A Missão da Igreja

(Esse texto é o capítulo 7, do livro A Igreja: Sua Natureza, Autoridade, Propósito e Culto)

 

Há muita confusão acerca do propósito da igreja. A igreja existe para alimentar e vestir os pobres e os desabrigados? A igreja existe para trazer restauração cósmica e reforma política à nossa sociedade? A igreja existe para combater as injustiças e as desigualdades sociais? É claro que a igreja existe para pregar o Evangelho, mas, e quanto a esses outros objetivos?

Para responder a essas perguntas, é importante para nós examinarmos três coisas. Primeiro, precisamos ter uma compreensão básica da teologia bíblica para que possamos avaliar adequadamente o papel que a igreja desempenha no cumprimento do propósito de Deus na terra, na história da redenção. Segundo, precisamos examinar a natureza da igreja para que possamos entender o principal motivo de a igreja existir. Terceiro, precisamos observar a declaração da missão que Cristo emitiu para a igreja, para que possamos entender o seu propósito. Em resumo, precisamos entender (1.) o papel que a igreja desempenha na história da redenção, (2.) a natureza da igreja e (3.) a Grande Comissão.

 A História da Redenção

Para começar, precisamos ter uma compreensão fundamental da teologia bíblica e do papel que a igreja desempenha na linha da história da redenção.

 Duas Eras e Dois Reinos

De uma perspectiva geral, na história da redenção há dois estágios, ou eras: a presente era maligna e a era vindoura (Gálatas 1:4; Efésios 1:21). A presente era maligna, segundo a Escritura, estende-se desde a queda de Adão até o retorno de Cristo (Mateus 28:20). É representada como o período de tempo em que as trevas, a escravidão, a injustiça e a morte reinam sobre a terra. Segundo Jesus, todos os incrédulos nascem nesse mundo caído como “os filhos deste mundo” (Lucas 20:34), e segundo Paulo, os filhos deste mundo são mantidos cativos ao poder do “presente século mau” (Gálatas 1:4-5). O presente século mau, consequentemente, é o reino das trevas sobre os povos, os governos e as nações deste mundo (Apocalipse 18:3).

O presente século mau e o reino das trevas não passarão até o retorno de Cristo, pois somente quando Cristo retornar, a era vindoura chegará. A era vindoura é quando os “novos céus e nova terra, em que habita a justiça” serão estabelecidos (2 Pedro 3:13). Somente então, no retorno físico de Cristo, esse mundo caído passará pelo fogo, e somente então o estado eterno de glória será estabelecido na nova terra ressurgida. Isso significa que a restauração cósmica não acontecerá até que “também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8:21).

A era vindoura é o estado eterno quando a luz, a vida e a liberdade reinarão para sempre. A era vindoura é o reino dos céus. E embora o reino dos céus não esteja estabelecido na terra (durante esse presente século mau), seu poder se manifesta atualmente na terra dentro da igreja (Tito 2:11-13); ou seja, aqueles que foram unidos, pela fé, ao Rei da Glória: “E provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro” (Hebreus 6:5). Eles foram libertados do domínio e do reino das trevas e transferidos para o reino do amado Filho de Deus (Colossenses 1:13). Ao nascerem de novo pelo Espírito, eles entraram no reino dos céus.

Assim, durante esse presente século mau, o reino dos céus é invisível para o mundo incrédulo, pois existe somente dentro das mentes e corações dos crentes (Lucas 17:20-21; João 18:36). Aos crentes foram dados os primeiros frutos da era vindoura, quando entraram no reino dos céus e lhes foi dada a vida eterna, no Filho.

 A Igreja e o Reino dos Céus

Consequentemente, o poder do reino dos céus já está presente dentro da igreja, mas ainda não se manifestou para os reinos deste mundo. O mundo não sabe nada sobre a vida, o poder, a liberdade e a paz do reino dos céus. As nações e os governantes desta era permanecem na escuridão e sob o domínio de Satanás.

