O que é que faz um “Batista Reformado” distinto de outros tipos de Batistas e de outros crentes Reformados? Os Batistas Reformados surgiram da Reforma Inglesa, emergiram das igrejas Independentes Pedobatistas na década de 1640 por algumas razões teológicas muito específicas, e mantiveram um tipo particular de teologia. Aqui estão alguns dos distintivos da identidade teológica das igrejas Batistas Reformadas.
1. O Princípio Regulador do Culto. Este distintivo é colocado em primeiro lugar porque é uma das principais razões da separação entre os Batistas Calvinistas e os Independentes Pedobatistas. Os Batistas Particulares (ou Reformados) vieram do Puritanismo, que procurava reformar a Igreja da Anglicana de acordo com a Palavra de Deus, especialmente a sua adoração. Quando isso se tornou impossível devido à oposição autoritária de William Laud, os Puritanos separaram (ou foram removidos) da Igreja Anglicana. Dentro da ala Independente do separatismo Puritano, alguns deles viam a necessidade de aplicar o princípio regulador do culto ao batismo infantil também, considerando que este era o resultado consistente da mentalidade Puritana comum. Os primeiros Batistas acreditavam que os elementos do culto público estão limitados ao que a Escritura ordena. João 4:23 diz: “os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (veja também Mateus 15:9). A “verdade” revelada das Escrituras limita a adoração de Deus ao que está prescrito nas Escrituras. A Segunda Confissão Batista de Londres (CFB1689) 22.1 diz:
O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por Ele mesmo2 e tão limitado por Sua própria vontade revelada, de forma que Ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras.3
2 Deuteronômio 12:32
3 Êxodo 20:4-6
Como a Bíblia não ordena o batismo infantil, os primeiros Batistas acreditavam que o batismo infantil é proibido na adoração pública, e o Batismo dos crentes só deve ser praticado como forma de adoração. Esse princípio regulador do culto limita os elementos do culto público à Palavra pregada e lida, às ordenanças do Batismo e da Ceia do Senhor, à oração, ao canto de Salmos, hinos e cânticos espirituais, e tudo o que a Escritura ordena.
Muitos Batistas hoje abandonaram completamente o princípio regulador do culto em favor do culto orientado ao entretenimento, do consumismo, das preferências individuais, do emocionalismo e do pragmatismo. Esses Batistas abandonaram o próprio princípio que levou ao seu surgimento inicial a partir do pedobatismo. É necessário considerar se uma igreja pode se afastar de uma doutrina necessária para o surgimento dos Batistas em seu contexto inglês e ainda assim se identificar legitimamente como uma igreja “Batista”.
2. Teologia do Pacto. Enquanto as igrejas Pedobatistas Reformadas às vezes insistem que só elas são herdeiras da verdadeira teologia do pacto, os Batistas Reformados históricos afirmaram abandonar a prática do batismo infantil precisamente por causa da teologia bíblica do pacto.
Os Batistas Reformados concordam com os Pedobatistas Reformados que Deus fez um pacto de obras com Adão, que ele quebrou e assim trouxe condenação a toda a raça humana (Romanos 5:18). Eles também dizem que Deus misericordiosamente fez um pacto de graça com Seu povo eleito em Cristo (Romanos 5:18), que é progressivamente revelado no Antigo Testamento e formalmente estabelecido na Nova Aliança na morte de Cristo (Hebreus 9:15-16). A única maneira pela qual alguém foi salvo sob a Antiga Aliança foi em virtude deste pacto de graça em Cristo, de modo que só existe um Evangelho, ou uma promessa salvífica, ao longo de todas as Escrituras.
Os teólogos pactuais Batistas, no entanto, acreditam que são mais consistentes do que seus irmãos Pedobatistas em relação à própria hermenêutica da teologia do pacto quando dão prioridade ao Novo Testamento. De acordo com o Novo Testamento, a promessa do Antigo Testamento de “você e sua descendência foi finalmente consumada em Cristo, a verdadeira descendência (Gálatas 3:16). Os filhos físicos de Abraão eram um tipo de Cristo, mas o próprio Cristo é a realidade. Os descendentes físicos foram incluídos na Antiga Aliança, não porque todos são filhos da promessa, mas porque Deus estava preservando a linhagem da promessa, até que Cristo, a verdadeira descendência, viesse. Agora que Cristo veio, não há mais razão para preservar uma linhagem física. Pelo contrário, somente aqueles que creem em Jesus são filhos de Abraão, são verdadeiros israelitas e são membros da Nova Aliança e da igreja do Senhor Jesus (Gálatas 3:7). Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a “nova aliança” é revelada como uma aliança apenas com os crentes, que tem seus pecados perdoados e que têm a lei de Deus escrita em seus corações (Hebreus 8:10-12).
