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A Natureza da Doutrina da Eleição, por A. W. Pink

[Capítulo 6 do livro The Doctrine of Election • Editado]

 

Foi bem dito que: “A razão por que qualquer um acredita na eleição é que ele a encontra na Bíblia. Nenhum homem jamais poderia imaginar tal doutrina, pois ela é, em si mesma, contrária ao pensamento e aos desejos do coração humano. Cada um, a princípio, se opõe a esta doutrina, e é só depois de muitas lutas, sob a ação do Espírito de Deus, que somos levados a recebê-la. A aquiescência perfeita a esta doutrina, descansar, maravilhar-se em adoração, no estrado da soberania de Deus, é a última realização da alma santificada nesta vida, como é o início do Céu. A razão pela qual qualquer um acredita na eleição é apenas isso, e só isso: que Deus a tornou conhecida. Fosse a Bíblia uma falsificação ela nunca poderia ter contido a doutrina da eleição, pois os homens são muito avessos a tal pensamento para dar-lhe expressão, e muito mais para dar-lhe destaque” (G. S. Bishop).

 

Até agora, em nossa exposição desta bendita verdade, nós mostramos que a fonte de eleição é a vontade de Deus, pois nada existe ou pode existir fora disso. Em seguida, vimos, que a grandiosa origem da eleição é o homem Cristo Jesus, que foi ordenado para a união com a segunda pessoa na Divindade. Então, a fim de abrir o caminho para um exame mais detalhado dessa verdade assim como ela é apresentada a nós, demonstramos a verdade e, em seguida, a justiça dela, visando remover das mentes dos leitores Cristãos a profanação e efeitos perturbadores da principal objeção que é feita contra a eleição Divina por seus inimigos. E agora buscaremos apontar os principais elementos que adentram na eleição.

 

Em primeiro lugar, a eleição é um ato de Deus. É verdade que chega um dia em que cada um dos eleitos escolhe a Deus como seu absoluto e sumo Bem, mas este é o efeito, e em nenhum sentido a causa da escolha de Deus. Nossa escolha dEle é no tempo, mas Seu escolher-nos foi antes dos tempos eternos; e certo é que a menos que Ele nos escolhesse em primeiro lugar, nós jamais O escolheríamos de modo algum. Deus — que é um Ser soberano, faz tudo o que Lhe agrada, tanto no céu e na terra —, tem um direito absoluto de fazer o que quiser com Suas próprias criaturas e, portanto, Ele escolheu um certo número de seres humanos para ser Seu povo, Seus filhos, Seu tesouro peculiar. Tendo feito isso, este ato foi chamado de “eleição de Deus” (1 Tessalonicenses 1:4). Pois Ele é a causa eficaz dela; e as pessoas escolhidas são denominadas “seus escolhidos” (Lucas 18:7; cf. Romanos 8:33).

Esta escolha de Deus é absoluta, sendo inteiramente gratuita, não dependendo de absolutamente nada fora de Si mesmo. Deus elegeu aqueles que Ele quis, simplesmente porque Ele escolheu fazê-lo, não partir de alguma bondade, mérito ou atrativo na criatura, nem a partir de qualquer mérito ou atrativo previsto na criatura. Deus é absolutamente autossuficiente e, portanto, Ele nunca irá para fora de Si mesmo para encontrar uma razão para qualquer coisa que Ele faz. Ele não pode ser influenciado pelas obras de Suas próprias mãos. Não, Ele é Aquele que os move, da mesma forma que somente Ele é foi Aquele que lhes deu existência. “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos” [Atos 17:28]. Foi, então, simplesmente a partir da espontânea bondade de Sua própria vontade que Deus destacou, a partir da massa daqueles que Ele se propôs a criar, um povo que expressará os Seus louvores por toda a eternidade, para a glória de Sua soberana graça para todo o sempre.

 

Esta escolha de Deus é uma questão imutável. Necessariamente assim, pois não é fundamentada sobre qualquer coisa na criatura, ou estabelecida sobre qualquer coisa fora de Si mesmo. Ela é antes de tudo, antes mesmo de Sua “presciência”, porque embora Ele conheça de antemão, contudo, Ele conhece de antemão porque Ele infalível e irrevogavelmente o fixou, caso contrário, Ele meramente a adivinharia. Mas visto que Ele a conhece de antemão, então Ele não supõe, Ele assegura; e sendo a previsão dos acontecimentos futuros algo seguro, então Ele deve tê-la fixado. A eleição, sendo o ato de Deus, é para sempre, pois seja o que for que Ele faça em uma forma de graça especial, é irreversível e inalterável. Os homens podem escolher alguns para serem seus favoritos e amigos por um tempo, e depois mudam de ideia e escolhem outros em seu lugar. Mas Deus não age de tal maneira; Ele é de uma mente, e ninguém pode mudá-lO; Seu propósito, segundo a eleição permanece firme, seguro, inalterável (Romanos 9:11; 2 Timóteo 2:19).