Por essa razão, aqueles que fazem parte da igreja são peregrinos e estrangeiros neste mundo caído (1 Pedro 2:11). Os cristãos são estrangeiros e exilados nesta terra (Hebreus 11:13). Como cidadãos do céu, eles não têm colocado sua esperança neste presente mundo, que está passando (1 João 2:17), mas em um reino eterno, “da qual o artífice e construtor é Deus” (Hebreus 11:10). Neste sentido, a igreja, como casa de Deus, funciona como a embaixada do reino dos céus na terra.

Sim, cada centímetro quadrado deste universo pertence a Cristo, mas nem todos têm dobrado os seus joelhos a Cristo. Embora Cristo governe soberanamente sobre Satanás e os reinos deste mundo, Sua Palavra só é abraçada e seguida por aqueles que estão dentro da embaixada do céu.

Somente aqueles que estão dentro da igreja e que se submeteram ao Seu senhorio. Somente aqueles que fazem parte da igreja é que estão protegidos contra a ira que está por vir. Somente eles encontraram paz e liberdade sob a Sua direção. Somente eles, pela fé, têm visto o reino de Deus (João 3:3). Somente a igreja tem experimentado o poder libertador da era vindoura. Assim, o reino dos céus, nesta presente era má, não se expandirá além daqueles que foram unidos pela fé ao Rei — a igreja.

 Os Dois Reinos são Incompatíveis

Como água e óleo, o reino das trevas e o reino dos céus são incompatíveis. A luz e as trevas não têm nada em comum (2 Coríntios 6:14). É impossível, portanto, fundir esses dois reinos opostos. Os magistrados civis não têm jurisdição sobre a embaixada dos céus, e a igreja não tem o dever de cumprir sua missão através do uso das armas terrenas deste mundo (2 Coríntios 10:4). Assim como Cristo não tentou estabelecer Seu reino através da força política (João 18:36), a igreja não deve ser seduzida a pensar que pode expandir o reino de Deus por meio de revoluções políticas e sociais. Marchas políticas, protestos, comícios e ativismo não são as chaves para o reino dos céus.

O melhor que os governos terrenos podem fazer, mesmo que sejam liderados por cristãos, é conter o mal e punir os malfeitores (1 Pedro 2:14). No entanto, tais medidas políticas não têm poder para quebrar as correntes das trevas e libertar os filhos deste mundo do poder do pecado. A teocracia do estado judaico, no Antigo Testamento, provou que nem mesmo a melhor legislação pode estabelecer o reino dos céus na terra. Embora o poder político possa influenciar o comportamento externo para o bem, ele não pode desfazer o reino das trevas que está dentro dos corações daqueles estão escravizados ao príncipe do presente século mau.

 As Chaves e a Missão da Igreja

A única esperança para este mundo é a mensagem do Evangelho que foi confiada à embaixada do céu. Por essa razão, a missão da igreja não é a restauração desta presente era má por meio de reformas sociais e legislativas. O reino dos céus não avança por tais meios.

Não me entendam mal. Cada cristão, como membro ativo da sociedade, é chamado a ajudar pessoalmente os necessitados, a orar por seus governantes e a fazer o que puder para promover a justiça e a igualdade neste presente mundo mau. Embora os cristãos não sejam deste mundo, eles permanecem neste mundo (João 15:19; 17:14-19). A Palavra de Deus tem um impacto na forma como os cristãos vivem neste mundo. Eles têm seus deveres cívicos, tais como votar com consciência e pagar seus impostos (Mateus 22:21). Eles são chamados por Deus para ajudar seus próximos que estão em necessidade (Provérbios 3:27-28) e a ter compaixão pelos doentes, pobres e abandonados deste mundo. Eles devem procurar fazer o bem a todos. Para onde quer que o cristianismo vá, tais bênçãos certamente o seguirão.

