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Graça Distinguidora, por C. H. Spurgeon

Graça Distinguidora, Sermão Nº 262. Pregado na noite de Dia do Senhor, 6 de fevereiro de 1859.
Por C. H. Spurgeon, em New Park Street Chapel, Southwark.

 

“Porque, quem te faz diferente?” (1 Coríntios 4:7)

 

OU, como está no grego: “Pois quem distingue você?”, “Quem lhe dá misericórdia distinguidora ou discriminadora?”, “Quem te faz diferente dos outros?”. O orgulho é um pecado inerente ao homem e, ainda assim, é de todos os pecados o mais tolo! Mil argumentos podem ser usados para mostrar o seu absurdo; mas nenhum destes seria suficiente para extinguir a sua vitalidade. Ele está vivo no coração humano e lá ficará, até que morramos para este mundo e ressuscitemos sem mancha ou defeito. No entanto, muitas são as setas que podem ser atiradas no nosso coração vaidoso. Tomemos, por exemplo, o argumento da Criação — como ele reforça nosso orgulho! Um vaso sobre a roda do oleiro, que está sendo moldado, estaria cometendo um disparate ao vangloriar-se, dizendo: “Como sou bem feito! Como são belas as minhas formas! Mereço muito louvor!”. Ora, ó pedaço de barro, seja o que você for, foi o oleiro quem te fez — por mais elegantes que sejam suas proporções, por mais incomparável que seja a sua simetria, a glória pertence a quem te fez, e não a você! Você é obra das suas mãos. Agora, falemos de nós. Nós, que somos a coisa formada, diremos de nós mesmos que merecemos honra porque Deus formou-nos excelentes e maravilhosos? Não. O simples fato de sermos criados deveria apagar as fagulhas de nosso orgulho! O que somos nós, afinal de contas, além de gafanhotos à vista dEle? Gotas em um balde; grãos de poeira? Não passamos de crianças recém-nascidas quando nos somos os mais velhos. Não passamos de mosquitos quando nos consideramos os mais fortes. Nós passamos de burros selvagens quando nos consideramos os mais sábios. Não passamos de tolos e vaidosos quando nos julgamos os mais excelentes — isso bastaria para nos humilhar! Mas, certamente, se estes argumentos não forem suficientes para aparar as asas do nosso crescente orgulho, o Cristão pode, ao menos, amarrá-las com argumentos derivados do amor distinguidor e das misericórdias de Deus. “Quem te faz diferente dos outros?”. Essa pergunta deveria ser como um punhal posto à garganta da nossa ostentação — “e o que você tem que você não tenha recebido” — deveria ser como um golpe de espada através do coração da nossa auto-exaltação e orgulho!

 

Vamos agora, por um momento ou dois, nos esforçar para vencer o nosso orgulho observando em que Deus nos tem distinguido e diferenciado, e daí, ao percebermos que tudo isso vem dEle, teremos razão para nos humilhar e não nos vangloriar.

 

I. Muitos de nós diferimos dos outros quanto aos atos providenciais de Deus para conosco. Vamos pensar um momento em quantos dos preciosos e amados filhos de Deus neste momento vivem em profunda pobreza. Eles não estão andando cobertos de peles de ovelhas e cabras, perseguidos, aflitos e maltratados, mas ainda estão com fome e ninguém lhes dá comida. Eles estão com sede e ninguém lhes dá de beber — seu ânimo se consome com a pobreza e seus anos em aflições. Há alguns filhos de Deus que experimentaram uma vez a abundância, mas foram subitamente lançados nas profundezas da penúria.

