A SUPREMACIA DE DEUS
Em uma de suas cartas a Erasmo, Lutero disse: “Seus pensamentos sobre Deus são demasiado humanos”. Provavelmente esse renomado estudioso ressentia tal repreensão, tanto mais que ela procedia do filho de um mineiro; no entanto, ela foi bem merecida. Nós, também, apesar de não termos nenhuma posição entre os líderes religiosos desta época degenerada, apresentamos a mesma acusação contra a maioria dos pregadores de nossos dias, e contra aqueles que, em vez de examinar as Escrituras por si mesmos, aceitam preguiçosamente os ensinamentos deles. As concepções mais desonrosas e degradantes sobre a regra e reinado do Todo-Poderoso são agora sustentadas em quase toda parte. Para incontáveis milhares, mesmo entre aqueles que professam ser Cristãos, o Deus das Escrituras é completamente desconhecido.
No passado, Deus repreendeu um Israel apóstata: “pensavas que era tal como tu” (Salmos 50:21). Tal deve ser agora a Sua acusação contra a cristandade apóstata. Os homens imaginam que o Altíssimo é movido pelo sentimento, e não movido por princípio. Eles supõem que a Sua onipotência é uma ficção indolente, que Satanás está frustrando os Seus desígnios por todos os lados. Eles pensam que se de algum modo Ele formou qualquer plano ou propósito, então este deve ser como o deles, constantemente sujeito a mudanças. Eles declaram abertamente que seja qual for o poder que Ele possua, deve ser restrito, para que Ele não invada a cidadela do “livre-arbítrio” do homem e o reduza a uma “máquina”. Eles reduzem a expiação toda-eficaz, que realmente resgatou a todos por quem ela foi feita, a um mero “remédio” que as almas enfermas pelo pecado podem usar caso sintam-se dispostas; e, em seguida, enfraquecem a obra invencível do Espírito Santo a uma “oferta” do Evangelho, que os pecadores podem aceitar ou rejeitar como lhes agradar.
A supremacia do Deus vivo e verdadeiro bem poderia ser discutida a partir da infinita distância que separa as criaturas mais poderosas do Criador Todo-Poderoso. Ele é o Oleiro, elas são apenas o barro nas mãos de Deus, para serem moldadas em vasos de honra, ou para serem esmigalhadas em pedaços (Salmos 2:9) como Lhe aprouver. Se todos os habitantes do céu e todos os habitantes da Terra se combinassem em revolta aberta contra Ele, isso não Lhe seria ocasião de mal-estar, e teria menos efeito sobre o Seu trono eterno e inatingível do que tem o borrifar das ondas do Mediterrâneo sobre a imponente rocha de Gibraltar. Tão pueril e impotente é a criatura para afetar o Altíssimo que a própria Escritura nos diz que quando os chefes dos gentios unem-se com Israel apóstata para desafiar a Jeová e Seu Cristo “Aquele que habita nos céus se rirá” (Salmo 2:4).
A supremacia absoluta e universal de Deus é clara e positivamente afirmada em muitas Escrituras. “Tua é, Senhor, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos […] e tu dominas sobre tudo” (1 Crônicas 19:11-12), observe, “domina” agora, não “dominará no milênio”. “Ah! Senhor Deus de nossos pais, porventura não és tu Deus nos céus? Não és tu que dominas sobre todos os reinos das nações? Na tua mão há força e potência, e não há quem te possa resistir” (2 Crônicas 20:6). Diante dEle, presidentes e papas, reis e imperadores, são menos do que gafanhotos.
“Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem então o desviará? O que a sua alma quiser, isso fará” (Jó 23:13). Ah, meu leitor, o Deus das Escrituras não é nenhum monarca de faz de conta, um mero soberano imaginário, mas Rei dos reis e Senhor dos senhores. “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido” (Jó 42:2), ou, em outra tradução, “nenhum dos teus propósitos pode ser frustrado”. Tudo o que Ele designou, Ele faz. Tudo o que Ele decretou, Ele aperfeiçoa. Tudo o que Ele prometeu, Ele realiza. “Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou” (Salmos 115:3). E por que Ele o faz? Porque “não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o Senhor” (Provérbios 21:30).