 

Em segundo lugar, o ato de eleição de Deus é feito em Cristo: “Como também nos elegeu nele” (Efésios 1:4). A eleição não encontra homens em Cristo, mas os enxerta nEle. Ela concede a eles o estar em Cristo e união com Ele, que é o fundamento de sua manifestação como estando nEle por ocasião de conversão. Na mente infinita de Deus, Ele quis amar uma companhia da posteridade de Adão com um amor imutável, e do amor com que Ele os ama, Ele os escolheu em Cristo. Por meio deste ato de Sua mente infinita, Deus lhes concedeu serem participantes da bem-aventurança em Cristo desde a eternidade. Todavia, ao mesmo tempo, todos caíram em Adão, ainda assim, todos não caíram semelhantemente. Os não-eleitos caíram, de modo a serem condenados, sendo eles deixados a perecer em seus pecados, porque não tinham nenhuma relação com Cristo, Ele não relacionou-se com eles como o Mediador da união com Deus.

 

Os não-eleitos tiveram seu tudo em Adão, sua cabeça natural. Mas os eleitos tiveram toda sorte de bênçãos espirituais concedida a eles em Cristo, sua graciosa e gloriosa Cabeça (Efésios 1:3). Eles não podiam perder estas, porque eles foram assegurados delas em Cristo. Deus os havia escolhido como Seus próprios: Ele seria o seu Deus, eles o Seu povo; Ele, seu Pai e eles, Seus filhos. Ele os deu a Cristo para serem Seus irmãos, Seus companheiros, Sua noiva, Seus consortes em toda a Sua graça comunicável e glória. Na previsão da sua Queda em Adão, e quais seriam os seus efeitos, o Pai propôs erguê-los das ruínas da Queda, mediante a consideração do compromisso de Seu Filho realizando toda a justiça por eles, e como seu Fiador, suportando todos os seus pecados em Seu próprio corpo no madeiro, oferecendo Sua alma como oferta pelo pecado. Para executar tudo isso, o amado Filho encarnou.

 

Foi a isso que o Senhor Jesus se referiu em Sua oração sacerdotal, quando disse ao Pai: “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste” (João 17:6). Ele estava se referindo a todos os sujeitos da eleição da graça. Eles eram os objetos de prazer do Pai: Suas joias, Sua porção; e aos olhos de Cristo eles eram o que o Pai viu que eles seriam. Quão grandemente, então, o Pai estima o Mediador, ou Ele nunca teria concedido Seus eleitos a Ele e os entregado todos ao Seu cuidado e governo! E quão altamente Cristo valorizou esta dádiva de amor do Pai, ou Ele não teria realizado a salvação deles em tal enorme custo para Si mesmo! Agora, a entrega dos eleitos a Cristo foi um ato diferente, um ato distinto do ato da eleição deles. Os eleitos foram primeiramente do Pai por meio da eleição, que escolheu as pessoas; e, em seguida, Ele as deu a Cristo, como o Seu amor e dom: “eram teus [por eleição], e tu mos deste”, da mesma forma, esta graça é dita ser dada a nós em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos (2 Timóteo 1:9).

 

Em terceiro lugar, este ato de Deus foi independentemente de e anterior a qualquer previsão da entrada do pecado. Antecipamos um pouco este ramo de nosso assunto, ainda assim, como é um assunto sobre o qual pouquíssimos hoje são seguros, e algo que consideramos de importância considerável, nos propomos conceder-lhes uma consideração separada. O ponto específico que devemos ponderar agora é, quanto a saber se o Seu povo era visto por Deus, em Seu ato de eleição, como caídos ou não-caídos; como na massa corrupta através de sua deserção em Adão, ou na massa pura da criação, ainda para ser criada. Aqueles que consideram o primeiro ponto de vista são conhecidos como infralapsarianos; aqueles que tomaram o último são conhecidos como supralapsarianos, e no passado esta questão foi debatida consideravelmente entre os altos e baixos Calvinistas. Este escritor sem hesitação (após estudo prolongado) assume a posição supralapsariana, embora ele saiba muito bem que poucos de fato estarão dispostos a segui-lo.

 

O pecado, tendo posto um véu sobre o maior de todos os Divinos mistérios da graça, excetuado somente aquele da encarnação Divina, torna a nossa tarefa presente a mais difícil. É muito mais fácil para nós aprendermos sobre a nossa miséria, e sobre a nossa redenção dela — pela encarnação, obediência e sacrifício do Filho de Deus — do que é para nós concebermos a original glória, excelência, pureza e dignidade da Igreja de Cristo, como o eterno objeto dos pensamentos, conselhos e propósito de Deus. No entanto, se nos apegarmos firmemente às Sagradas Escrituras, é evidente (ao escritor, pelo menos) que o povo de Deus tinha uma criação de qualidade superior e união espiritual com Cristo antes mesmo que eles tivessem uma criação e união natural com Adão; de forma que eles foram abençoados com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Efésios 1:3), antes que eles caíssem em Adão e se tornassem sujeitos a todos os males da maldição. Em primeiro lugar, vamos resumir as razões dadas por John Gill em apoio a isso.

