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Benjamin Keach sobre a Doutrina da Justificação

Introdução do Editor

Benjamin Keach (1640-1704) se tornou um batista aos 15 anos, pregou como um batista geral, e sofreu perseguição, prisão e críticas públicas por suas convicções como batista. Depois de servir como presbítero em uma congregação de batistas gerais de 1668 a 1672, se tornou um ministro batista particular e fundou uma igreja em Horse-lie-down, em Southwark, Londres. Ele passou o resto de seus dias como um zeloso pregador do Evangelho, polemista capaz, teórico de princípios de interpretação bíblica, poeta, escritor de hinos e de obras literárias alegóricas. Sua clara e ousada defesa das doutrinas da graça foi fundamentada por seus anos anteriores nos quais foi um arminiano. Ele possuía uma convicção sincera de que a doutrina da justificação pela fé era de fato a doutrina pela qual a igreja permanece de pé ou cai. Seus sermões e escritos expositivos eram repletos de explicações acerca da centralidade dessa doutrina para um entendimento correto da graça de Deus.

Em uma exposição de Lucas 7:42, “e, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos”, Keach reservou uma seção de aplicações nas quais explicou como a graça reina através da justiça. A graça não é exaltada de uma forma injusta, mas reina através da justiça. Certamente ela não reina através da nossa justiça, pois nossa própria injustiça é que tornou a graça necessária. Ao invés disso, a graça reina principalmente “através da justiça de Cristo, ou através de Sua perfeita e completa obediência, ou por aquela justiça que Ele operou, mediante o que fez e sofreu. Foi através da justiça de Jesus Cristo que a graça reinou; pois sem essa justiça de Cristo, nem a santidade, a justiça ou a santa lei permitiriam que a graça reinasse”. Antes a justiça divina estava no trono a pronunciar o julgamento devido sobre pecadores condenados justamente. Agora, no entanto, a lei foi perfeitamente obedecida. Assim, a sabedoria divina criou um meio para a graça adornar todos os atributos divinos para que brilhem em igual glória, operando debaixo da unção da graça. O reinado da graça, através da justiça de Cristo, encontra sua manifestação mais maravilhosa através da “aplicação do que Ele fez e sofreu por nós; Seus méritos são aplicados, e Sua justiça é imputada a todos os que nEle creem, como um ato de graça soberana”.

A narrativa a seguir mostra a intensidade com a qual Keach proclamou e aplicou a doutrina da justificação pela graça através da fé em Cristo, como o sacrifício propiciatório justo.

Aplicação do Livro The Marrow of True Justification[1]

Isso reprova todos aqueles que militam contra a doutrina da livre graça ou contra a doutrina da justificação pela fé somente, e pleiteiam por justificação através de uma obediência sincera, e desse modo misturam graça com obras. Também pode servir para convencer todos os homens que aqueles mestres que ensinam tais coisas, mesmo que sejam muito eloquentes, não são verdadeiros ministros do Evangelho; e, portanto, devem ser evitados, embora falem como se fossem anjos.

  1. Uma palavra de alerta. Não pense, ó alma, que é sua própria justiça lhe justifica através dos méritos de Cristo; ou que a justiça de Cristo é sua justiça legal, e não sua justiça evangélica. Não, não, Ele é seu Salvador por completo; é o próprio braço de Cristo que trouxe a salvação, não a nossa justiça unida ou acoplada com a justiça e méritos de Cristo; mas somente a justiça pessoal dEle, recebida pela fé. E,
  2. Tenha cuidado para não colocar a fé em si mesma no lugar (como obra sua, ou como um hábito piedoso, ou como algo produzido por você mesmo) da perfeita obediência; pois é a justiça de Cristo que cumpre os requisitos daquela obediência perfeita que Deus exigiu de nós no que diz respeito à justificação. Fé justifica apenas no que diz respeito ao objeto que ela apreende e se apega.
  3. Tremam, vocês que confiam em sua moral ou em sua obediência ao Evangelho, em seus atos de misericórdia ou em suas boas obras e vidas santas. Tremam vocês que confiam em seu desempenho dos seus deveres, que se gloriam em seu conhecimento e privilégios exteriores; vocês podem jejuar, orar e ouvir sermões e ainda assim, finalmente, irem para o inferno. Não obstante, vocês devem fazer essas cosias, mas não procurar serem justificados por elas; faça essas coisas considerando-as como deveres a serem desempenhados; mas jamais confiem ou coloquem sua dependência em seus desempenhos.
  4. Aqui há conforto para pecadores. Mas se vocês são pessoas que se autojustificam ou que fazem como os judeus de antigamente, os quais procuravam estabelecer a sua própria justiça, vocês cairão no inferno (Romanos 10:2[-3]). Essa doutrina fortalecerá a vocês que são fracos, duvidosos e anseiam por justiça, apeguem-se a ela como a uma túnica de justiça, vistam-na, creiam em Cristo, venham a Ele como miseráveis pecadores, vocês que não possuem dinheiro, nobreza, mérito ou justiça, pois o vinho e o leite da justificação e do perdão é para vocês. Clamem para que Deus os ajude a crer; Cristo é o autor da fé vocês, e esse dom de Deus é uma graça do Espírito. Vocês dizem que estão quebrantados? Olhem para Cristo, creiam e vocês serão salvos (Marcos 16:16; João 3:15-16). Se você não pode vir a Deus como um santo, venha como um pecador; ou melhor, é somente como pecador que você pode e deve vir a Ele.

