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Objeções à Soberania de Deus Respondidas, por Arthur Walkington Pink

Uma das crenças mais populares de hoje é que Deus ama a todos, e o próprio fato de que isso é tão popular entre todas as classes deve ser o suficiente para despertar as suspeitas daqueles que são sujeitos à Palavra da verdade. O amor de Deus por todas as Suas criaturas é o princípio fundamental e favorito dos Universalistas, Unitarianos, Teosofistas, Cientistas Cristãos, Espíritas, Russellitas e etc. Não importa como um homem possa viver em desafio aberto ao Céu, sem nenhuma preocupação com os interesses eternos de sua alma, e menos ainda para a glória de Deus, morrendo, talvez com uma blasfêmia nos lábios — não obstante, somos informados que Deus o ama. Tão amplamente este dogma tem sido proclamado, e é tão reconfortante para o coração que está em inimizade contra Deus que temos pouca esperança de convencer muitos de seus erros. Que Deus ama a todos é, podemos dizer, uma crença bastante moderna. Os escritos dos pais da Igreja, dos Reformadores ou dos Puritanos serão (nós acreditamos) procurados em vão por qualquer conceito como este. Talvez o recente D. L. Moody cativado por “A Melhor Coisa do Mundo”, de Drummond, mais do que qualquer outra pessoa no século passado, popularizou esse conceito.

 

Tem-se habitualmente dito que Deus ama o pecador, embora Ele odeie o seu pecado. Mas essa é uma distinção sem sentido. O que há em um pecador, senão o pecado? Não é verdade que “toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã”? (Isaías 1:5-6). É verdade que Deus ama a pessoa que está desprezando e rejeitando o Seu Filho bendito? Deus é luz, bem como amor, e, portanto, Seu amor deve ser um amor santo. Dizer a quem rejeita a Cristo que Deus o ama é cauterizar a sua consciência, bem como fornecer-lhe uma sensação de segurança em seus pecados. O fato é: o amor de Deus é uma verdade apenas para os santos, e apresentá-lo para os inimigos de Deus é tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos.

 

Com a exceção de João 3:16, nenhuma vez lemos nos quatro Evangelhos sobre o Senhor Jesus, o Mestre perfeito, dizendo aos pecadores que Deus os ama! No livro de Atos, que registra os trabalhos evangelísticos e mensagens dos apóstolos, o amor de Deus nunca é referente a todos! Mas quando chegamos às Epístolas, que são dirigidas aos santos, temos uma apresentação completa desta preciosa verdade: o amor de Deus é para os Seus. Busquemos manejar bem a Palavra de Deus e, então, não seremos achados tomando as verdades que são dirigidas aos crentes e as aplicando mal para os incrédulos. O que os pecadores precisam que seja trazido diante deles é a inefável santidade, a exigente retidão, a inflexível justiça e a terrível ira de Deus. Arriscando o perigo de que sejamos mal interpretados, permita-nos dizer, e nós gostaríamos de dizer isso a cada evangelista e pregador no país: há demasiada apresentação de Cristo aos pecadores atualmente (por aqueles que são saudáveis na fé), e pouquíssima demonstração aos pecadores de sua necessidade de Cristo, ou seja, a sua condição absolutamente arruinada e perdida; o perigo iminente e terrível de sofrer a ira vindoura; a temível culpa pendente sobre eles, aos olhos de Deus; apresentar Cristo a quem nunca foi demonstrado a sua necessidade dEle, parece-nos ser culpável de lançar pérolas aos porcos.

