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Sola Scriptura: O Grande Distintivo Batista, por William R. Downing

Textos: Mateus 4:4; Romanos 4:3; 2 Timóteo 3:16-17.

O objetivo deste estudo é fazer algumas observações gerais sobre o tema Sola Scriptura. Ele não lidará em profundidade com as questões específicas da lógica e irracionalismo na teologia moderna, e apenas apresentará o tema “boa e necessária consequência”.

ESBOÇO:

O esboço deste estudo discute as três questões mais básicas sobre Sola Scriptura:

I. Sola Scriptura: A Essência da Doutrina e Prática Batista. Qual é o significado deste essencial e singular distintivo Batista?

II. Sola Scriptura e o uso de boa e necessária consequência. É legítimo deduzir logicamente aspectos da verdade doutrinal e prática das Escrituras?

III. Sola Scriptura e uma hermenêutica bíblica consistente. Qual é o significado de uma hermenêutica bíblica que seja coerente com o difundido princípio da revelação progressiva?

INTRODUÇÃO

Existem vários grandes distintivos Batistas que caracterizam a Bíblica e histórica posição Batista. Estas importantes distinções incluem:

Primeiramente, a Bíblia como a única e toda-suficiente regra de fé e prática. Isso permanece em contraste com outros critérios históricos, como tradição religiosa, a autoridade eclesiástica, credos, concílios da Igreja, o racionalismo e moderno irracionalismo religioso que enfatiza a experiência e o emocionalismo.

Em segundo lugar, o Batismo de Crentes por imersão1. Este distintivo Batista deriva da verdade do Novo Testamento quanto a ambos: modo, imersão e sujeitos, crentes. Não há nenhum registro de imersão ou aspersão de bebês, ou batismo intencional de descrentes no Novo Testamento. Neste distintivo Neotestamentário, os Batistas estão em oposição ao Protestantismo Ocidental e Oriental do Catolicismo, e Protestantismo tradicional.

Em terceiro lugar, uma membresia eclesiástica regenerada (ou uma membresia regenerada da igreja). Este é o distintivo de uma igreja verdadeira do Novo Testamento ou Evangélica, e necessariamente implica:

• Que a membresia da igreja é voluntária. Uma igreja que pratica a imersão ou aspersão de crianças e considera que a igreja seja composta tanto de crentes e seus filhos é em grande parte involuntária na membresia e estranha ao Novo Testamento.

• Que a adesão está vinculada a uma fé pessoal comum e interesse salvífico no Senhor Jesus Cristo como Senhor e Salvador (Atos 2:41-42, 47).

Em quarto lugar, o sacerdócio do crente individual. No contexto da Nova Aliança ou Testamento, não há nenhum sacerdote cerimonial ou mediador eclesiástico entre o crente e seu Senhor. Cada crente é “rei e sacerdote”, e tem acesso imediato a Deus por meio do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:1-3; 1 Timóteo 2:5; Hebreus 4:13-10:18; 1 Pedro 2:5,9; Apocalipse 1:6)2. O sacerdócio do crente está na relação mais estreita com a liberdade da alma ou liberdade de consciência.

Em quinto lugar, a autonomia da igreja local sob o senhorio de Jesus Cristo. A natureza autônoma ou de autogoverno de cada corpo [igreja] local de Cristo, pressupõe quatro realidades:

• Os termos Pastor, Ancião e Bispo todos designam o mesmo cargo na assembleia local3. Não há hierarquia eclesiástica, ou ofício da igreja que exista separado de ou para além da assembleia local.

• O Novo Testamento não ensina uma “sucessão apostólica”, portanto os Batistas não reconhecem nenhuma autoridade acima da assembleia local, exceto a do Senhorio de Jesus Cristo e de Sua Palavra escrita. Matias substituiu Judas para cumprir a Escritura profética (Atos 1:15-26), mas ninguém nunca jamais sucedeu os Apóstolos originais da era do Novo Testamento neste ofício.

• Não há nenhuma autoridade extrabíblica que governa além da assembleia local, tais como presbitérios, conselhos, sínodos, convenções denominacionais ou igrejas nacionais.

• O chamado “Concílio da Primeira Igreja”, realizado em Jerusalém em Atos 15, embora com a presença dos Apóstolos inspirados, foi na verdade uma conferência entre duas igrejas e não possuía nenhuma autoridade além do acordo dos Apóstolos que participaram.

Em sexto lugar, a liberdade da alma ou a liberdade de consciência. Somente a Palavra de Deus pode governar a consciência do crente. É estranho ao ensinamento do Novo Testamento prender a consciência pela tradição religiosa, decreto eclesiástico ou padrões denominacionais; ou tentar impor convicções religiosas por meio de autoridades civis. A disciplina da igreja, ou a exclusão da membresia e de seus privilégios, é a extremidade da ação da igreja.

Todos os distintivos Batistas derivam-se da Escrituras, predominantemente do Novo Testamento. Qualquer dada igreja é, portanto, uma igreja do Novo Testamento ou Evangélica na medida em que ela está de acordo com o Novo Testamento; por outro lado, na medida em que qualquer igreja se afasta do Novo Testamento, nessa medida ela deixa de ser uma igreja do Novo Testamento ou Evangélica.

I. SOLA SCRIPTURA: A ESSÊNCIA DA DOUTRINA E PRÁTICA BATISTA

O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA DO SOLA SCRIPTURA

O termo latino Sola Scriptura foi uma das características distintivas da Reforma Protestante. Significa “As Escrituras Somente”, e sinalizou o abandono Reformado da alegada infalibilidade papal e da autoridade da tradição Romana contidas nos escritos dos Pais da Igreja e da tradição oral. Tanto a Teologia Reformada e Batista reivindicam o princípio do Sola Scriptura ou a todo-suficiência das Escrituras como a única regra de fé e prática.

ESTA VERDADE É FUNDAMENTAL PARA TODOS OS DEMAIS DISTINTIVOS BATISTAS

Como Batistas, nós derivamos nossa distintividade das Escrituras, e especialmente do Novo Testamento, em consonância com o princípio da progressividade da revelação Divina. Este princípio sustenta a necessária peremptoriedade do Novo Testamento sobre o Antigo (Hebreus 10:1). A todo-suficiência das Escrituras é o fundamento ou contexto inspirado e autoritativo para todos os demais distintivos que caracterizam a nossa posição. C. H. Spurgeon declarou:

Tornei-me um Batista através da leitura do Novo Testamento… especialmente em grego… Se eu achasse errado ser um Batista, eu desistiria disso, e tornar-me-ia o que eu cria ser certo. A particular doutrina sustentada pelos Batistas é que eles não reconhecem nenhuma autoridade a menos que ela derive da Palavra de Deus4.

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

A autoridade das Escrituras deve, necessariamente, ser discutida no contexto de sua suficiência e de nossos distintivos Batistas. Se nós mantivermos a autossuficiência das Escrituras como a única regra de fé e prática, então devemos fazê-lo de forma inteligente e consistente, compreendendo a natureza e significado da autoridade bíblica.