A supremacia de Deus sobre as obras de Suas mãos é vividamente descrita nas Escrituras. A matéria inanimada, as criaturas irracionais, todos executam as ordens de Seu Criador. Ao Seu prazer, o Mar Vermelho dividiu-se e as suas águas se levantaram como paredes (Êxodo 14); a terra abriu a sua boca, e os rebeldes culpados desceram vivos para o abismo (Números 14). Quando Ele assim ordenou, o sol se deteve (Josué 10); e em outra ocasião retrocedeu dez graus no relógio de Acaz (Isaías 38:8). Para exemplificar Sua supremacia, Ele fez os corvos levarem comida para Elias (1 Reis 17), o ferro flutuar sobre as águas (2 Reis 6:5), os leões serem mansos quando Daniel foi lançado no seu covil, o fogo não queimar quando os três hebreus foram lançados em suas chamas. Assim, “Tudo o que o Senhor quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos” (Salmo 135:6).
A supremacia absoluta e universal de Deus é afirmada com igual clareza e positividade no Novo Testamento. Ali nos é dito que Deus “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”, a palavra grega para “faz” significa “opera eficazmente”. Por esta razão, lemos: “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Romanos 11:36). Os homens podem se gabar de que eles são agentes livres, com vontade própria, e que têm a liberdade de fazer o que quiserem, mas a Escritura diz que aqueles que se vangloriam, “iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos…” deveriam dizer, “Se o Senhor quiser”! (Tiago 4:13,15).
Aqui, então, há um lugar de repouso seguro para o coração. Nossas vidas não são nem o produto de um destino cego, nem o resultado de acaso caprichoso, mas cada detalhe delas foi ordenado desde toda a eternidade, e agora é ordenado pelo Deus vivo e reinante. Nenhum cabelo de nossa cabeça pode ser tocado sem a Sua permissão. “O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos” (Provérbios 16:9). Que segurança, que força, que consolo isso deveria dar ao Cristão real! “Os meus tempos estão nas tuas mãos” (Salmos 31:15). Então, deixe-me descansar no Senhor, e esperar nEle (Salmos 37:7).
O PODER DE DEUS
“Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus” (Salmos 62:11). Quando no primeiro escrito sobre este assunto, nós praticamente confinamos a nossa atenção para a onipotência de Deus como ela é vista na e através da velha criação. Aqui propomos contemplar o exercício de Seu poder na e sobre a nova criação. Que o povo de Deus é muito mais lento para perceber o último do que o primeiro é evidente a partir de Efésios 1:19, onde o apóstolo orou para que os santos pudessem saber “qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder”. Isso é de fato muito impressionante. Quando Paulo fala sobre o poder Divino na criação, ele menciona “Seu poder e divindade” (Romanos 1:20); mas quando ele trata da obra da graça e da salvação, ele chama isso de “a sobreexcelente grandeza do Seu poder”.
Deus distribui o Seu poder diante da natureza da Sua obra. A expulsão de demônios é atribuída ao Seu “dedo” (Lucas 11:20); Sua libertação de Israel do Egito à Sua “mão” (Êxodo 13:9); mas quando o Senhor salva o pecador é o Seu “braço santo”, que Lhe alcança a vitória (Salmos 98:1). Deve ser devidamente observado que a linguagem de Efésios 1:19, é assim expressa como que para compreender toda a obra da Divina graça em e sobre os eleitos. Ela não se conteve ao passado, “os que creram segundo”; nem ao por vir, “o poder que operará em vós”; mas, em vez disso, isso é “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”. Isso é a “operação eficaz” do poder de Deus, desde o primeiro momento de iluminação e convicção até a sua santificação e glorificação.
