Santos Sonolentos, por A. W. Pink

[Capítulo 5, Sleepy Saints, e Parte 2: Progress in the Christian Life do livro Practical Christianity]

 

Que anomalia! Cochilar à beira da eternidade! Um Cristão é alguém que, em contraste com os não-regenerados, foi despertado do sono da morte no qual jazia em delitos e pecados, feito perceber o horror inexprimível da miséria sem fim do inferno e a alegria inefável da eterna felicidade no Céu, e, assim, levado a reconhecer a gravidade e solenidade da vida. Um Cristão é alguém que tem sido ensinado de forma experimental a inutilidade de todas as coisas mundanas e a preciosidade das coisas Divinas. Ele virou as costas para Feira das Vaidades e iniciou sua jornada para a Cidade Celestial. Ele foi vivificado em novidade de vida e é suprido com os incentivos mais poderosos para prosseguir para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. No entanto, infelizmente, é possível que ele sofra uma recaída, por ter seu zelo diminuído, e as suas graças enfraquecidas, por ele deixar o seu primeiro amor, e tornar-se cansado de fazer o bem. Sim, a menos que ele seja diligente na vigilância, a sonolência o assaltará, e ele cairá no sono. Corrupções ainda habitam nele, e o pecado tem um efeito entorpecente. Ele ainda está neste mundo mau, e este exerce uma influência enervante. Satanás procura devorá-lo, e a menos que ele resista firmemente esse o hipnotizará. Assim, a ameaça desta espiritual “doença do sono” é muito real.

Santos adormecidos! Que incongruência! Acomodados, enquanto ameaçados por um perigo. Espreguiçando-se em vez de combaterem o bom combate da fé. Desprezando oportunidades para glorificar seu Salvador, em vez de remir o tempo; enferrujando, em vez de se desgastarem em Seu serviço. Falamos com espanto e horror sobre Nero tocando harpa enquanto Roma ardia, porém, muito mais surpreendente e condenável é um Cristão descuidado que se afastou de Deus, enfeitiçado por um mundo que está condenado à destruição eterna. Tal farsa e tragédia está longe de ser excepcional. Ambos, observação e ensino das Escrituras provam que esta é uma ocorrência comum. Tais passagens como as seguintes tornam por demais evidente que o povo de Deus é, assim, subjugado. “E isto digo, conhecendo o tempo, que já é hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé” (Romanos 13:11). “Vigiai justamente e não pequeis” (1 Coríntios 15:34). “Desperta, tu que dormes” (Efésios 5:14). Cada uma dessas clamores urgentes é feito aos santos. Assim, também, é esta exortação dirigida a eles: “Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios” (1 Tessalonicenses 5:5-6).

Nosso Senhor alertou sobre o mesmo fenômeno em Mateus 25:1-13, que indica algumas lições muito esquadrinhadoras sobre o assunto agora diante de nós. Não nos propomos a dar uma exposição desses versículos, e muito menos perder tempo com a prospecção da teorização conflitante de homens sobre eles. Em vez de nos entregarmos a especulações inúteis sobre o que tem sido chamado de aplicações “proféticas” da passagem, temos a intenção de nos debruçar sobre o que é de muito mais importância prática e benefício para a caminhada do Cristão. Em primeiro lugar, que seja devidamente notado que esta parábola das Virgens foi anunciada por Cristo não a uma multidão promíscua, mas aos Seus próprios discípulos; foi para eles que Ele disse: “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de vir” (v. 13). Ali, Ele exortou Seus seguidores a manterem uma atitude de extrema atenção e diligência, para estarem em vigilância contra uma surpresa súbita, para fazer com que eles estivessem em um constante estado de prontidão para acolhê-lO e entretê-lO em Sua vinda. Nesse décimo terceiro versículo, Cristo indicou claramente o principal propósito dessa parábola, ou seja, compelir o cumprimento do dever Cristão de vigilância, particularmente contra a tendência e risco da sonolência moral e apatia espiritual no desempenho dos nossos deveres.