 

Se é verdade que Deus ama a todos os membros da família humana, então por que nosso Senhor disse aos discípulos: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai”, “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará” (João 14:21, 23). Por que dizer: “Aquele que me ama será amado de meu Pai?” se o Pai ama a todos? A mesma delimitação é encontrada em Provérbios 8:17: “Eu amo aos que me amam”. Mais uma vez, lemos: “odeias a todos os que praticam a maldade” — não apenas as obras de maldade. Aqui, então, está um preciso repúdio do ensino atual que Deus odeia o pecado, mas ama o pecador, a Escritura diz: “odeias a todos os que praticam a maldade” (Salmos 5:5)! Deus está irado com o ímpio todos os dias (Salmos 7:11). “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas”, não “permanecerá”, mas mesmo agora, “a ira de Deus sobre ele permanece” (João 3:36). Pode Deus “amar” alguém sobre quem a Sua “ira” permanece?

 

Mais uma vez, não é evidente que as palavras: “amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8:39), assinalam uma limitação, tanto na abrangência e objetos de Seu amor? Novamente, não é claro a partir das palavras: “Amei a Jacó, e odiei a Esaú” (Romanos 9:13), que Deus não ama a todos? Mais uma vez, está escrito: “Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho” (Hebreus 12:6). Esse versículo não ensina que o amor de Deus é restrito aos membros de Sua própria família? Se Ele ama a todos os homens, sem exceção, então, a distinção e limitação aqui mencionadas são completamente sem sentido. Finalmente, nós gostaríamos de perguntar, é concebível que Deus amará os condenados ao Lago de Fogo? Ainda assim, se Ele os ama agora, Ele os amará depois, sendo que o Seu amor não conhece mudança. NEle “não há mudança nem sombra de variação”!

 

Passando agora para João 3:16, deveria ser evidente a partir das passagens que acabamos de citar que este versículo não carrega a interpretação que é geralmente colocada sobre ele. “Porque Deus amou o mundo”; muitos supõem que isso significa toda a raça humana. Mas “toda a raça humana” inclui toda a humanidade desde Adão até o fim da história terrena: isto abrange o passado e o que está adiante! Considerem, então, a história da humanidade antes de Cristo nascer. Incontáveis milhões viveram e morreram antes do Salvador vir até a terra, viveram aqui “não tendo esperança, e sem Deus no mundo”, e, portanto, adentraram em uma eternidade de aflição. Se Deus os “amou”, onde há a menor prova disso? A Escritura declara: “O qual [Deus] nos tempos passados [da torre de Babel até depois de Pentecostes] deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos” (Atos 14:16). A Escritura declara: “E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm” (Romanos 1:28). Para Israel, Deus disse: “De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido” (Amós 3:2). Considerando estas claras passagens, quem será tão tolo a ponto de insistir que Deus, no passado, amou toda a humanidade! O mesmo se aplica com igual força ao futuro. Leiam o livro de Apocalipse, observando especialmente os capítulos de 8 a 19, onde temos a descrição dos julgamentos que serão derramados do Céu sobre a terra. Leiam sobre as desgraças temíveis, as pragas terríveis, os cálices da ira de Deus que serão esvaziados sobre os ímpios. Por fim, leiam o vigésimo capítulo de Apocalipse, o julgamento do grande trono branco, e vejam se podem descobrir ali o mínimo vestígio deste amor.

 

Mas o objetor volta para João 3:16 e diz: “Mundo significa mundo”. É verdade, mas nós mostramos que “o mundo” não significa toda a família humana. O fato é que “o mundo” é usado de uma forma geral. Quando os irmãos de Cristo disseram “manifesta-te ao mundo” (João 7:4), eles quiseram dizer “manifesta-te a toda a humanidade”? Quando os fariseus disseram “Eis aí vai o mundo após ele” (João 12:19, ARA), eles quiseram dizer que “toda a família humana” estava reunida após ele? Quando o apóstolo escreveu: “em todo o mundo é anunciada a vossa fé” (Romanos 1:8), ele quis dizer que a fé dos santos em Roma, foi o tema da conversação de cada homem, mulher e criança na Terra? Quando Apocalipse 13:3 nos informa que “toda a terra se maravilhou após a besta”, nós devemos entender que não haverá exceções? Estas e outras passagens que poderiam ser citadas mostram que o termo “o mundo” frequentemente tem uma força relativa, em vez de absoluta.

