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O Propósito da Eleição, por A. W. Pink

[Capítulo 7 do livro The Doctrine of Election • Editado]

 

No último capítulo procuramos voltar ao começo de todas as coisas e seguir a ordem dos conselhos de Deus em conexão com Seu decreto eterno da eleição, na medida em que são revelados nas Sagradas Escrituras. Agora buscaremos projetar os nossos pensamentos para o futuro, e contemplar o grande propósito de Deus, ou o como Ele ordenou o Seu povo a isso. Aqui estaremos em terreno mais familiar a muitos de nossos leitores, mas não podemos ignorar o fato de que, mesmo esta fase do nosso assunto será inteiramente nova para um bom número de pessoas que analisará estas linhas, e por causa deles, especialmente, caberá a nós prosseguir lentamente, não considerando nada como garantido, a não ser a clara prova bíblica para o que avançamos. O que estará diante de nós é indizivelmente bendito, oh! que agrade a Deus assim vivificar os corações de ambos, escritor e leitor, para que possamos realmente nos regozijar e adorar.

 

 

1. O propósito de Deus em nossa eleição foi que fôssemos santos: “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” (Efésios 1:4). Tem havido muita diferença de opinião entre os comentaristas sobre se isso se refere a esta santidade imperfeita da graça que temos neste mundo, ou àquela santidade perfeita da glória, a qual será nossa no mundo vindouro. Pessoalmente, acreditamos que ambas estão incluídas, mas que esta última é a que é principalmente intencionada, e por isso vamos expô-la.

 

Em primeiro lugar, que esta é a perfeita santidade do Céu. Pois esta é a principal referência a partir da cláusula de amplificação “e irrepreensíveis diante dele”, esta é uma tal santidade na qual o próprio Deus não pode encontrar nenhuma falha. Agora, a santidade imperfeita que os santos têm pessoalmente nesta vida, ainda que seja uma santidade diante de Deus em verdade e sinceridade, ainda assim não é uma santidade “irrepreensível”, não é uma sanidade em que Deus se deleita plenamente.

 

Em segundo lugar, assim como Deus ordenou aperfeiçoar a santidade no mundo vindouro, assim também Ele nos tem nos ordenado a uma santidade evangélica neste mundo, ou então nunca chegaremos ao Céu; a menos que sejamos nos tornemos puros de coração aqui, nunca veremos a Deus lá. A santidade é a imagem de Deus na alma, uma semelhança com Deus que nos torna aptos à comunhão com Ele; e, portanto, o apóstolo declara que devemos “seguir a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14). Assim como a razão é o fundamento do conhecimento, e nenhum homem é capaz de chegar ao conhecimento, a menos que ele obtenha a razão, assim não podemos alcançar a glória do Céu, a menos que o princípio da santidade seja Divinamente comunicado a nós. Portanto, assim como o primeiro propósito de Deus em nossa eleição foi que fôssemos santos diante dEle, agora façamos disso a nossa preocupação primordial. Aqui também está o sólido conforto para aqueles que encontram que o pecado interior é o seu fardo mais pesado, ainda que a sua santidade seja mui imperfeita nesta vida, contudo ela é o penhor de uma santidade perfeita na vida vindoura.

 

A santidade deve ser o fruto de nossa eleição em Cristo, pois é essencial que tenhamos uma existência nEle. Seria uma contradição nos termos dizer que Deus elegeu um homem para estar em Cristo e não o fez para ser santo. Se Deus ordena um homem para estar em Cristo, então Ele ordenou que ele fosse um membro de Cristo, e deve haver conformidade entre a Cabeça e os membros. Os sujeitos da eleição da graça foram dados a Cristo como Sua Esposa, e marido e mulher devem ser do mesmo tipo e imagem. Quando Adão foi ter uma esposa, ela deveria ser da mesma espécie; nenhum dos animais estava apto para ser um parceiro para ele. Deus os trouxe todos à sua frente, mas entre todos eles, “para o homem não se achava ajudadora idônea” (Gênesis 2:20), porque eles não eram da mesma imagem e espécie. Portanto, se Deus escolhe um homem em Cristo, o Santo, tal homem deve necessariamente ser santo, e esta é a razão pela qual a nossa santidade está vinculada ao fato de termos sido eleitos nEle (Efésios 1:4).

 

Deus, então, decretou que o Seu povo fosse perfeitamente santo diante dEle, que estivesse em Sua presença para sempre, para ali frui-lO para sempre, e deliciar-se naquele gozo, pois, como o salmista nos diz: “na tua presença há farturas de alegria” [Salmos 16:11]. Nisso é revelado a nós no que consiste a inefável bem-aventurança de nossa herança eterna, a saber, a perfeita santidade, o perfeito amor a Deus; esta é a essência da glória celestial. Se todos os apóstolos tivessem passado toda a vida útil deles em uma tentativa de retratar e descrever o que é o Céu, eles não poderiam ter feito mais do que expandirem-se sobre estas palavras: perfeita santidade na presença de Deus, perfeito amor a Ele, perfeito gozo dEle, assim como somos amados por Ele. Este é o Céu, e é para ele que Deus decretou trazer o Seu povo. Este é seu primeiro propósito em nossa eleição, a saber, conduzir-nos a uma santidade irrepreensível diante dEle.