No entanto, as responsabilidades dos cristãos individuais e as bênçãos que seguem a propagação do Evangelho não são a mesma coisa que a Grande Comissão que Cristo deu à igreja enquanto uma sociedade de crentes. A igreja não é chamada para tomar o controle das nações. Nem sequer é chamada para alimentar as nações. Deus não prometeu santificar a cultura ou redimir os governos terrenos. Earl Blackburn avalia corretamente o problema:

Hoje, muitos acreditam que os objetivos primários da igreja são alimentar os pobres, educar os analfabetos, ensinar as nações desprivilegiadas e subdesenvolvidas a cultivar a terra, construir lares e estabelecer sistemas de bem-estar, além de promover sua libertação das garras de governos tirânicos. Isso é chamado de o “evangelho social”. Embora haja uma necessidade legítima de muitas dessas atividades no mundo de hoje, essas não são as principais responsabilidades da igreja. O “evangelho social” não é o Evangelho de modo algum; ele pode ser usado como um instrumento sutil de Satanás para desviar as verdadeiras igrejas de Deus de seu propósito principal.[1]

E o principal propósito e missão da igreja é pregar o Evangelho. A única maneira de a igreja poder cumprir sua missão e avançar o reino dos céus é empunhando o poder do Evangelho (Romanos 1:16). As chaves para o reino dos céus não são o ativismo social e a dominação do mundo, mas a mensagem do perdão em Jesus Cristo.

A igreja foi encarregada destas chaves por uma razão. Somente dispensando os poderes da era vindoura por meio da pregação da Palavra de Deus, os filhos deste mundo mau serão libertados da escravidão das trevas e do príncipe deste mundo. Somente pela pregação do Evangelho é que o reino do céu se expandirá por todo o mundo para aqueles que creem. O reino do céu não avançará de outra forma.

A igreja é chamada para resgatar os pecadores deste século mau, trazendo o poder e as bênçãos da era vindoura para aqueles, e somente aqueles, que entregam suas vidas ao rei do céu. No retorno glorioso de Cristo, toda a criação será restaurada, bem como a glória e o conhecimento de Deus cobrirão a terra como a água cobre o mar (Habacuque 2:14). Quando o reino dos céus estiver cheio de um povo redimido de cada nação, língua e tribo de pessoas, então o trabalho e a missão da igreja estarão concluídos. Então, e somente então, “os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre” (Apocalipse 11:15).

Até lá, enquanto estiver no presente século mau, a igreja precisa se certificar de não se distrair e deixar de lado o único poder que tem para realizar mudanças reais neste mundo caído — o Evangelho de Jesus Cristo.

 A Natureza da Igreja

A linha cronológica da história da redenção não só ilumina a missão da igreja, bem como a natureza da igreja também indica a sua missão. Como martelos, grampeadores, canetas e outras ferramentas e instrumentos são feitos para fazer o que foram designados para fazer, a igreja é chamada a fazer o que Deus a criou para fazer. Como diz Earl Blackburn: “A existência e a natureza da igreja não podem ser separadas do seu propósito”.[2]

Com isto em mente, a igreja foi estabelecida pelo Senhor para adorar e glorifica-lO, proclamando o Evangelho ao mundo e sendo a administradora dos meios de santificação dos santos através da sustentação e propagação da Palavra de Deus. Paulo explica em Efésios 4:9-16 que a igreja tem três objetivos distintos: (1.) manter sua unidade intrínseca em Cristo, funcionando como uma comunidade interdependente, (2.) crescer em pureza na busca da santidade pessoal e corporativa, (3.) e permanecer firme em crer e proclamar a verdade.

Cada objetivo não está apenas ligado ao outro, mas também contribui para o desempenho do outro. Ao amadurecer nessas três áreas (unidade, pureza e verdade), a igreja glorifica a Deus seguindo o seu propósito. E qual é o propósito da igreja? Ser o que Deus a criou para ser — um povo unido e santo que sustenta, segue e propaga a verdade da Palavra de Deus de uma forma inflexível.

 1. A Igreja Deve Crescer em Unidade

De acordo com as Escrituras, a igreja é um corpo de crentes unidos, e sua unidade inerente precisa ser fomentada e vivida nas atividades diárias da igreja. É através da unidade que a igreja é chamada a funcionar como uma comunidade de indivíduos que se confraternizam e trabalham juntos para a edificação mútua do todo.

Aprendemos em Efésios 4:9-16 que Deus tem dado à igreja líderes espirituais para equipar os santos para a obra do ministério. Portanto, é um erro pensar que o ministério pertence exclusivamente aos pastores e mestres da igreja. Como ministros equipam os congregantes, eles, por sua vez, são capacitados a ministrar uns aos outros. Paulo continua a enfatizar a necessidade do ministério universal do corpo de Cristo: “Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor” (Efésios 4:16).

