[Trecho do Livro Interpretação das Escrituras, por A. W. Pink]
Para esclarecer o pensamento e fundamentar a doutrina é muito necessário distinguir entre os três tempos e os vários aspectos da salvação de Deus. Como somos familiarizados com essa palavra, ela é usada com frouxidão imperdoável (mesmo pela maioria dos pregadores), através da falha em reconhecer que este é o termo mais abrangente encontrado nas Escrituras, e da falha em se esforçar para averiguar o modo como ele é utilizado nelas. Frequentemente um conceito muito inadequado é formado sobre o âmbito e conteúdo dessa palavra, e por ignorar as distinções que o Espírito Santo tem feito, nada senão uma ideia obscura e confusa é obtida.
Quão poucos, por exemplo, seriam capazes de fazer uma simples exposição das seguintes afirmações: “Que nos salvou” (2 Timóteo 1:9, e cf. Tito 3:5); “operai a vossa salvação com temor e tremor” (Filipenses 2:12); “porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé” (Romanos 13:11 e cf. 1 Pedro 1:5). Agora, estes versos não se referem a três salvações diferentes, mas sim a três aspectos da mesma salvação. O primeiro como um fato consumado, a salvação do deleite no pecado e da penalidade pelo pecado. O segundo como um processo presente, quanto ao poder e atração pelo pecado. O terceiro como uma perspectiva futura, a salvação da própria presença do pecado.
Se o equilíbrio da verdade deve ser preservado e se devem ser evitados a má prática de opor um aspecto contra o outro, ou de enfatizar em demasia um e ignorar o outro; um cuidadoso estudo precisa ser feito sobre as diferentes causas e meios da salvação. Há nada menos do que sete coisas que concorrem nesta grande obra, pois todos estes estão ditos, em uma passagem ou em outra, “salvar-nos”.
• A salvação é atribuída ao Pai: “Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação” (2 Timóteo 1:9), devido ao Seu amor eletivo em Cristo.
• Ao Senhor Jesus: “Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mateus 1:21), devido ao Seu mérito e expiação.
• Ao Espírito Santo: “nos salvou pela… renovação do Espírito Santo” (Tito 3:5), devido às Suas operações todo-poderosas e eficazes.
• À instrumentalidade da Palavra: “a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas” (Tiago 1:21), porque ela desvela a nossa necessidade e revela a graça, pela qual podemos ser salvos.
• À obra dos servos do Senhor: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Timóteo 4:16), por causa da sua fidelidade à verdade.
• À conversão do pecador, em que tanto o arrependimento e a fé são exercidos por ele: “Salvai-vos desta geração perversa” (Atos 2:40), pelo arrependimento mencionado no verso 38; “pela graça sois salvos, por meio da fé” (Efésios 2:8).
• Às ordenanças: “Que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, o batismo” (1 Pedro 3:21), selando a graça de Deus em um coração crente.
Agora, essas sete causas afirmativas da salvação precisam ser consideradas em sua ordem e mantidas em seus devidos lugares, pois de outra forma haverá incalculável prejuízo. Por exemplo, se elevamos uma causa subordinada acima de uma primária, logo, todo o senso de verdadeira proporção é perdido. O amor e sabedoria de Deus são a causa primária, o motivo primário de todo o restante. Em seguida, estão os méritos e satisfação de Cristo, que também são a base de tudo o que se segue. As operações eficazes do Espírito Santo produzem nos pecadores aquilo que é necessário para a sua participação nos benefícios propostos pelo Pai e adquiridos por Cristo. A Palavra é o principal meio utilizado por Deus para a convicção e conversão. Como o resultado da operação do Espírito e da aplicação da Palavra em poder em nossos corações, somos levados ao arrependimento e à fé. Nisso, é costume usual do Espírito Santo usar os ministros de Cristo como Seus agentes subordinados. A Ceia do Senhor e o Batismo são meios pelos quais expressamos nosso arrependimento e fé, e os temos confirmado a nós. Essas causas concordantes também não devem ser confundidas, de modo que atribuímos a um anterior o que diz respeito a outro posterior.
Não devemos atribuir às ordenanças o que pertence à Palavra, nem à conversão o que se origina por meio do Espírito, nem dar a Ele a honra que é peculiar a Cristo. Cada um deve ser cuidadosamente distinguido, definido e mantido em seu devido lugar.