Em segundo lugar, nós queremos aqui sinceramente alertar o leitor contra colocar quaisquer restrições sobre as palavras da Sagrada Escritura. À luz da analogia da fé, isto é, do teor geral da Escritura, é completamente insustentável para nós limitarmos as palavras “em que o Filho do homem há de vir” ao Seu último aparecimento no fim desta época ou deste mundo. É nosso dever fazer uso da concordância e observar cuidadosamente os diferentes sentidos em que a “vinda” de Cristo é referida na Palavra, e distinguir entre eles. Por exemplo, as comunicações da graça para o povo de Deus na administração da Sua Palavra e Ordenanças são assim referidas: “Ele descerá como chuva sobre a erva ceifada, como os chuveiros que umedecem a terra” (Salmos 72:6, e cf. Deuteronômio 32:2). Novamente, houve uma vinda judicial do Senhor na destruição de Jerusalém, quando Ele cumpriu a ameaça: “Que fará, pois, o senhor da vinha? Virá, e destruirá os lavradores, e dará a vinha a outros” (Marcos 12:9). Ele não veio, literalmente, em Pessoa, mas instrumentalmente pelos Romanos! Depois, há também a “vinda” de Cristo para o Seu povo nas manifestações renovadas de Seu amor: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada” (João 14:23).

Cristo veio para o Seu povo vicariamente; como Ele declarou aos apóstolos: “Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós” (João 14:18), onde de acordo com os precedentes versículos, a referência principal é claramente para a pública descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Mais uma vez, Cristo costuma visitar o Seu povo na carruagem de Sua providência: às vezes favoravelmente, ora negativamente, como em: “Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres” (Apocalipse 2:5, e cf. versículo 16). Mais uma vez, Ele “vem” instrumentalmente pelo ministério do Evangelho: “E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto” (Efésios 2:16-17e Lucas 10:16). Outrossim, Ele vem espiritualmente para aqueles que anseiam e buscam a comunhão com Ele: “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo” (Apocalipse 3:20). Finalmente, Ele virá literal e visivelmente (Atos 1:11; Apocalipse 1:7). Assim, é um erro grave misturar juntamente as “vindas” comunicativa, judicial, manifestativa, vicária, providencial, instrumental e espiritual de Cristo; como também o é restringir a Sua segunda vinda a cada verso onde Ele fala de sua “vinda” ou aparição.

Da mesma forma, é igualmente errado que limitemos o “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de vir” de nosso Senhor a um “aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo” [Tito 2:13]. A maioria dos outros sete aspectos mencionados acima não devem ser excluídos disso. Devemos estar em qui vive (ou alerta) para Suas aproximações a nós nos meios de graça, atentos às Suas aparições diante de nós, na providência, reconhecê-lO no ministério do Evangelho, e esperar com expectativa as Suas visitas de íntima comunhão. A permanência do Cristão neste mundo é o período tanto da sua “vigilância” quanto da sua “espera” pela sua partida do mesmo; e desde que ele não sabe se isso será pela morte ou por seu arrebatamento para encontrar o Senhor nos ares, ele deve estar preparado para qualquer evento — se não for assim pelo primeiro, será pelo último. Esta convocação para que ele “vigie” significa que: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração” (Provérbios 4:23), “guardai-vos dos ídolos” (1 João 5:21), “Conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus” (Judas 21). Ele nos ordena: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, [embora] o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus 26:41). Em uma palavra, essa exortação nos obriga a atender aos interesses de nossas almas com diligência incessante e circunspecção.

“Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo” (Mateus 25:1). Isto não é dito para ser uma semelhança da atitude da “Noiva” em relação ao seu Esposo, pois o âmbito disto é mais amplo, considerando toda a esfera dos professos da fé Cristã. Assim, no que se segue as “Virgens” estão divididas em dois grupos — os regenerados e os não-regenerados. Assim, teria sido impreciso designar todas elas de “Noiva”! Esta é, portanto, uma parábola discriminativa, como a do trigo e do joio, e aquela dos peixes bons e ruins em Mateus 13. Se for perguntado: Por que Cristo dirige tal parábola aos apóstolos, a resposta é: porque havia um Judas entre eles! Está fora de nosso alcance atual considerar as virgens “loucas”; basta dizer que, externamente, não diferiam das “prudentes”. Elas não representam os membros da igreja irreligiosos e imorais, mas os que não foram salvos, aqueles que “depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do [não “seu”!] Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 2:20), mas que nunca experimentaram um milagre da graça em seus corações. Apesar de terem lâmpadas em suas mãos, elas não tinham óleo “em suas vasilhas” (vv. 3-4) — não possuíam a graça em suas almas! Isto exige que o escritor e o leitor façam um exame honesto e cuidadoso de si mesmos, para fazer “cada vez mais firme a vossa vocação e eleição” (2 Pedro 1:10).

“Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens”. Muitas e variadas são as figuras usadas para descrever os discípulos de Cristo. Eles são chamados de sal, luz, ovelhas, pedras vivas, reis e sacerdotes. Quando completa, e em sua capacidade corporal, a Igreja é referida como a “Esposa” do Cordeiro, mas individualmente eles são denominados “as virgens que a acompanham a trarão a ti” (Salmos 45:14 e cf. Cantares 8:13; Apocalipse 1:9). Eles são chamados de “virgens” pela pureza de sua fé, pois ninguém — não importa o quão agradável seja a sua personalidade ou irrepreensível quanto à sua conduta exterior — que é fundamentalmente insalubre deve ser considerado como um Cristão. Assim, o apóstolo, quando advertindo uma igreja local por dar atenção a falsos mestres, disse-lhes: “Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho [ministerialmente] preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Coríntios 11:2). Mais uma vez; eles são chamados de “virgens” pela pureza de sua adoração. Deus é um Deus zeloso e não tolerará qualquer rival, e, portanto, encontramos, por toda a Escritura, que a idolatria é expressa como prostituição, daí o Papado vil e corrupto ser designado “a mãe das prostituições” (Apocalipse 17:5). Mais uma vez: eles são chamados de “virgens” pela pureza de sua caminhada, recusando-se a amizade e o companheirismo com o mundo adúltero, apegando-se a Cristo, “porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá” (Apocalipse 14:4).

Os santos são expressamente convidados para ir ao encontro do Esposo. “Saí, ó filhas de Sião, e contemplai ao rei Salomão com a coroa com que o coroou sua mãe no dia do seu desposório” (Cantares 3:11) — um versículo extremamente interessante e abençoado, no qual não podemos nos demorar. É o antitípico Salomão, o Príncipe da Paz, a quem estas palavras se referem. Sua “mãe” é o Israel natural, de quem, segundo a carne, Ele nasceu — uma figura do Israel espiritual, em cujos corações Ele é “formado” (Gálatas 4:19). O “dia de seu desposório” foi quando Israel entrou em uma aliança solene com o Senhor (Jeremias 2:2, e veja Êxodo 24:3-8, para a referência histórica), prenunciando a nossa união conjugal com Cristo, quando nos demos “primeiramente ao Senhor” (2 Coríntios 8:5) e nos “ajuntamos com o Senhor” (1 Coríntios 6:17), coroando-O Rei dos nossos corações e vidas. Aqui, as “filhas de Jerusalém” — o mesmo que as “virgens” — são convidadas a “contemplar” o Seu majestoso e glorioso Rei: considerando atentamente a excelência de Sua pessoa, a ser comprometido com Suas perfeições, a admirarem e adorarem o Único que é “totalmente desejável”. Mas para este objetivo, deve haver esforço ativo da parte delas. Cristo não Se revelará aos dormentes (Cantares 3:1).