Tão densa é a escuridão que agora caiu sobre o povo (Isaías 60:2), que a grande maioria das pessoas, mesmo nas “igrejas” não consideram de modo algum ser algo difícil tornar-se um Cristão. Eles parecem pensar que é quase tão fácil purificar o coração de um homem (Tiago 4:8), como é lavar as mãos; que é uma questão tão simples receber a luz da verdade Divina na alma, como o é ao sol da manhã em nossos quartos, pela abertura das janelas; que não é mais difícil converter o coração do mal para o bem, do mundo para Deus, do pecado para Cristo, do que direcionar um navio com a ajuda do leme. E isto em face da declaração enfática de Cristo: “Aos homens é isso impossível” (Mateus 19:26).
Mortificar os desejos da carne (Colossenses 3:5), ser crucificado diariamente para o pecado (Lucas 9:23), ser manso e gentil, paciente e bondoso, numa palavra, ser como Cristo, é uma tarefa completamente além de nossas forças; é algo ao qual nós nunca ousaríamos, ou, tendo nos aventurado a fazê-lo, logo abandonaríamos, mas Deus tem o prazer de aperfeiçoar a Sua força em nossa fraqueza, e é “poderoso para salvar” (Isaías 63:1). Para que isso seja o mais evidente para nós, vamos agora considerar algumas das características das operações poderosas de Deus na salvação de Seu povo.
1. Na Regeneração
Pouco como os Cristãos verdadeiros podem realizar, um poder muito maior é exercido por Deus na nova criação do que na antiga, ao remodelar a alma, conformando-a à imagem de Cristo, do que originalmente ao cria-la. Há uma distância maior entre o pecado e a justiça, a corrupção e a graça, a depravação e a santidade, do que há entre o nada e alguma coisa, ou a nulidade e o existir; e quanto maior for a distância, tanto maior é a energia na criação de algo. O milagre é maior de acordo como a maior transformação. Como é uma indicação de demonstração de maior poder o trazer um homem morto à vida do que um homem doente à saúde, assim, é um trabalho muito mais maravilhoso transformar da incredulidade à fé e da inimizade ao amor, do que simplesmente criar a partir do nada. Aqui é-nos dito: “… evangelho de Cristo […] é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1:16).
O Evangelho é o instrumento que o Todo-Poderoso usa ao realizar a mais maravilhosa e bendita de todas as Suas obras, ou seja, a busca de miseráveis vermes da terra e torná-los “idôneos para participar da herança dos santos na luz” (Colossenses 1:12). Quando Deus formou o homem do pó da terra, embora o pó não tenha contribuído em nada para a ação pela qual Deus o fez, ele não tinha nenhum princípio contrário ao Seu desígnio. Mas ao converter o coração de um pecador em direção a Si mesmo, não há apenas a falta de qualquer princípio de assistência dele nesta obra, mas toda a força de sua natureza se une para combater o poder da graça Divina. Quando o Evangelho é apresentado ao pecador, não somente o seu entendimento é completamente ignorante de seu conteúdo glorioso, mas a vontade é totalmente perversa e contrária a Ele. Não somente não há nenhum desejo por Cristo, mas há hostilidade inveterada contra Ele. Nada, senão o poder onipotente de Deus pode superar a inimizade da mente carnal. Retroceder o oceano a partir de seu curso não seria um ato de poder maior do que mudar a inclinação turbulenta do coração perverso do homem.
2. Ao Convencer-Nos Do Pecado
A “luz da razão”, da qual os homens tanto se gabam, e a “luz da consciência” que outros valorizam tão grandemente, eram totalmente inúteis quanto a fornecer qualquer inteligência nas coisas de Deus que eram consideradas. Foi a este fato terrível que Cristo se referiu quando disse: “Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mateus 6:23). Sim, tão “grande” é esta escuridão que os homens “ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!” (Isaías 5:20). Tão “grande” é esta escuridão que as coisas espirituais são ''loucura” para eles (1 Coríntios 2:14). Tão “grande” é esta escuridão que eles são completamente ignorantes dela (Efésios 4:18), e totalmente cegos quanto ao seu estado atual. Não somente o homem natural não pode libertar-se desta escuridão, mas ele não tem desejo algum para tal libertação, por ser morto espiritualmente ele não tem consciência de qualquer necessidade de libertação.