Primeiramente, a Fonte da Autoridade Bíblica. A Bíblia não deriva a sua autoridade de seu conteúdo, da validade ou precisão de seus dados históricos, da singularidade do seu caráter, ou mesmo do testemunho interno do Espírito Santo (embora, todos os quais sejam vitais ou necessários). A autoridade da Escritura provém do próprio Deus. Ele é o Deus Autossuficiente, Autorrevelado que falou (Gênesis 1:1-3; Hebreus 1:1-3). A Bíblia é, por conseguinte, a própria Palavra de Deus escrita.

Em segundo lugar, o Significado Bíblico de Autoridade. A palavra autoridade deriva da latina auctor, que significa autor, originador, mestre. Ela conota o poder de comandar, exigir e receber submissão e obediência. Este termo carrega o status de supremacia e finalidade. A Bíblia como a Palavra de Deus escrita é a autoridade imutável e final tanto quanto a Palavra de Deus falada. Observe a frase: “Está escrito … γ?γραπται, perf. “Isso está escrito [com imutável autoridade e força]…”. Como a própria Palavra de Deus, a autoridade das Escrituras é:

• Necessária. A revelação natural (Deus revelado na criação, história e na natureza racional e moral do homem) é insuficiente, tanto para a humanidade não-caída e caída. Mesmo Adão não-caído, no estado de justiça primitiva, precisou da revelação especial ou da palavra de Deus falada diretamente a ele por um adequado conceito de realidade e dever (Cf. o mandato da criação, as ordens relativas à árvore do conhecimento do bem e do mal, e seu dever de cuidar do jardim do Éden, Cf. Gênesis 1:26-28; 2:15-25).

• Abrangente. Ela engloba necessariamente toda a vida e realidade. Não há nenhuma esfera da vida ou ação onde a Palavra de Deus não deva ser o nosso guia (Mateus 4:4; 1 Coríntios 10:31).

• Suprema. Porque esta Palavra deriva do próprio Deus, não há nenhuma autoridade superior, através da qual ela pode ser julgada ou padrão ao qual ela pode ser submetida! Ela é autoautenticada, inteligente e absoluta. Todos os outros critérios ou autoridades são subordinadas às (dependentes das) Escrituras. (Salmos 138:2; Isaías 46:9-11; Mateus 24:35; Hebreus 1:1-3).

Em terceiro lugar, há cinco termos essenciais necessariamente associados com a autoridade das Escrituras:

• Revelação. Deus somente pode ser conhecido conforme Ele tem o prazer de revelar-Se. Ele Se revelou na criação, ou seja, revelação natural (Salmos 19:1-6; Romanos 1:18-20), e em Sua Palavra, ou seja, revelação especial (Salmos 19:7-14; Hebreus 1:1-3; 2 Timóteo 3:16-17; 2 Pedro 1:20-21). Esta Palavra ou autorrevelação de Deus foi escrita, ou estabelecida em forma escrita. Deus é inteligente, não-contraditório e absoluto; assim é a Sua revelação, falada e escrita.

• Inspiração. (2 Timóteo 3:16, θε?πνευστος, literalmente, soprada por Deus). A autoridade bíblica repousa sobre a inspiração na medida em que a inspiração Divina nos deu a própria Palavra de Deus em forma escrita. Cf. também 2 Pedro 1:20-21.

• Infalibilidade. “Incapaz de erro ou engano”. A Bíblia é auto-consistente e não-contraditória. Ela reflete a inteligência ou a mente, bem como a natureza e o caráter do próprio Deus. Porque a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus, ela é autoritativa, e assim necessariamente infalível.

• Inerrância. “Livre de erro resultante quer de erro ou fraude”. Porque a Bíblia é a Palavra inspirada e definitiva de Deus, é infalível e inerrante.

• Canonicidade. Os termos cânon, canonicidade, são derivadas de καν?ν, e significam uma regra, medida ou padrão. Secundariamente, esses termos denotam o corpo da Verdade Divinamente inspirada — a Palavra de Deus escrita — as Escrituras.

O Cristianismo primitivo possuía as Escrituras judaicas, os escritos dos apóstolos e evangelistas, um grande corpo de tradição oral, e vários escritos de distinguidos como apócrifo e pseudográficos. A partir destes escritos do Cristianismo primitivo, com grande cuidado e por um padrão rigoroso (ou cânon), reconheceram [Eles não estabeleceram ou formaram] um determinado corpo de escritos como as Sagradas Escrituras ou a Palavra de Deus escrita. A Canonicidade, então, reconhece o corpo da verdade revelada escrita e distingue o falso do verdadeiro, o autoritativo do não-autoritativo.

CONCLUSÃO

A doutrina da Escritura somente — Sola Scriptura — como a única e suficiente regra de fé e prática é o grande distintivo Batista a partir do qual derivam todos os outros. Esta grande verdade se destaca como fundamental para todos os outros aspectos da verdade.

II. SOLA SCRIPTURA E O USO DE BOAS E NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS5

LÓGICA E TEOLOGIA

O uso da lógica para deduzir a verdade proposicional das Escrituras é tão antigo quanto a Teologia Cristã em si. A maioria dos estudiosos e teólogos Cristãos primitivos haviam sido educados como filósofos e assimilaram os seus princípios de raciocínio formal em sua metodologia teológica.

Alguns têm, ocasionalmente, protestado contra o uso da lógica dedutiva formal, convencidos de que isso resulta em uma forma de eisagesis, ou antes, illegitimate exegesis, ou seja, tanto lendo no ou derivando do texto da Escritura um significado que lhe é estranho ou forçado em sua conclusão. Esta atitude é conhecida como misologia, literalmente, uma aversão à lógica.

Esta misologia é particularmente evidente em alguns aspectos da teologia moderna e sua tendência em direção ao irracionalismo. A ênfase moderna é em grande parte existencial, ou orientada para a experiência. Isto não é verdade apenas quanto aos Carismáticos, Fundamentalistas e Neo-ortodoxos; isso tem feito a sua intrusão mesmo no pensamento Reformado moderno. Uma discussão sobre Sola Scriptura seria incompleta sem alguma referência ao pensamento lógico a partir das Escrituras.

UMA DISTINÇÃO HISTÓRICA ENTRE A TRADIÇÃO REFORMADA

E BATISTA NA DECLARAÇÃO E PRÁTICA

AS CONFISSÕES DE FÉ DE WESTMINSTER E BATISTA

A Primeira Confissão de Fé Batista de Londres foi escrita em 1644 e publicada em 1646. A Confissão de Fé de Westminster dos Presbiterianos foi impressa pela primeira vez em 7 de dezembro de 1646 e, posteriormente, publicada em 1647. A Primeira Confissão Batista de Londres, então, antecedeu a Confissão de Westminster e não foi, portanto, afetada por ela. A Segunda Confissão de Fé Batista de Londres foi escrita em 1677 e publicada em 1689. Ela é uma versão “Batista” da Confissão de Westminster. As maiores e mais conhecidas confissões Batistas subsequentes — a Confissão Batista de Filadélfia (1742) e a Confissão Batista de New Hampshire (1833) — foram influenciadas de forma significativa pela Confissão de Westminster6.