“Que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo”. A tomada de suas lâmpadas significa fazer uma profissão aberta de sua fé. Eles não eram discípulos secretos, escondendo a sua luz debaixo do alqueire, mas aqueles que não tinham vergonha de ser conhecidos como os seguidores de Cristo. Lucas 12:35-36, é útil para explicar essa força da figura: “Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias [mais literalmente]. E sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor”. Do Seu precursor Cristo disse: “Ele era a candeia que ardia e alumiava” (João 5:35). Mas outros pensamentos e aspectos implícitos são sugeridos por estas virgens tomando as suas lâmpadas. Isso nos diz que elas recorreram aos meios adequados, fazendo provisão contra a escuridão que elas encontrariam. O principal meio para o Cristão é a Palavra, que é “uma luz [a mesma palavra grega que aparece em Lucas 12:35 e João 5:35], que alumia em lugar escuro (2 Pedro 1:19). Isso também mostra que elas não tinham a intenção de ir dormir, mas propuseram permanecer vigilantes; o que demanda mais atenção ao que segue. Isso também sugere que elas eram sensíveis à dificuldade de sua tarefa. Somente aquele que, depois de um dia inteiro de trabalho, sentou-se à noite em um leito de enfermidade sabe o quanto é difícil manter-se alerta durante todas as longas horas de escuridão.

É necessário ser claramente percebido pelo crente que a Palavra está lhe suprindo não somente como o “pão” para alimentar-se, como uma “espada” que ele emprega ao repelir os ataques de seus inimigos, mas também como um iluminador: “Lâmpada para os meus pés é tua palavra” (Salmos 119:105), revelando aqueles caminhos em que devo andar se eu quiser encontrar com o eterno Amor de minha alma. “Saíram ao encontro do esposo”. Esse deve ser sempre nosso objetivo na utilização de meios e participação na administração das Ordenanças Divinas. Esse ir ao encontro do Senhor deve ser entendido como a expressão de ambos, ação externa e interna. Externamente, significa a separação do mundo, especialmente dos seus prazeres, pois Cristo não será encontrado enquanto desperdiçamos nosso tempo envolvidos dentre eles. “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis… Por isso saí do meio deles” (2 Coríntios 6:14, 17), isso deve ser obedecido se quisermos “encontrar o Esposo”. Mais particularmente, o seu sair denota um virar as costas ao sistema eclesiástico apóstata; Cristo havia informado aos Seus discípulos que Ele havia abandonado um Judaísmo que O rejeitara (Mateus 23:37-38), assim, se eles quisessem encontrá-lO, eles também deveriam sair “pois, a ele fora do arraial” (Hebreus 13:13). O mesmo é verdadeiro agora.

Se o Cristão quiser se encontrar e ter bendita comunhão com Cristo, ele não deve apenas andar em separação de toda intimidade com o mundo profano, mas virar as costas para todas as seções do mundo religioso que não dão a Cristo a preeminência. Isso exige a negação de si e “levar o Seu vitupério”. Nossa disposição de assim fazer dependerá de quão altamente nós O estimamos. Internamente, isso significou a atividade de suas afeições. Isso diz respeito à sua alegria nEle, que Ele era o objeto de seus desejos e expectativas. Isso conota o exercício das suas graças sobre Cristo, uma saída de toda a alma após Ele; tal saída por Ele, como a de Davi: “Uma coisa [supremamente] pedi ao Senhor, e a buscarei: que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor, e inquirir no seu templo” (Salmos 27:4). Não pode haver contemplação satisfatória para a alma da Sua excelência, a menos que haja profundo anseio e busca sincera por Ele, que é o suposto por “saíram ao encontro do Esposo!”.

“Saíram ao encontro do esposo” denota um desejo de comunhão e uma busca definitiva por Ele, e onde estes estão ausentes é vão pensar que estamos entre aqueles que “amam a Sua vinda”. Essas palavras referem-se ao exercício das graças do crente, para que ele possa dizer: “A minha alma te segue de perto” (Salmos 63:8). Da fé, agindo sobre o seu Objeto, vendo-O como Sua pessoa e perfeições são retratadas na Palavra. Da esperança, esperando para encontrar-se com Ele, para que Ele “manifeste-Se a nós” (João 14:21), bem como estar para sempre com Ele. Do amor, que deseja o Seu Amado e não pode estar contente longe dEle. As afeições devem ser postas onde Cristo está assentado, à destra de Deus, resultando em um caráter estrangeiro e peregrino sobre a terra. Isso é um sair de si mesmo, e absorver-se nAquele que nos amou e entregou a Si mesmo por nós. Somente assim Ele pode ser experimentalmente encontrado, contemplado com deleite e companheirismo. “Saíram ao encontro do Esposo” é um tal prosseguir das afeições e exercício de nossas graças sobre Ele, como o que fez Paulo dizer: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3:8-9).