 

Agora, a primeira coisa a observar em conexão com João 3:16, é que o nosso Senhor estava ali falando com Nicodemos, um homem que acreditava que as misericórdias de Deus estavam limitadas à sua própria nação. Cristo ali anunciou que o amor de Deus em dar Seu Filho tinha um objeto maior em vista, de forma que fluiu para além da fronteira da Palestina, chegando a “regiões além”. Em outras palavras, este foi o anúncio de Cristo: que Deus tinha um propósito de graça tanto gentios quanto para judeus. “Porque Deus amou o mundo”, então, significa que o amor de Deus é internacional em seu escopo. Mas isso significa que Deus ama cada indivíduo entre os gentios? Não necessariamente, pois, como vimos, o termo “mundo” é o geral em vez de específico, relativo em vez de absoluto. O termo “mundo” em si não é conclusivo. Para verificar quem são os objetos do amor de Deus, outras passagens em que o Seu amor é mencionado devem ser consultadas.

 

Em 2 Pedro 2:5 lemos sobre “o mundo dos ímpios”. Assim, se há um mundo dos ímpios, deve haver também um mundo dos piedosos. É este último que está em vista nas passagens que consideraremos agora, brevemente. “Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (João 6:33). Agora, observem bem isso, Cristo não disse, “oferece vida ao mundo”, mas “dá”. Qual é a diferença entre os dois termos? Esta: uma coisa que é “oferecida” pode ser recusada, mas uma coisa “dada” implica, necessariamente, em sua aceitação. Se Ele não é aceito, não é “dado”, é simplesmente oferecido. Aqui, então, é uma Escritura que afirma positivamente que Cristo dá vida (espiritual, a vida eterna) “para o mundo”. Agora, Ele não dá a vida eterna ao “mundo dos ímpios”, pois eles não a terão, eles não a querem. Por isso, somos obrigados a compreender a referência em João 6:33 como sendo para “o mundo dos piedosos”, a saber, o próprio povo de Deus.

 

Mais uma: Em 2 Coríntios 5:19, lemos: “Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”. O que se entende por isso é claramente definido nas palavras imediatamente seguintes: “não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação”. Aqui, novamente, “o mundo” não pode significar “o mundo dos ímpios”, pois seus “pecados” são “imputados” a eles, como o julgamento do grande trono branco ainda mostrará. Mas, 2 Coríntios 5:19 ensina claramente que há um “mundo” que é “reconciliado”, reconciliado com Deus porque os seus pecados não são imputados em sua conta, tendo sido suportados pelo seu Substituto. Quem, então, são eles? Apenas uma resposta é razoavelmente possível: o mundo do povo de Deus!

 

De forma semelhante, o “mundo” em João 3:16 deve, em última análise, referir-se ao mundo do povo de Deus. Deve, dizemos, pois não há outra solução alternativa. Isto não pode significar toda a raça humana, pois uma parte da raça já estava no inferno, quando Cristo veio à terra. É incorreto insistir que isto significa todo o ser humano vivendo agora, pois toda outra passagem no Novo Testamento, onde o amor de Deus é mencionado, o limita ao Seu próprio povo; examinem e vejam! Os objetos do amor de Deus em João 3:16 são precisamente os mesmos objetos do amor de Cristo em João 13:1: “Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Nós podemos admitir que a nossa interpretação de João 3:16 não é um romance inventado por nós, mas uma interpretação quase uniformemente feita pelo Reformadores e Puritanos, e muitos outros desde então.

 

É estranho, mas é verdade, que muitos que reconhecem o governo soberano de Deus sobre as coisas materiais contestarão e tergiversarão quando insistimos que Deus também é soberano no reino espiritual. Mas a contenda é com Deus e não conosco. Nós oferecemos a Escritura em apoio a tudo que foi desenvolvido nestas páginas, e se isso não satisfará os nossos leitores, é ocioso para nós que busquemos convencê-los. O que escrevemos agora é designado para aqueles que se curvam à autoridade da Sagrada Escritura, e para o benefício destes, nos propomos a examinar várias outras porções da Escritura que foram propositalmente mantidas para este capítulo.