 

Eles conheceram o que era ser respeitado entre os filhos dos homens, mas agora estão entre os cães do rebanho e ninguém se preocupa com eles. Alguns dos que estão aqui têm tudo o que o coração pode desejar — Deus nos tem dado alimento e vestuário — as linhas nos caíram em lugares agradáveis, como disse o Salmista, ​​e temos uma formosa herança. Vamos perguntar com gratidão — “Quem nos faz diferentes?”. Lembremo-nos de que tudo que temos são dádivas de Sua Providência. Não para vós, ó minhas mãos, vou sacrificar porque tens trabalhado pelo pão! Não para ti, ó meu cérebro, vou oferecer incenso porque tens pensado em como obter meu sustento diário. Não a vós, ó meus lábios, vou oferecer a minha adulação porque me tens fornecido palavras. Não — a Deus, que dá força para adquirir e para ter e desfrutar — a Ele seja todo o louvor pelo que Ele fez por nós! Nunca deixemos nossos louvores cessarem, pois Sua bondade é como uma correnteza que nunca seca! Talvez nenhum de nós chegue a saber, antes do Grande Dia revelar, o quanto alguns dos servos de Deus são provados. Até esta hora eles têm “perigo na terra e perigos no mar e perigos de falsos irmãos”. Até esta hora eles são oprimidos ​pela necessidade; são abandonados pelos amigos; eles sabem o que é o desalento e todos os males que o desânimo e a decepção podem trazer sobre eles! Eles mergulharam no mais profundo do Mar das Tribulações e caminharam muito sobre a areia escaldante do Deserto da Aflição.

 

E se Deus nos livrou dessas coisas e fez o nosso caminho mais agradável e levou-nos para junto das águas tranquilas e para os pastos verdejantes — se Ele nos distinguiu pelos dons comuns de Sua Providência acima de muitos outros de Seus filhos que são muito melhores e muito mais santos do que nós, que diremos? Isso é devido apenas à Sua Graça para conosco, e não nos exaltemos diante de nossos companheiros por isso; não nos deixemos envaidecer, mas tratemos com dignidade os que vivem em condições mais humildes. Não levantaremos os nossos pescoços com os soberbos, mas vamos curvar nossas testas com os humildes. Todo homem deve ser chamado de nosso irmão — não apenas aqueles que estão vestidos de vestes formosas, mas aqueles que estão vestidos com a roupa de labuta — eles devem ser reconhecidos como nossos parentes, da mesma origem; pois o que temos, que não tenhamos recebido e o que nos faz diferentes? Eu queria que alguns dos abastados duros de coração de nossas Igrejas se lembrassem disso algumas vezes! Sua condição é suave como óleo e tão macia como uma pluma, mas seus corações são tão elevados como choupos e suas maneiras tão duras quanto postes. Há muitos que fariam bem se lembrassem que não têm nada além do que Deus lhes deu — e quanto mais Deus lhes dá, mais eles lhe devem! Para que um homem deve se vangloriar se ele deve mais do que o outro? Será que os devedores no Banco da Rainha diriam um ao outro: “Você deve apenas cem libras e eu mil; por isso sou um cavalheiro melhor do que você”? Eu acho que não! No entanto, se o fizessem, eles seriam tão sábios quanto os homens que se gabam perante seus semelhantes porque têm um posto melhor, riqueza, honra e posição neste mundo! “Quem te faz diferente do outro? E que tens tu que não tenhas recebido?”.

 

Mas a melhor maneira de você sentir esta parte do sermão é indo amanhã a um hospital e caminhar ao longo das enfermarias e ver como os pobres homens sofrem — e, em seguida, ir para a sala de cirurgia e ver o que a carne e o sangue podem ter que suportar. Então, depois que você tiver feito isso, ande pela vizinhança para ver os doentes que estão há dez, doze, ou quinze anos sobre a mesma cama! Depois disso, vá e visite algumas das crianças atingidas pela pobreza, que vivem uma existência vazia, mantidas a pão e manteiga e um pouco de chá e muito pouco além disso. Vá e veja seus quartos pobres, miseráveis, sem mobília, seus porões e seus sótãos e isso será um sermão melhor para você do que qualquer coisa que eu possa proferir! Você voltará para casa e dirá: “Oh meu Deus, eu Te bendigo por sua bondade para comigo. Por estas misericórdias temporais que uma vez eu considerei tão pouco, devo sinceramente Te bendizer. Devo agradecer-Te pelo que tens dado a mim e vou atribuir tudo ao Teu amor, pois Tu me fazes diferente. Eu não tenho nada que eu não tenha recebido”.