“E, tardando o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram” (Mateus 25:5) Que patético! Quão esquadrinhador e solene! A temporada de Sua demora foi o momento da falha delas. Elas não permaneceram como começaram. Suas graças não foram mantidas em exercício saudável. Deixaram de assistir ao grande empreendimento atribuída a elas. Elas se cansaram de fazer o bem. Em vez de ocuparmos as nossas cabeça com o cumprimento “profético” do versículo, precisamos despir os nossos corações e fazer com que eles sejam examinados pelo mesmo. Em vez de dizer: Essas palavras agora descrevem com precisão a condição atual da Cristandade como um todo; é preciso perguntar o quanto elas dizem respeito a cada um de nós individualmente. O ponto é muito mais perguntar a mim mesmo: Eu sou um Cristão sonolento e adormecido? E isso não é questão a ser respondida rapidamente. Se por um lado eu preciso tomar cuidado em pensar mais altamente de mim mesmo do que deveria, ou fingir que está tudo bem comigo quando tal não é o caso; por outro lado, Deus não requer que eu faça o papel de um hipócrita, buscando adquirir uma reputação de humildade, afirmando que eu seja pior do que eu sou. Pedro não estava proferindo um orgulho presunçoso quando disse a Cristo: “Tu sabes que eu Te amo”. Mas Judas era um impostor, quando ele O cumprimentou com um beijo.

Mas antes que possamos verdadeiramente responder a pergunta: Estou dormindo espiritualmente? é preciso conhecer quais são as marcas de alguém que o está. A fim de auxiliar o investigador sincero, descreveremos, então, algumas das características do sono. E, uma vez que nós não estamos fazendo esforço para impressionar o erudito, seremos tão simples quanto possível. As coisas que caracterizam o corpo quando ele está dormindo nos ajudarão a determinar quando a alma está assim. Quando o corpo está dormindo ele está em um estado de inatividade, todos os seus membros estão em repouso. Este é também um estado de inconsciência, quando exercícios normais da mente estão suspensos. É, portanto, este é um estado de insensibilidade ao perigo, de completo desamparo. O sono espiritual é uma condição em que as faculdades da alma do crente são inoperantes e quando suas graças deixam de exercer seus vários ofícios. Quando a mente deixa de envolver-se com as coisas Divinas, e as graças não são mantidas em exercício saudável, é certamente um estado de indolência e inércia. Quando as grandes verdades da Escritura a respeito de Deus e de Cristo, do pecado e da graça, do Céu e do Inferno, não exercem uma influência viva e eficaz sobre nós, rapidamente nos tornamos sonolentos e negligentes.

A fé adormecida é algo inativa. Ela não é exercida sobre os seus objetos apropriados, nem exerce as suas tarefas atribuídas. Ela nem se fundamenta naquela plenitude de graça, que está disponível em Cristo para o Seu povo, nem está agindo sobre os preceitos e promessas da Palavra. Apesar de ainda haver um assentimento mental à verdade, contudo o coração não é mais adequadamente afetado por aquilo que diz respeito à piedade prática. Quando tal é o caso, um Cristão será regido mais pela tradição, pelo sentimento e pela fantasia, em vez de ser regido pela gratidão, pelo temor do Senhor e pelo cuidado para agradá-lO. Assim também, quando a esperança torna-se fraca, ele logo cai num torpor espiritual. A esperança é a expectativa desejosa e sincera da bem-aventurança por vir. Ela parece longe do eu e da presente circunstância, é cativada com “as coisas que Deus tem preparado para aqueles que O amam”. Como ela vislumbra o objetivo e o prêmio, ela é capacitada a correr com paciência a carreira que nos está proposta. Mas quando a esperança dorme, ela se torna absorvida com os objetos do tempo e do sentido, e seduzida e estupefata com as coisas presentes e que estão perecendo. Da mesma forma, quando o amor de Deus não está vigoroso, não há vivacidade pela Sua glória; o amor próprio e a auto-piedade atuam em nós. Quando o amor a Cristo deixa de constranger-nos à abnegação e a seguir o exemplo que Ele nos deixou, a alma veio a dormir.