 

Talvez a única passagem que tem apresentado a maior dificuldade para aqueles que viram que passagem após passagem a Sagrada Escritura ensina claramente a eleição de um número limitado para a salvação, é 2 Pedro 3:9: “não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”.

 

A primeira coisa a ser dita sobre a passagem acima é que, como toda Escritura, deve ser entendida e interpretada à luz de seu contexto. O que citamos no parágrafo anterior é apenas uma parte do versículo, e a última parte dele! Certamente deve ser consentido por todos que a primeira metade do versículo precisa ser levada em consideração. A fim de estabelecer o que essas palavras são presumidas significar por muitos, a saber, que as palavras “alguns” e “todos” devem ser aceitas sem qualquer qualificação, deve ser mostrado que o contexto está se referindo a toda a raça humana! Se isso não puder ser mostrado, se não houver uma premissa para justificar isso, então a conclusão também deve ser injustificada. Vamos, então, refletir sobre a primeira parte do versículo.

 

“O Senhor não retarda a sua promessa”. Observem, “promessa”, no singular, e não “promessas”. Que promessa está em vista? A promessa de salvação? Onde, em toda a Escritura, Deus alguma vez prometeu salvar toda a raça humana? Onde, de fato? Não, a “promessa” aqui referida, não é sobre salvação. Sobre o que é então? O contexto nos diz.

 

“Sabendo primeiro isto, que nos últimos dias virão escarnecedores, andando segundo as suas próprias concupiscências, E dizendo: Onde está a promessa da sua vinda?” (vv. 3-4). O contexto, então, refere-se à promessa de Deus de enviar de volta o Seu Filho amado. Porém, muitos séculos se passaram e essa promessa ainda não foi cumprida. É verdade, todavia, longa como a demora pode parecer para nós, o intervalo é curto na consideração de Deus. Como prova disso, somos lembrados: “Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (v. 8). Em consideração ao tempo de Deus, menos de dois dias já se passaram desde que Ele prometeu enviar de volta a Cristo.

 

Ainda mais, o atraso do Pai no envio de volta de Seu Filho amado não é devido a nenhuma “negligência” de Sua parte, mas é também ocasionada por Sua “longanimidade”. Sua longanimidade em relação a quem? O versículo que estamos considerando agora nos diz: “mas é longânimo para conosco”. E quem é o “conosco”? A raça humana, ou o próprio povo de Deus? À luz do contexto, esta não é uma questão em aberto sobre a qual cada um de nós é livre para formar uma opinião. O Espírito Santo a definiu. O versículo de introdução do capítulo diz: “Amados, escrevo-vos agora esta segunda carta”. E, novamente, o versículo imediatamente anterior declara: “Mas, amados, não ignoreis uma coisa” (v. 8). O “conosco”, então, são os “amados” de Deus. Aqueles a quem a sua epístola é dirigida são os que “alcançaram fé [não “exerceram”, mas “alcançaram” como um dom da soberania de Deus] igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:1). Portanto, dizemos que não há espaço para uma dúvida, um trocadilho ou um argumento: o “conosco” são os eleitos de Deus.