Embora as duas principais confissões Batistas posteriores a 1677 reflitam significativamente a Confissão de Westminster, elas não incluem a sua linguagem no que se refere à “boa e necessária consequência”, como indicado abaixo:

A Confissão de Westminster, Capítulo I, Artigo VI:

Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a Sua própria glória, a salvação do homem, fé e vida, ou é expressamente declarado na Escritura, ou por boa e necessária consequência pode ser deduzido a partir dela.

Compare isso com a Segunda Confissão Batista de Londres de 1689, Capítulo I, Artigo 6:

Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a Sua própria glória, a salvação do homem, fé e vida, ou é expressamente declarado ou necessariamente contido nas Sagradas Escrituras.

Note a alegada diferença entre a visão Reformada da “boa e necessária consequência” e a perspectiva Batista de “expressamente declarado ou necessariamente contido nas Escrituras”.

A APLICAÇÃO DESTE PRINCÍPIO NA CONTROVÉRSIA

Esta alegada diferença surgiu imediatamente na última parte do século XVII, o mesmo século quando estas Confissões foram formuladas. Observe as palavras do Dr. Kenneth Good7, que cita o historiador Batista Thomas Crosby:

Que a distinção acima tem validade histórica é corroborada por uma importante passagem de Thomas Crosby. Muitos debates públicos foram realizados na Inglaterra entre Batistas e Pedobatistas na última parte do século XVII, e Crosby registra alguns deles em detalhes. Em uma ocasião (22 de fevereiro de 1699) tal disputa foi realizada em Portsmouth, como ele diz: “entre os Presbiterianos e Batistas sobre o Batismo. No decurso do debate, as palavras deste são registradas, os Pedobatistas referem com repetição monótona as “consequências extraídas das Escrituras”, “boas consequências das Escrituras”, “por boa consequência”, “por consequência”, “a principal consequência”, “no mínimo, consequencial, é suficiente”, “Estas são as boas consequências, eu insisto”, “as boas consequências da comissão são suficientes”, “Sou a favor das consequências”, e “os sujeitos devem ser trazidos por consequências”.

Enquanto isso, os Batistas continuaram a insistir simplesmente sobre as Escrituras específicas, para as quais eles faziam o seu apelo e as quais eles frequentemente citaram8.

Esta situação parece apontar para uma grande diferença de abordagem da Escritura entre os Batistas e a tradição Reformada na área de “boas e necessárias consequências”, e implica que os Batistas eram mais bíblicos, neste ponto, sustentando a toda-suficiência da Escritura, enquanto a abordagem Reformada implicitamente negou isso pela adição da lógica humana. Dr. Good escreve: “Os Reformados falam sobre a suficiência, mas eles acrescentaram a teoria da ‘necessária consequência’” (Itálicos dele)9.

A TRADICIONAL ABORDAGEM REFORMADA PARA A “BOA E NECESSÁRIA CONSEQUÊNCIA”

O que os teólogos Reformados intencionam com “boa e necessária consequência”? Ao comentar estas palavras na Confissão de Westminster, os seguintes autores Reformados revelam a essência da “boa e necessária consequência”.

William Cunningham: “…inferências ou deduções das declarações escriturísticas para além do que está contido nas meras palavras da Escritura…”10.

A. A. Hodge: “…nada deve ser considerado como um artigo de fé …que não seja explícita ou implicitamente ensinado nas Escrituras”11.

B. B. Warfield: “…seja por afirmação literal ou por implicação necessária…”12.

A LEGITIMIDADE DA “BOA E NECESSÁRIA CONSEQUÊNCIA” E O PONTO DE DISCÓRDIA

QUATRO CONSIDERAÇÕES

Primeiramente, o uso do consistente pensamento lógica ou formal para deduzir declarações distintas da verdade das Escrituras é absolutamente essencial para qualquer abordagem consistente e sistemática de teologia, pregação ou aplicação da Escritura para as situações variadas de experiência Cristã.

Em segundo lugar, Abraão fundamentou-se a partir da Palavra falada de Deus e agiu com base neste raciocínio-pela-fé quando ele ofereceu Isaque sobre o altar (Hebreus 11:17-19)13. Observe como o nosso Senhor utilizou as ??”boas e necessárias consequências” e deduções da Escritura para estabelecer o princípio de fazer o bem no dia de Sabath (Mateus 12:9-13; Marcos 3:1-5). Note a mesma abordagem inspirada do apóstolo Paulo ao referir-se à questão do apoio financeiro aos ministros do Evangelho no uso do boi que era utilizado para debulhar o trigo e o agricultor que participava de sua colheita (1 Coríntios 9:6-14). Assim, temos exemplos inspirados de “boas e necessárias consequências”.

Em terceiro lugar, o uso de “boas e necessárias consequências” não é exclusivo da tradição Reformada. Os Batistas têm historicamente reconhecido o uso da lógica dedutiva a partir das Escrituras. Observe o teólogo e erudito Batista do século XVIII John Gill sobre a clareza da Escritura:

Nem está toda doutrina das Escrituras expressa em tantas palavras; como a doutrina da Trindade das pessoas na Divindade; a geração eterna do Filho de Deus; Sua encarnação, etc., mas, então, as próprias coisas significadas por elas são claras e simples; e existem termos e frases que respondem a estes; ou estes devem ser deduzidos a partir daí, por correta e necessária consequência14.

J. P. Boyce, teólogo Batista e fundador do primeiro seminário teológico Batista do Sul afirmou:

Estas constituem as fontes de nosso conhecimento de Teologia, as quais são duas: Razão e Revelação… A razão é este poder no homem que o habilita a ter percepções mentais, exercitar o pensamento e reflexão, conhecer fatos, investigar suas relações mútuas, e deduzir logicamente as conclusões que podem ser extraídas deles… A razão pode ser usada tanto com referência aos meios naturais ou sobrenaturais de conhecimento conferidos por Deus15.

A. H. Strong, outro teólogo Batista cuja Teologia Sistemática continua a ser uma obra de referência, escreveu:

As Escrituras [e]… seus ensinamentos, quando tomados em conjunto, de modo algum contradizem uma razão condicionada em sua atividade por afeições santas e iluminadas pelo Espírito de Deus (O ofício adequado da razão, neste grande sentido é estimar e reduzir a um sistema os fatos da revelação, quando estes têm sido encontrados devidamente atestados. Para deduzir a partir destes fatos as suas conclusões naturais e lógicas…”16.

Em quarto lugar, a posição Batista: “expressamente declarado ou necessariamente contido nas Sagradas Escrituras”, necessária e inescapavelmente implica a dedução de “consequências necessárias” à medida que a verdade da Escritura é examinada na teologia e aplicada à experiência.

