[Apêndice IV do livro, A Soberania de Deus]
Há uma passagem, mais do que qualquer outra, que é usada por aqueles que acreditam na redenção universal e que, à primeira vista, parece ensinar que Cristo morreu por toda a raça humana. Decidimos, portanto, dar-lhe um exame detalhado e uma exposição.
“E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1 João 2:2). Esta é a passagem que, aparentemente, muito favorece a visão Arminiana sobre a Expiação, mas se ela for considerada atentamente, será visto que ela aparentemente serve, mas não na realidade. Abaixo, oferecemos uma série de provas conclusivas para mostrar que este verso não ensina que Cristo foi propiciação a Deus em nome de todos os pecados de todos os homens.
Em primeiro lugar, o fato deste verso iniciar com “e” necessariamente liga-o com o que veio antes. Nós, portanto, apresentamos uma palavra literal para a tradução da palavra “mundo” de 1 João 2:1 da interlinear de Bagster: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar, um Paráclito temos com o Pai, Jesus Cristo (o) justo”. Assim, é visto que o apóstolo João está aqui escrevendo para e sobre os santos de Deus. Seu propósito imediato era duplo: primeiro, o de comunicar uma mensagem que iria distanciar os filhos de Deus da prática do pecado; segundo, fornecer conforto e segurança para aqueles que viessem a pecar, e, em consequência, serem abatidos e ficarem com medo de que isto fosse fatal. Ele, portanto, dá a conhecer a eles a disposição que Deus tem dado ao tipo de emergência desse tipo. Isto encontramos no final de v. 1 e ao longo do v. 2. O fundamento do conforto tem dois pontos: fazer com que o crente abatido e arrependido (1 João 1:9) tenha certeza de que, primeiro, ele tem um “Advogado junto ao Pai”; em segundo lugar, que este Advogado é “a propiciação pelos nossos pecados”. Agora, somente os crentes podem tomar conforto disto, porque somente eles têm um “Advogado”, porque somente para eles que Cristo é a propiciação, como é provado pelo elo de Propiciação (“e”) com “o Advogado”!
Em segundo lugar, se outras passagens no Novo Testamento que falam de “propiciação” forem comparadas com 1 João 2:2, será descoberto que ela é estritamente limitada em seu alcance. Por exemplo, em Romanos 3:25 lemos que Deus apresentou Cristo “como propiciação, mediante a fé em Seu sangue”. Se Cristo é a propiciação “pela fé”, então Ele não é uma “propiciação” para aqueles que não têm fé! Novamente, em Hebreus 2:17 lemos: “Para fazer propiciação pelos pecados do povo” (Hebreus 2:17).
Em terceiro lugar, a quem se refere quando João diz: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados”? Nós respondemos: os crentes judeus. E uma parte da prova sobre a qual baseamos esta afirmação nós agora a submeteremos à cuidadosa atenção do leitor.
Em Gálatas 2:9 somos informados que João, junto com Tiago e Cefas, eram apóstolos “da circuncisão” (isto é, Israel). De acordo com isto, a Epístola de Tiago é endereçada às “doze tribos, que estavam dispersas” (1:1). Assim, a primeira Epístola de Pedro é endereçada aos “eleitos que são peregrinos da Dispersão” (1 Pedro 1:1). E João também está escrevendo para Israelitas salvos, antes de para judeus e gentios salvos.
Algumas evidências de que João está escrevendo para judeus salvos são as seguintes:
(a) Na abertura do verso ele fala de Cristo, “o qual vimos com os nossos olhos…. e as nossas mãos apalparam”. Quão impossível seria para o Apóstolo Paulo ter iniciado qualquer uma de suas epístolas aos santos gentios com tal linguagem!
(b) “Irmãos, não vos escrevo mandamento novo, mas o mandamento antigo, que desde o princípio tivestes” (1 João 2:7). O “princípio” aqui referido é o começo da manifestação pública de Cristo — para prova, compare 1:1; 2:13, etc. O apóstolo nos diz que agora esses crentes tinham o “mandamento antigo” desde o início. Isto era verdade para crentes judeus, mas não era verdade para os crentes gentios.
(c) “Pais, escrevo-vos, porque conhecestes aquele que é desde o princípio” (2:13). Aqui, novamente, fica evidente que são os crentes judeus é que estão em vista.
(d) “Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora. Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós” (2:18-19). Esses irmãos para quem João escreveu, tinham “ouvido” do próprio Cristo que o Anticristo viria (veja Mateus 24). Os “muitos anticristos” sobre quem João declara “saíram de nós”, eram todos judeus, pois, durante o primeiro século ninguém senão um judeu apresentou-se como o Messias. Portanto, quando João diz: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados” ele só pode ter se referido aos pecados dos crentes judeus.*
Em quarto lugar, quando João acrescentou: “E não somente pelos nossos, mas também pelo mundo inteiro”, ele anuncia que Cristo foi a propiciação pelos pecados dos crentes gentios também, pois, como demonstrado anteriormente, “o mundo” é um termo contrastado com Israel. Esta interpretação é inequivocamente estabelecida por uma comparação cuidadosa de 1 João 2:2 com João 11:51-52, que é uma passagem estritamente paralela: “Ora ele não disse isto de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos”. Aqui Caifás, sob inspiração, deu a conhecer por quem Jesus iria “morrer”. Observe agora a correspondência desta profecia com esta declaração de João:
“Ele é a propiciação pelos nossos (os crentes israelitas) pecados”. “Profetizou que Jesus deveria morrer pela nação”.