É por causa de seu temeroso estado que, até que o Espírito Santo realmente regenere, todos os que ouvem o Evangelho são totalmente incapacitados para qualquer entendimento espiritual dele. A maioria dos que o ouvem imaginam que eles já estão salvos, que eles são verdadeiros Cristãos, e nem os argumentos do pregador, nem qualquer poder sobre a terra, jamais podem convencê-los do contrário. Diga-lhes: “Há uma geração que é pura aos seus próprios olhos, mas que nunca foi lavada da sua imundícia” (Provérbios 30:12), e isso não faz mais impressão do que faz a água nas costas de um pato. Alerte-os que: “Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” (Lucas 13:3), e eles não são mais comovidos do que são as rochas pelos borrifos do oceano. Não, eles supõem que não têm nada do que se arrepender, e não sabem que o seu arrependimento precisa “se arrepender” (2 Coríntios 7:10). Eles têm uma opinião muito elevada de sua profissão religiosa para permitir que eles estejam em perigo do inferno. Assim, a menos que um poderoso milagre da graça seja forjado dentro deles, a não ser que o poder Divino destrua a sua complacência, não há nenhuma esperança para eles.
Pois, uma alma ser salvificamente convencida do pecado é uma maravilha maior do que uma fonte podre jorrar águas doces. Para uma alma ser levada a perceber que “toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gênesis 6:5) exige que o poder da onipotência o produza. Por natureza o homem é independente, autossuficiente, autoconfiante: que milagre da graça foi feito quando ele agora sente e confessa a sua impotência! Por natureza, o homem pensa bem de si mesmo; que milagre da graça foi feito quando ele reconhece, “em mim […] não habita bem algum” (Romanos 7:18)! Por natureza, os homens são “amantes de si mesmos” (2 Timóteo 3:2); que milagre da graça foi feito quando os homens abominam-se (Jó 42:6)! Por natureza, o homem pensa que está fazendo um favor a Cristo ao abraçar o Seu Evangelho e patrocinar a Sua causa; que milagre da graça foi feito quando ele descobre que ele é totalmente indigno para estar em Sua santa presença, e clama: “ausenta-te de mim, que sou um homem pecador” (Lucas 5:8). Por natureza o homem é orgulhoso de suas próprias habilidades, realizações, conquistas; que milagre da graça foi feito quando ele pode verdadeiramente declarar: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3:8).
3. Ao Expulsar O Diabo
“Todo o mundo está no maligno” (1 João 5:19), enfeitiçado, agrilhoado, impotente. À medida que seguimos através das narrativas do Evangelho e lemos sobre diferentes pessoas que estavam possuídas de demônios, pensamentos de compaixão em relação às infelizes vítimas agitam as nossas mentes, e quando contemplamos o Salvador libertando aquelas miseráveis criaturas, ficamos cheios de assombro e alegria. Mas será que o leitor Cristão percebe que nós também estivemos uma vez na mesma terrível situação? Antes da conversão, erámos escravos de Satanás, o Diabo operava em nós a sua vontade (Efésios 2:2), e, portanto, andávamos “segundo o príncipe das potestades do ar”. Que capacidade nós tínhamos para libertar a nós mesmos? Menos do que nós temos para parar a chuva de cair ou o vento de soprar. Uma imagem da impotência do homem para salvar-se do poder de Satanás é retratada por Cristo em Lucas 11:21: “Quando o valente guarda, armado, a sua casa, em segurança está tudo quanto tem”. O “valente” é Satanás, os seus “bens” são os cativos desamparados.