A QUESTÃO BÁSICA

Alguns se opuseram ao princípio da “boa e necessária consequência” porque isso tem sido proeminente nas polêmicas entre as posições Reformada e Batista sobre o Batismo. A questão é verdadeiramente hermenêutica e relaciona-se a uma abordagem fundamental da Escritura.

O verdadeiro ponto de discórdia não é especificamente a “boa e necessária consequência”, mas a abordagem hermenêutica geral da tradição Reformada. As objeções de Batistas e outros contra a perseguição dos Batistas e outros Independentes pelas autoridades religiosas e civis, e a aspersão de bebês não são nem “boas” nem “necessárias” consequências deduzidas a partir da Escritura. Elas são, antes, as deduções de uma “mentalidade do Antigo Testamento”, que em grande parte vê o Novo Testamento como uma mera continuação do Antigo. Esta questão será analisada na próxima seção.

CONCLUSÃO

O raciocínio consistente a partir das Escrituras é essencial para toda a aplicação coerente. O uso adequado da “boa e necessária consequência” não é uma característica Reformada que milita contra a posição Batista da Sola Scriptura, mas é uma necessidade para a aplicação da verdade bíblica em teologia, pregação e experiência Cristã. A questão básica não é “a boa e necessária consequência”, mas uma “mentalidade do Antigo Testamento”, que, enquanto buscar manter a unidade da Escritura, não reconhece plenamente a sua natureza progressiva e a peremptoriedade do Novo Testamento.

III. SOLA SCRIPTURA E UMA HERMENÊUTICA BÍBLICA CONSISTENTE

O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA BÍBLICA

Hermenêutica ?ρμηνε?τικος, a partir de ?ρμηνευε?ν, “interpretar”17, é a ciência da interpretação e é o culminar da Teologia Exegética. Há duas questões básicas que a Teologia Exegética busca responder:

Primeiramente: “O que a Bíblia diz?” — Uma questão de leitura do texto. Esta questão está preocupada com questões como a crítica textual, passagens paralelas, o contexto maior e mais imediato. Esta leva em consideração uma exegese do texto no idioma original, o que inclui o significado lexical, histórico, cultural, e sintático das palavras e suas relações.

Em segundo lugar: “O que a Bíblia quer dizer?” — uma questão de interpretação. A hermenêutica é baseada na primeira pergunta e lida com esta segunda questão. Existe apenas uma interpretação possível e consistente, embora possa haver várias vias de aplicação18.

ABORDAGENS À INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Deve haver um esforço para formular uma hermenêutica consistente, ou seja, um sistema de interpretação19. A história do Cristianismo revela as seguintes tentativas:

Em primeiro lugar, o Alegórico ou Espiritual. Esta abordagem procura um significado mais profundo do que o uso literal ou comum e ordinário da língua (o usus loquendi). Qualquer método ou sistema está apenas na mente do intérprete. Tal alegorização da Escritura é necessariamente arbitrária, fantástica e muitas vezes irracional.

Esta abordagem começou com os gregos e seus escritos antigos. Entrou no Cristianismo primitivo através do judaísmo alexandrino, e especialmente pelos escritos de Philo, o judeu, que procurou sintetizar a filosofia grega e a religião hebraica alegorizando as Escrituras do Antigo Testamento. Esta abordagem tornou-se o método predominante de interpretação até à Reforma Protestante. Foi em grande parte uma tentativa dos primeiros Pais da Igreja para fazer do Antigo Testamento um “Livro Cristão” pela espiritualização, e assim confundiram a tipologia do Antigo Testamento com alegoria.

Farrar aponta a primeira instância nos escritos Patrísticos:

…Clemente de Roma [c. 90-100]. Este bispo antigo… é o primeiro… que dota Raabe com o dom da profecia, porque pelo cordão vermelho pendurado fora de sua janela, ela manifestou que a redenção deveria fluir pelo sangue do Senhor para todos os que creem e esperam em Deus. Como a fantasia pictórica de um pregador, tal ilustração seria inofensiva; mas quando isso é oferecido como a explicação de uma profecia real, esta é a primeira instância de alegoria forçada que, posteriormente, afetaria toda a vida da exegese Cristã20.

O desenvolvimento da abordagem alegórica pode ser observado em exemplos retirados dos Pais da Igreja, que, finalmente, a aplicaram ao Novo Testamento, bem como:

Clemente de Alexandria (c. 155-220) ensinou pelo menos cinco possíveis significados em qualquer dada passagem: (1) O sentido histórico, ou real e literal. (2) O sentido doutrinal ou moral, religioso e teológico. (3) O sentido profético, ou profético e tipológico. (4) O sentido filosófico, ou significado encontrado em objetos naturais e pessoas históricas, seguindo o método psicológico dos Estoicos. (5) O sentido místico, ou o simbolismo das verdades mais profundas. Um exemplo da abordagem da Escritura por Clemente é observado no seguinte:

…[Clemente] comentando sobre a proibição Mosaica de comer porco, gavião, águia e corvo, observa: “O porco é o emblema de desejo voluptuoso e impuro por comida… O gavião indica roubo; o falcão, a injustiça; e o corvo, a ganância.” …Clemente de Alexandria sustentou que as leis de Moisés continham um significado quádruplo: o natural, o místico, o moral e o profético21.

Orígenes (c. 155-254) declarou que, assim como a natureza do homem é composta de corpo, alma e espírito, deste modo as Escrituras possuem um correspondente sentido triplo: o literal, o moral e o espiritual.

Agostinho (354-430) “justificou a interpretação alegórica por uma ‘interpretação grosseira’ de 2 Coríntios 3:6. Ele fez isso significar que a interpretação espiritual ou alegórica era o verdadeiro significado da Bíblia; a interpretação literal mata”22. Ele foi forçado a tal abordagem por seus encontros polêmicos com os Maniqueístas e os Donatistas. Assim, ele justificou o uso da força por parte das autoridades civis para “obrigar” os dissidentes a retornarem à Igreja Católica por interpretar a parábola da grande ceia como a “Igreja” (cf. Lucas 14:16-24, esp. v. 23).

Tomás de Aquino (1224-1274) tipifica a abordagem Medieval:

O autor da Sagrada Escritura é Deus, em cujo poder está o significar o seu sentido, não apenas por palavras (como o homem também pode fazer), mas também pelas próprias coisas. Assim… que as coisas significadas pelas palavras têm, elas mesmas, também uma significação. Por isso, que a primeira significação pelas quais as palavras significam coisas pertence ao primeiro sentido, o histórico ou literal. Aquela significação em que as coisas significadas pelas palavras têm, elas mesmas, também uma significação é chamada de sentido espiritual, que é baseado no literal, e o pressupõe. Agora, este sentido espiritual tem uma tríplice divisão… o sentido alegórico… o sentido moral… o sentido anagógico. Uma vez que o sentido literal é o que o autor pretende, e posto que o autor da Sagrada Escritura é Deus, Quem por um ato compreende todas as coisas por Seu intelecto, não é impróprio, como diz Agostinho (Confissões XII), se, mesmo de acordo com o sentido literal, uma palavra na Sagrada Escritura deve ter vários sentidos23.