 

Citaremos agora o verso como um todo: “O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”. Poderia algo ser mais claro? Os “alguns” a quem Deus não quer que pereçam são os “conosco” por quem Deus é “longânimo”, os “amados” dos versículos anteriores. 2 Pedro 3:9 significa, então, que Deus não enviará de volta o Seu filho, “até que a plenitude dos gentios haja entrado” (Romanos 11:25). Deus não enviará de volta a Cristo até que aquele “povo” a quem Ele está agora “tomando dentre os gentios” (Atos 15:14) seja reunido. Deus não enviará de volta o Seu Filho até que o corpo de Cristo esteja completo e isto não ocorrerá até que aqueles a quem Ele elegeu para serem salvos nesta dispensação sejam trazidos a Ele. Agradeço a Deus por Sua “longanimidade” para “conosco”. Se Cristo tivesse voltado há 20 anos, o escritor havia sido deixado para trás a perecer em seus pecados. Mas isso não poderia ocorrer, de modo que Deus graciosamente atrasou a Segunda Vinda. Pela mesma razão, Ele ainda está atrasando Seu advento. Seu propósito e decreto é que todos os Seus eleitos venham a arrepender-se, e arrepender-se eles irão. O presente intervalo de graça não findará até que a última das “outras ovelhas” de João 10:16 seja seguramente agregada, então Cristo voltará.

 

Ao expor a soberania de Deus o Espírito na salvação, nós expusemos que o Seu poder é irresistível, que, por meio de Suas operações graciosas sobre eles e neles, Ele “compele” os eleitos a virem a Cristo. A soberania do Espírito Santo é apresentada não apenas em João 3:8, onde nos é dito: “O vento assopra onde quer (Lhe agrada) […] assim é todo aquele que é nascido do Espírito”, mas é também afirmada em outras passagens. Em 1 Coríntios 12:11 lemos: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer”. E, novamente, lemos em Atos 16:6-7: “E, passando pela Frígia e pela província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram a Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu”. Assim, vemos como o Espírito Santo interpôs Sua vontade imperial, em oposição à determinação dos apóstolos.

 

Mas, é objetado contra a afirmação que a vontade e poder do Espírito Santo são irresistíveis, que há duas passagens, uma no Antigo Testamento e outra no Novo, que parecem militar contra tal conclusão. Deus disse no passado: “Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem” (Gênesis 6:3); e aos judeus, Estevão declarou: “Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? (Atos 7:51-52). Se, então, os judeus “resistiram” ao Espírito Santo, como podemos dizer que o Seu poder é irresistível? A resposta é encontrada em Neemias 9:30: “Porém estendeste a tua benignidade sobre eles por muitos anos, e testificaste contra eles pelo teu Espírito, pelo ministério dos teus profetas; porém eles não deram ouvidos”. Foram às operações externas do Espírito que Israel “resistiu”. Foi ao Espírito falando por e através dos profetas a que eles “não deram ouvidos”. Não foi a nada que o Espírito Santo operou neles a que “resistiram”, mas aos motivos que lhes foram apresentados pelas mensagens inspiradas dos profetas.

 

Talvez, ajudará o leitor a compreender melhor o nosso pensamento, se compararmos Mateus 11:20-24: “Então começou ele a lançar em rosto às cidades onde se operou a maior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido, dizendo: Ai de ti, Corazim!…”. Nosso Senhor aqui pronuncia um ai sobre estas cidades pela sua incapacidade de se arrepender por causa dos “grandes prodígios” que Ele havia operado à sua vista, e não por causa de qualquer operação interna de Sua graça! O mesmo é verdade sobre Gênesis 6:3. Pela comparação com 1 Pedro 3:18-20, será visto que foi por e através de Noé que o Espírito de Deus “contendeu” com os antediluvianos. A distinção observada acima foi habilmente assim resumida por Andrew Fuller (outro escritor falecido há muito, de quem nossos modernos poderiam aprender bastante): “Há dois tipos de influência pelas quais Deus opera nas mentes dos homens. Em primeiro lugar, a que é comum, e que é efetuada pelo uso normal dos motivos apresentados à mente, para apreciação; em segundo lugar, a que é especial e sobrenatural. A primeira não contém nada de misterioso, mais do que a influência de nossas palavras e ações sobre o outro; a outra é um mistério da qual não conhecemos nada, senão por seus efeitos. A primeira pode ser eficaz; a última assim o é”. A obra do Espírito Santo sobre ou em direção aos homens é sempre “resistida” por eles; Sua obra interior é sempre bem sucedida. O que dizem as Escrituras? Isto: “Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará” (Filipenses 1:6).