 

O decreto eletivo de Deus deve ser dividido em duas partes ou níveis, ou seja, o Seu propósito a respeito da finalidade e Seu propósito sobre os meios. A primeira parte relaciona-se com o propósito de Deus em Si mesmo, no qual Ele determinou ter um povo eleito e isso, para Sua própria glória. A segunda parte tem relação com a execução real da primeira, fixando os meios pelos quais a finalidade será realizada. Estas duas partes do decreto Divino não devem ser nem separadas nem confundidas, mas consideradas distintamente. O propósito de Deus sobre a finalidade significa que Ele ordenou certas pessoas para serem os destinatários de Seu favor especial, para a glorificação de Sua soberana bondade e graça. Seu propósito sobre os meios significa que Ele determinou criar aquelas pessoas, permitir-lhes cair e resgatá-las com base na redenção de Cristo e na santificação do Espírito. Estes não devem ser considerados como decretos separados, mas como partes componentes e níveis de um propósito. Há uma ordem nos conselhos Divinos, como reais e definidos, como Gênesis 1 mostra que houve em conexão com a criação.

 

Na medida em que o propósito da primeira extremidade está em vista (em ordem de natureza), antes da determinação dos meios, portanto, o que é o primeiro em intenção é último em execução. Agora, como a glória de Deus é última em execução, segue-se necessariamente que ela foi a primeira em intenção. Por isso os homens devem ser considerados no propósito Divino, concernente à finalidade, nem como criados nem caídos, desde que ambos, sua criação e permissão ao pecado, pertencem ao conselho de Deus sobre os meios. Não é óbvio que, se Deus primeiro decretou criar homens e permitir-lhes cair, e, em seguida, a partir da massa caída escolheu alguns para a graça e glória, que Ele se propôs a criar os homens sem qualquer finalidade em vista? E não é esta a acusação de Deus, a saber, eu Ele fez algo que nem mesmo um homem sábio jamais faria, pois quando o homem determina fazer uma coisa, ele propõe uma finalidade (como a construção de uma casa) e depois estabelece formas e meios para concluí-la. Pode ser pensado por um momento que o Onisciente agiria de outra forma?

 

A distinção acima, entre o propósito Divino a respeito da finalidade e indicação de meios para assegurar este propósito de Deus, é claramente confirmada pela Escritura. Por exemplo: “Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles” (Hebreus 2:10). Aqui há primeiro o decreto relacionado à finalidade: Deus ordenou Seus muitos filhos “à glória”; em Seu propósito dos meios Deus ordenou que o príncipe da salvação deles fosse consagrado “pelas aflições”. Da mesma forma foi em conexão com o próprio Cristo. “Disse o SENHOR ao meu Senhor” (Salmos 110:1). Deus decretou que o Mediador tivesse esta alta honra conferida a Ele, mas com este objetivo foi ordenado: que “Beberá do ribeiro no caminho” (v. 7), Deus, então, decretou que o Redentor deve beber da plenitude desses prazeres que estão em sua mão direita eternamente (Salmos 16:11), contudo isto aconteceu antes que Ele devesse tomar o cálice amargo da angústia. Assim é com o Seu povo: Canaã é a sua porção designada, mas o deserto é apontado como aquele através do qual eles passarão a caminho da mesma.

 

O fato de Deus ter predestinado seu povo à santidade e glória, anteriormente à Sua presciência da Queda deles em Adão, se adequada muito melhor com os exemplos dados sobre Jacó e Esaú em Romanos 9:11-12 do que faz o ponto de vista infralapsariano de que o decreto Divino os contemplou como criaturas pecadoras. Ali, lemos: “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá ao menor”. O apóstolo está mostrando que a preferência foi dada a Jacó independente de toda o fundamento de mérito, porque foi feito antes de que as crianças nascessem. Se for mantido em mente que o que Deus faz no tempo é apenas uma manifestação do que Ele secretamente decretou na eternidade, o ponto que estamos aqui defendendo será muitíssimo conclusivo. Os atos de Deus, tanto da eleição quanto da preterição — escolha e rejeição — foram totalmente independentes de qualquer “bem ou mal” previstos. Observe também que maneira como essa expressão é composta: “o propósito de Deus, segundo a eleição” apoia a tese da existência de duas partes para o decreto de Deus.

 

Também deve ser salientado que a predestinação de Deus de Seu povo para a bem-aventurança eterna, antes que Ele os contemplasse como criaturas pecadoras concorda, muito melhor do que a ideia infralapsariana, com o barro sem forma do Oleiro: “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” (Romanos 9:21). Sobre isso, Beza (co-pastor com Calvino na igreja em Genebra) observou que: “se o apóstolo tivesse considerado a humanidade como corrompida, ele não teria dito que alguns vasos foram feitos para honra e alguns para desonra, mas antes, que todos os vasos eram aptos para desonra, alguns sendo deixados para desonra, e outros transportados da desonra para a honra”.