Objeção: Mas essa doutrina é denunciada como algo que promove o antinomianismo.

Resposta: Eles não sabem o que é antinomianismo, embora nos acusem disso, e provarei isso a seguir, com a ajuda de Deus. Se isso é ser antinomiano, então todos nós deveríamos ser antinomianos e não nos importarmos com as zombarias deles. Que o Senhor abra seus olhos: nós somos favoráveis à lei assim como Paulo o era e somos favoráveis à santidade e à obediência sincera, tanto quanto qualquer homem no mundo. Mas anelamos ver as pessoas agindo com base em princípios corretos e com um objetivo correto. Desejamos ver homens vivendo em santidade motivada por um princípio de fé, um princípio de vida espiritual, que primeiro nos casa com Cristo para que depois possamos dar fruto para Deus (Romanos 7:4).

Nós pregamos a vocês, pecadores, que Jesus Cristo irá aceita-los, se vierem a Ele, e lhes receberá de bom gosto e não lhes rejeitará por causa da grandeza de seus pecados, apesar de não haver nenhuma qualificação em vocês que os tornasse recomendáveis a Ele. Vocês não devem lavar a si mesmos de seus pecados e só depois virem à fonte do sangue de Cristo param serem lavados; defendemos que Cristo seja seu Salvador por completo, e que Ele é apresentado como propiciação pela fé em Seu sangue; aquele que se achegar e crer será justificado. Nós dizemos a vocês que Deus justifica o ímpio, isto é, que os homens são ímpios antes de serem justificados.

Nossa doutrina não é outra, senão aquela que todos os melhores protestantes sempre defenderam e a que a Igreja da Inglaterra afirma em seus 39 Artigos. Justiça e justificação são imputadas a nós somente pelo mérito de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo através da fé, e não por nossos próprios méritos e obras. Cremos que somos justificados pela fé somente; e que as obras devem ser feitas mediante a graça de Cristo e a inspiração do Espírito, ou então não serão agradáveis a Deus, pois, à medida que elas não provêm da fé em Cristo, elas também não capacitam o homem a receber a graça etc.

Deixe-me exortar você a não receber como verdade tudo que você encontra nos livros, sermões e escritos de alguns homens, mesmo que eles sejam recomendados por homens por quem você tem grande admiração. Eu espero que alguns desses ministros, que endossaram o último livro do Sr. Williams,[2] recebam advertências para se arrependerem por seus atos precipitados e por sua grande imprudência. Pois nós não podemos ver senão que tal livro traz outro evangelho, ou é uma subversão do verdadeiro Evangelho (embora o leitor ingênuo possa não descobrir tão rapidamente o veneno contido ali) e está cheio de termos, noções e expressões difíceis, incultas e ininteligíveis, que não são normalmente conhecidos no mundo cristão. É estranho para mim que ele defenda que o Evangelho seja uma lei — ou comando de dever, algo que traz uma condição com sanções de ameaças por descumprimento, e promessas de recompensas por performance de obediência sincera — pois, se a sinceridade da graça e da santidade não for a condição daquilo que muitas vezes é chamada de regra da promessa, o que, no entanto, ele diz que não é o preceito, então eu não o entendo: Se ele não quer dizer que um homem deve ser santo, sincero ou uma nova criatura antes de poder confiar na promessa do Evangelho ou ser justificado — erro esse ao qual meu texto se opõe — como se a promessa da livre graça de Deus estivesse se apegando a Cristo e ainda assim Sua justiça não nos justificasse até que obtivéssemos algumas qualificações inerentes à santidade, como regra da promessa, antes de podermos confiar nela ou nos lançarmos a Jesus Cristo, nesse caso, então, devemos receber a justificação como santos e não como pecadores; mas tudo isso é diretamente contrário ao que todos os nossos fieis escritores protestantes e teólogos modernos afirmaram.