Onde essas graças cardeais não estão em exercício saudável, o Cristão perde o gosto pelos meios da graça, e se ele tenta usá-los, isso acontece apenas superficialmente. A Bíblia é lida mais por hábito ou para satisfazer a consciência do que com prazer anelante, e, então, nenhuma impressão é deixada no coração, nem há qualquer doce meditação nela depois. A oração é realizada mecanicamente, sem qualquer abordagem consciente a Deus ou em comunhão com Ele. Assim, ao assistir ao culto público e ouvir a Palavra, o dever é realizado formalmente e sem proveito. Quando o corpo dorme, ele nem come nem bebe: assim é com a alma. A fé é a mão que recebe, a esperança a saliva que ajuda a digestão, o amor é o mastigador e assimilador do que é comido. Mas quando eles deixam de funcionar a alma fica faminta, e torna-se fraca e lânguida. Quanto mais subnutrido for o corpo, menos força e capacidade ele tem para as suas atividades. Da mesma forma, uma alma negligenciada é imprópria para os santos deveres, e os exercícios mais sagrados tornam-se pesados. Assim, quando um santo encontra o seu uso dos meios de graça enfadonhos e o cumprimento de privilégios espirituais algo cansativo, ele pode saber que a sua alma está adormecida em relação a Deus.

Na própria parábola são indicadas quatro causas do sono espiritual. 1. Falha em permanecer vigilante. Em seu sentido mais amplo “vigilância” significa uma tomada cuidadosa de atenção por nós mesmos e nossos caminhos, percebendo como somos propensos a “voltar à loucura” (Salmos 85:8). Enquanto o santo permanece neste mundo, ele está em constante perigo de trazer opróbrio sobre o santo Nome que ele carrega, e tornar-se uma pedra de tropeço para seus irmãos. Vigilância (o oposto de descuido) é exercitar uma diligente preocupação e cuidado de nossas almas, evitando todas as ocasiões de pecado, resistindo à tentação (Mateus 26:41). É “estai firmes na fé; portai-vos varonilmente” (1 Coríntios 16:13), significa que devemos ser regulares em nossos deveres. Quando nós somos negligentes no serviço do Senhor, em mortificar nossos desejos, e menos fervorosos e frequentes em oração, então, o sono começou a assaltar-nos. Em última análise, isso relaciona-se à “aguardar a bem-aventurada esperança” que é uma coisa muito diferente de aguardar o cumprimento da profecia ou a realização de um item do “programa dispensacional” de Deus. Isso é muito mais do que esperar um evento importante, a saber, a segunda vinda de Cristo, e isso implica deleite nEle, desejá-lO, prontidão prática para a Sua vinda (Lucas 12:35-36).

2. A demora do Noivo resultou em falta de perseverança da parte delas. Desde que nós não sabemos quão breve ou quanto tempo demorará o nosso chamado para partir deste mundo, precisamos ser incessantes no dever, em um estado de prontidão constante. Não apenas uma expectativa desejosa, mas uma “constância de Cristo” (2 Tessalonicenses 3:5) é exigida de nós. “Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando! …E, se vier na segunda vigília, e se vier na terceira vigília, e os achar assim, bem-aventurados são os tais servos” (Lucas 12:37-38). Foi porque Moisés demorou no monte que Israel se cansou de esperar e deu lugar às suas concupiscências, uma advertência para que nós não relaxemos em nossa vigilância. Por quanto tempo os santos do Antigo Testamento esperaram por Sua primeira vinda! “Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia. Sede vós também pacientes, fortalecei os vossos corações; porque já a vinda do Senhor está próxima” (Tiago 5:7-8), exercendo fé e esperança. Veja Lucas 21:36.