Mas bendito seja o Seu nome, “Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (1 João 3:8). Isso também foi retratado por Cristo na mesma parábola: “Mas, sobrevindo outro mais valente do que ele, e vencendo-o, tira-lhe toda a sua armadura em que confiava, e reparte os seus despojos” (Lucas 11:22). Cristo é mais forte do que Satanás, Ele o supera no dia do Seu poder (Salmos 110:3), e liberta os “Seus próprios”, que estão cativos (Isaías 61:1). Ele ainda vem por meio de Seu Espírito para “pôr em liberdade os oprimidos” (Lucas 4:19), por isso se diz que Deus “nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” [Colossenses 1:13], colhendo ou arrebatando de um poder que de outra forma não entregaria a sua presa.
4. Ao Produzir Arrependimento.
O homem sem Cristo não pode se arrepender: “Deus com a sua destra o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados” (Atos 5:31). Cristo dá estas coisas como um “príncipe”, e, portanto, a ninguém além de Seus súditos, aqueles que estão em Seu reino, sobre os quais Ele governa. Nada pode atrair os homens ao arrependimento, senão o poder regenerador de Cristo, o qual Ele exerce à mão direita de Deus; pois os atos de arrependimento são o ódio ao pecado, tristeza por ele, a determinação a abandoná-lo, e esforço sincero e constante para mortificá-lo. Mas o pecado é tão transcendentalmente querido e agradável para um homem sem Cristo, que nada, senão um poder infinito pode atraí-lo para fora desses atos mencionados. O pecado é mais precioso para uma alma não-regenerada do que qualquer outra coisa no céu ou na terra. É mais caro para ele do que a liberdade, pois ele se entrega a ele por completo, e torna-se seu servo e escravo. É mais caro para ele do que a saúde, força, tempo ou riquezas, porque ele gasta tudo isso em seu pecado. É mais caro para ele do que sua própria alma. Um homem perderá os seus pecados ou a sua alma? Noventa e nove por cento escolhem este último, e perdem a sua alma por conta disso.
O pecado é o eu de um homem. Assim como o “I” (“eu”, em inglês) é a letra central de “Sin” (“pecado”, em inglês), assim o pecado é o centro, o poder de movimento, a própria vida do eu. Por isso Cristo disse: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo” (Mateus 16:24). Os homens são “amantes de si mesmos” (2 Timóteo 3:2), o que é o mesmo que dizer que os seus corações são apegados ao pecado. O homem “bebe a iniquidade como a água” (Jó 15:16), ele não pode existir sem isso, ele está sempre sedento pelo pecado, ele deve ter o seu suprimento dele. Agora, desde que o homem assim adora o pecado, o que transformará o seu prazer em tristeza, o seu amor pelo pecado em ódio pelo mesmo? Nada, exceto a onipotência.
Aqui, então, podemos notar a loucura daqueles que apreciam a ilusão de que eles podem se arrepender a qualquer tempo em que se preparem para isso. Mas o arrependimento evangélico não está à disposição e clamor da criatura. Isso é o dom de Deus: “a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade” (2 Timóteo 2:25). Então, que loucura é a que convence multidões a adiarem o esforço para se arrepender até seus leitos de morte? Será que eles imaginam que, quando eles são tão fracos que eles já não podem curvar seus corpos, terão força para desviar as suas almas do pecado? Muito mais cedo eles poderiam recuperar a saúde física perfeita. Que louvor, então, é devido a Deus se Ele operou um arrependimento salvífico em nós.