 

 

2. O propósito de Deus em nossa eleição foi que viéssemos a ser Seus filhos: “E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5). Santidade é aquilo que nos habilita para o Céu, pois uma pessoa profana não poderia apreciar o Céu, se ele entrasse ali, estaria completamente fora de seu elemento nativo. Santidade, então, é o que constitui a iminência dos santos para a sua herança na luz (Colossenses 1:12). Mas a adoção é aquilo que dá o direito à glória do céu, sendo concedido a eles como uma dignidade ou prerrogativa (João 1:12). Como nós já apontamos em outras ocasiões, as duas últimas palavras de Efésios 1:4 pertencem corretamente ao versículo 5: “Em amor nos predestinou para filhos de adoção”. O amor de Deus por Seu Filho amado era tão grande que, tendo nos escolhido nEle, Seu coração se inclinou a nós, como sendo nós um só com Cristo, e, portanto, Ele nos ordena a mais esta honra e privilégio. Isto concorda perfeitamente com: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus” (1 João 3:1).

 

Deus poderia ter-nos feito perfeitamente santos em Cristo e não acrescentado mais nenhuma bênção a isso. “Tendes o vosso fruto para santificação”, diz o apóstolo (Romanos 6:22), e este é fruto precioso; mas ele não para por aí: “e por fim a vida eterna”, isso é acrescentado como um fruto e privilégio adicionais. Da mesma maneira, Deus acrescentou à adoção a santidade, como diz o salmista: “o Senhor dará graça e glória” (84:11). Como o nosso Deus, Ele nos escolheu para a santidade, de acordo com esta declaração expressa: “Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Levítico 19:2). Mas, como Ele se tornou nosso Pai em Cristo, Ele nos predestinou para a adoção de filhos. Aqui, então, está a dupla relação na qual o Altíssimo sustenta o Seu povo em e por meio de Cristo, e há a consequente bênção dupla sobre nossas pessoas por causa de Cristo. Observe quão minuciosamente isso corresponde com: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Efésios 1:3).

 

Pela adoção nos tornamos filhos de Deus segundo a lei, assim como pela regeneração somos feitos Seus filhos segundo a natureza. Pelo novo nascimento nos tornamos (experimentalmente) membros da família de Deus; pela adoção temos o status jurídico de filhos, juntamente com todos os elevados privilégios que esta relação envolve: “E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho” (Gálatas 4:6). A adoção faz conhecidas as elevadas prerrogativas e bênçãos que são nossas em virtude da união com Cristo, o direito legal que temos a todas as bênçãos que desfrutamos, tanto aqui como no por vir. Como o apóstolo nos lembra que se nós somos filhos, então somos “herdeiros”, coerdeiros com Cristo; sim, herdeiros de Deus (Romanos 8:17), para possuir e desfrutar de Deus como Cristo o faz. “Parece-vos pouco aos vossos olhos ser genro1 do rei, sendo eu homem pobre e desprezível?”, exclamou Davi, quando foi sugerido que ele se casasse com Mical (1 Samuel 18:23); você pode alegremente ser o favorito do rei e Ele pode engrandecê-lo, mas tornar-se seu filho, segundo a lei, é a maior honra de todas. É por isso que nos é dito logo após, em 1 João 3:1: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (v. 2); como Ele em nossa proporção, como Ele frui perfeitamente Deus, assim nós fruiremos.

 

Que seja devidamente observado que é “por Jesus Cristo” que somos filhos e herdeiros de Deus. Cristo é o nosso padrão na eleição, Aquele em cuja imagem nós somos predestinados para sermos conformes. Cristo é o Filho natural de Deus, e nos tornamos (pela união com Cristo), filhos legais de Deus. “A fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29), isso significa que Deus estabeleceu a Cristo como o protótipo e obra-prima, e nos fez para que sejamos muitas pequenas cópias e modelos dEle. Cada dignidade que possuímos, todas as bênçãos que desfrutamos, salvo nossa eleição quando Deus nos escolheu nEle, devemos a Cristo. Ele é a causa eficaz da nossa adoção. Cristo, como já dissemos, é o Filho natural de Deus; como, então, nos tornamos Seus filhos? Da seguinte maneira: Deus nos deu a Cristo para nos casarmos com Ele, e Deus nos prometeu a Ele desde a eternidade, e assim nos tornamos genros de Deus, assim como uma mulher chega a ser a nora de um homem ao se casar com seu filho.