Os papistas dizem que um homem deve ser inerentemente justo antes que ele possa ser declarado justo; e que a fé justifica, pois infunde tal justiça em nós. E esse homem diz pouco mais que isso — se é que eu o entendi; isto é, que um homem deve responder à regra da promessa do Evangelho, afirmando que o Evangelho determina judicialmente uma conformidade com sua regra; e quando Deus perdoa, Ele judicialmente declara que um homem tem a verdadeira fé, e por fé ele certamente quer dizer algo mais do que simplesmente confiar em Cristo, a saber, fazer cumprir a aliança batismal, isto é, servir com amor e sinceramente obedecer ao Evangelho — assim essa fé é tratada por ele de maneira ampla e abrangente. E antes de Deus nos declarar justos para a justificação, Ele olha para ser se respondemos completamente, ou não, às condições (de acordo com a doutrina que esses homens pregam), após perceber que a criatura cumpre esses requisitos, então, Deus judicialmente concede a promessa em forma de recompensa; e se a obediência é sincera, mesmo que seja imperfeita, ela é aceita tanto quanto a obediência perfeita teria sido (se isso fosse possível) debaixo da lei das obras; de modo que uma justiça própria inerente é a condição da nossa justificação diante do Deus santo, e não a justiça de Cristo. Fuja desse erro.

Irmãos, essa nova lei parece poder dar vida com base na obediência a ela, estando a primeira lei abolida; mas se pela lei, qualquer lei, um homem pudesse ser justificado, Cristo teria morrido em vão; pois, como uma lei, todas as leis de obras desde que o homem pecou, falham completamente e são incapazes de nos justificar aos olhos de Deus. Pois como alguns eruditos têm observado, a palavra grega não é a lei, mas uma lei. Não importa qual seja a lei ou a regra de justiça que requeira obediência perfeita ou imperfeita, ela não será capaz de justificar (Gálatas 3:11). Pois o justo viverá pela fé: justificação e vida são obtidas apenas dessa forma, e não por obras de obediência que tenhamos praticado.

E dizer que é possível haver uma obediência sincera e verdadeira, quando praticada por uma pessoa não regenerada, é uma doutrina estranha. A sinceridade é algo que só pode ser encontrada naquele que foi regenerado pela graça de Deus. É tão impossível para uma pessoa não regenerada praticar obediência sincera (se estamos falando de sinceridade segundo o Evangelho) como o é para um crente prestar uma obediência perfeita à lei das obras.

Portanto pecadores, apesar de ser dever de vocês reformarem suas vidas e deixarem seus pecados abomináveis, os quais muitas vezes trazem pesados julgamentos sobre vocês neste mundo, e os expõem à eterna ira do mundo vindouro; ainda assim, saibam que tudo que vocês puderem fazer falhará no ponto da sua aceitação e justificação aos olhos de Deus, ou para salvação de suas almas. A presente obra e trabalho que vocês devem fazer consistem em crer em Jesus Cristo e olhar para Ele, o único que pode renovar Sua imagem sagrada em suas almas, e fazer de vocês novas criaturas, pois sem isso vocês perecerão. Ó, clame para que Ele ajude a sua incredulidade. Venham, confiem suas almas à justiça de Cristo. Cristo é capaz de lhes salvar, mesmo que vocês sejam tão grandes pecadores. Venham a Ele, se lancem aos pés de Jesus. Olhem para Jesus, que veio para salvar os que estavam perdidos: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba” (João 7:37-38). Você pode ter a água da vida gratuitamente. Não diga que quer obter qualificações ou boas obras para vir a Cristo. Pecador, você tem sede? Você percebe sua necessidade de justiça? Não é para uma justiça, mas sim para um senso de falta de justiça que você deve olhar: Cristo tem justiça suficiente para vestir você; tem o pão da vida para lhe alimentar e graça para lhe adornar; ou o que quer que você deseje, deve ser obtido nEle. Nós lhe dizemos que há ajuda e salvação nEle, através da propiciação em Seu sangue, você deve ser justificado, e essa justificação acontece pela fé somente.