3. Intimidade com professos sem graça. As virgens prudentes falharam porque elas estavam em contato muito próximo e comunhão com as loucas. Isso é confirmado pelo aviso Divino “Não vos enganeis: as más conversações [a forma verbal da palavra grega é traduzida como “falava com intimidade” em Atos 24:26] corrompem os bons costumes”, que é imediatamente seguido por: “Vigiai justamente e não pequeis” (1 Coríntios 15:33-34), mostrando-nos que a intimidade com pessoas sem Cristo produz letargia. “Somos mais suscetíveis ao mal do que ao bem, nós pegamos uma doença uns dos outros, mas nós não a saúde um do outro. As conversações dos ímpios têm mais poder de corromper do que as boas conversações para excitar virtude. Um homem que quer manter-se acordado para Deus e se importa com a salvação de sua alma, deve afastar-se de companhia ímpia” (Thomas Manton). Veja o Salmo 119:115. Não é o abertamente profano, e, sim, o professo negligente e descuidado que é a maior ameaça para o Cristão. Por isso, “Tendo aparência de piedade, mas negando [inatividade] a eficácia dela. Destes afasta-te” (2 Timóteo 3:5).

4. Desatenção ao perigo inicial: elas “tosquenejaram” (uma forma mais leve) antes de dormirem! Como isso mostra a necessidade de tomarmos solene e sério cuidado para o início de declínio espiritual! Se nos submetemos a um espírito de frouxidão, brevemente cairemos em um sono profundo. Um grau de negligência e descuido leva a outro: “A preguiça faz cair em profundo sono” (Provérbios 19:15); uma vez que o nosso zelo diminui e nosso amor esfria, tornamo-nos negligentes e desatentos. Se não lutarmos contra uma formalidade fria, quando nos engajamos em exercícios sagrados, em última instância, os cessaremos totalmente. Toda apostasia começa no coração! O pecado entorpece antes de endureça. Se deixamos de prestar atenção aos esforços suaves do Espírito, a consciência se tornará insensível. “Davi, quando caiu em adultério e sangue, ele estava como um em desmaio… Nós temos necessidade de permanecer sempre vigilantes. Grandes males não aconteceriam se percebêssemos as origens dessas indisposições que depois se estabelecem sobre nós” (Manton).

Outras causas de sonolência espiritual, que não estão diretamente indicadas nesta parábola são especificadas ou podem ser deduzidas a partir de outras passagens. Por exemplo: “Desvia os meus olhos de contemplarem a vaidade, e vivifica-me no teu caminho” (Salmos 119:37). A oposição das duas petições denota claramente que uma ocupação indevida com as coisas do mundo tem um efeito amortecedor sobre o coração. Nada tem uma influência mais enervante sobre a afeição de um crente do que ele permitir-se uma liberdade excessiva em vaidades carnais. Mais uma vez: “E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia… Vigiai, pois, em todo o tempo, orando” (Lucas 21:34, 36]. A glutonaria não apenas entorpece os sentidos do corpo, mas também torna a mente lenta e, assim, todo o homem é incapacitado para o exercício de atividades espirituais que requerem o envolvimento e expressão de “tudo o que há em nós” (Salmos 103:1); igualmente assim o fazem as preocupações que ocupam (sobrecarregam) a atenção, entorpecem o entendimento e tornam as afeições torpes. Ainda mais esquadrinhador é observar que “sede sóbrios” precede “vigiai” em 1 Pedro 5:8. Sobriedade é a liberdade de excessos, particularmente um uso moderado dos confortos lícitos desta vida. Qualquer forma de intemperança gera inércia. Se, então, nós somos capazes de manter-nos bem despertos, devemos “de tudo nos abster” (1 Coríntios 9:25).