 

Nós devemos a nossa adoção à nossa relação com a pessoa de Cristo, e não à Sua obra expiatória. A nossa adoção como originalmente ocorreu na predestinação, derramou-se sobre nós, não foi fundada no momento do resgate ou na obediência de Cristo, mas em Cristo ser o Filho natural de Deus. Nossa justificação está de fato fundamentada na obediência e sofrimentos de Cristo: “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas” (Efésios 1:7). Mas nossa adoção e o fato de nos tornarmos, segundo a lei, filhos de Deus é através de Cristo ser o Seu Filho natural, e nós seus irmãos em relação à Sua pessoa. “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor” (1 Coríntios 1:9). Essa relação ou comunhão envolve a nossa participação em Suas dignidades e tudo aquilo que nEle fomos capacitados; exatamente como uma mulher adquire um direito legal sobre todas as posses do homem com quem ela se casa. Assim como o fato de Cristo ser o Filho natural de Deus é o fundamento da Sua obra possuir valor infinito, assim, nossa adoção é fundada sobre a nossa relação com a Sua pessoa, e então nossa justificação sobre a Sua obra meritória.

 

Devemos, no entanto, adicionar esta palavra de cautela sobre o que acaba de ser apontado: quando caímos em Adão, perdemos todos os nossos privilégios, e, portanto, Cristo dignou-se a comprá-los novamente; e, portanto, segue-se que a adoção, e todas as outras bênçãos, são os frutos do Seu mérito desde que o Seu favor real está em causa. Assim, o apóstolo nos diz que Cristo se encarnou “para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos” (Gálatas 4:5), nossos pecados e escravidão sob a Lei e sua maldição colocavam um obstáculo contra a real concessão Divina da adoção. Mas observe a precisão imediata da linguagem usada: a redenção de Cristo não é dita obter a adoção para nós, mas apenas para que possamos recebê-la. Aquilo que adquiriu a adoção foi nossa relação com Cristo como genros de Deus: sendo este o propósito de Deus desde a eternidade.

 

Agora, consideremos devidamente a grandeza deste privilégio. Adão foi criado santo, e Lucas 3:38 nos diz que ele era “o filho de Deus”, mas em nenhum lugar é dito que ele era o filho de Deus por adoção através de Cristo. Assim também em Jó 38:7 os anjos são chamados de “estrelas da manhã” e “filhos de Deus”, mas nunca dizem que eles assim o são por adoção através de Cristo. Eles eram “filhos” de fato pela criação, pois, Deus os fez; mas não genros de Deus por estarem casados com Seu filho, que é uma graça e dignidade peculiar aos crentes. Assim, nós excedemos os anjos pela nossa relação especial com o Filho do amor de Deus. Cristo em nenhum lugar chama os anjos de Seus “irmãos”, como Ele faz conosco! Isso é confirmado por Hebreus 12:22, onde, ao contrário dos anjos mencionados anteriormente, lemos sobre “a Igreja dos primogênitos”, um título que denota superioridade (Gênesis 49:3); nós, estando relacionados com o “Primogênito” de Deus temos maior privilégio de filiação do que aqueles que os anjos possuem.

 

Uma figura talvez nos ajude aqui. Um pai escolhe uma noiva para o seu filho, como Abraão escolheu uma dentre sua parentela para Isaque, e dá-lhe um dote considerável, além de presenteá-la com ornamentos de noiva, como Eliezer colocou sobre Rebeca. Mas, ao se tornar a esposa de seu filho, ela se torna a sua filha, e agora seus afetos fluem a ela, não apenas como uma noiva adequada para o seu querido filho; ele não apenas admira a sua beleza e graça, e fica encantado com a doçura de sua disposição, mas ele é movido também com amor paternal em relação a ela, como se a tivesse adotando para si mesmo, e assim ela passa a ocupar uma nova e mais próxima relação. Figuras são, é claro, necessariamente imperfeitas, e como tal não devem ser muito enfatizadas; mas se o que temos aqui apresentado a todos nos ajuda a chegarmos a uma melhor compreensão do maravilhoso amor de Deus em nossa adoção para Si mesmo, isso não estará fora de lugar. Vemos, portanto, que a predestinação para a adoção de filhos, é uma bênção mais elevada, mais rica e maior do que ser escolhido para a santificação, e pode-se dizer a seguir sobre ela como um fruto adicional e especial do amor de Deus.

Mas o amor de Deus, ao predestinar a Igreja para a adoção de filhos por Jesus Cristo, para Si mesmo, tem uma raiz ainda mais profunda se a vermos como a noiva de Seu amado Filho. Isso brota e é mais próximo e intimamente ligado à verdadeira filiação, real e eterna de Jesus. Sendo escolhidos em Cristo, os eleitos se tornaram filhos de Deus. Por quê? Porque Ele é o verdadeiro, real e essencial Filho do Pai; e, portanto, quando em união com Ele, que é o Filho de Deus por natureza, eles tornam-se os filhos de Deus por adoção. Fosse Ele apenas um Filho por ofício, ou encarnação, este não seria o caso, pois Ele mesmo, então, seria apenas um filho por adoção. Mas, sendo o Filho de Deus por subsistência eterna, Ele pode dizer: “Eis-me aqui a Mim, e aos filhos que Tu Me deste, Eu Teu Filho por natureza, eles Teus filhos por adoção”. Vemos, então, que tão grande, tão especial foi o amor de Deus por Seu Filho unigênito, para que, vendo a Igreja em união com Ele, Seu coração abraçou-a com o mesmo amor com o qual Ele O amava (J. C. Philpot).