A nossa comunidade eclesial deve consistir nessa comunhão e cooperação que é exercida e experimentada pelos santos. A igreja deve ser uma família, onde os seus membros ajudam, oram, exortam, repreendem e encorajam uns aos outros em amor. Portanto, quando um membro sofre ou se alegra, o resto da igreja também sofre ou se alegra. Dessa forma, cada membro da igreja é chamado a “andar como é digno da vocação com que foram chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Efésios 4:1-3).

Se a igreja é uma em Cristo, sem distinção de etnia, gênero e classe social, e se a igreja é chamada a funcionar como uma comunidade em amor, então a igreja precisa estar atenta às formas práticas de cultivar a comunhão dentro do corpo da igreja.

Para manter a unidade, a igreja deve se proteger contra formas sutis de segregação dentro da congregação, como, por exemplo, quando o principal critério para a aproximação e comunhão entre os membros é que possuam a mesma idade ou interesses pessoais. A formação de “panelinhas” desestimula a interação e o companheirismo entre recém-casados, jovens, idosos, e assim por diante. Em vez disso, a igreja deve encorajar os jovens a aprenderem com os santos mais velhos e, da mesma forma, os pastores da igreja precisam estar dispostos a ensinar os mais jovens. Assim como nas funções familiares, pode haver um tempo apropriado para nossos filhos irem para fora e brincarem juntos, mas quando chegar a hora de comer ou de aprender, devemos beber e partir o pão juntos como uma família sob a liderança de Cristo.

Nós, a igreja, devemos encorajar a comunhão não apenas durante as atividades que organizamos como igreja, mas também nas casas dos congregantes (através de famílias e indivíduos que se reúnem espontaneamente). De fato, grande parte do ministério da igreja deve ocorrer fora do culto de domingo pela manhã, nas salas de estar, nas salas de jantar e nos quintais das famílias da igreja.

Em essência, ao invés de gravitar em direção a uma experiência de adoração desconectada, isolada e uma vez por semana, a igreja deve proativa e intencionalmente fomentar um senso de comunidade entre os crentes que se estenda tanto dentro como fora das paredes do edifício da igreja.

 2. A Igreja Deve Crescer na Pureza

Quando o corpo da igreja funciona segundo o seu propósito, ele será um meio de santificação para o povo de Deus. O objetivo é que a igreja seja individual e coletivamente moldada segundo a imagem perfeita e a estatura do Senhor Jesus Cristo (Efésios 4:13). “A igreja local”, portanto, segundo Don Kistler “é a ferramenta de Deus para trazer Seu povo à plena maturidade no conhecimento e na fé”.[3] O objetivo de Cristo para a igreja sempre foi “a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Efésios 5:27). Consequentemente, o pecado e o mundanismo precisam ser confrontados enquanto lutamos pela santidade. Essa busca restringe a membresia da igreja somente aos crentes, e requer aplicação da disciplina da igreja quando necessário entre seus membros.

 3. A Igreja Deve Crescer no Conhecimento da Verdade

Como a igreja é a coluna e firmeza da verdade, seus membros devem dar sua energia para sustentar, seguir e propagar a verdade.

Em primeiro lugar, como a igreja deve defender a verdade? Se a Palavra de Deus é absoluta, imutável e autoritativa, então a igreja é chamada a proclamá-la como tal. Talvez nunca houve um tempo na história em que a igreja tenha sido tão tentada a fazer concessões teológicas. Em tais tempos o povo de Deus deve se apegar à fé. Sempre que uma igreja local dilui a verdade ou negligencia certos aspectos dela para obter uma audiência maior ou por qualquer outra razão, ela perdeu o seu caminho. A igreja nega a si mesma e ao seu líder, Jesus Cristo, quando coloca o crescimento numérico acima do cumprimento do seu propósito divino.

Em segundo lugar, Cristo não só comissionou a igreja para sustentar a verdade, Ele a chamou para crescer na verdade e no conhecimento do Senhor; ou seja, a igreja é chamada a ser santificada pela verdade (João 17:17). Paulo expõe isso em Efésios 4:11-14:

E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente.