 

Mas deixando de inferências e deduções, voltemo-nos agora para algo mais evidente e definitivo. Em Efésios 1:11 lemos: “havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”. Agora, um estudo cuidadoso do que precede revela uma clara distinção em “todas as coisas” que Deus opera “segundo o conselho da sua vontade”, ou, para indicá-lo de outra maneira, as bênçãos espirituais que Deus concede ao Seu povo são divididas em duas classes distintas, de acordo como Ele os contemplou pela primeira vez em um estado não-caído e, em seguida, em um estado caído. A primeira e mais elevada classe de bênçãos são enumerados nos versículos 4 a 6 e relaciona-se com o decreto de Deus sobre a finalidade; a segunda e subordinada classe de bênçãos são descritas nos versos 7 a 9 relaciona-se com o decreto de Deus sobre os meios que Ele designou para a realização desse fim.

 

Estas duas partes do mistério da vontade de Deus para com o Seu povo desde a eternidade são claramente marcadas pela mudança de tempo que é usada: o passado de “também nos elegeu” (v. 4), “e nos predestinou para a adoção de filhos” (v. 5) e “nos fez agradáveis a si no Amado” (v. 6), torna-se em tempo presente, no versículo 7: “em quem temos a redenção pelo seu sangue”. Os benefícios mencionados nos versículos 4-6 não são, de forma alguma, dependentes de uma consideração sobre a Queda, mas seguem o fato de termos sido escolhidos em Cristo, sendo dados sobre fundamentos altos e distintos, a partir de Seu ser o nosso Redentor. Deus nos escolhe em Cristo, nosso Cabeça, para que sejamos “santos”, porém isto se refere à santidade imperfeita que temos nesta vida, mas a uma santidade perfeita e imutável, até mesmo como a que os anjos não tinham por natureza; e a nossa predestinação para adoção denota uma comunhão imediata com o próprio Deus, bênçãos que teriam sido nossas mesmo que o pecado jamais houvesse entrado no mundo.

 

Como Thomas Goodwin destacou em sua inigualável exposição de Efésios 1: “A primeira fonte de bênçãos — santidade perfeita, adoção, e etc. — foram ordenadas a nós sem levar em consideração a Queda, embora não antes da consideração da Queda; pois todas as coisas que Deus decreta existem ao mesmo tempo em Sua mente; elas estavam todas, tanto uma quanto a outra, ordenadas às nossas pessoas. Mas Deus, nos decretos sobre esta primeira sorte de bênçãos nos viu como criaturas que Ele poderia e gostaria de fazer assim gloriosos… entretanto a segunda sorte de bênçãos foi ordenada a nós apenas em consideração à Queda, e às nossas pessoas consideradas como pecadoras e incrédulas. A primeira sorte foi para “louvor da graça de Deus”, considerando a graça pela gratuidade do amor; enquanto o segundo tipo é para “o louvor da glória da sua graça”, considerando a graça da livre misericórdia”.

 

As primeiras e maiores bênçãos devem ter a sua plena realização no Céu, sendo adequadas para aquele estado em que estaremos estabelecidos, e como na principal intenção de Deus, elas estão diante da outra e são ditas terem sido “antes da fundação do mundo” (Efésios 1:4), então elas devem ser realizadas após este mundo estar terminado, a “adoção” a que estamos predestinados (Efésios1:5) ainda esperamos (Romanos 8:23); enquanto que as segundas são bênçãos derramadas sobre nós no mundo inferior, pois é aqui e agora que recebemos a “remissão dos pecados” através do sangue de Cristo. Mais uma vez; as primeiras bênçãos são fundadas unicamente sobre a nossa relação com a pessoa de Cristo, como é evidente, “escolhidos nele… no Amado”; mas as bênçãos da segunda sorte são baseadas em Sua obra, a redenção que advém do sacrifício de Cristo. Assim, as últimas bênçãos são apenas a remoção daqueles obstáculos que por causa do pecado se interpõem em nosso caminho de glória intencionada.

 

Mais uma vez; esta distinção das bênçãos que nós recebemos em Cristo, como criaturas, e por meio de Cristo como pecadores, é confirmada pelo duplo ofício que Ele sustenta em relação a nós. Isto é claramente expresso em: “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo” (Efésios 5:23). Observe cuidadosamente a ordem desses títulos: Cristo é primeiramente o nosso Cabeça e marido, o que estabelece as bases dessa relação com Deus na qualidade de Seus filhos adotados, como pelo casamento com Seu Filho. Em segundo lugar, Ele é o nosso “Salvador”, o que necessariamente relaciona-se ao pecado. Efésios 5:23 deve ser comparado com Colossenses 1:18-20, onde a mesma ordem é estabelecida: nos versos 18 e 19 aprendemos que Cristo é absolutamente ordenado e Sua igreja com Ele, através do que Ele é o fundador desse estado que nós entraremos após a ressurreição, e, em seguida, no versículo 20 O vemos como redentor e reconciliador: primeiro a “Cabeça” da Sua Igreja, e, em seguida, o seu “Salvador”! A partir desta dupla relação de Cristo com os eleitos surge uma dupla glória para a qual Ele é ordenado: a intrínseca, devida a Ele por ser o Filho de Deus que habita em natureza humana e sendo aí a cabeça de uma Igreja gloriosa (veja João 17:5); e outra mais extrínseca, como adquirida pela Sua obra de redenção e comprada com a agonia de Sua alma (veja Filipenses 2:8-10)!