 

 

3. O propósito de Deus em nossa eleição foi que viéssemos a ser salvos, salvos da Queda e de seus efeitos, do pecado e de suas decorrentes consequências. Esta particular ordenação de Deus estava sobre Sua presciência de nossa deserção em Adão, que era a nossa cabeça natural e representativa; pois como apontado nos capítulos anteriores, Deus decretou permitir a Queda de Seu povo, a fim da maior manifestação de Sua própria graça e maior glória do Mediador. Obviamente, o próprio termo “salvação” implica pecado, e este por sua vez pressupõe a Queda. Mas essa determinação de Deus para permitir que Seu povo caísse em pecado e, em seguida, o libertasse dele, era inteiramente subserviente ao Seu desígnio primordial sobre os eleitos e a glória final para a qual Ele lhes ordenou. A subordinação deste terceiro propósito de Deus em nossa eleição àqueles que já consideramos aparece em “que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2 Timóteo 1:9).

 

Se a Escritura acima for cuidadosamente analisada, será visto, em primeiro lugar, que Deus formou um “desígnio” em relação ao Seu povo, e que “graça” lhes foi dada em Cristo Jesus “antes dos tempos dos séculos” historicamente ou na mente de Deus, a referência sendo ao Seu ato soberano em destacá-los a partir da pura massa da criação, dando a eles a existência em Cristo, e concedendo-lhes a graça da filiação. Em segundo lugar, que Deus “nos salvou” (aqui a referência é aos crentes) e “nos chamou com uma santa vocação”, que se refere ao que ocorre no momento em que Ele nos traz de nossa morte em pecado por meio de um chamado eficaz para a santificação (cf. Tito 3:5). Em terceiro lugar, que essa salvação e chamado a nós foi “não segundo as nossas obras”, quer reais ou previstas, mas “segundo o seu próprio propósito”, isto é, foi baseado em Sua intenção original que devemos ser Seus filhos. Nem os nossos méritos (pois não temos nenhum), nem a nossa miséria, moveu Deus a nos salvar, mas o fato de que Ele nos deu a Cristo desde o início.

 

Como já apontado anteriormente, Deus atribuiu a Cristo uma dupla relação ao Seu povo: “Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo” (Efésios 5:23). Na mesma Epístola Ele é visto pela primeira vez como Cabeça em quem nós fomos originalmente abençoados “com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais” (1:3); depois, Ele é apresentado como Salvador, como o Cristo que amou a Igreja, “e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a” (5:25-26). Ao falar dEle como “o salvador do corpo” é indicado que Ele não é o Salvador de ninguém mais, o que é claramente confirmado por: “Portanto, tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna” (2 Timóteo 2:10), observe, não apenas “salvação”, indefinidamente, mas “a salvação” decretada por Deus para os Seus. Nem a passagem “esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis” (1 Timóteo 4:10) de maneira algum entra em confronto com isso: o “Deus vivo” faz referência ao Pai, e “Salvador” é mais corretamente traduzido como “Preservador”, na Interlinear de Baxter.

 

Agora, esta “salvação” que Deus decretou para os Seus eleitos, vistos como caídos em Adão, pode ser resumida em dois pontos: da culpa e da penalidade pelo pecado, e de seu domínio e poder; estes se relacionando, respectivamente, com as posições legais e experimentais. Eles são realizados no tempo, pelo que Cristo fez por nós, e por aquilo que o Espírito opera em nós. Sobre o primeiro está escrito: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 5:9); sobre este último, lemos: “por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade” (2 Tessalonicenses 2:13). É por este último que obtemos provas e garantia do primeiro: “Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus; porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo” (1 Tessalonicenses 1:4-5). Quando a nossa salvação do pecado for consumada, nós seremos libertos da própria presença dele.

 

 

4. O propósito de Deus em nossa eleição foi existíssemos para Cristo: “Tudo foi criado por ele e para ele” (Colossenses 1:16). Deus não somente nos escolheu em Cristo e nos predestinou para a filiação por meio dEle, mas deu-nos a Ele, para que Cristo fosse também o fim do propósito de Deus na escolha de aperfeiçoar a santidade e adoção. Deus tendo um Filho natural, a segunda pessoa da Trindade, a quem Ele designou tornar visível em natureza humana, por meio de uma união dela ao Seu Filho, decretou para Sua maior glória, nos ordenar para a adoção de filhos a Ele e, como irmãos para Ele, de forma que Ele não estivesse sozinho, mas fosse “o primogênito entre muitos irmãos”. Como em Zacarias 13:7 o homem Jesus Cristo é designado “companheiro” de Jeová, assim no Salmo 45:7 nós aprendemos que Deus predestinou outros a existirem para o Seu Filho, para serem Seus companheiros: “te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros”.