Em segundo lugar, o Místico. “Profundidades e tons variados de significado são procurados em cada palavra de Escritura”24. Esta abordagem não apenas caracterizou a maioria dos alegoristas, mas incluiu os místicos Medievais e tais posteriores escritores heréticos como Jakob Boehme (1575-1624) e Immanuel Swedenborg (1688-1772), com seu sentido triplo da Escritura: o natural ou literal, o espiritual e o celeste.

Em terceiro lugar, o Pietista ou Devocional. O Pietismo foi uma reação contra o Neoescolaticismo e o frio dogmatismo teológico que seguiu a Reforma Protestante. Ele aproximou-se da Escritura de uma forma muito prática e subjetiva para a edificação pessoal. Tal abordagem caracterizou o ministério e os escritos de homens como James Philip Spener, A. H. Francke de Halle, e grupos como os Morávios e Quakers. Alguns Pietistas e os Quakers alegavam ser guiados por uma “luz interior”, em sua interpretação das Escrituras — uma visão extrema de 1 João 2:20. Tal abordagem tendia à confusão, ao irracionalismo e a uma abordagem mística da Escritura.

Muito do assim chamado uso “devocional” moderno das Escrituras viola os princípios hermenêuticos básicos e consistentes, como um completo desrespeito da gramática ou do contexto das Escrituras. Por exemplo, Gênesis 31:49 é usado como uma bênção, quando na verdade foi um pacto entre dois enganadores que não confiavam um no outro, e assim chamaram a Deus para vigiar o outro! Outro exemplo, no Salmo 118:24 o indicativo “alegremo-nos” é alterado para o modo imperativo e dado como uma exortação. Se alguém muda a gramática da Escritura, ele necessariamente muda o significado, e assim fala ou escreve sem autoridade bíblica! Por exemplo, o Salmo 2:8 tem sido usado como um texto missionário, mas o contexto (vv. 6-9) refere-se ao reinado do Rei-Messias, que julgará as nações! Cuidado deve ser atenção para fazer a distinção absolutamente necessária entre interpretação e aplicação!

Em quarto lugar, o Liberal ou Modernista. Esta abordagem, que nega a inspiração das Escrituras, e reconstrói os conteúdos e ensinamentos da Bíblia sobre uma mera fundação naturalista, inclui o Racionalismo (As Escrituras abordadas pela razão humana sem necessidade quaisquer ajudas, com uma negação do sobrenatural. Isso é visto destrutivo e racionalista criticismo de tais homens como F. C. Baur e da escola Tübingen, Julius Wellhausen, e K. H. Graf, et. al.), Moral (A abordagem de Immanuel Kant, que considerou que as Escrituras foram dadas apenas por seu valor prático e moral), Místico (A verdade histórica da Escritura deve ser libertada dos alegados mitos e lendas, ou seja, de seu elemento sobrenatural. Esta é uma característica de tais estudiosos e racionalistas críticos como David Friedrich Strauss e Rudolf Bultmann) e a Teoria da Acomodação (o elemento sobrenatural era na verdade uma acomodação à natureza primitiva ou supersticiosa dos povos e as culturas da época. O autor deste tipo de abordagem racionalista era J. S. Semler)25.

Em quinto lugar, o Apologético, Polêmico ou Dogmático. Este é geralmente sinônimo do método “texto-prova” de interpretação, pelo qual várias passagens são afirmadas ensinar ou reforçar uma determinada opinião ou posição teológica. Tal abordagem pode ser facilmente observada em qualquer disputa religiosa a respeito do Cristianismo. É historicamente proeminente em tais controvérsias como os debates “heréticos” Romanistas da Idade Média, as disputas Romanistas-Protestantes do século XVI, os debates Calvinistas-Arminianos, as polêmicas controvérsias entre Pedobatistas e Batistas sobre o modo e sujeitos do Batismo, e as disputas entre evangélicos sobre o sistema de “apelo” ou de “chamada ao altar”, reavivamento e revivalismo, etc.

Em sexto lugar, o Neo-ortodoxo. As Escrituras são vistas como um registro ou uma testemunha da revelação Divina e não a própria revelação ou Palavra de Deus. Deus é encontrado em ou através das Escrituras em uma experiência de crise. De acordo com esta abordagem, as Escrituras não são nem a Palavra inspirada de Deus nem existe revelação proposicional na Escritura; Deus alegadamente revela de uma forma existencial26.

Em sétimo lugar, o Histórico-Gramático. Este é o único método válido, consistente e razoável de interpretação bíblica. É esta interpretação que é necessária por e em conformidade com as regras da gramática e os fatos da história. Esta é a interpretação de senso comum (ou seja, que adere ao princípio de usus loquendi). Ela não procura nenhum significado espiritual ou oculto a menos que isso se faça necessário na expressão figurativa, simbólica, idiomática ou típica de certa língua, cultura ou contexto histórico de certa passagem. Isso pressupõe que Deus nos deu a Sua revelação de uma forma inteligente e compreensível.

QUESTÕES HERMENÊUTICAS GERAIS

Dentro da abordagem adequada, consistente, gramatical e histórica há princípios gerais de interpretação:

• A clareza da Escritura ou a analogia da fé, ou seja, a Escritura interpreta a Escritura. As passagens mais obscuras são compreendidas por passagens mais claras, pressupondo que as Escrituras, visto que são a própria Palavra de Deus escrita, não são autocontraditórias, mas complementares.

• O contexto textual, histórico, teológico, cultural e psicológico deve ser determinado para uma interpretação precisa de qualquer passagem.

• Dentro de qualquer passagem, as palavras devem ser estudadas tanto lexicalmente (quanto aos seus significados básicos e significados posteriormente derivados) e sintaticamente (ou seja, à medida que ocorrem em um determinado contexto). As palavras devem ser tomadas em seu sentido literal ou senso e uso comum (usus loquendi) a menos que elas tenham alguma conotação figurativa ou idiomática.

• O uso de linguagem figurada — tipos, símbolos, figuras de linguagem, referências poéticas, parabólicas, e proféticas — deve ser considerado no contexto imediato e no contexto mais amplo de toda a Escritura, cultura e história.

Mesmo no método histórico-gramatical, existem certas tendências a serem evitadas: Por exemplo, aquele da tradicional Teologia Pactual [Pedobatista] Reformada, que tende a obliterar as distinções entre o Antigo Testamento, ou Aliança e o Novo; e aquele da hermenêutica Dispensacionalista que tende a divorciar o Antigo Testamento ou Aliança do Novo sem a devida consideração de sua unidade. Nossa hermenêutica, portanto, determina toda a nossa abordagem para a compreensão da Bíblia27.