 

Temos chamado a atenção para o fato de que a única razão para que qualquer alma temente a Deus creia na doutrina da eleição é porque ela a encontra revelada em destaque na Palavra de Deus e, portanto, segue-se que a nossa única fonte de informação sobre a mesma é a Palavra em si. No entanto, o que acaba de ser dito é demasiado geral para ser de ajuda específica para o investigador sério. Quando nos voltamos para as Escrituras por luz sobre o mistério da eleição, é mui essencial que tenhamos em mente que Cristo é a chave para todas as partes delas: “no rolo do livro de mim está escrito” [Salmos 40:7], declara Ele, e, portanto, se tentarmos estudar este assunto à parte dEle, certamente erraremos. Em capítulos anteriores nós evidenciamos que Cristo é a grandiosa origem da eleição, e é a partir desse ponto de partida que devemos proceder, se quisermos fazer qualquer avanço correto.

 

O que acaba de ser sinalizado é válido não apenas no geral, mas em particular: por exemplo, em relação a esse ramo especial de nosso assunto que foi discutido, nós agora seguiremos a partir deste ponto de vista particular. Se formos corretamente de volta para o início propriamente dito, então, aparecerá que Deus Se agradou, e assim resolveu, vir à comunhão com a criatura, o que significa que Ele determinou trazer à existência criaturas que deveriam gozar de comunhão com Ele mesmo. Sua própria glória era unicamente o fim supremo desta determinação, pois “o Senhor fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios” (Provérbios 16:4). Nós repetimos, que a Sua própria glória foi o motivo único e suficiente que levou Deus a criar a todos: “Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Romanos 11:35-36).

 

A principal glória que Deus projetou para Si mesmo na eleição foi a manifestação da glória de Sua graça. Isto é irrefutavelmente estabelecido por: “E nos predestinou para filhos de adoção por [através, no Grego] Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça” (Efésios 1:5-6). A graça é uma daquelas perfeições ilustres no caráter Divino, que é gloriosa em si mesma, e sempre teria permanecido assim embora nenhuma criatura fosse formada; mas Deus mostrou este atributo na eleição de tal forma que o Seu povo ainda a louvará e glorificará para todo o sempre. Deus mostrou a Sua santidade ao entregar a Lei, o Seu poder na criação do mundo, a Sua justiça em lançar os ímpios no inferno, mas a Sua graça resplandece especialmente na predestinação e a que Seus eleitos são predestinados. Assim, também, quando se diz que Deus deu a “conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” (Romanos 9:23), a primeira referência é à Sua graça, como Efésios 1:7 demonstra.

 

A segunda pessoa da Trindade foi predestinada para ser Deus-homem, sendo primeiro decretado, pois somos “escolhidos nele” (Efésios 1:4), o que pressupõe que Ele seja escolhido em primeiro lugar, como o fundamento em que nós somos estabelecidos. Somos predestinados para a adoção de filhos, no entanto, é “por Jesus Cristo” (Efésios 1:5). Assim lemos: “O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós” (1 Pedro 1:20); como veremos mais tarde que a expressão “antes da fundação do mundo” não é apenas uma observação de tempo, mas, principalmente, uma indicação de eminência ou preferência, que Deus tinha de Cristo em Sua visão antes de Sua intenção de criar o mundo para Ele e Seu povo. Agora, temos mostrado que Cristo foi ordenado para ser Deus-homem para fins muito mais elevados do que a nossa salvação, a saber, para que o próprio Deus Se deleitasse; para contemplar a imagem perfeita de Si mesmo em uma criatura, e por essa união, comunicar-Se com aquele homem de uma maneira e nível que não é possível a qualquer mera criatura como tal.

 

Juntamente com o Filho sendo predestinado a ser Deus-homem, ali repousa a Sua gloriosa pessoa, como Sua herança, para ser o fim soberano de todas as outras coisas que Deus faria e a finalidade de quaisquer de suas criaturas racionais que Ele se agradaria em escolher para a glória. Isso fica claro em: “por que tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus” (1 Coríntios 3:21-23), que é falado em referência à consumação. Como vocês, os santos, são o fim para o qual todas as coisas foram ordenadas, assim Cristo é o fim de vocês, e Cristo é o propósito de Deus ou o propósito em ação. Nós dizemos que Cristo é “o fim soberano”, e não o fim supremo, pois o próprio Deus está acima e sobre tudo; mas Cristo é o fim soberano de toda a criação, tendo co-autoridade com Deus, abaixo de Deus. Assim, declara-se que “por ele” e “para ele” foram criadas todas as coisas (Colossenses 1:16), como se diz de Deus em Romanos 11:36. Assim, este fim soberano na criação repousa nEle como a herança do Mediador: “O Pai ama o Filho, e todas as coisas entregou nas suas mãos” (João 3:35).