 

O assunto dos decretos Divinos é tão vasto em seu alcance (quer olhemos para trás ou para a frente) e tão abrangente em seu escopo (quando contemplamos tudo o que está envolvido e incluído no mesmo), que está longe de ser uma tarefa fácil apresentar um esboço resumido (que é tão elevado quanto este escritor aspira) do mesmo; e quando é feita a tentativa de fornecer um esquema ordenado e lidar separadamente com as suas características mais essenciais e distintivas, é quase impossível evitar uma medida de sobreposição; no entanto, se tal repetição torna mais fácil para o leitor assimilar os aspectos principais, nossa finalidade será cumprida. Parte do que queremos agora contemplar em conexão com o projeto de Deus em nossa eleição foi de alguma forma antecipada, inevitavelmente antecipada, no capítulo sobre a natureza da eleição, quando, ao mostrar que a intenção original de Deus foi anterior à Sua previsão de nossa Queda, nós abordamos o lado positivo de Seu desígnio.

 

Temos procurado destacar a distância infinita entre a criatura e o Criador, o Alto, o Sublime, e que, devido à mutabilidade de nosso primeiro estado, por natureza, houve uma necessidade da graça de criação superior se a condição e posição de ambos, homens ou anjos, deveriam ser imutavelmente fixadas, o que Deus Se agradou designar por meio de uma eleição da graça. E, portanto, Deus por essa eleição também ordenou aqueles a quem Ele escolheu a uma união de criação superior com Ele e comunicação de Si mesmo, como o nosso fim mais elevado e final, que está muito acima daquela relação que tivemos com Ele por mera criação; esta sendo realizada por e através de Cristo. “Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 Coríntios 8:6). Notemos primeiro a linguagem discriminante utilizada neste versículo: há a indicação de uma diferença feita aqui entre o “nós” e “todas as coisas”, como sobre um grupo seleto e especial, o qual é repetido na segunda metade do verso.

 

Nós, e todas as outras coisas, somos do Pai, “dEle” ou por Sua vontade e poder, como a causa de origem: isso é comum a “nós” e todas as Suas criaturas. Mas o “nós” é falado aqui por Ele como de um remanescente à parte, separado para alguma maior excelência e dignidade, e este grupo especial é também referida como “nós por ele” (o Senhor Jesus), em contraste com o “pelo qual são todas as coisas”. A Versão Americana [da KJV] mostra “um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas, e nós, (Grego eis) nEle”, o que é bastante justificável, a referência aqui sendo de Deus levando-nos a Si mesmo por um amor especial e por uma união especial conSigo; compare “à igreja dos tessalonicenses em Deus, o Pai” (1 Tessalonicenses 1:1). Mas o Grego significa o fato de termos sido escolhidos para a Sua glória, “para Ele”, o nosso ser nEle é o fundamento do nosso ser para Ele.

 

A distinção a que acabamos de advertir recebe outra ilustração e confirmação em Efésios 4:6 onde está escrito: “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós”. Aqui, novamente, encontramos a mesma diferença utilizada nas frases sobre todas as coisas e nós. Sobre todas as coisas, Deus é dito ser “sobre todos”, pelo que entendemos a sublimidade e transcendência da natureza e essência Divinas como sendo infinitamente superiores a essa existência a qual todas as criaturas têm pela participação a partir dEle. No entanto, em segundo lugar, o transcendente Alguém também é iminente, próximo, transpassando “por” todas as criaturas. Ele está presente com todos, ainda assim sustentando um ser diferente de todos, como o ar permeia todas as nossas habitações, sejam elas palácios ou casebres. Mas em terceiro lugar, quando se trata dos santos, é “em todos vós”, esta é a graça soberana fazendo-os diferir de todo o restante. Deus é tão unido a eles a ponto de ser feito um com eles, de uma forma especial e por meio de uma relação especial.

 

Quão maravilhosa é esta graça que tomou tais criaturas como nós somos, em união com Alguém tão elevado e inefável como Deus é! Este é o ápice de nosso privilégio e felicidade. Se compararmos Isaías 57:15 com 66:1-2, veremos como ali o próprio Deus destacou a sublimidade e a transcendência de Sua própria pessoa e a maravilha e medida de Sua graça em relação a nós. No primeiro, Deus fala de Si mesmo como “o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito”, enquanto no outro Ele declara: “O céu é o meu trono, e a terra o escabelo dos meus pés… mas para esse olharei, para o pobre e abatido de espírito, e que treme da minha palavra”. Como isso demonstra a infinita condescendência de Seu favor que toma o pó animado, habita em nós, Se comunica conosco, como com nenhum outro, e nos dá uma participação nEle, como os anjos não têm!

 

Antes de prosseguir com a nossa exposição de 1 Coríntios 8:6, na medida em que ele recai sobre o nosso assunto presente, talvez devêssemos divagar por um momento e fazer um breve comentário sobre as palavras: “Mas, para nós há um só Deus, o Pai”, que foram grosseiramente pervertidas por aqueles que negam uma Trindade de pessoas na Divindade. O termo “Pai” aqui (como em Mateus 5:16; Tiago 3:9, e etc.) não é usado sobre a primeira pessoa em contraste com a segundo e a terceira, mas se refere a Deus como Deus, à natureza Divina como tal. Se pudesse ser mostrado a partir deste versículo que Cristo não é Deus no sentido mais absoluto (veja Tito 2:13), então por paridade de razão segue-se necessariamente que “o único Senhor” negaria que o Pai é Senhor, desmentindo Apocalipse 11:15, e etc. O principal pensamento de 1 Coríntios 8:6 torna-se bastante compreensível quando percebemos que este versículo fornece uma antítese perfeita e oposição aos falsos dispositivos das religiões pagãs mencionados no versículo 5.