5. Ao Operar Fé Em Seu Povo
A fé salvífica em Cristo não é a simples questão que muitos vãmente imaginam. Incontáveis milhares supõem que é tão fácil crer no Senhor Jesus como em César ou Napoleão, e a coisa trágica é que centenas de pregadores estão ajudando a propagar essa mentira. É tão fácil acreditar sobre Ele como sobre aqueles de uma forma natural, histórica, intelectual; mas não de uma maneira espiritual e salvadora. Eu posso crer em todos os heróis do passado, mas tal crença não gera nenhuma mudança em minha vida! Eu posso ter confiança inabalável na historicidade de George Washington, mas a minha crença nele diminui o meu amor pelo mundo e faz com que eu odeie até a túnica manchada pela carne? A fé sobrenatural e salvífica em Cristo purifica a vida. Essa fé é facilmente alcançada? Não, de fato! Ouça ao próprio Cristo: “Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?” (João 5:44). E, novamente, lemos: “Por isso não podiam crer” (João 12:39).
A fé em Cristo é recebê-lO como Ele é oferecido ou apresentado a nós por Deus (João 1:12). Ora, Deus apresenta Cristo para nós, não somente como Sacerdote, mas como Rei; não apenas como Salvador, mas como “Príncipe” (Atos 5:21) note que “Príncipe” precede “Salvador”, como tomar o seu “jugo” sobre nós será encontrado antes do “descanso” para as nossas almas (Mateus 11:29)! Os homens estão tão dispostos a Cristo para governá-los quanto para salvá-los? Será que eles oram tão seriamente por pureza quanto por perdão? Eles são tão ansiosos para ser libertos do poder do pecado, quanto eles são do fogo do inferno? Será que eles desejam a santidade, tanto quanto eles desejam o Céu? O domínio do pecado é tão terrível para eles quanto os seus salários? Será que a sujeira do pecado os entristece tanto quanto a culpa e a condenação por ele? O homem que divide o que Deus uniu, quando Ele oferece Cristo para nós, não tem Lhe “recebido” de modo algum.
A fé é um dom de Deus (Efésios 2:8-9). Ela é operada nos eleitos pelo “poder de Deus” (Colossenses 2:12). Trazer um pecador da incredulidade à fé salvífica em Cristo é um milagre tão grande e tão maravilhoso quanto o que foi para Deus ressuscitar Cristo dentre os mortos (Efésios 1:19-20). A incredulidade é muitíssimo mais do que entreter uma concepção errônea do caminho da salvação de Deus: é uma espécie de ódio contra isso. Assim também a fé em Cristo é muito mais do que a mente concordar com tudo o que é dito sobre Ele nas Escrituras. Os demônios fazem isso (Tiago 2:19), mas isso não os salva. A fé salvífica não é apenas o coração sendo apartado de qualquer outro objeto de confiança como o fundamento de minha aceitação diante de Deus, mas é também o coração sendo apartado de qualquer outro objeto que possa competir com Ele pelos meus afetos. A fé salvífica é aquela que “que opera pelo amor” (Gálatas 5:6), um amor que é evidenciado pela observância de Seus mandamentos (João 14:23); mas por sua própria natureza, todos os homens odeiam os Seus mandamentos. Portanto, onde há um coração crente, que é dedicado a Cristo, estimando-O acima do eu e do mundo, um poderoso milagre da graça foi realizado na alma.
6. Ao Comunicar Um Senso De Perdão
Quando uma alma tem sido gravemente ferida pelas “flechas do Todo-Poderoso” (Jó 6:4), quando a luz inefável do Deus três vezes santo brilhou em nossos corações entenebrecidos, revelando sua imundícia indizível e corrupção; quando nossas inúmeras iniquidades foram diante de nossa face, até então o pecador condenado foi feito perceber que ele é apto apenas para o inferno, e vê-se agora mesmo à beira dele; quando ele é levado a sentir que ele tem provocado a Deus tão severamente que ele teme ter pecado muito além de qualquer possibilidade de perdão (e, a menos que a sua alma tenha passado por tais experiências, meus leitores, vocês nunca nasceram de novo), então nada, senão o poder Divino pode elevar a alma para fora do desespero abjeto e criar nela uma esperança de misericórdia. Levantar o pecador ferido acima dessas águas escuras que tanto o assustaram, fornecer a luz de conforto, bem como a luz da convicção em um coração cheio do que é pior que a escuridão egípcia, é um ato da Onipotência. Somente Deus pode curar o coração que Ele feriu e acalmar a furiosa tempestade interior.