A HERMENÊUTICA DO CATOLICISMO ROMANO E DA IGREJA ORTODOXA28

CATOLICISMO ROMANO

A Igreja de Roma tem três fontes de autoridade, em vez de uma clara posição Sola Scriptura: as Escrituras, a Tradição e a Igreja. O Catolicismo considera os livros apócrifos (O Antigo Testamento Apócrifo contém 14 a 15 livros) como sendo parte do cânon inspirado das Escrituras, descansando em algumas passagens neles que reforçam os seus ensinamentos peculiares. A Tradição é constituída pelos escritos dos Pais da Igreja, Concílios da Igreja, e vários decretos papais. A autoridade da Igreja descansa em sua reivindicação da infalibilidade papal em todos os assuntos de fé e prática. É a Igreja somente que reserva a si o direito exclusivo de interpretar as Escrituras no contexto de seus próprios dogmas peculiares e tradição29.

A IGREJA ORTODOXA

Isso refere-se à Igreja Católica Oriental ou Igreja Ortodoxa Grega. Não há uma posição clara de Sola Scriptura. Enquanto as Escrituras são tidas em alta consideração, elas são necessariamente interpretadas no contexto da mente da Igreja, em vez da adesão individual. Grande autoridade é dada para os Pais da Igreja grega e Pais Espirituais, ou padres e bispos, para a interpretação da Escritura e sua aplicação à vida30.

A TRADIÇÃO REFORMADA PROTESTANTE

E UMA “MENTALIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO”

Existem duas perspectivas ou abordagens básicas para as Escrituras dentro do Cristianismo Evangélico e Reformado: Uma “perspectiva do Antigo Testamento” que se posiciona no Antigo Testamento como a norma e vê o Novo Testamento através dos “olhos do Antigo Testamento”. Há, semelhantemente, uma “perspectiva do Novo testamento” que se posiciona no Novo Testamento como a norma e vê o Antigo Testamento através dos “olhos do Novo Testamento”. A especificidade da perspectiva determina em grande parte a interpretação da Escritura e sua subsequente aplicação à vida; a natureza e o caráter da igreja quanto ao seu governo, o seu papel na sociedade, membresia, Ordenanças, disciplina, culto e até mesmo a arquitetura; chegando até mesmo à própria natureza da salvação e da experiência Cristã.

A tradição Reformada possui uma perspectiva Verotestamentária, ou uma “mentalidade do Antigo Testamento” em sua abordagem da Escritura. A unidade da aliança é sustentada de tal forma que o Novo Testamento é amplamente visto como uma mera continuação do Antigo Testamento.

O conceito Reformado de igreja é amplamente aquele do povo de Israel da aliança do Antigo Testamento. A tendência tem sido para as igrejas estaduais ou nacionais. Tem havido historicamente uma dependência das autoridades civis imporem a disciplina da igreja com punição corporal e capital. Foi essa “mentalidade do Antigo Testamento” que formou a base dos infames “Julgamentos das Bruxas de Salem” (1691-1692) em que trinta e duas pessoas foram executadas por serem “bruxas”, conforme Êxodo 22:18. As congregações são compostas de crentes e de seus filhos. Os ritos e rituais do Antigo Testamento são simplesmente substituídos pelos ritos e rituais do Novo, por exemplo, a circuncisão é substituída pela aspersão infantil, e a Páscoa pela Ceia do Senhor.

Esta “mentalidade do Antigo Testamento” é a fonte do argumento para aspersão infantil e questões semelhantes, não a “necessária consequência”, pois aspersão infantil não é nem uma “boa” nem uma “necessária consequência” deduzida a partir das Escrituras! Isso é mais uma ideia tradicional importada para a Escritura a partir da Tradição Romana e um processo de discussão “da aliança” no contexto de uma “mentalidade do Antigo Testamento”.

A ABORDAGEM BATISTA BÍBLICA E HISTÓRICA DAS ESCRITURAS

A posição Batista é aquela de uma perspectiva do Novo Testamento ou uma “mentalidade do Novo Testamento”. Nós permanecemos no Novo Testamento e consideramos o Antigo Testamento através dos “olhos do Novo Testamento”, dando o lugar adequado para o princípio progressivo da revelação Divina e fazendo as necessárias distinções entre a natureza preparatória da Antiga Aliança e a peremptoriedade da Nova. Nós sustentamos tanto a necessária unidade quanto diversidade das alianças, nem obliterando distinções necessárias, e nem desnecessariamente separando o Novo Testamento do Antigo.

Nós vemos a salvação como estritamente pessoal, totalmente pela livre e soberana graça somente, como a obra em que Deus manifesta Seu propósito redentor eterno (Romanos 8:28-31; Efésios 1:3-14). A salvação não está relacionada a qualquer descendência natural, ou igreja e relação de aliança estabelecida por relação natural ou aspersão infantil. A salvação é uma questão individual em que há uma convicção de pecado operada pelo Espírito; uma fé, dada por Deus, consciente e pessoal em Jesus Cristo como Senhor e Salvador, e uma consciente conversão do pecado em arrependimento (João 1:12-13; 3:16; Atos 2:36-42; 17:30-31; Romanos 3:21-26; Efésios 2:1-10).

A circuncisão como sinal da aliança foi substituída, não pelo “batismo” de qualquer tipo, mas por um ato soberano de Deus, uma espiritual “circuncisão do coração”, ou seja, a regeneração (Romanos 2:28-29; Colossenses 2:10-13). Assim como a circuncisão era o sinal pactual da Antiga aliança para o Israel físico ou nacional, deste modo, a “circuncisão espiritual”, ou regeneração é o sinal pactual da Nova ou Evangélica Aliança para os crentes, ou “Israel espiritual”. O Batismo é claramente uma Ordenança do Novo Testamento. Seu modo é a imersão e seus sujeitos são os que manifestam uma profissão de fé credível, segundo o padrão do Novo Testamento31.

A Ceia do Senhor não é o cumprimento da Páscoa. A Festa da Páscoa encontrou seu cumprimento no Senhor Jesus Cristo (1 Coríntios 5:7). A Ceia do Senhor é uma Ordenança distintamente Neotestamentária centrada na pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. Ela deve ser observada “em memória” dEle. Os elementos são pão ázimo e vinho. O vinho é um símbolo de alegria (Salmo 104:15). As “ervas amargas” da Páscoa, que deveriam fazer com que os israelitas lembrassem de seu amargo cativeiro no Egito não têm lugar na lembrança de nosso Redentor e Sua gloriosa realização!

Nós vemos a Igreja como uma nova entidade distintamente estabelecida como a instituição ordenada por Deus para a Nova ou Evangélica Aliança, não uma instituição do Antigo Testamento transferida para o Novo (Efésios 3:5-10). A igreja do Novo Testamento é uma assembleia local, independente e autônoma sob o senhorio de Jesus Cristo, um corpo declaradamente regenerado no meio de uma sociedade composta, não uma instituição monolítica em que há uma religião para a comunidade. Além disso, a igreja exerce a sua própria disciplina à parte da autoridade civil, e a máxima extensão de tal disciplina é a remoção da membresia, não a punição corporal ou capital infligida pelas autoridades civis.

É a partir dessa perspectiva do Novo Testamento, que a “boa e necessária consequência” ou o que é “necessariamente contido na Sagrada Escritura” pode ser deduzido consistentemente.