 

Entre os pagãos, havia muitos “deuses” ou divindades supremas e muitos “senhores” ou pessoas intermediárias e mediadores. Mas os Cristãos têm apenas uma Divindade suprema, o Deus Uno e Trino, e apenas um Mediador, o Senhor Jesus Cristo (cf. João 17:3). Cristo tem um duplo “Senhorio”. Primeiro, um natural, um não-derivado, pertencente a Ele considerado simplesmente como a segunda pessoa da Trindade. Em segundo lugar (a que 1 Coríntios 8:6 se refere), um derivado, o Senhorio econômico e dispensatório, recebido por comissão de Deus, considerado como Deus-homem. Foi a esta alusão feita anteriormente, na qual foi declarado que Deus decretou que o homem Cristo Jesus fosse considerado em união com o Seu Filho, e assim indicou a Ele a Sua “finalidade soberana”. A administração do universo foi colocada debaixo dEle, todo o poder está comissionado a Ele (João 5:22, 27; Atos 2:36; Hebreus 1:2). Cristo como Deus-homem tem a mesma autoridade com Deus (João 5:23), ainda assim, sob Ele, como Coríntios 3:23 diz: “Pede-me” (cf. Salmos 2:8). Filipenses 2:11 também demonstra isso.

 

A próxima coisa em 1 Coríntios 8:6 que gostaríamos de nos alongar é a cláusula “e nós nEle” (Grego) ou como a margem [da versão bíblica usada pelo autor, King James – N. do R.] o apresenta “nós por Ele”. Tal união sobrenatural com Deus e comunicação de Deus é o Seu último propósito para nós em Seu escolher-nos. Por isso, é que tantas vezes lemos que: “Porque o Senhor escolheu para si a Jacó, e a Israel para seu próprio tesouro” (Salmos 135:4). “A esse povo que formei para mim” (Isaías 43:21). “Reservei para mim sete mil homens” (Romanos 11:4). Esse Seu escolher-nos não é apenas uma separação de todos os outros para sermos Sua propriedade peculiar (Êxodo 19:5), nem apenas que Deus tem nos separado para a Sua adoração e serviço peculiar para que sejamos santos para Ele mesmo (Jeremias 2:3), nem apenas que devemos relatar o Seu louvor (Isaías 43:21), pois mesmo os ímpios fazem isso (Provérbios 16:4; Filipenses 2:11); mas somos peculiarmente para Ele mesmo e para Sua glória, plenamente em uma forma de graça e amável bondade.

 

Tudo o que a graça pode fazer por nós ao comunicar o próprio Deus para nós, e tudo o que Ele fará por nós para a magnificação da Sua glória, surge completamente a partir do livre favor que Ele demonstra para conosco. Em outras palavras, Deus não terá mais glória em nós e sobre nós, do que a que surge a partir da graça que Ele nos concede, assim esta nossa felicidade, como o efeito, se estenderá tanto quanto a extremidade de Sua própria glória. Quão maravilhoso, quão grande, quão indizivelmente bendito, que a glória de Deus em nós não deve ser em nada dissociada de nosso bem, Deus ordenou as coisas de tal maneira que estas não são apenas duas coisas inseparáveis, mas coextensivos. Se, portanto, Deus tem designado ter uma glória manifestada ao extremo, Ele também manifestará Sua graça em nós ao extremo. Não é meramente que Deus concede dons, chuvas de bênçãos, mas que Ele comunica a Si mesmo a nós, ao máximo que nós, como criaturas, somos capazes.

 

Isto está tão acima da pobre razão humana que nada, senão a fé pode apreendê-lo, que nós ainda devemos ser “cheios de toda a plenitude de Deus” (Efésios 3:19). Ao comunicar a Si mesmo, Deus comunica tudo de Si mesmo, as Suas perfeições Divinas como para nos abençoar com as mesmas, ou todas as três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, para que possamos desfrutar e ter comunhão. Tudo em Deus tão verdadeiramente servirá para tornar os eleitos abençoados (de acordo com a capacidade da criatura), quanto servirá para torná-lO bendito em Seu próprio Ser imenso infinito. Se nós temos o próprio Deus, e tudo dEle mesmo, então somos “herdeiros de Deus” (Romanos 8:17), pois somos “coerdeiros com Cristo”; e que o próprio Deus é a herança de Cristo é provado por Sua própria declaração: “O Senhor é a porção da minha herança” (Salmos 16:5). Mais do que isso não podemos ter ou desejar: “Quem vencer, herdará todas as coisas; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho”.