Os Batistas hoje que aderem ao Dispensacionalismo acreditam que a descendência física de Abraão é o legítimo destinatário das promessas de Deus à semente de Abraão. Mas eles se afastaram de suas raízes Batistas históricas e da visão hermenêutica da unidade orgânica da Bíblia sustentada por seus antepassados. O teólogo Batista James Leo Garrett observa corretamente que o Dispensacionalismo é uma “incursão” na teologia Batista, que só emergiu aproximadamente nos últimos cento e cinquenta anos. Ver James Leo Garrett, The Baptist Theology: A Four-Century Study [A Teologia Batista: Um Estudo de Quatro Séculos] (Macon, GA: Mercer, 2009), pp. 560-570.
3. Calvinismo. Pelo fato de que Batistas Reformados mantiveram a teologia do pacto (federalismo) do século XVII, todos eles eram Calvinistas. Os pactos teológicos da antiga teologia federal sustentavam as primeiras expressões Batistas de sua soteriologia Calvinista. Quando Adão quebrou o pacto das obras, Deus amaldiçoou todos os seres humanos com naturezas totalmente depravadas (Isaías 24:5-6), o que os tornou incapazes e indispostos a virem a Cristo para a salvação.
Mas Deus não deixou a raça humana morrer em pecado; antes, na eternidade, Deus escolheu incondicionalmente um número definido de pessoas para a salvação e fez um pacto de redenção com Cristo sobre sua salvação (Isaías 53, 54:10; Lucas 22:29). Na plenitude dos tempos, Cristo veio ao mundo e obedeceu ao pacto de redenção, cumprindo os termos do pacto de obras que Adão quebrou. No pacto da redenção, Jesus cumpriu perfeitamente a lei de Deus, morreu na cruz, expiou os pecados do Seu povo escolhido e ressuscitou dentre os mortos, tendo assim efetivamente garantido a salvação para eles (Hebreus 9:12).
Deus fez um pacto de graça com Seu povo eleito (Gênesis 3:15, Hebreus 8:15-16) no qual Ele aplica todas as bênçãos da vida merecidas por Cristo no pacto da redenção. O Espírito Santo une misericordiosamente o povo escolhido de Deus a Cristo no pacto de graça, dando-lhes as bênçãos da vida adquiridas pela vida e pela morte de Cristo. Deus os atrai irresistivelmente para Si mesmo em seu chamado eficaz (João 6:37), dá-lhes um coração vivo (Ezequiel 36:26), uma fé viva e arrependimento (Efésios 2:8-9; Atos 11:18), um veredito de justificação de vida (Romanos 3:28), e uma santidade viva e permanente (1 Coríntios 1:30), fazendo com que eles perseverem até o fim (1 Coríntios 1:8). Todas essas bênçãos de vida são os méritos de Jesus Cristo, adquiridos no pacto da redenção, aplicados no pacto da graça.
A doutrina dos pactos é o solo teológico em que o Calvinismo cresceu entre os primeiros Batistas. Os Batistas Calvinistas hoje precisam recuperar a rica teologia federal de seus antepassados para que as Doutrinas de Graça que redescobriram sejam preservadas para as gerações futuras.
4. A Lei de Deus. Os Batistas Reformados acreditam que os 10 Mandamentos são o resumo da lei moral de Deus (Êxodo 20; Mateus 5; Romanos 2:14-22). Eles acreditam que a menos que entendamos corretamente a lei, não podemos entender o Evangelho. O Evangelho é a boa notícia de que Jesus Cristo guardou a Lei para nossa justificação, vivendo em perfeita obediência para ganhar a bênção da vida contida na Lei e morrendo uma morte substitutiva para pagar a penalidade da Lei. Mas o Evangelho não é apenas uma promessa de justificação. É também a boa notícia de que Cristo promete graciosamente dar o Espírito Santo ao Seu povo para tirar sua iniquidade e torná-los cada vez mais obedientes à lei. Tito 2:14 diz que Cristo “deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras”.