 

II. Mas este não é o ponto mais importante para observarmos. Agora vamos olhar, não as questões da Providência, mas para as coisas da Graça de Deus. Aqui é que nós, que estamos agora reunidos como Igreja, temos mais razão para bendizer a Deus e dizer: “Quem nos faz diferente dos outros?”. Considerem, meus queridos amigos, no olho da sua mente os casos do descuidado, do endurecido e do imprudente — mesmo desta congregação. Lado a lado com vocês, meus irmãos e irmãs, pode sentar-se um homem, uma mulher, que está morto em delitos e pecados. Para estes, a música do Evangelho é como cantar para um ouvido morto e o gotejar da Palavra é como o orvalho sobre uma rocha! Há muitos nesta congregação cuja posição na sociedade e cujo caráter moral são extremamente excelentes e ainda diante de Deus seu estado é terrível. Eles frequentam a Casa de Deus tão regularmente quanto nós. Eles cantam enquanto cantamos; sentam-se como nós e vão e vêm como nós, e ainda estão sem Deus e sem esperança no mundo — estranhos à comunidade de Israel e alheios ao Pacto da Promessa! No entanto, o que nos faz diferentes? Por que é que eu, hoje, não estou sentado como um ouvinte insensível, endurecido sob o Evangelho? Por que não estou nesta mesma hora ouvindo a Palavra com os meus ouvidos exteriores, e rejeitando-a em meu coração? Por que é que não me foi permitido rejeitar o convite de Cristo e desprezar Sua Graça — para continuar, domingo após domingo, a ouvir a Palavra e ainda ser como uma víbora surda? Oh, tenho sido diferente? Deus não permita que tal pensamento orgulhoso, blasfemo venha contaminar nossos corações! Não, amados:

 

“'O mesmo amor que preparou a festa, docemente nos obrigou a entrar. De outro modo ainda recusaríamos a participar, e pereceríamos em nosso pecado”.

 

A única razão, meus irmãos e irmãs, por que vocês são neste momento herdeiros de Deus, coerdeiros com Cristo, participantes da doce comunhão com Jesus, herdeiros do Reino dos Céus, é porque ELE vos diferenciou! Você era um herdeiro da ira, como os outros; nascido em pecado e formado em iniquidade — deve, portanto, dar toda a glória ao Seu santo nome e clamar: “Não a nós, não a nós, mas ao Teu nome seja todo o louvor”. Mesmo este pensamento, quando totalmente mastigado e digerido, pode alimentar a nossa gratidão e fazer-nos curvar humildemente diante do escabelo do Trono de Deus com alegres ações de graças.

 