Saiba que Deus justifica os ímpios; não por torná-los inerentemente justos primeiro, nem eles se tornam mais ímpios depois de justificados; a fé que Deus operou neles logo purificará seus corações e suas vidas; essa graça os ensinará a renunciarem a toda impiedade e concupiscências mundanas, e viverem de maneira sóbria, justa e piedosa neste presente mundo mau. Nós não dizemos a vocês que devam ser santos para só depois crerem em Jesus Cristo; o que dizemos é que vocês devem crer nEle, para que possam então ser santos. Vocês devem primeiro alcançarem a união com Ele, antes que possam dar frutos para Deus; suas obras devem brotar da vida, e não serem um meio de obter a vida.

Objeção: Mas é difícil crer assim; ser ímpio e então passar a crer; não ver nenhuma santidade própria, nenhum hábito piedoso em nós; se tivéssemos algum grau de santificação ou de justiça própria, então poderíamos crer.

Resposta: Cristo não é capaz de lhes salvar ou não é de Sua vontade fazê-lo, a não ser que vocês sejam cooperadores e coparticipantes com Ele em na obra de sua salvação? Ou são vocês que não estão dispostos a serem salvos, a não ser que possam compartilhar com Ele da glória da sua salvação? É difícil para vocês crerem no maior testemunho que já foi dado para qualquer verdade? Vocês não podem crer no relato do Evangelho ou receberem o que está registrado ali acerca do Filho de Deus? Descansar em Cristo é difícil? Vocês não conseguem clamar por pão ao invés de perecerem? Vocês não conseguem beber quando estão com sede e podem fazer isso à vontade?

Nós dizemos que o Evangelho não é uma aliança condicional de obediência; ou que a fé e a santidade ou a fé e as boas obras são condições dele; negamos que somos justificados por qualquer obra nossa, como uma justiça subordinada à justiça de Cristo, também negamos que somos justificados por causa de Cristo somente, e ainda assim a Sua justiça não é também imputada a nós assim como nossos pecados foram imputados ou colocados sobre Ele. Nós dizemos que a fé não justifica como um ato, nem como um hábito, ou em virtude que qualquer valor que exista nela mesma, pois ela é apenas como uma mão que aplica o remédio. Nós dizemos que a fé é um fruto comprado por Cristo, e se Deus não poupou Seu próprio Filho, antes O entregou por nós todos, como não nos dará todas as outras coisas, a saber, graça aqui e glória no porvir? Aquele que nos deu o maior presente, não negará aos Seus eleitos um presente menor.

E agora saibam todos vocês, fariseus, essa doutrina rebaixa seus pensamentos arrogantes e imaginações, e humilha seu orgulho.

Ó, vocês que são crentes! Admirem a livre graça de Deus; olhem para Cristo que morreu por vocês, o Justo pelos injustos, que carregou seus pecados, que foi feito pecado por nós, que não conheceu nenhum pecado, para que nós possamos ser feitos a justiça de Deus nEle. Ele Se deu por vocês, e tem dado graça, o fruto de Sua morte, e a Si mesmo para vocês. Ó, se empenhem para serem um povo santo; vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por vocês.

Para concluir: Há algum pecador aqui? Você é um ímpio, e está em uma condição miserável (aos seus próprios olhos)? Você está cansado e sobrecarregado? Venha a Cristo, erga sua cabeça, pois para aquele que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.


[1] Livro de Benjamin Keach sobre a doutrina da justificação, cujo título pode ser traduzido para o português como: “A Essência da Verdadeira Justificação”. – N.doR.

[2] Daniel Williams, Man Made Righteous by Christ’s Obedience [O Homem Feito Justo pela Obediência de Cristo] (London, J. Dunton, 1694). – N.doR.

 

Título original: Benjamin Keach on Justification — Via: Founders.org • Traduzido e publicado com permissão • Tradução: Leonardo Gonzales • Revisão: William Teixeira.