“E não somente pelos nossos”. “E não somente pela nação”.
“Mas também pelos de todo o mundo” — isto é, crentes gentios espalhados por toda a terra. “Mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos”.
Em quinto lugar, a interpretação acima é confirmada pelo fato de que nenhuma outra é consistente ou inteligível. Se o “todo o mundo” significa toda a raça humana, então a primeira cláusula e o “também” na segunda cláusula são absolutamente sem sentido. Se Cristo é a propiciação por todos, seria uma tautologia (redundância) ociosa dizer, primeiro, “Ele é a propiciação pelos nossos pecados e também por todos”. Não deve haver “também” se Ele é a propiciação por toda a família humana. Tivesse o apóstolo o intuito de afirmar que Cristo é a propiciação universal, ele teria omitido a primeira cláusula do v. 2, e simplesmente dito: “Ele é a propiciação pelos pecados do mundo inteiro”. Confirmando com “não pelos nossos (crentes judeus) somente, mas também pelo mundo inteiro — crentes gentios, também; compare João 10:16; 17:20.
Em sexto lugar, nossa definição de “todo o mundo” está em perfeito acordo com outras passagens do Novo Testamento. Por exemplo: “da qual já antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que já chegou a vós, como também está em todo o mundo; e já vai frutificando, como também entre vós, desde o dia em que ouvistes e conhecestes a graça de Deus em verdade” (Colossenses 1:5-6). Será que “todo o mundo” aqui significa, absoluta e deliberadamente toda a humanidade? Havia toda a família humana ouvido o Evangelho? Não. O significado óbvio do apóstolo é que o Evangelho, em vez de ser estar confinado apenas à terra da Judéia, havia ido para o exterior, sem restrições, para as terras dos gentios. Assim como em Romanos 1:8: “Primeiramente dou graças ao meu Deus por Jesus Cristo, acerca de vós todos, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé”. O apóstolo está aqui se referindo à fé daqueles santos Romanos sendo anunciada em uma forma de elogio. Mas certamente toda humanidade não havia falado da fé deles! Era todo o mundo dos crentes que ele estava se referindo! Em Apocalipse 12:9 lemos de Satanás “que engana todo o mundo”. Mas novamente esta expressão não pode ser entendida como sendo universal, porque Mateus 24:24 nos diz que Satanás não tem conseguido e não pode “enganar” os eleitos de Deus. Esta passagem de apocalipse refere-se a “todo o mundo” dos incrédulos.
Em sétimo lugar, insistir que “todo o mundo” em 1 João 2:2 significa toda a raça humana é minar os próprios fundamentos da nossa fé. Se Cristo é a propiciação para aqueles que estão perdidos tanto quanto para aqueles que são salvos, então que segurança temos de que os crentes também não estejam perdidos? Se Cristo é a propiciação para aqueles que estão agora no inferno, que garantia há que eu mesmo não possa terminar no inferno? O derramamento de sangue do Filho de Deus encarnado é a única coisa que pode livrar qualquer um do inferno e se muitos pelos quais este precioso sangue fez propiciação estão agora no terrível lugar dos condenados, então pode ser que este sangue se prove ineficaz para mim! Fora com um pensamento tão desonroso para com Deus.
Mesmo que os homens tentem deturpar e torcer as Escrituras, uma coisa é certa: A Expiação não falhou. Deus não vai permitir que o caro e precioso sacrifício falhe em cumprir, completamente, o que ele foi designado para efetuar. Nem uma gota deste santo sangue foi derramado em vão. No último grande Dia não subsistirá um Salvador desapontado e derrotado, mas Aquele que “verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito” (Isaías 53:11). Estas não são nossas palavras, mas a infalível asserção dAquele, que declara: “O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:10). Sobre esta rocha inabalável nós nos firmamos. Deixe que os outros descansem nas areias da especulação humana e teorização do século XX, se assim desejam. Isto é da conta deles. Mas, a Deus, eles ainda terão que prestar contas. De nossa parte, preferimos ser considerados de mente estreita, antiquados, hiper-Calvinistas, do que sermos encontrados repudiando a verdade de Deus em reduzir a eficácia Divina da expiação à uma mera ficção.
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* É verdade que muitas coisas na Epístola de João se aplicam-se igualmente aos crentes judeus e gentios. Cristo é o Advogado de um, tanto quanto do outro. O mesmo pode ser dito de muitas coisas na Epístola de Tiago que é também uma epístola universal ou geral, embora expressamente endereçada às doze tribos dispersas.