III. Você desejará, todavia, pensar em outros casos? Quem faz você diferente dos outros desta congregação que estão mais endurecidos do que aqueles que mencionamos? Há alguns homens e mulheres cuja salvação, se dependesse de homens, estaria fora de cogitação, pois seus corações são mais duros do que o aço! O martelo da Palavra não produz nenhuma impressão nessas almas! Os trovões da Lei estrondam sobre suas cabeças — e eles conseguem dormir em meio ao barulho — o relâmpago do Sinai lampeja contra seus corações, mas mesmo aquelas chamas poderosas parecem recuar de seu ataque! Você não sabe como? Eles são seus próprios filhos, seu marido, sua esposa, alguns de sua própria família e quando você olha sobre eles, apesar de ter orado e chorado e suspirado por suas almas, você é levado a dizer em seu coração: “Receio que nunca vou vê-los convertidos”. Você diz com tristeza: “Oh, se eles fossem salvos, seria uma maravilha da Graça Divina, de fato! Certamente eles jamais entregarão suas vidas para Deus. Eles parecem tão insensíveis como se suas consciências tivessem sido cauterizadas com um ferro quente. Eles parecem ter o selo da condenação sobre a sua testa, como se tivessem sido marcados e selados e tivessem o sinal do inferno em seu coração antes de ir para lá”. Sim, mas pare. “Quem te faz diferente?”. Por que não estou no dia de hoje entre os mais endurecidos dos homens? Como é que o meu coração é derretido para que eu possa chorar com a lembrança do sofrimento do Redentor? Por que é que a minha consciência é sensível e sou levado a um autoexame por um sermão? Como é que eu sei como orar e lamentar diante de Deus por causa do pecado? O que tirou água destes olhos, a não ser o mesmo poder que tirou água da Rocha? E o que colocou vida em meu coração, a não ser a mesma Onipotência que proveu o maná aos famintos no deserto? Nossos corações ainda seriam como os de animais selvagens da floresta, se não fosse pela Graça Divina! Oh, peço-vos, meus queridos amigos, que cada vez que vocês virem um pecador endurecido, basta que digam dentro de si: “Eis o retrato do que eu deveria ter sido; o que eu deveria ter sido, se o poderoso amor de Deus não houvesse derretido e santificado meu coração!”. Tome estes dois casos, então, e você terá, Deus sabe, razão suficiente para louvar a graça soberana!

 

IV. Agora outro caso; a classe mais baixa dos pecadores não se mistura com nossas congregações, mas continua sendo vista em nossos becos, e às vezes, em nossas rodovias. Como é terrível o pecado da embriaguez, que reduz o homem ao nível de um animal; que o deixa embrutecido! Quão vergonhosa é a iniquidade da blasfêmia, que, sem qualquer objetivo ou qualquer chance de lucro, traz maldição sobre sua própria cabeça! Quão terríveis são as maneiras pelas quais o miserável lascivo arruína o corpo e a alma de uma só vez e, não contente com sua própria destruição, arrasta outros consigo. Os casos que estão sob nossa observação nos jornais diários e que assaltam-nos em nossa observação diária e audição são muito vis para serem contados. Quantas vezes o nosso sangue gelou com o som de maldições e com que frequência nosso coração palpita com as impiedades e atrevimento ​​dos blasfemos? Paremos agora. “Quem te faz diferente?”. Lembremo-nos que, se vivemos muito perto de Cristo, nós também teríamos vivido tão perto do Inferno se não fosse pela graça salvífica. Alguns de vós aqui presentes são testemunhas especiais desta graça, pois tendes, vós mesmos, experimentado a redenção destas iniquidades. Olhem para trás, cerca de quatro anos, alguns de vocês, e lembrem-se quão diferentes eram os seus arredores do que eles são agora. Talvez há quatro anos você estivesse na choperia cantando a música do bêbado com os outros. Apenas há pouco tempo você amaldiçoava esse Salvador que agora você ama! Apenas alguns meses se passaram desde que você corria com a multidão para fazer o mal. Mas agora, “Quem te faz diferente?”, quem operou esse milagre da graça? Quem levou você para o banco do penitente e para a mesa da comunhão; quem fez isso?

 

Amados, vocês não são lentos para responder, pois o veredicto do seu coração é completo. Vocês não dão a glória em parte para o homem e, em parte a Deus. Não, vocês clamam alto em seus corações: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”. Vocês são lavados, são santificados, vocês foram lavados no sangue do Redentor e santificados pelo Espírito! Vocês foram feitos para ser diferentes e vocês confessarão isso. Vocês foram feitos para ser diferentes pela graça distintiva e só por ela! E o que sustenta o resto de nós de ser o que esses meus irmãos e irmãs recuperados foram uma vez, e que vão se tornar novamente a menos que a graça salvadora os preserve? O que preserva o pregador hoje de ser um palestrante para infiéis, desonrando a graça do Deus que agora ele engrandece? O que impede o diácono de ser um assistente nos tribunais de Satanás? O que impede os que abrem as portas na Casa do nosso Deus e que O servem no Sabath de serem porteiros nas tendas dos filhos de Belial? Ora, eles teriam ficado por lá, a menos que a graça os impedisse! A graça fez isto, e nada mais!