 

Na predestinação do Filho do homem quanto à união com o Filho de Deus, e na constituição dEle através dessa união para ser o nosso fim soberano e de todas as coisas, foi conferido ao homem Cristo Jesus, assim, exaltado ao favor mais alto possível, incomensuravelmente transcendendo toda a graça mostrada para os eleitos, de qualquer forma considerada, de modo que se a nossa eleição é para o louvor da glória da graça de Deus, a Sua muito mais. Mais honra foi conferida “ao santo ser” que nasceu da virgem do que a todos os membros do Seu corpo místico juntos; e isso foi a graça pura e simples, graça soberana, que a concedeu. O que havia em Sua humanidade, simplesmente considerada, o que lhe concedeu direito a tal exaltação? nem poderia haver qualquer mérito previsto que o exigia, por isso deve ser dito sobre o homem Jesus Cristo, como sobre todas as outras criaturas: “Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Coríntios 4:7).

 

Que não seja esquecido que ao decretar a união do Filho do homem com a segunda pessoa da Trindade, com toda a honra e glória envolvidas nisso, Deus era perfeitamente livre, como em todo o restante, para tê-lO decretado ou não, como Ele quisesse; sim, tivesse Ele se agradado, Ele poderia ter nomeado o arcanjo ao invés da semente da mulher, para tal inestimável privilégio. Foi, portanto, a livre graça de Deus, que fez esse decreto, e quanto mais elevada foi a dignidade conferida a Cristo acima de Seus companheiros, tanto maior foi a graça. A predestinação do homem Jesus, então, é o maior exemplo de graça e, portanto, o maior propósito de Deus na predestinação para manifestar a Sua graça (de onde tem o seu título denominado “a eleição da graça” — Romanos 11:5) foi realizado nEle sobre Seus irmãos, para que Ele seja para o louvor da glória da graça de Deus, muito acima do que nós somos.

 

Desde que no caso de Cristo nós temos tanto o padrão quanto o exemplo da eleição, a grandiosa origem, é bastante evidente que a graça não deve ser limitada ou entendida apenas como o favor Divino em direção às criaturas que estão caídas e estão entregues à ruína e miséria. A graça não necessariamente supõe pecado nos objetos em que é mostrada, pois a mais alta instância de todas, esta da graça concedida ao homem Cristo Jesus, foi conferida Àquele que não teve pecado e era incapaz disso. Graça é favor mostrado a quem não merece, pois a natureza humana no Deus-homem não mereceu a distinção que lhe foi conferida. Quando estendida às criaturas caídas, é favor demonstrado a merecedores do mal e merecedores do Inferno, mas isso não está implícito no termo em si, como pode ainda ser visto no caso da graça Divina sendo estendida aos anjos não-caídos. Assim, como Cristo é o padrão em quem Deus predestinou Seu povo para ser conforme, Sua eleição deles para a glória eterna estava sob Sua visão deles como criaturas não-caídas e não como criaturas corrompidas.

 

Deus, tendo, assim, absolutamente escolhido o Filho do homem, com isso dotou-O de tal realeza como a ser o fim soberano de todos a quem Ele criaria ou elegeria para a glória, segue-se, portanto, que aqueles de nós que foram escolhidos, foram destinados pela própria ordenação de Deus em nossa escolha de existirmos para a glória de Cristo como a finalidade de nossa eleição, bem como para a própria glória de Deus. Nós não fomos absolutamente ordenados — como Cristo em Sua predestinação única foi no primeiro propósito dEle — senão a partir do primeiro de nós, a intenção de Deus a nosso respeito é que sejamos de Cristo e tenhamos a nossa glória a partir dAquele que é “o Senhor da glória” (1 Coríntios 2:8). Aqui, como em toda parte, Cristo tem a preeminência, pois a pessoa de Cristo, Deus-homem, foi predestinada para a dignidade de Si mesmo, mas nós para a glória de Deus e de Cristo. Embora Deus o Pai, primeiro e unicamente, designou quem os favorecidos seriam, ainda assim, qualquer eleição que houve deveria ser por causa de Cristo, bem como a Sua própria.

Em nossa eleição Deus tinha o Seu Filho em vista como Deus-homem, e em Seu propósito sobre Ele como a nossa finalidade, Ele nos escolheu por amor dEle, para que fôssemos Seus “companheiros” ou companhias (Salmos 45:7), assim como Ele era o deleite de Deus (Isaías 42:1), de modo que nós pudéssemos ser o Seu deleite (Provérbios 8:31). Assim, nós fomos dados a Cristo em primeiro lugar, não como pecadores a serem salvos por Ele, mas como membros sem pecado a uma Cabeça sem pecado, como um dom soberano de Sua pessoa, para Sua honra e deleite, e para participar da glória sobrenatural com Ele e dEle. “‘E eu dei-lhes a glória que a mim [como Deus-homem] me deste’, em conformidade com Tua eleição deles e Teu entregar-lhes a Mim para serem Meus. Tu os tens amado como Tu Me tens amado a Mim [ou seja, com um amor eterno na eleição], sim, Tu lhes deste a Mim, para a Minha glória como a finalidade deles, e pelo que, principalmente, Tu lhes amaste” (João 17:22-23).

