado e esgotado, ainda assim as suas mãos estão estendidas, como se fosse uma estátua, e seus amigos lhes ajudam em seu zelo. E vejam agora, as fileiras de Amaleque estão desfeitas como finas nuvens ante um vendaval de Biscaia. Fujam! Fujam! Todavia as suas mãos estão imóveis; seguem pelejando; continuam os Amalequitas a fugir; Josué ainda prevalece, até que finalmente todos os inimigos jazem estendidos mortos sobre a planície, e Josué regressa com um brado de júbilo.

Agora, isto nos ensina que deve haver oração acompanhada de esforço. Ministro! mesmo que continues pregando não terás nenhum êxito a menos que ores. Se não sabes como lutar com Deus de joelhos, encontrará que é muito difícil lutar de pé no púlpito com os homens. Poderás esforçar-te para fazê-lo, mas não lograrás êxito, a menos que apoies teus esforços na oração. É mais provável que falhes em tuas orações que em teus esforços. Não lemos em nenhum momento que a mão de Josué tenha estado cansada de brandir a espada, porém a mão de Moisés, sim, estava cansada de suster a vara. Quanto mais espiritual for a tarefa, mais propensos estaremos a nos cansarmos com ela. Poderíamos parar e pregar todos os dias, porém não poderíamos orar todo o dia. Poderíamos sair para visitar enfermos todo dia, porém não poderíamos estar trancados nem a metade do dia em nossas casas. Passar uma noite com Deus em oração seria muito mais difícil que passar uma noite pregando ao homem.

Oh! guarda-te, guarda-te, igreja de Cristo, de deixar de orar! Sobretudo, me dirijo à minha própria igreja mui amada, ao meu próprio povo. Vocês me têm amado, e eu lhes tenho amado, e Deus nos tem dado um grande êxito, e nos tem abençoado. Porém, veja bem, eu atribuo tudo isto às suas orações. Vocês têm se congregado em multidões perfeitamente incomparáveis, para orar por mim a cada segunda-feira à noite, e eu sei que sou mencionado em seus altares familiares, como alguém que é mui amado em seus corações. Entretanto tenho medo que suas orações cessem. Deixem que o mundo diga: “fora com ele”, eu enfrentarei a todos eles se vocês orarem por mim, porém se vocês cessarem em suas orações, tudo estará acabado para mim e para vocês. Suas orações nos fazem poderosos; a legião que ora é uma legião trovejante.

Se eu pudesse comparar-me com um comandante militar, diria isto: que quando vejo meus homens levantarem-se para orar em números tão significativos, sinto-me como Napoleão, quando enviou a sua velha guarda. A batalha havia diminuído, “Lá vão eles”, disse, “agora a vitória é certa”. Ou, como nossos próprios guardas, os Boinas Negras, que, onde quer que vão, levam a vitória com eles. A legião que ora é uma legião que troveja em todas as partes. Os homens podem enfrentar a tudo menos a oração. Se orássemos como alguns homens o têm feito, arrancaríamos, desde as dobradiças, as próprias portas do inferno. Oh! que tivéssemos poder na oração. Não cessem, eu lhes rogo, eu lhes suplico, não cessem de orar; deixem de fazer qualquer outra coisa, mas não deixem de orar postos de joelhos, lutem com Deus, e certamente o Senhor, nosso Deus, nos abençoará “e todas as extremidades da terra o temerão” [Salmos 67:7].

III. E agora, em terceiro lugar, concluirei apenas com umas poucas observações, PARA ANIMÁ-LOS À GUERRA. Recordem, ó filhos de Deus, que há muitas coisas que devem fazê-los valentes para combater por Deus e por Sua verdade. Primeiramente trarei à sua memória o fato de que desta guerra na qual estamos envolvidos é uma guerra hereditária; não uma guerra que vocês tenham começado, mas uma guerra que herdaram desde o momento em que o sangue de Abel clamou por vingança. Cada mártir que foi morto passou a bandeira ensanguentada ao seguinte, e este por sua vez a passou a outro mártir. Cada confessor que foi amarrado à fogueira para ser queimado, estendeu a sua vela, e a entregou a outro, dizendo-lhe: “guarde-a”. E agora aqui eis aqui a velha espada “Por Jeová, Gideão!”. Recordem que braços a brandiram; recordem quantas vezes tem “penetrado até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas” [Hebreus 4:12]. Vocês vão desonrá-la? A desonrarão? Aqui está o grandioso estandarte: tem ondulado em muitas brisas, muito antes que a bandeira desta nossa terra fosse criada, a bandeira de Cristo foi suspendida ao alto. Vão manchá-la? Manchá-la-ão? Não a entregarão aos seus filhos, ainda imaculada, dizendo: “prossigam, prossigam, lhes deixamos a herança de guerra, prossigam, prossigam, e vençam”? O que fizeram seus pais, façam vocês outra vez; continuamente sustentem a bandeira, até o final dos tempos.

Eu amo a minha Bíblia porque é uma Bíblia batizada no sangue; a amo ainda mais, porque mostra o sangue de Tyndale; a amo porque está tingida com o sangue de John Bradford, e Rowland Taylor, e Hooper. Amo-a porque está manchada de sangue. Às vezes penso que gosto da piscina batismal porque tem sido manchada de sangue, e agora está proibida por lei no continente europeu. Amo-a porque vejo nela o sangue de homens e mulheres que foram martirizados porque amaram a verdade. Acaso não defenderão o estandarte da verdade, depois que tão ilustre linhagem de guerreiros o tem sustentado em suas mãos?

Quisera ter podido dirigir-me a vocês como havia desejado, porém minha voz falha; portanto, não posso exortá-los excetuando uma consideração, que é, a perspectiva da vitória final. É certo que antes que passe muito tempo, triunfaremos, portanto não renunciemos à luta. Tem-me dado muita satisfação ver que, ultimamente, houve um avivamento nas fileiras da igreja de Cristo, por aqui e por acolá vejo que grandes evangelistas têm se levantado. Alguns me têm perguntado, quando são mencionados estes homens: “O que você tem a dizer sobre eles?”. Minha resposta é “tomara que todo o povo de Jeová fosse profeta!”. Oh! que Deus envie milhares e milhares de homens, que reúna multidões para ouvir Sua Palavra. Eu queria que chegasse o dia em que cada igreja e cada capela da Inglaterra estivessem tão cheias de almas como esta, e que fossem tão grandes como esta. Penso que na verdade as igrejas estão tendo um avivamento, porém se não é assim, a vitória continua segura: Deus concederá a vitória; Jeová triunfará. Satanás poderá sonhar que triunfará, porém não o fará. Portanto, homens e irmãos, marchemos à vitória, que a coroa que está diante de vocês os anime para o combate, até conquistar a vitória e avante, avante, avante! pois Deus é por vocês. Recordem o grandioso intercessor: Cristo está no cume do monte, e enquanto vocês se encontram no vale, Ele intercede, e prevalecerá, continuem e obtenham a vitória, em o nome de Cristo!

Não posso me estender mais, porém devo repetir as palavras com as quais sempre gosto de terminar meus sermões: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” [Marcos 16:16]. Oh! creiam em Cristo, que Deus lhes dê fé para que ponham sua confiança nEle; este é o único caminho da salvação. “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo” [Atos 16:31].