 

Quando passa uma prostituta na rua, nós dizemos: “Ó pobre criatura! Tenho pena de você. Eu não tenho uma palavra dura para você, pois eu teria sido como você se Deus não me houvesse preservado”. E quando você vê o bêbado cambaleando, não seja demasiado apressado para condenar; lembre-se de que você teria sido como um animal diante de Deus se o Senhor não o tivesse guardado! E quando você ouvir o juramento e estremecer com ele, não imagine que você é superior ao homem que amaldiçoa a Deus, pois talvez você tivesse amaldiçoado, também. E certamente você teria feito, não fosse o Espírito Santo ter santificado você e implantado em você um ódio daquilo que os ímpios tão avidamente seguem! Você já viu um homem enforcado por assassinato? Você já viu outro ser levado pelo mais infame dos crimes? Se você ouvir de alguém que cometeu um pecado tão repulsivo contra a sociedade que a humanidade o excomunga, faça uma pausa e diga: “Ah, mas eu teria ido tão baixo quanto ele; eu teria ido tão longe quanto ele, a não ser que a graça restritiva tivesse me impedido de voltar à minha carnalidade e a menos que a graça constrangedora tivesse me impelido na corrida celeste desde que eu vim a conhecer a vontade de Jesus”.

 

V. E agora, vamos fazer uma pausa e pensar em outro mal que nos olha no rosto em conexão com cada Igreja. Há casos mais tristes de apostasia em Igrejas maiores que esta. Nós somos muitas vezes obrigados a descobrir o caráter de homens e mulheres que antes pareciam prontos para o Céu, mas que manifestaram que eles nunca tiveram a sua raiz dentro de si. Oh, bem dizia o poeta:

 

“Quando alguém sai do caminho de Sião, ai, quanto o fazem!”

 

Nenhuma prova é pior para o verdadeiro ministro do que a apostasia do seu rebanho. Todo ataque dos homens é insuficiente para trazer lágrimas aos nossos olhos, mas a apostasia o faz. Ai, quando aqueles a quem amo se desviam do caminho de Deus, quando aqueles que se sentavam conosco na mesma mesa da Igreja na Comunhão, saem e trazem desonra à Igreja e ao nome de Cristo, que consternação para o meu espírito! Às vezes, há casos tão evidentes quanto dolorosos e tão vis quanto lamentáveis. Algumas dessas pessoas, que uma vez estiveram no meio do santuário de Deus, tornaram-se bêbados e devassos, e só Deus no Céu sabe o que mais! Eles pecaram contra tudo o que é decente, bem como tudo o que é santo. Ao lembrarmo-nos destes, os nossos olhos se enchem de lágrimas. “Oh que a nossa cabeça se tornasse em águas e os nossos olhos fontes de lágrimas, para que chorássemos de dia e de noite pelos mortos da filha do nosso povo”. Ninguém causa mais danos do que os desertores! Nada causa tanta agonia como aqueles que foram abrigados debaixo de nossas asas e, em seguida, voam para longe para se alimentar de carniça como abutres sobre as carcaças podres da luxúria e do pecado!

 

Mas agora vamos fazer uma pausa. Como é que o ministro não abandonou sua profissão e voltou atrás como um cão ao seu vômito e como a porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal? Como é que os diáconos desta Igreja não se desviaram para os caminhos tortuosos e negaram a fé e tornaram-se piores do que os infiéis? Como é que tantos membros desta Igreja foram guardados para que o Maligno não os tocasse? Ó Amados! Eu posso dizer por mim, eu sou um contínuo milagre da Divina graça! Se Tu me deixares, Senhor, por um momento, eu estou totalmente destruído,

 

“Não, ó não me deixes! Continua segurando-me e confortando-me”.