De acordo com essa passagem, a verdade é vital tanto para salvaguardar a igreja do erro doutrinário como para trazer maturidade espiritual ao corpo de Cristo. Assim, a igreja nunca deve se envergonhar da sã doutrina, nem se deixar de ensinar todo o conselho de Deus (Atos 20:27).

Em terceiro lugar, Deus encarregou a igreja de pregar a verdade tanto àqueles que estão dentro dos muros da igreja quanto aos de fora. Um dos principais objetivos da igreja é evangelizar e fazer discípulos para Cristo (Mateus 28:19). A igreja não é responsável apenas pela pregação do Evangelho para aqueles que estão presentes na manhã de domingo, mas também por equipar os santos para estarem prontos para fazer evangelismo pessoal na manhã de segunda-feira. Todo cristão precisa entender claramente a mensagem do Evangelho (especialmente a doutrina da justificação pela fé somente) e então ser competente para compartilhar sua fé com a família, os amigos e vizinhos (1 Pedro 3:15). O Senhor Jesus não confiou prata e ouro à Sua igreja; Ele confiou a verdade a ela. Portanto, é a verdade que a igreja é responsável por disseminar a todas as pessoas. A igreja é a luz do mundo; por essa razão, é imperativo que os membros da igreja sejam ativos no evangelismo na comunidade local e no apoio às missões mundiais.

Isso nos leva ao terceiro meio de determinar o propósito da igreja — a declaração da missão que Cristo prescreveu para a igreja em Mateus 28.

 A Grande Comissão

A missão da igreja não só é afirmada pelo papel que ela desempenha na linha cronológica da história da redenção e por sua tripla natureza de unidade, pureza e verdade, mas também na declaração da missão que Cristo pessoalmente prescreveu a ela. Consequentemente, a Grande Comissão e o propósito da igreja são o mesmo.

O objetivo da igreja não consiste apenas em evangelismo. A missão da igreja é fazer discípulos. Isso inclui evangelizar incrédulos, mas também consiste em ensinar todo o conselho da Palavra de Deus aos crentes. Proclamar o Evangelho ao mundo é uma parte vital do cumprimento da Grande Comissão, mas o mesmo acontece com a pregação no púlpito todos os domingos para os crentes.

A comissão da igreja não está completa até que ela tenha ensinado tudo o que Cristo a instruiu a ensinar. Não só devemos ir ao mundo inteiro, mas quando chegarmos lá, devemos ensinar os convertidos a observarem tudo o que Cristo ordenou. Simplificando, a comissão da igreja consiste em proclamar todo o conselho de Deus aos santos e pregar o Evangelho ao mundo (Mateus 28:18-20).

 Discipulando os Crentes

A Grande Comissão tem tudo a ver com a proclamação e defesa da verdade em um mundo que quer suprimi-la. Não podemos evangelizar nossas comunidades ou realizar missões mundiais sem procurar plantar igrejas em todo o mundo. O objetivo da Grande Comissão não é simplesmente resgatar pessoas do inferno, mas fazer discípulos de Cristo. E o discipulado, de acordo com o plano de Deus, deve ser realizado na igreja local. Paulo não se contentou em pregar o Evangelho e ver os pecadores convertidos apenas para depois abandoná-los a si mesmos. Seus esforços missionários não estavam completos até que as igrejas fossem plantadas e os pastores ou presbíteros fossem constituídos (Tito 1:5). O objetivo, por essa razão, é evangelizar os perdidos e equipar os santos para seguirem a Cristo em cada área de suas vidas (Efésios 4:11).

A igreja tem a responsabilidade de pregar o Evangelho e discipular os crentes em suas comunidades. Embora a igreja deva evitar ser autocentrada, a principal prioridade da igreja é discipular o seu povo. A ideia de que a igreja não é mais sobre “nós” uma vez que nos tornamos cristãos não é bíblica, para dizer o mínimo.

A igreja é para os crentes porque a igreja deve ser constituída por crentes. A igreja local deve se preocupar principalmente com a edificação de seus próprios membros. Maturidade e santidade são os objetivos. Se a igreja falha aqui, ela falha em todos os outros pontos. Se a igreja não se importa com os seus membros, ela não tem como procurar alcançar os que estão no mundo.