A Segunda Confissão Batista de Londres, 19.5 diz:
A lei moral obriga para sempre a todos, tanto pessoas justificadas como as demais, à obediência da mesma;10 e isso não apenas no que diz respeito à matéria nela contida, mas também no que diz respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu.11 Nem o Cristo no Evangelho de forma alguma a ab-roga, mas antes confirma esta obrigação.12
10 Romanos 13:8-10; Tiago 2:8, 10-12
11 Tiago 2:10-11
12 Mateus 5:17-19; Romanos 3:31
Portanto, enquanto os crentes justificados estão livres da lei como um pacto de obras para obter justificação e vida eterna (Romanos 7:1-6), Deus lhes dá Sua lei como um padrão de conduta ou regra de vida em sua santificação (Romanos 8:4, 7). A lei moral de Deus, resumida nos 10 Mandamentos (Romanos 2:14-24, 13:8-10, Tiago 2:8-11), incluindo o mandamento do Sabbath (Marcos 2:27; Hebreus 4:9-10), é um instrumento de santificação na vida do crente. Os crentes descansam em Cristo para sua salvação total. Cristo toma seus fardos de culpa e de vergonha, e Seu povo toma sobre si o jugo de Sua lei, e eles aprendem a obedecer com seu Mestre que é manso e humilde. 1 João 5:3 diz: “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados”.
Os Batistas que se apegam à Teologia da Nova Aliança, ou Aliancismo Progressivo, não têm a mesma visão da lei que a corrente dominante de seus antepassados Batistas.
5. Confessional. A maioria dos primeiros Batistas, tanto na Inglaterra como na América, sustentavam a Segunda Confissão Batista de Londres de 1677/1689. Embora certamente nem todos os Batistas Calvinistas subscreveram esta Confissão, contudo, ela foi a principal influência entre os Batistas na Inglaterra e na América após a data de sua publicação. Essa Confissão, baseada na Confissão de Westminster (Presbiteriana) e na Declaração de Savoy (Congregacional), foi originalmente editada e publicada em 1677, mas formalmente adotada pelas igrejas Batistas em 1689, depois que a perseguição na Inglaterra arrefeceu.
Os Batistas Reformados históricos eram completamente confessionais. Eles não eram “biblicistas”. Biblicistas negam palavras e doutrinas não explicitamente declaradas nas Escrituras, e negam que o ensino histórico da igreja sobre a Bíblia tenha qualquer autoridade secundária na interpretação bíblica. Os primeiros Batistas, no entanto, não acreditavam que os membros individuais da igreja ou pastores individuais deveriam interpretar a Bíblia divorciada do ensino histórico da igreja (Hebreus 13:7). Eles acreditavam que a Bíblia por si só é suficiente para a doutrina e para prática, mas também acreditavam que a Bíblia deve ser explicada e lida à luz da tradição interpretativa da igreja (1 Timóteo 3:15), que usa palavras que não estão na Bíblia (Atos 2:31 é uma refutação do biblicismo, já que o Salmo 16 é explicado com palavras que não são usadas nesse Salmo). Os Batistas Reformados acreditavam que sua teologia estava ancorada na rica herança teológica da igreja e que era um desenvolvimento natural da doutrina da igreja à luz dos insights centrais da Reforma (Sola Scriptura: não ao Batismo de bebês; Sola Fide: somente os convertidos, crentes fazem parte do povo de Deus).
Sob a alegação de defender o Sola Scriptura, muitos Cristãos hoje procuram ler a Bíblia de forma independente e chegar a suas próprias conclusões particulares sobre o seu significado, sem consultar os mestres autorizados da igreja ou as Confissões ortodoxas de fé. Mas isso não é o que Sola Scriptura significava historicamente. As Escrituras ensinam que a igreja é a “coluna e firmeza da verdade” (1 Timóteo 3:15). A igreja como um todo é encarregada de interpretar a Bíblia, e ao longo da história Deus autorizou mestres na igreja. Portanto, enquanto por um lado cada Cristão individual é responsável por entender a Escritura por si mesmo, por outro, nenhum Cristão deve estudar a Bíblia sem qualquer consideração ao que os grandes mestres do passado ensinaram sobre a Bíblia.
A maioria dos Batistas Reformados históricos confessavam à Segunda Confissão Batista de Londres de 1689, porque eles acreditavam que ela é um compêndio de teologia que melhor resume o ensino da Escritura, como uma pequena bússola.