 

Deixe que Abraão seja abandonado por seu Deus: ele engana e nega sua esposa! Deixe Noé ser abandonado: ele se embriaga e fica nu para sua vergonha. Deixe Ló por um instante e, cheio de vinho, deleita-se com abraços incestuosos, e o fruto do seu corpo torna-se um testemunho para sua desgraça! Não, deixe Davi, o homem segundo o coração de Deus, e a mulher de Urias, e em breve mostrará ao mundo que o homem segundo o coração de Deus ainda tem um coração mau e infiel para se apartar do Deus vivo! Oh, bem o poeta o colocou:

 

“Eu acho que escuto o Salvador dizer, você vai Me abandonar, também?”

 

E agora deixemos nossa consciência responder:

 

“Ah, Senhor! Com um coração igual ao meu, a menos que Tu me segures, sinto que cairei como eles”.

 

Oh, não seja precipitado e autoconfiante, Cristão! Seja tão confiante quanto puder em seu Deus, mas desconfie de si mesmo! Você pode ainda tornar-se tudo o que é vil e vicioso, a menos que a graça soberana o guarde e sustente até o fim! Mas lembre-se, se você tem sido preservado, a coroa de sua perseverança pertence ao Pastor de Israel, e você sabe disso. Pois Ele disse: “Eu, o Senhor, a guardo, e cada momento a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia a guardarei”. Vós conheceis “aquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória”. Então, dai toda a glória ao Rei imortal, invisível, ao único Deus sábio vosso Salvador, que tem feito assim.

 

VI. Permitam-me mais um contraste; mais uma vez deixe sua gratidão vir comigo. Desde que você e eu nos unimos à Igreja quantos dos que foram nossos companheiros foram condenados, enquanto nós fomos salvos? Quantos que eram melhores do que nós por natureza se afundaram no abismo mais profundo do Inferno? Pense em seus tormentos indizíveis! Imagine seus lamentos inconcebíveis! Retratem diante dos olhos de sua fantasia suas agonias indescritíveis! Desça em espírito por um momento para os portões de fogo, entre na mansão do desespero onde a Justiça reina suprema em seu trono de ferro. Passe pela cela sombria daqueles que estão eternamente condenados! Contemple o verme que nunca morre e os corações esmagados. Olhe para aquelas chamas inextinguíveis e veja as almas em tormentos para nós desconhecidos! E olhe, se você puder; olhe, mas você não consegue olhar; pois seus olhos seriam atingidos pela cegueira se você pudesse ver seus tormentos! Seu cabelo se tornaria branco em um momento diante dessa visão horrível! Ah, enquanto você fica a pensar naquela região de morte, desespero e condenação, lembre-se de que você estaria lá se não fosse pela graça soberana! Você tem uma harpa preparada para você no Céu, uma coroa reservada para você quando tiver terminado a sua jornada. Você tem uma mansão, uma casa eterna nos céus, não feita por mãos humanas. Oh, por que você jamais foi para o Inferno? Quem lhe deu a boa esperança, de que pela graça você jamais entrará naquele lugar de tormento? Oh, conte ao mundo inteiro; conte no tempo e na eternidade: a LIVRE GRAÇA de Deus fez isso! A graça de Deus fez tudo do princípio ao fim. Eu era um tição no fogo, mas Ele me tirou, me purificou com Seu sangue e agora declara que estarei com Ele para sempre no Céu! Mas agora, paremos irmãs e irmãos, e pensemos que alguns dos vossos antigos colegas de bebidas, alguns dos colegas de libertinagem estão agora no Inferno e você não está lá — e pela graça de Deus nunca estarão lá! Oh, por que é assim, por que é assim? Bendito seja o Senhor, meu Deus, desde agora e para sempre! Louvado seja o Seu nome! A graça fez isso! A graça fez tudo isso!