 

E o que se segue imediatamente em João 17? Isto: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste antes da fundação do mundo” (v. 24). Cristo foi amado em Sua eleição desde a eternidade, e a partir do amor de Deus por Ele, pessoas foram dadas a Ele — com que propósito? Mesmo para contemplá-lO, admirá-lO e adorá-lO em Sua pessoa e glória, como sendo a própria coisa a que eles foram ordenados, mais do que para a própria glória deles, pois a glória deles surge a partir de contemplar a dEle (2 Coríntios 3:18). E o que é esta glória a que Cristo foi ordenado? A glória de Sua pessoa primeiro absolutamente decretada a Ele é a elevação de Sua glória no céu, onde somos ordenados a contemplá-la. E observe como Ele aqui (João 17:24) revela o principal motivo de Deus nisso: “porque tu me amaste”, Cristo sendo escolhido em primeiro lugar na designação de Deus, os membros foram escolhidos e dados a Ele para que eles redundassem em Sua glória.

 

Sendo nós escolhidos para a glória de Cristo como nossa finalidade, e por amor a Ele, bem como para a glória da graça de Deus para conosco, Deus ordenou uma dupla relação de Cristo para conosco para a Sua glória, adicional àquela glória absoluta de Sua pessoa. Primeiro, a relação de uma “Cabeça”, onde nós fomos entregues a Ele como membros de Seu corpo, e como uma esposa ao seu marido para ser seu cabeça. Em segundo lugar, a relação de um “Salvador” e Redentor, que é, em adição à sua liderança; e ambos para adicional glória de Cristo, e também para a manifestação da graça de Deus em relação a nós. Estas duas relações são bastante distintas e não devem ser confundidas. “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo” (Efésios 5:23), cada um desses ofícios foi nomeado a Ele pelo beneplácito da vontade de Deus. Esta mesma dupla relação de Cristo em relação ao Seu povo é apresentada novamente em Colossenses 1:18-20, esta honra oficial dupla conferida a Ele está além e acima das realezas absolutas de Sua pessoa como Deus-homem.

Agora vimos que a dupla relação de Cristo quanto ao Seu povo tem, adequadamente, um duplo e distinto aspecto e consideração quanto a nós e sobre nossa eleição por Deus, que não foi absoluta como a de Cristo foi, mas em relação aos Seus dois ofícios principais. O primeiro diz respeito às nossas pessoas, sem a consideração de nossa Queda em Adão, pelo qual fomos contemplados na pura porção da criação como a ser criada, e nesta consideração Deus nos ordenou para a glória final, sob relação com Cristo como “Cabeça”, seja como membros de Seu corpo ou como Sua noiva, ou melhor, tanto como sendo Ele a Cabeça da Igreja; como um ou como ambas, as nossas pessoas eram plenamente capazes anteriormente ou sem qualquer consideração de nossa Queda. Em segundo lugar, as nossas pessoas vistas como caídas, como corruptas e pecaminosas, e, portanto, como objetos a serem salvos e redimidos da escravidão do mesmo, sob a nossa relação com Ele como um “Salvador”.

 

Cada uma dessas relações foi para a glória da graça de Deus. Primeiro, em Seu desígnio de favorecer-nos, considerados puramente como criaturas, para uma maior glória por Seu Cristo do que era atingível pela lei da criação. Ordenar-nos a esta glória foi pura graça, não menos do que redimir-nos do pecado e da miséria em que caímos; pois isso foi totalmente independente das obras ou mérito, assim como a eleição de Cristo (que é o padrão da nossa) se deu além da consideração de obras de qualquer tipo, como Ele declarou: “a minha bondade não chega à tua presença” (Salmo 16:2). “Embora o trabalho da vida e agonia da morte do Filho refletiu um brilho incomparável sobre cada atributo de Deus, contudo, o Deus mui bendito e infinitamente feliz não tinha nenhuma necessidade da obediência e da morte de Seu Filho, foi por nossa causa que a obra da redenção foi empreendida” (C. H. Spurgeon). É a esta graça original que 2 Timóteo 1:9 refere-se, foi a graça somente, que levou Deus a nos resgatar e chamar, à parte das obras, mas “segundo” esta graça matriz pela qual fomos ordenados para a glória desde o início.