 

A próxima questão a ser considerada é: Por que pregar o Evangelho a toda criatura? Se Deus Pai predestinou apenas um número limitado para ser salvo, se Deus o Filho morreu para efetuar a salvação de apenas aqueles dados a Ele pelo Pai, e se Deus o Espírito não está buscando vivificar a ninguém, exceto os eleitos de Deus, então qual é a utilidade de anunciar o Evangelho amplamente, e onde está a razão de dizer aos pecadores: “Todo aquele que crer em Cristo não perecerá, mas terá a vida eterna”?

 

Em primeiro lugar, é de grande importância que devemos ser claros sobre a natureza do próprio Evangelho. O Evangelho são as boas novas de Deus a respeito de Cristo e não a respeito dos pecadores: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o Evangelho de Deus… acerca de seu Filho… Jesus Cristo, nosso Senhor” [Romanos: 11:3-4]. Deus teria proclamado em toda parte e amplamente o fato surpreendente de que o Seu próprio filho bendito foi “obediente até à morte, e morte de cruz” [Filipenses 2:8]. Um testemunho universal deve ser trazido pelo valor incomparável da Pessoa e Obra de Cristo. Observem a palavra “testemunho” em Mateus 24:14. O Evangelho é o “testemunho” de Deus sobre as perfeições de Seu Filho. Observem as palavras do apóstolo: “Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem” (2 Coríntios 2:15)!

 

Em relação ao caráter e conteúdo do Evangelho, a mais extrema confusão prevalece hoje. O Evangelho não é uma “oferta”, a ser atirada ao redor pelos mascates evangélicos. O Evangelho não é um mero convite, mas uma proclamação a respeito de Cristo; verdadeira quer os homens acreditem ou não. Nenhum homem é convidado a crer que Cristo morreu por ele em particular. O Evangelho, em resumo, é isto: Cristo morreu pelos pecadores, você é um pecador, creia em Cristo, e você será salvo. No Evangelho, Deus simplesmente anuncia os termos pelos quais os homens podem ser salvos (ou seja, arrependimento e fé) e, de forma indiscriminada, todos são ordenados a cumpri-los.

 

Em segundo lugar, o arrependimento e a remissão dos pecados devem ser pregados em o nome do Senhor Jesus “a todas as nações” (Lucas 24:47), pois os eleitos de Deus estão “dispersos” (João 11:52) entre todas as nações, e é pela pregação e ouvir do Evangelho que eles são chamados para fora do mundo. O Evangelho é o meio que Deus usa na salvação de Seus próprios escolhidos. Por natureza, os eleitos de Deus são filhos da ira “como os outros homens também”, eles são pecadores perdidos que necessitam de um Salvador, e à parte de Cristo não há solução para eles. Assim, o Evangelho deve ser crido por eles antes que eles possam regozijar-se no conhecimento dos pecados perdoados. O Evangelho é o joeirar de Deus: ele separa o joio do trigo, e reúne este último ao Seu celeiro.

Em terceiro lugar, deve ser notado que Deus tem outros fins na pregação do Evangelho além da salvação de Seus escolhidos. O mundo existe por amor dos eleitos, e ainda assim, outros têm o benefício dele. Assim, a Palavra é pregada por causa dos eleitos, contudo, outros têm o benefício de uma chamada exterior. O sol brilha embora os cegos não o vejam. A chuva cai sobre montanhas rochosas e desertos dispersos, bem como sobre os vales fecundos; assim também, Deus faz com que o Evangelho caia nos ouvidos dos não-eleitos. O poder do Evangelho é uma das agências de Deus para refrear a impiedade do mundo. Muitos que nunca foram salvos por ele são reformados, suas concupiscências são freadas, e eles são impedidos de se tornarem piores. Além disso, a pregação do Evangelho aos não-eleitos é feita uma prova admirável de seus caráteres. Ela exibe a obstinação de seu pecado; demonstra que o seu coração está em inimizade contra Deus; justifica a declaração de Cristo de que “os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” (João 3:19).