 

Não, eu nunca usarei essa corrente; nunca serei esticado em cima dessa prancha, nem sentirei esse fogo,

 

“Mas verei a Sua face, e não terei mais pecado!
E dos rios de Sua graça eternamente beberei”.

 

E eu mui confiantemente proclamo que a razão pela qual escaparei e serei glorificado não será encontrada em mim, mas nEle. Ele fez-me diferente. Eu nada tenho a não ser o que recebi. Agora, o que diremos destas coisas? Se Deus fez você ser diferente, a nossa primeira oração deveria ser, “Senhor, humilha-nos. Tira o orgulho de nós. Ó Deus, nos perdoe, pois que tais como animais, teimamos em ficar orgulhosos”. Nós poderíamos estar com nosso pai, o Diabo, nesta hora, se não fosse pelo Amor Divino. E se estamos agora na Casa do Pai, que está no Céu, devemos ficar orgulhosos? Vá embora, seu monstro! Vá e habite com o fariseu! O orgulho combina muito bem com o homem que se estima sempre virtuoso. Vá embora e viva com aquele que tem boas obras desde o primeiro dia até agora. Mas longe de mim,

 

“Eu, o principal dos pecadores”,

 

e salvo pela graça Soberana me orgulharei? Não é justo que você viva no meu coração, seu monstro! Fora daqui! Fora daqui! Encontre uma habitação mais apropriada do que a minha alma! Devo me orgulhar depois de toda essa misericórdia imerecida, essa dádiva de Deus? Fora daqui, orgulho! Fora daqui!

 

Outra lição; se Deus quis nos fazer diferentes, por que Ele não pode fazer outros diferentes, também? “Depois que o Senhor me salvou”, disse um deles, “Eu nunca me desesperancei de ninguém”. E que cada um de nós diga isso, também! Se vocês foram trazidos, por que não os outros? Será que você desistirá de orar por alguém, agora que você está salvo? Certa vez ouvi alguém dizer a respeito de sua filha, “Acho que devo desistir dela; dificilmente ela se converteria”. Como você foi perdoado? E se o Senhor pôde fazer isso, Ele pode fazer qualquer coisa! Estou certo de que se o Senhor me trouxe a seus pés, não existirá no mundo inteiro alguém pior do que eu! Se Ele me trouxe para receber Sua livre graça, Seu amor soberano, Seu precioso sangue e me fez amá-lO, então não pode haver nada tão difícil para Ele! Ó Senhor, se Tu derreteste este coração de metal e dissolveste esta alma de pedra, podes quebrar qualquer coisa! Se Tu quebraste o ferro do Norte e o aço, então o que resta para além do Teu poder? Volte então, Cristão, munido com esse fato: o Deus que te diferenciou pode fazer qualquer um diferir. Não pode haver nenhum caso além de Sua força; se Ele trouxe você, Ele pode trazer a todos. Enquanto Ele puder estender a Sua mão, não há razão para desespero! Portanto, “Pela manhã semeia a tua semente e à tarde não retires a tua mão; porque você não sabe qual prosperará, se esta, se aquela, ou se ambas serão igualmente boas”.

 