CONCLUSÃO

O único método adequado de interpretação bíblica é aquele único que lida de forma consistente com as regras comuns da gramática e com os fatos da história. Em um sentido inclusivo, a única abordagem coerente é aquela que considera o princípio da revelação progressiva, compreendendo corretamente a natureza preparatória do Antigo Testamento e a finalidade do Novo.

A bíblica e histórica posição Batista pode ser caracterizada como uma “mentalidade do Novo Testamento” que correta e consistentemente compreende o princípio da revelação progressiva.

Enquanto nós estamos dispostos a manter as nossas convicções bíblicas e defender os nossos distintivos Neotestamentários como Batistas, reconhecemos os nossos irmãos Reformados como crentes e coerdeiros das alianças da promessa. Nós buscamos possuir uma catolicidade de espírito para com todos os verdadeiros crentes no vínculo comum do Evangelho e da redenção gloriosa que há em Cristo Jesus, mas as nossas convicções derivam das Escrituras segundo o padrão do Novo Testamento de nosso Senhor e dos Apóstolos inspirados, e entendemos que a comunhão mais próxima floresce no contexto da verdade.

Sola Scriptura • Scriptura Mensura


[1] Há um termo usado no Novo Testamento para o Batismo: baptize?n, que denota a mergulhar, submergir, imergir, ou lavar por imersão. Ela deriva da raiz βα?, que conota profundidade. Se os escritores inspirados do Novo Testamento desejassem transmitir a ideia de aspersão, eles teriam usado o termo comum no Novo Testamento para aspergir, ?antizε?n. Para uma discussão mais extensa, veja a nota 31.

[2] Cf. Hebreus 5:5-6; 6:20; 7:1-25 para a perenidade ou a natureza eterna do sacerdócio do Senhor Jesus Cristo. Cf. especialmente 7:23-25. “Imutável” é ?παρ?βατον, lit.: “inviolável, intransponível”. Nenhum sacerdote Romanista, Mórmon, Judeu ou Protestante pode transpassar o sacerdócio em que nosso Senhor se mantém.

[3] “Pastor” (ποιμ?ν – poimén – pastor) e “Bispo” (?π?σκοπος – episkopos – supervisor, quem exerce a supervisão) ambos se referem ao trabalho do ministério do Evangelho — aquele de pastorear ou supervisionar a assembleia local ou rebanho de Cristo. “Ancião” (πρεσβ?τερος – presbuteros –, tem a conotação primária de “envelhecido”, depois da maturidade, categoria de senioridade, ou uma posição de responsabilidade). “Servo” (δι?κονος – diakonos – mais utilizado em relação a pastores do que para diáconos no Novo Testamento). (?πηρ?της, huperetes, ministro). (ο?κον?μος – oikonomos –, administrador, mordomo). Esses termos são usados ??como sinônimos no Novo Testamento para o ofício ministerial dentro da igreja local (Atos 20:17, 28; 1 ??Timóteo 3:1-7; Tito 1:5-9).

[4] C. H. Spurgeon, Autobiografia. Banner of Truth. Ed. I, pp. 148, 152.

[5] Há alguns anos, ministrei uma palestra sobre o assunto que se tornou o catalisador para um estudo mais aprofundado e um artigo por nosso irmão, Michael Czapkay, um membro de nossa assembleia e um Mestrado em Filosofia na Universidade de Oxford, e agora (1995) um tutor lá e trabalhando em direção a seu Doutorado em Filosofia. Devo muito ao irmão Czapkay por suas pesquisas e conclusões adicionais sobre a lógica e o irracionalismo ou misologia [ódio à lógica] que geralmente caracterizam a teologia moderna e o uso de necessárias consequências. Para mais referências veja a monografia de Michael Czapkay: “Are Baptists Irrational? An Examination and Defense of the Role of Logic in Calvinistic Baptist Theology” [São os Batistas Irracionais? Um Exame e Defesa da Função da Lógica na Teologia Calvinista Batista]. Uma resposta à rejeição da teoria Reformada da “necessária consequência” no livro, “Are Baptists Reformed?” [São os Batistas Reformados?], pelo Dr. Kenneth Good. Esta monografia de 140 pp. ganhou o prêmio Clark e, está disponível através da Fundação Trinity, PO Box 1666, Hobbs, Novo México 88240.

[6] Cf. As seguintes obras para as Confissões, suas diferenças doutrinárias, sua interdependência, e as datas de suas respectivas publicações, etc.: William L. Lumpkin, Baptist Confessions of Faith [Confissões de Fé Batista]. Filadélfia: The Judson Press, 1959; W. J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith [Confissões de Fé Batista]. Filadélfia: American Baptist Publication Society, 1912; Alexander Mitchell, The Westminster Assembly: Its History and Standards [A Assembleia de Westminster: Sua História e Padrões]. Edmonton, Alb: Still Waters Revival Books, 1992; Philip Schaff, The Creeds of Christendom [Os Credos da Cristandade]. Grand Rapids: Baker Book House, 3 vols.; B. B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work [A Assembléia de Westminster e Seus Trabalhos]. Grand Rapids: Baker Book House, 1981.

[7] Apesar de discordarmos do falecido Dr. Kenneth Good nesta questão da “boa e necessária consequência”, nós o estimamos como um bom amigo e querido Irmão em Cristo com quem tivemos comunhão e o maior acordo nas áreas da soteriologia e eclesiologia.

[8] Dr. Kenneth H. Good, Are Baptists Reformed? p. 109. Dr. Good citado a partir de Thomas Crosby, The History of the Baptists, III, pp. 314-353.

[9] Ibid., p. 105.

[10] William Cunningham, The Reformers and the Theology of the Reformation, p. 526.

[11] A. A. Hodge, The Confession of Faith, p. 39.

[12] B. B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work, p. 226.

[13] Cf. Hebreus 11:17-19. Deus disse a Abraão que sua posteridade e o cumprimento da promessa da aliança viria através de Isaque (Gênesis 17:5-7, 15-19). Posteriormente, Deus ordenou que Abraão sacrificasse Isaque (Gênesis 22:1-18). Hebreus 11:17-19 afirma que Abraão fundamentou (logicamente, de forma inteligente) que Deus ressuscitaria Isaque dentre os mortos para cumprir a promessa (λογισ?μενος ?τι κα? ?κ νεκρ?ν ?γε?ρειν δυνατ?ς ? θε?ς [Hebreus 11:19]).

[14] John Gill, Body of Divinity, p. 21.

[15] J. P. Boyce, Abstract of Systematic Theology, p. 46.

[16] A. H. Strong, Systematic Theology, p. 29.

[17] ?ρμενε?τικος é derivado de Hermes, o deus da mitologia grega que servia como um arauto e mensageiro para os outros deuses.

[18] Parece antes ser uma falha comum do púlpito que seja feita pouca ou nenhuma distinção entre interpretação e aplicação. Assim, muitos amiúde são levados a pensar que a aplicação é a interpretação.

