Introdução
Vivemos em um tempo em que muitas igrejas locais sofrem com dois extremos: a centralização ministerial nos oficiais e líderes ou, no outro lado, o consumismo e passividade de grande parte da membresia. Ambos os caminhos resultam em fragilidade para a vida da igreja local, algo que leva ao adoecimento de toda a comunidade pactuada.
Por isso, quando refletimos sobre a Nutrição da Igreja devemos necessariamente considerar que diz respeito a um chamado urgente para redescobrir a beleza bíblica da vida comunitária, fundamentada no ensino de que todos os crentes receberam dons espirituais no novo nascimento e devem exercê-los para a edificação mútua do corpo de Cristo. Algo que vai além da teoria, que necessita de abordagem profundamente pastoral, bíblica e confessional, observada, inclusive pelos signatários da Confissão de Fé Batista de 1689.
Considere a seguinte reflexão:
A saúde da igreja não depende apenas da fidelidade de seus oficiais, mas do envolvimento sacrificial, piedoso e responsável de cada membro do corpo de Cristo.
A Mutualidade dos Dons na Vida da Igreja
Ao contrário do que comumente é alimentado hoje, a mutualidade não é uma opção, mas um aspecto de obediência e um princípio vital estabelecido por Cristo. A Bíblia mostra que todos os crentes receberam dons (1Co 12.7; Rm 12.6-8; 1Pe 4.10-11) e que sua prática revela tanto a graça de Deus em nós quanto a evidência de uma fé verdadeira. Observe como essa estrutura de pensamento se desdobra em aplicações profundas para a vida da igreja local.
1. Superando Debates Infrutíferos
Alguns fundamentos são necessários: a diversidade dos dons no Novo Testamento e a importante distinção entre dons extraordinários (temporários, de caráter fundacional, como línguas e profecia revelacional) e dons ordinários (permanentes, necessários até a volta de Cristo, como ensino, misericórdia, serviço e hospitalidade). Essa perspectiva nos protege de debates estéreis e nos chama a olhar para a riqueza dos dons ordinários, que, quando negligenciados, empobrecem a vida comunitária.
Veja, igrejas locais precisam reencontrar a centralidade dos dons ordinários na prática cotidiana – cada ato de serviço, cada gesto de misericórdia, cada ensino fiel é parte essencial da nutrição do corpo. Uma tarefa que envolve cada membro do corpo capacitado sobrenaturalmente pelo Espírito Santo de Deus.
2. A Necessidade da Igreja vai além dos Oficiais
Um dos pontos de destaque ao refletir sobre o assunto é considerar que os oficiais da igreja – presbíteros e diáconos – são dons preciosos de Cristo à sua noiva, mas não bastam para nutrir toda a comunidade. A igreja não pode esperar que poucas mãos façam o trabalho de muitos.
Quando líderes eclesiásticos assumem todo o peso da obra, adoecem; e quando a membresia se omite, toda a igreja enfraquece. A mutualidade protege os oficiais e fortalece a comunidade.
3. A Extraordinária vida Ordinária da Igreja
Cristo é apresentado como o Doador soberano dos dons, que concede a cada membro uma capacitação sobrenatural para o serviço da comunidade pactuada. Quando consideramos esse assunto, Efésios 4.7-16 se torna o eixo da reflexão: Cristo dá graça a cada crente, a fim de que todos contribuam para a maturidade e crescimento do corpo.
Isso significa que a vida da igreja não é mantida por programas ou estruturas humanas, mas pelo exercício fiel dos dons concedidos por Cristo a cada crente. A vida do crente deve ser marcada pelo agir sobrenatural do Espírito Santo, na experiência ordinária do exercício de seus dons.
4. Muito além do serviço, Evidência de Conversão
Quando falamos de servir à igreja, não estamos considerando tarefas triviais, à semelhança do que acontece em instituições terrenas. Estamos pensando no exercício de dotações celestiais, tocando a presente era e testemunhando do poder de Deus. Por isso, o uso dos dons não é facultativo, ele exibe a glória de Deus agindo por meio de pecadores. Isso quer dizer que, negligenciar os dons espirituais pode ser sinal de imaturidade ou até mesmo de ausência de vida espiritual genuína. Aquele que foi regenerado manifesta frutos e dons, evidenciando sua união vital com Cristo (Jo 15.5).
Para que isso aconteça, obviamente, as igrejas locais devem ajudar seus membros a compreender que servir não é opcional, mas parte da identidade do cristão. É necessário instrução, capacitação, orientação e exemplo por parte dos líderes.
5. A Igreja é mais do que uma Instituição
Algo que o tema nos leva a avaliar é a metáfora paulina do corpo de Cristo (1Co 12; Ef 4). Isso é feito para mostrar que a saúde da igreja depende da justa cooperação de cada parte. Isso significa que a diversidade não é problema, mas uma das grandes riquezas da igreja. Onde cada dom complementa o outro, e juntos formam uma comunidade viva.
Veja, quando todos participam do exercício de embelezamento da noiva, a igreja não apenas cresce em número, mas em maturidade, amor e fidelidade a Cristo.
6. Discipular é Amar
Outro ponto relevante é a compreensão de discipulado como identidade, e não como programa. Discipulado é o uso sacrificial dos dons em amor, moldando uma cultura de cuidado, ensino e crescimento mútuo. Vai muito além de uma conferência, leitura de livros, instruções em Escola Bíblica Dominical, equivale a uma vida moldando outra vida.
Por isso, igrejas que reduzem o discipulado a meros métodos importados perdem de vista sua essência bíblica – a mutualidade dos dons vivida no cotidiano.
7. A Edificação não se Limita ao Ofício
Quando observamos por esse prisma, precisamos necessariamente combater o clericalismo, mostrando que o chamado ao serviço não está restrito aos oficiais. A Confissão de Fé Batista de 1689, por exemplo, ensina que todos os crentes têm deveres santos dentro do corpo. Servir não requer título, mas fidelidade.
Por isso, cada crente deve assumir responsabilidade na vida da igreja, sem esperar reconhecimento humano, mas servindo com humildade diante do Senhor.
8. Identificando e Edificando
Por fim, é necessário oferecer critérios práticos para identificar dons: submissão à Escritura, confirmação da comunidade, oração e serviço no chão da igreja. Esse discernimento não é místico, mas nasce exatamente da prática comunitária e da edificação conjunta.
Dessa forma, a igreja local deve ser um espaço de descoberta, encorajamento e exercício dos dons, onde cada membro é preparado para servir.
Em Síntese:
A temática da Nutrição da Igreja é mais que uma reflexão teológica; é um chamado pastoral para que a igreja redescubra a beleza de ser corpo vivo de Cristo.
Aplicações práticas para a igreja local:
1. Cultivar uma cultura de mutualidade — cada membro deve ser encorajado a identificar e usar seus dons em amor.
2. Valorizar os oficiais sem sobrecarregá-los — líderes são fundamentais, mas precisam de apoio ativo da membresia.
3. Tratar o discipulado como identidade — não como evento, mas como estilo de vida, onde todos ensinam e todos aprendem.
4. Exercer dons ordinários com intencionalidade — servir, ensinar, consolar, contribuir, hospedar, liderar e exortar fazem parte da saúde da igreja.
5. Combater o individualismo e o consumismo — a igreja não é um mercado espiritual, mas um corpo interdependente.
6. Redescobrir a alegria de servir em anonimato — o valor do serviço não está em títulos, mas na fidelidade diante de Cristo.