Mais uma vez, quem me fez diferente? O meu Senhor fez isso? Então, que eu O sirva mais do que os outros. Houve uma pergunta feita uma vez por nosso Salvador: “O que fazeis de mais?”. Essa pergunta poderia muito bem ser colocada para cada filho de Deus aqui presente. Meus queridos amigos, não devemos nos contentar em fazer tanto quanto as outras pessoas fazem! Na verdade, nunca devemos estar totalmente contentes com nossas obras, mas sempre tentar fazer mais para Ele, que tanto fez por nós! Ainda que eu desse o meu corpo para ser queimado, minha carne para ser cortada, meus nervos para a agonia e meu coração para a lança, ainda assim eu não daria tudo o que Ele merece! Não, e se eu passasse pelos horrores do martírio, ainda seria um tributo pobre para um amor tão maravilhoso, tão Divino. O que estão fazendo os meus amigos, o que estão fazendo os meus irmãos e irmãs, para Cristo? Eu não citarei vocês; estou me censurando se eu censurar vocês. Vou confessar minhas próprias iniquidades e deixá-los confessar as suas. Eu tento servir o meu Mestre, mas eu não O sirvo como deveria. Cada ato que eu realizo é manchado, seja por falta de oração para que seja abençoado, seja por falta de fé em meu Senhor, ou por orgulho. Encontro também continuamente uma tendência de me servir, em vez de servir a Cristo, uma ansiedade constante de terminar logo o meu trabalho, em vez de fazê-lo alegremente. E oh, quando eu penso em tudo isso, eu devo dizer que eu sou um servo inútil! Tem misericórdia, oh gracioso Senhor, de minhas boas obras, bem como das más; pois as minhas boas obras não são melhores do que as más e não podem ser aceitáveis em si mesmas!

 

Estou certo de que alguns de vocês têm um pouco mais de necessidade de dizer isso do que eu. Vamos parar de ostentar. Eu sei que há alguns aqui que não estão servindo a Cristo. Alguns membros desta Igreja não estão fazendo nada! Você não pensou em fazer alguma coisa para Cristo, não é? Você contribui regularmente; você faz o que lhe mandam; mas você dá a Cristo secretamente? Você dedica o seu ser a Ele quando ninguém sabe disso? Você gasta seu tempo com Ele? Você escolheu uma carreira e você disse: “Este é o meu trabalho e pela graça de Deus eu vou fazê-lo”? Oh, você não pode dizer o quanto há para fazer e quão poucos querem fazê-lo! Eu gostaria de ter uma Igreja viva, ativa, de modo que nunca houvesse necessidades sem pessoas prontas para supri-las e nem trabalho sem pessoas qualificadas e prontas para fazê-lo! Nem temer encontrar muitos, ao invés de pouquíssimos, para ajudar na sua realização! Oh, se tivéssemos o bom espírito da Igreja Primitiva; o espírito de propagar nosso Cristianismo por toda parte! Em muitos subúrbios de Londres faltam Igrejas com o Evangelho. Posso apontar para muitos lugares na minha própria vizinhança, sete ou oito, nove ou dez, onde é necessária uma capela. Em cada lugar há crentes que não pensam em se unir para abrir um novo trabalho. Mas, enquanto suas necessidades peculiares estão satisfeitas, por viajar muito longe, talvez, eles se esqueçam das centenas e milhares de pessoas que estão em torno deles. Oh, há muito a ser feito e muito pouco tempo para fazer! Pouquíssimas semanas e aqueles de nós que foram amados mais do que outros; aqueles de nós que pensávamos que poderíamos lavar os pés de Cristo com nossas lágrimas e enxugá-los com o cabelo de nossas cabeças, não teremos mais oportunidades para espalhar o nome e a fama do nosso glorioso Redentor! Entreguemos o nosso ser à Sua causa, demos do nosso tempo ao Seu serviço, e tenhamos Seu Amor em nossos corações e assim seremos abençoados, pois em retribuir o amor de Cristo, sentiremos que Seu amor será derramado mais plenamente em nossos corações e em nossos entendimentos!

 

Que o Espírito Santo adicione a Sua bênção sobre estas palavras quebradas — elas foram quebradas porque eles quebraram meu coração e, portanto, eu não poderia ajudar a sua expressão em uma forma quebrada. Deus aceite-as. E queridos irmãos e irmãs, que Deus possa abençoa-las para vocês, ajudando para que vocês amem mais Aquele que é a minha Esperança, a minha Alegria, meu Consolo e meu Tudo!