 

Finalmente, é suficiente que nós saibamos que somos ordenados a pregar o Evangelho a toda criatura. Não devemos argumentar sobre a consistência entre isto e o fato de que “poucos são escolhidos”. Devemos obedecer. É uma questão simplória o fazer perguntas relacionadas aos caminhos de Deus, que nenhuma mente finita pode sondar plenamente. Nós, também, podemos voltar e recordar ao objetor o que nosso Senhor declarou: “Na verdade vos digo que todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, e toda a sorte de blasfêmias, com que blasfemarem; qualquer, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno juízo” (Marcos 3:28-29), e não pode haver qualquer dúvida de que alguns dos judeus eram culpados deste mesmo pecado (ver Mateus 12:24, e etc.) e, portanto, a sua destruição era inevitável. No entanto, não obstante, menos de dois meses depois, Ele ordenou aos Seus discípulos a pregar o Evangelho a toda criatura. Quando o opositor conseguir nos mostrar a consistência dessas duas coisas — o fato de que alguns dos judeus haviam cometido o pecado imperdoável, e o fato de que o Evangelho devia ser pregado para eles — nós nos comprometemos a fornecer uma solução mais satisfatória do que a acima indicada para a harmonia entre a proclamação universal do Evangelho e uma delimitação do Seu poder salvífico somente para aqueles que Deus predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho.

 

Mais uma vez, podemos dizer, não devemos discutir sobre o Evangelho; o nosso empreendimento é pregá-lo. Quando Deus ordenou a Abraão que oferecesse seu filho em holocausto, ele poderia ter objetado que esta ordem era inconsistente com a Sua promessa: “Em Isaque será chamada a tua descendência”. Mas em vez de argumentar ele obedeceu, e deixou que Deus harmonizasse Sua promessa e Seu preceito. Jeremias poderia ter argumentado que Deus lhe pedira para fazer o que era totalmente irracional, quando disse: “Dir-lhes-ás, pois, todas estas palavras, mas não te darão ouvidos; chamá-los-ás, mas não te responderão” (Jeremias 7:27), mas em vez disso, o profeta obedeceu. Ezequiel, também, poderia ter se se queixado de que o Senhor estava lhe pedindo para fazer uma coisa difícil, quando Ele disse: “E disse-me ainda: Filho do homem, vai, entra na casa de Israel, e dize-lhe as minhas palavras. Porque tu não és enviado a um povo de estranha fala, nem de língua difícil, mas à casa de Israel; nem a muitos povos de estranha fala, e de língua difícil, cujas palavras não possas entender; se eu aos tais te enviara, certamente te dariam ouvidos. Mas a casa de Israel não te quererá dar ouvidos, porque não me querem dar ouvidos a mim; pois toda a casa de Israel é de fronte obstinada e dura de coração” (Ezequiel 3:4-7).

 

“Mas, ó minha alma, se a verdade tão resplandecente
Ofuscasse e confundisse teus olhos,
No entanto, ainda obedeça a Sua Palavra escrita,
E espere o grandioso dia decisivo.” — Watts

 

Isto foi bem dito:

 

“O Evangelho não perdeu nada de seu antigo poder. Ele é, tanto hoje como quando foi pregado primeiramente, ‘o poder de Deus para a salvação’. Ele não precisa de compaixão, nem da ajuda de nenhum servo. Ele pode superar todos os obstáculos, e quebrar todas as barreiras. Nenhum dispositivo humano precisa ser experimentado para preparar o pecador para recebê-lo, pois se Deus o enviou, nenhum poder consegue impedi-lo; e se Ele não o enviou, nenhum poder consegue torná-lo eficaz” — Dr. Bullinger.