Os homens podem enumerar as promessas de Deus e os argumentos de paz até que eles sejam tão velhos quanto Matusalém, mas de nada vale, até que uma mão Divina derrame “o bálsamo de Gileade”. O pecador não é mais capaz de aplicar a si mesmo a Palavra de consolo Divino quando ele está sob os terrores da lei de Deus, e se contorcendo sob os golpes de convicção do Espírito de Deus, do que ele é capaz de ressuscitar os corpos em decomposição em nossos cemitérios. Pois, “restaurar a alegria da salvação”, era no julgamento de Davi um ato de poder soberano igual ao da criação de um coração puro (Salmos 51:10). Todos os doutores em Divindade juntos são tão incapazes de curar um espírito ferido assim como os médicos de medicina de animar um cadáver. Silenciar uma consciência tempestuosa é uma ação mais poderosa do que a do Salvador ao acalmar os ventos tempestuosos e ondas bravias, embora não deva ser esperado que qualquer um cederá à verdade disto, os que são em si mesmos estranhos a tal experiência. Como nada, senão o poder infinito pode remover a culpa do pecado, assim, nada, a não ser o poder infinito pode remover o senso de desespero pelo pecado.
7. Ao Realmente Converter Uma Alma
“Pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas?” (Jeremias 13:23). Não, de fato; embora ele possa pinta-las ou cobri-las de novo. Assim, alguém fora de Cristo pode restringir os atos exteriores de pecado, mas ele não pode mortificar o princípio interior disso. Transformar a água em vinho foi de fato um milagre, mas transformar fogo em água seria um milagre maior. Criar um homem do pó da terra foi uma obra do poder Divino, mas recriar um homem, de forma que um pecador torne-se um santo, um leão seja transformado em um cordeiro, um inimigo seja transformado em um amigo, o ódio seja derretido em amor, é uma maravilha muito maior da Onipotência. O milagre da conversão, que é realizado pelo Espírito através do Evangelho, é descrito assim: “Porque as armas da nossa milícia [ou seja, os pregadores] não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:4-5).
Foi bem dito: “Desapropriar um homem, então, de sua autoestima e autossuficiência, ceder espaço para Deus no coração, onde não havia nada, senão o pecado, tão querido a ele como a si mesmo, lançar abaixo o orgulho da natureza, fazer a imaginação robusta se inclinar para a cruz, fazer os desígnios de autopromoção afundarem sob um zelo pela glória de Deus e um propósito prevalente pela Sua honra, não devem ser atribuídos a qualquer um, senão a um braço estendido empunhando a espada do Espírito, de forma a ter um coração cheio de temor de Deus, que pouco antes era cheio de desprezo a Ele, para ter um senso de Seu poder, um olhar para a Sua glória, admirando os pensamentos de Sua sabedoria; ter um ódio pelas suas habituais concupiscências que o haviam levado a grande prazer sensível, odiá-las, viver pela fé e obediência ao Redentor, os quais antes estavam tão vivamente sob o domínio de Satanás e do eu, é um ato triunfante do poder infinito que pode ‘subjugar todas as coisas’ a Si mesmo” (Stephen Charnock).
8. Na Preservação Do Seu Povo
“Quem são mantidos pelo poder de Deus através da fé… pronta para ser revelada no último tempo” (1 Pedro 1:5). “Mantido de quê? Ah, o mortal é capaz de devolver uma resposta completa? Uma seção inteira pode ser proveitosamente dedicada a este aspecto de nosso tema. Guardados do domínio do pecado que ainda habita em nós. Guardados de serem arrastados para fora de o caminho estreito pelas seduções do mundo. Conservados das heresias horríveis que enredam milhares em todos os lados. Protegidos de sermos vencido por Satanás, que sempre procura a nossa destruição. Guardados de nos afastarmos do Deus vivo para que nós não façamos naufrágio na fé. Preservados de transformarmos Sua graça em dissolução. Fracos como água em nós mesmos, ainda assim habilitados a resistir como quem vê Aquele que é invisível. Esta ‘é a obra do Senhor, e é maravilhoso aos nossos olhos’”.