[19] Para uma discussão completa sobre a história da interpretação e as várias abordagens, cf. As seguintes obras: Louis Berkhof, Principles of Biblical Interpretation [Princípios de Interpretação Bíblica]. Grand Rapids: Baker Book House, 1969, pp 19-39.; F. W. Farrar, History of Interpretation [História da Interpretação]. Grand Rapids: Baker Book House, 1961. 553 pp.; A. Berkley Mickelsen, Interpreting the Bible [Interpretando a Bíblia]. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1966, pp 20-53; Bernard Ramm. Protestant Biblical Interpretation [A Intrepretação Bíblica Protestante]. Grand Rapids: Baker Book House, 1969. pp 23-84; Milton S. Terry, Biblical Hermeneutics [Hermenêutica Bíblica]. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1964. pp 163-174.

[20] F. W. Farrar, Op. Cit., p. 166.

[21] Milton S. Terry, Op. Cit., pp. 163-164.

[22] Bernard Ramm, Op. cit., p. 35.

[23] Tomás de Aquino, Summa Theologica, Parte 1, Questão 1, Artigo 10.

[24] Milton S. Terry, Loc. cit.

[25] Para uma discussão sobre o assunto de Crítica Bíblica, a influência e os princípios do assim chamado racionalismo ou “Crítica Destrutiva Superior”, veja: Wick Broomall, Biblical Criticism [Criticismo Bíblico]. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1957; Jerry Wayne Brown, The Rise of Biblical Criticism in America 1800–1870: The New England Scholars [A Ascensão do Criticismo Bíblico na América 1800–1870: Os Estudiosos da Nova Inglaterra]. Middletown, CN: Wesleyan University Press, 1969; Louis Gaussen, Theopneustia, or The Divine Inspiration of the Scriptures [Theopneustia, ou A Divina Inspiração das Escrituras]. Grand Rapids: Kregel reimpresso da ed. de 1841; R. Laird Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible [Inpiração e Canonicidade da Bíblia]. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1957; Carl. F. H. Henry, Ed., Revelation and the Bible [Revelação e a Bíblia]. Grand Rapids: Baker Book House, 1958. Um estudo mais aprofundado pode ser feito nas várias introduções gerais à Bíblia, como as obras de H. S. Miller, Geisler e Nix, e a obra em vários volumes por Thomas Hartwell Horne. Muita informação valiosa também pode ser obtida a partir das muitas introduções críticas ao Antigo e Novo Testamentos. Cf. Introduções ao Antigo Testamento por estudiosos como Gleason L. Archer, Jr., William Henry Green, R. K. Harrison, Merrill F. Unger e Edward J. Young; e as introduções ao Novo Testamento por estudiosos como Everett F. Harrison, Donald Guthrie, J. Gresham Machen, Henry C. Thiessen and Theodor Zahn.

[26] Cf. as obras de R. Laird Harris e Carl F. H. Henry na nota 25.

[27] Os Batistas têm feito historicamente o que nós acreditamos ser necessárias distinções tanto da unidade e diversidade das alianças bíblicas (plural). Teológica e historicamente, temos sustentado o Pacto Eterno da redenção e da graça ou o propósito redentor Divino na eleição e predestinação. A Teologia Pactual Reformada sustenta a unidade da aliança Abraâmica (singular) de tal forma que ela nega, em grande medida, a diversidade. O Dispensacionalismo, por divorciar completamente o Novo Testamento ou Aliança do Antigo, é caracterizado por um antinomianismo inerente à sua negação da relevância da lei de Deus como expressão de Sua Auto-consistência moral.

[28] A declaração de 2 Pedro 1:20-21 que “nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” não significa que o indivíduo não tem o direito de interpretar as Escrituras para si mesmo, como o Católico Romano e Ortodoxo supõe. A força do texto e contexto é que a Palavra de Deus não se originou dentro da personali-dade ou da vontade do profeta, mas veio do Espírito Santo. 20 το?το πρ?τον γιν?σκοντες, ?τι π?σα προφητε?α γραφ?ς ?δ?ας ?πιλ?σεως ο? γ?νεται. 21 ο? γ?ρ θελ?ματι ?νθρ?που ?ν?χθη προφητε?α ποτ?, ?λλ? ?π? Πνε?ματος ?γ?ου φερ?μενοι ?λ?λησαν ?π? Θεο? ?νθρωποι.

[29] Cf. Loraine Boettner, Roman Catholicism [Catolicismo Romano]: Philadelphia: Presbyterian & Reformed Publishing Company, 1962., pp. 75–103; 235–253; Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma [Fundamentos do Dogma Católico]. Rockford, IL.: Tan Books and Publishers, 1974, 544 pp.

[30] Bispo Kallistos Ware, The Orthodox Way [O Caminho Ortodoxo], Crestwood, NJ.: St. Valdimir Seminary Press, 1993, pp 130, 146-149, 162.

[31] O argumento Reformado tradicional a partir de Romanos 4:9-12 de que, como a circuncisão era um “sinal ou selo do pacto”, assim é a aspersão infantil, na verdade ignora tanto a declaração de Romanos 4:9-12 e o contexto de Gênesis 17, que descreve a instituição da circuncisão como um símbolo ou sinal da aliança. Em Romanos 4:9-12, o sujeito é Abraão, que foi circuncidado como um crente. A circuncisão era para ele, e somente para ele, o “selo da justiça da fé quando estava na incircuncisão”. Em Gênesis 17 Abraão é ordenado a circuncidar todos os homens como um “sinal” da aliança. Essa aliança teve relação com a posse da terra de Canaã, e não com as promessas eternas da salvação (cf. vv. 7-10). Além disso, Abraão circuncidou Ismael (vv. 25-27), a quem ele já sabia que não estava incluído no pacto da promessa (vv. 15-21). O pacto da promessa (Gênesis 12:1-3), como ampliado em Romanos 4:13-25, 9:1–11:32 e Gálatas 3:1-29 foi feita para filhos espirituais de Abraão (τ?κνα ?βρα?μ — João 8:39). O pacto da circuncisão, tendo relação com a terra de Canaã, foi feito à descendência física de Abraão (σπ?ρμα ?βρα?μ — João 8:33, 37).

Toda a questão da imersão ou aspersão, lactentes ou crentes, pode ser mais estudada nas seguintes obras: Alexander Carson, Baptism: Its Mode and Its Subjects [Batismo: Seu modo e Sujeitos]. Evansville, IN: The Sovereign Grace Book Club, n.d., 237 pp.; T. J. Conant, The Meaning and Use of Baptizein [O signifixado e o Uso de Baptizein]. Grand Rapids: Kregel Publications, 1977. 192 pp.; R. B. C. Howell, The Evils of Infant Baptism [Os Males do Batismo Infantil]. Watertown, WI: Baptist Heritage Press, 1988. 310 pp.; W. A. Jarrell, Baptizo–Dip–Only [Baptizo-Imersão-Somente]. Splendora, TX: V. C. Mayes, 1978. 113 pp.; Paul K. Jewett, Infant Baptism and the Covenant of Grace [O Batismo Infantil e o Pacto da Graça]. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1980. 254 pp.