 

Em consequência de ter nos escolhido para Ele, Deus reserva a Si mesmo para nós, e tudo o que há nEle. Se Romanos 11:4 fala de Deus ter “reservado para Si mesmo” os eleitos (veja o v. 5 e observe o “também”), assim 1 Pedro 1:4 diz que Deus está “reservado nos céus para nós” como é evidente a partir do fato de que o próprio Deus é a nossa “herança”, e ninguém poderá compartilhar esta herança maravilhosa, senão os herdeiros predestinados. E ali Ele espera, por assim dizer, até o momento em que estaremos reunidos a Ele mesmo. Ali Ele esperou ao longo dos séculos, suportando os grandes de cada geração passar, reservando a Si mesmo (como na eleição Ele designou) para os Seus santos: “como se um grande príncipe em um sonho ou visão visse a imagem de uma mulher ainda por nascer, e assim se apaixonasse por sua previsão dela, de modo que ele se reservasse até que ela nascesse e crescesse, e até que isso acontecesse não pensaria nem entreteria qualquer outro amor” (Thomas Goodwin). Leitor Cristão, se Deus tem tal amor por ti, o que deveria ser o teu amor por Ele! Se Ele entregou a Si mesmo totalmente a ti, quão plena deve ser a tua dedicação a Ele!

 

Quando Deus tiver nos trazido em segurança para o Céu,  através de todas as provações e tribulações deste mundo inferior, então Ele fará manifesto que Seu primeiro e último propósito na nossa eleição foi Ele mesmo e, portanto, o nosso primeiro bem-vindo ali será uma apresentação de nós a Ele mesmo: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória” (Judas 1:24), o que é aqui mencionado para que possamos louvar e dar-Lhe glória de antemão. A referência aqui é (acreditamos) não a Cristo (que temos em Efésios 5:27; Hebreus 2:13), mas ao próprio Pai, como “a presença de sua glória” indica, isso sendo que nós somos “apresentados” diante. Essa é a mesma pessoa que nos apresenta a Si mesmo, cuja glória é essa. Isto é ainda corroborado por “ao único Deus sábio, Salvador nosso [observe que o “Pai” é claramente chamado de “nosso Salvador” em Tito 3:4] seja glória e majestade, domínio e poder, agora e sempre. Amém” (v. 25), todos os atributos que são os de Deus, o Pai, no uso habitual das doxologias.

 

Deus nos apresentará a Si mesmo “com alegria”. Esta “apresentação” tem lugar na primeira vinda de cada indivíduo santo ao Céu, mas será mais formalmente repetida quando todos os sujeitos da eleição da graça chegarem ali. Como nós de nossa parte, e com razão, nos alegraremos, assim Deus de Sua parte também. Ele tem o prazer de apresentar-nos com grande alegria a Si mesmo, como fazendo de nossa entrada no Céu mais Seu próprio interesse do que é nosso. Este apresentar-nos a Si mesmo “perante a Sua glória” é uma questão de grande alegria para Ele mesmo, por ter-nos assim com Ele, como os pais são muito felizes quando as crianças, há muito ausentes, retornam para casa, para eles. Compare a alegria do Pai em Lucas 15. Isso é porque o Seu propósito é cumprido, o Seu eterno desígnio realizado, Sua glória assegurada, e nisso Ele se alegra. Com isto concorda: “O Senhor teu Deus, o poderoso, está no meio de ti, ele salvará; ele se deleitará em ti com alegria; calar-se-á por seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17). Foi para o próprio Deus, que fomos primeiramente escolhidos como Seu fim último, e isso é agora aperfeiçoado.

 

Outra Escritura que ensina que Deus escolheu o Seu povo para Si mesmo é: “E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5). A palavra grega traduzida como “para si mesmo” pode tão indiferentemente (com uma variação de aspirado) ser traduzido como: “para Ele”, assim, com igual garantia e justeza, podemos entendê-lo, em primeiro lugar, como se relacionando a Deus, o Pai, tendo Ele nos predestinado para Si mesmo como Seu fim último nesta adoção; ou em segundo lugar, a Jesus Cristo, que também é um fim em Deus assim nos predestinando à adoção. Que a preposição [grega] eis muitas vezes significa “para” como denotando o fim ou causa final, aparece a partir de muitos lugares, por exemplo, no versículo seguinte: “a [ou “para”] o louvor da glória de sua graça” como Seu grande propósito; assim também em Romanos 11:36 “a Ele” (ou “para ele”) são todas as coisas”. Devemos, portanto, tomar esta expressão no seu sentido mais abrangente e dar-lhe um duplo significado de acordo com o seu contexto e a analogia da fé.

 

Deus ter nos predestinado “para Si mesmo” não deve ser entendido como referindo-se principalmente ou somente para nos adotar como filhos para Si mesmo, mas como denotando distinta e imediatamente o fato dEle ter nos eleito e predestinado para o Seu próprio grande e glorioso Ser, para Seu grandioso e bendito Filho. Em outras palavras, a cláusula que estamos considerando agora aponta para outro e maior fim de Seu nos predestinar do que simplesmente nossa adoção; apesar de que esta seja mencionada como uma finalidade especial, no entanto, é apenas uma extremidade inferior e subordinada, em comparação com a que Deus nos predestina para Ele mesmo. Primeiro, Ele nos escolheu em Cristo para uma santidade irrepreensível, que satisfaria a Sua própria natureza; além disso, Ele nos predestinou para a honra e glória da adoção; mas, acima de tudo, a Sua graça alcançou à extensão máxima ao nos predestinar para Si mesmo — anteriormente, já nos dedicamos a mostrar o significado e à maravilha disto.