As consequências da preguiça espiritual são inevitáveis e óbvias. O espaço nos permite pouco mais do que citar algumas das principais. (1) A graça torna-se inoperante. Quando a fé não pode ser exercitada sobre Cristo, ela se distrai e deixa de produzir boas obras. Quando a esperança definha e torna-se inativa, o coração já não é elevado acima das coisas temporais e dos sentidos por uma expectativa desejosa de coisas boas que estão por vir. Assim, o amor diminui e não está mais engajado em agradar a Deus e glorificá-lO. O zelo adormece e em vez de fervor, há formalidade sem coração na utilização dos meios e realização dos deveres. (2) Somos privados de discernimento espiritual, e não somos capazes de perceber experimentalmente a vaidade das coisas terrenas e o valor das celestiais, e a necessidade de uma busca contínua por estas. (3) Uma desatenção sonolenta quanto às providências de Deus. Com os olhos fechados durante o sono não tomamos conhecimento de Seu lidar conosco, não consideramos as coisas que nos acontecem. Misericórdias são recebidas como uma coisa natural, e os sinais de desaprovação de Deus são desconsiderados (Isaías 42:25). (4) A despreocupação na prática do pecado, de modo que deixamos de mortificar nossas concupiscências e de resistir ao Diabo. Estupidez espiritual nos torna insensíveis ao nosso perigo. Foi quando Davi estava despreocupado que ele cedeu ao Diabo (2 Samuel 11:1-2). (5) O Espírito Santo é entristecido e Suas operações graciosas são suspensas e Seus confortos retidos. (6) Longe de nós está o vencer o mundo, quando os nossos sentidos espirituais estão embotados, somos absorvidos com as suas atrações ou sobrecarregados por seus cuidados. (7) Somos roubados por nossos inimigos (Lucas 12:39), do sorriso providencial de Deus, de nossa paz e alegria. (8) Inutilidade: veja Provérbios 24:30-31. (9) Complacência carnal: a paz e a alegria sendo derivadas de circunstâncias agradáveis e bens terrenos, ao invés de Cristo e nossa herança nEle. (10) Pobreza espiritual: veja Provérbios 24:33-34. (11) Indiferença para com a causa e os interesses de Cristo: foi enquanto os homens dormiam que Satanás semeou o seu joio, abusos foram introduzidos na igreja. (12) Falta de preparação prática para a vinda de Cristo: Lucas 21:36; Apocalipse 16:15.

Vamos agora destacar alguns dos corretivos. 1. Sonolência espiritual é melhor prevenida pela nossa fé estar envolvida com a Pessoa e perfeições de Cristo; não é a reforma monástica, nem o abandono de nossa conexão lícita com o mundo, mas a fixação de nossas mentes e afeições na excelência transcendente do Salvador, que mais efetivamente preserva-nos de sermos hipnotizado pelas iscas de Satanás. Uma visão crente e em adoração dAquele que é “mais formoso do que os filhos dos homens” obscurecerá o brilho dos objetos mais atraentes neste mundo. Quando Aquele que é “totalmente desejável” for contemplado por olhos ungidos, os caminhos floridos deste cenário tornam-se um triste deserto, e a alma é vivificada a avançar até Ele, até que ela veja o Rei em Sua beleza, face a face. 2. Especialmente, manter vivos em nossos corações os sofrimentos indizíveis do Salvador nos afastam de rivais ameaçadores, e inspiram a grata obediência a Ele. “Porque o amor de Cristo [particularmente o Seu amor ao morrer] nos constrange” (2 Coríntios 5:14). 3. Pela oração diária a Deus para vivificar-nos e reavivar-nos. 4. Estando duplamente em vigilância quando as coisas ocorrem bem e facilmente. 5. Ao manter uma vívida expectativa da vinda de Cristo (Hebreus 9:28). 6. Ao atender a exortações semelhantes à de Hebreus 12:2-3, não permitindo a redução de nosso vigor. 7. Ao vestirmos toda a armadura de Deus (Efésios 6:13-18).

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