O pecado é um poderoso monarca que nenhum de seus súditos pode resistir. Havia mais em Adão enquanto inocente para resistir ao pecado do que em qualquer outro, já que o pecado tem um aliado dentro da criatura caída que está sempre pronto a traí-lo a cair em tentação exterior. Mas o pecado não tinha essa vantagem sobre Adão, no entanto, isso o dominou. Os anjos não-eleitos eram ainda mais capazes de suportar o pecado do que Adão foi, tendo mais excelente natureza e estavam mais perto de Deus, mas o pecado prevaleceu contra eles, e lançou-os para fora do céu, para o inferno. Então, que grande poder é necessária para dominá-lo! Somente Aquele, que “levou cativo o cativeiro” pode fazer o Seu povo mais do que vencedor.
“Como a providência de Deus é uma manifestação do Seu poder em uma criação contínua, assim a preservação da graça é uma manifestação do Seu poder em uma contínua regeneração. A força de Deus diminui e modifica a violência das tentações, Seu auxílio oferece suporte ao Seu povo sob elas, Seu poder derrota o poder de Satanás. As contraposições das corrupções remanescentes, as relutâncias da carne contra os sopros do Espírito, as ilusões dos sentidos e as vagueações da mente rapidamente sufocariam e matariam a graça se ela não fosse mantida pelo mesmo sopro todo-poderoso que primeiramente a insuflou. Não menos poder é visto em aperfeiçoá-la, do que em implantá-la (2 Pedro 1:3); não menos no cumprimento da obra de fé, do que ao enxertar a palavra da fé (2 Tessalonicenses 1:11)” (Stephen Charnock).
A preservação do povo de Deus neste mundo grandemente glorifica o poder de Deus. Preservar aqueles com tantas corrupções interiores e tantas tentações exteriores magnifica Seu inefável poder mais do que se Ele os trouxesse para o céu no momento em que eles cressem. Em um mundo de sofrimento e tristeza, preservar a fé de Seu povo em meio a tantas dores e provações, julgamentos, bofetadas, decepções, traições de amigos e professos irmãos em Cristo, é infinitamente mais maravilhoso do que se um homem fosse bem sucedido em carregar uma vela exposta e acesa através de um pântano aberto, quando um furacão estivesse soprando. Para a glória de Deus, o escritor carrega o testemunho de que se não fosse pela graça onipotente ele teria se tornado um infiel, anos atrás, como o resultado do tratamento que havia recebido daqueles que posavam como pregadores do Evangelho. Sim, pois Deus suprir força ao Seu povo enfraquecido, e habilita-os a reter “firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” (Hebreus 3:14), é mais maravilhoso do que se Ele mantivesse fogo queimando no meio do oceano.
Como a contemplação do poder de Deus deve aprofundar a nossa confiança e crença nEle: “Confiai no SENHOR perpetuamente; porque o SENHOR DEUS é uma rocha eterna” (Isaías 26:4). O poder de Deus foi o fundamento da segurança de Abraão (Hebreus 11:19), dos três hebreus na Babilônia (Daniel 3:17), de Cristo (Hebreus 5:7). Oh, que tenhamos sempre em mente que “Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça” (2 Coríntios 9:8). Nada é tão calculado para acalmar a mente, aquietar os nossos medos, e nos encher de paz quanto a apropriação de fé na suficiência de Deus. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos 8:3 1). Sua promessa infalível é: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça” (Isaías 41:10). Aquele que conduziu uma nação através do Mar Vermelho, sem navios, e os conduziu pelo deserto por quarenta anos, onde não havia pão nem água, ainda vive e reina!