 

Deus ter nos predestinou “para Si mesmo” denota uma propriedade especial em nós. Os animais do campo são dEle, e eles O honram da sua forma (Isaías 43:20), mas a Igreja é Seu tesouro peculiar e meio de glória. Os eleitos são consagrados a Ele, a partir de um todo, de uma forma peculiar: “Então Israel era santidade para o Senhor, e as primícias da sua novidade” (Jeremias 2:3), o que denota o fato de Deus tê-los consagrado para Si mesmo, como o tipo em Números 18 explica. Cristo fez do fato de pertencermos a Deus uma grande questão: “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” (João 17:9); assim também o apóstolo Paulo enfatizou a mesma observação em: “O Senhor conhece os que são seus” (2 Timóteo 2:19). Isso também denota uma escolha para que sejamos santos diante dEle, como consagrando-nos ao Seu serviço e adoração, que é especialmente exemplificado em Romanos 11:4, onde “reservei para mim” está em contraste com o restante que Ele deixou para o culto a Baal. Mas, acima de tudo, indica o Seu escolher-nos para a união mais próxima, para uma comunhão e participação de Si mesmo.

 

Considere-se agora a frase em Efésios 1:5 como significando “para Ele”, isto é, para Jesus Cristo. As palavras gregas autos e hautos são usadas indiscriminadamente, tanto para “ele” ou “ele mesmo”, de modo que de modo algum estamos forçando-as na tradução “para Ele”. É nas preposições que são usadas com referência a Cristo em conexão com a relação da Igreja com Ele que Sua glória é anunciada: eles são nEle, por Ele, para Ele. Cada um destes é empregado aqui em Efésios 1:4-5 e nessa ordem: fomos escolhidos nEle como nosso Cabeça, predestinados para a adoção por meio dEle como meio de nossa filiação, e designados para Ele como um fim — a honra de Cristo, bem como a glória da Sua própria graça foi feito o objetivo de Deus em nos predestinar. As mesmas três coisas são atribuídas a Cristo em conexão com criação e a providência, veja, em Grego, Colossenses 1:16. Mas é sobre Deus o Pai somente, como a fonte, que lemos: “dEle” (o Originador) (Romanos 11:36; 1 Coríntios 8:6; 2 Coríntios 5:18).

Primeiro Deus decretou que o Seu próprio Filho amado fosse feito visivelmente glorioso em uma natureza humana, através de uma união desta com a Sua própria pessoa; e, em seguida, para Sua maior glória, Deus decretou adotar-nos como filhos por meio dEle, como irmãos dEle, pois Deus não queria que Seu Filho em humanidade estivesse só, mas que tivesse “companheiros” ou companhias para realçar a Sua glória. Em primeiro lugar, por sua comparação com eles, pois Ele é “ungido acima de seus companheiros” (Salmos 45:7), sendo “o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29). Em segundo lugar, Deus deu ao Seu Filho uma honra única e glória incomparável, ordenando que Ele seja Deus-homem, e para abrilhantar o mesmo, Ele ordenou que haveria aqueles ao redor dEle, que veriam a Sua glória e O engrandeceriam pela mesma (João 17:24). Em terceiro lugar, Deus nos ordenou para a adoção de modo que Cristo fosse o meio de toda a glória de nossa filiação, que temos por Ele, pois Ele não é apenas o nosso padrão na predestinação, mas a causa virtual dessa.

 

Agora nos conselhos da eleição de Deus, a consideração do pressuposto da natureza humana de Cristo não estava fundada sobre a suposição ou previsão da Queda, como o nosso ser predestinados para Ele como finalidade declara. Certamente, isso é óbvio. Ora, levar Cristo ao mundo apenas por causa do pecado e para a obra da redenção seria sujeitá-lO a nós, fazendo de nossos interesses a finalidade de Sua encarnação! Isso é realmente colocar as coisas de cabeça para baixo, pois Cristo, como Deus-homem é a nossa finalidade, e de todas as outras coisas. Além disso, isso seria subordinar o valor infinito de Sua pessoa aos benefícios que recebemos a partir de Sua obra; enquanto que a redenção é muito inferior ao dom de Si mesmo a nós e nós a Ele. Isso também pode ser mostrado em que a própria redenção foi designada por Deus, em primeiro lugar para a própria glória de Cristo, em vez de atender à nossa necessidade.

 

 

Obs.: Estamos novamente em débito para com os escritos inestimáveis de Thomas Goodwin.

 

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[1] A palavra genro em Inglês escreve-se “son-in-law”, e a tradução literal para o Português é “filho segundo a lei”. Semelhantemente a palavra nora escreve-se “daughter-in-law” e significa literalmente “filha segundo a lei”. Aqui e a seguir A. W. Pink, fará uma bela analogia entre essas palavras usadas para designar genro e nora, e a nossa adoção por parte de Deus, em Cristo.