 

Nessa graça original repousa o grandioso e último desígnio de Deus, pois ela terá sua realização última em todos, e com a perfeição de todos. Deus poderia imediatamente, sobre a nossa primeira criação, ter nos tomado nesta glória. Mas em segundo lugar, para adicional magnificação de Cristo e demonstração mais ampla de Sua graça, para estendê-la ao seu alcance máximo; como a palavra em Hebraico é: “Estende a tua benignidade” (Salmo 36:10). Ele não quis conduzir-nos à plena posse da nossa herança em contemplar a glória pessoal de Cristo, nossa cabeça; mas permissivamente ordenou que cairíamos em pecado, e, portanto, decretou criar-nos em condições mutáveis (como a lei da criação requeria), o que abriu caminho para a abundância de Sua graça (Romanos 5:15). Isto é confirmado por: “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia [um termo que denota nosso merecimento do mal], pelo seu muito amor com que nos amou” (Efésios 2:4). Primeiro Deus nos amou, vistos como criaturas sem pecado; e isso se tornou a base da “misericórdia” para conosco, quando considerados como pecadores.

 

Foi sobre esta determinação Divina que os eleitos não entrariam imediatamente após a sua criação na glória a que foram ordenados, antes primeiro seriam permitidos cair em pecado e miséria e, em seguida, seriam libertos do mesmo, de forma que Cristo tivesse Sua grandiosa e maior glória do ofício de Redentor e Salvador acrescentada à Sua eleição de preeminência. É nosso ser pecador e miserável que ocupa a nossa preocupação presente e imediata, como a que estamos mais solícitos quanto a deixar este mundo, e é por isso que as Escrituras, principalmente, apresentam a Cristo como Redentor e Salvador. Dizemos “principalmente” pois como vimos elas não são, de forma alguma, silenciosas sobre a maior glória advinda do fato dEle ser o Cabeça da Igreja; sim, suficiente é dito nelas para atrair os nossos pensamentos, afeições e esperanças para contemplá-lO em Sua grandiosa glória.

 

Ao concluir este esboço sobre a ordem Divina da eleição de Cristo, e nossa, como é representada nas Escrituras, que seja destacado que não supomos um intervalo de tempo entre Deus predestinar a Cristo, como Cabeça e O predestinar como Salvador, pois tudo foi simultâneo na mente de Deus; mas a distinção é da ordem de natureza, e para a nossa melhor compreensão dos mesmos. Cristo não poderia ser o “Cabeça”, sem o correlato de Seu “corpo” místico, como Ele não poderia ser o nosso “Salvador”, a menos que houvéssemos caído. “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma” (Isaías 42:1), Cristo foi primeiramente o eleito e deleite de Deus, e depois Seu servo — sustentado por Ele na obra da redenção. Absoluta e principalmente Cristo como Deus-homem foi ordenado para Ele mesmo, para Sua própria glória; relativa e, secundariamente, Ele foi escolhido para nós e para a nossa salvação.

 

A glória da pessoa do Deus-homem, absolutamente considerada, foi o desígnio primário de Deus, a que Ele determinou em Seu coração; próximo a isso foi a Sua ordenação de Cristo para ser um Cabeça para nós e de nós para sermos um corpo para Ele, isso por nossa união com Ele como nossa Cabeça; Ele foi o autor suficiente e eficiente de tais bênçãos, à medida que nos tornarmos imutavelmente santos; da filiação a partir de Sua Filiação; da aceitação graciosa de nossas pessoas nEle como o principal Amado, e herdeiros de uma mesma glória com Ele, todas estas benções nos capacitam a sermos considerados por Deus como criaturas puras através da nossa união com Cristo, e não necessitados de Sua morte para comprá-las para nós, sendo bastante distintas da bênção da redenção como Efésios 1:7 (seguido dos versos 3-6) mostra com suficiente clareza. Como fazer de Cristo a nossa cabeça foi o primeiro no plano de Deus, assim será o último a ser efetuado, sendo esta a maior de todas as bênçãos da “salvação”, a coroa de tudo, quando nós estaremos “para sempre com o Senhor”.

 

Descendo a um nível muito mais baixo, que seja sinalizado que certamente os santos anjos não podiam ser considerados na massa corrupta quando eles foram escolhidos, uma vez que nunca caíram; por isso, é mais razoável supor que eram considerados por Deus mesmo quando estavam na mesma pura massa da criação, quando Ele os elegeu. Assim foi com a natureza humana de Cristo, que é o objeto da eleição, pois nunca caiu em Adão, nem nunca entrou em um estado corrupto, mas foi “escolhido dentre o povo” (Salmos 89:19), e, consequentemente, as pessoas das quais Ele foi escolhido devem ser consideradas como ainda não-caídas. Isso por si só concorda com o tipo de Eva (a Igreja) que está sendo dada a Adão (Cristo) antes do pecado entrar no mundo. Assim, a dupla ordenação dos eleitos para a glória e para a salvação (tendo em vista a Queda) de Deus concorda com a dupla ordenação dos não-eleitos: preterição como criaturas e condenação como pecadores.

 

 

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Nota: Por muito do que foi exposto acima, estamos em dívida com Thomas Goodwin. Em alguns lugares temos sido propositadamente repetitivos neste capítulo, pois a maior parte do fundamento examinado é inteiramente nova para a maioria dos nossos leitores.