 Evangelizando os Incrédulos

No entanto, a igreja tem a responsabilidade de evangelizar os perdidos. Cristo chamou a todos nós para sermos pescadores de homens (Mateus 4:19). Nós somos chamados para sermos o sal da terra e luz sobre uma colina (Mateus 5:13-14). Quando a igreja deixa de fazer novos discípulos, ela cria um caminho seguro para que as portas do inferno prevaleçam na próxima geração.

Contudo, dizer que evangelismo é responsabilidade da igreja não é dizer que a igreja local é obrigada a ter um programa de evangelização organizado. A responsabilidade de evangelizar recai sobre cada membro da igreja. Para alcançar a comunidade, uma igreja não tem que realizar eventos de alcance comunitário, mas apenas encorajar e equipar seus membros para estarem prontos para responderem aqueles que perguntam pela razão da esperança que eles possuem em Cristo (1 Pedro 3:15).

Se a igreja quer evangelizar a sua comunidade, então a igreja não pode fazer nada melhor do que ensinar aos seus membros um Evangelho claro e preciso. A igreja deve equipar e encorajar os discípulos de Cristo a evangelizarem. Todo cristão deve conhecer a mensagem básica do Evangelho e a doutrina da justificação pela fé somente. Compreender a soberania de Deus na salvação também é importante quando se trata de evangelismo. Se a igreja falha em ensinar essas doutrinas centrais, então a igreja está falhando com relação à Grande Comissão.

 As Missões Começam em Casa

A evangelização começa com aqueles que estão mais próximos de nós. Devemos amar os nossos próximos, e isso começa com aqueles que estão mais próximos de nós — os nossos familiares perdidos. Nossos filhos precisam do Evangelho. Se não estamos preocupados com a salvação deles, por que estaríamos preocupados com os filhos dos aborígines nos lugares não alcançados do mundo? Charles Spurgeon foi inflexível a respeito disso:

Os pagãos devem ser buscados por todos os meios, e as estradas e sebes devem ser revistadas atrás deles, mas o lar tem a prioridade, e ai daqueles que revertem a ordem dos arranjos do Senhor…. O ensino dos pais é um dever natural — quem está tão apto a olhar para o bem-estar do filho como aqueles que são os autores do seu próprio ser? Negligenciar a instrução de nossos filhos é algo mais do que brutal.[4]

As missões começam com a paternidade. O principal objetivo da paternidade não é criar filhos obedientes e cidadãos produtivos. É algo muito mais sério — algo impossível. Somente o Senhor pode salvar nossos filhos, mas nós temos o privilégio e a responsabilidade de direcioná-los para Cristo.

A igreja é responsável por ensinar aos pais a respeito do ensino bíblico sobre a paternidade. As igrejas devem encorajar a adoração familiar no lar. Quando se trata de missões, disciplinar o coração dos nossos filhos deve ser a nossa principal prioridade.

 Missões Estendidas às Nossas Comunidades

As missões começam em casa, mas devem fluir para as ruas dos nossos bairros. Todo cristão é um missionário; todo cristão deve ser um evangelista. Não somos todos igualmente dotados ou tão extrovertidos como os outros, mas todos somos chamados a ser luz. Quer nos sintamos à vontade para abordar estranhos ou nos sintamos mais à vontade para falar uma palavra oportuna aos nossos amigos, devemos ter o propósito de compartilhar o Evangelho com os outros. Nunca tenhamos vergonha de Cristo! Como Cristo disse: “Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos” (Marcos 8:38).

 As Missões Terminam nos Quatro Cantos do Globo

A igreja moderna deve ter o mesmo desejo da igreja primitiva. A igreja primitiva não se contentava apenas em alcançar Jerusalém com o Evangelho. Em poucos anos, o Evangelho viajou por todo o mundo conhecido. O objetivo final é resgatar um povo para Deus de todos os povos, tribos, raças e nações.

 As Missões Não Devem Ser Separadas da Igreja

Separar missões da igreja é entender mal a Grande Comissão. As missões são de responsabilidade da igreja. A igreja local envia missionários, e eles procuram plantar igrejas locais.

Os cristãos agem de maneira errada ao procurar ser missionários em lugares estrangeiros sem que primeiro busquem estar submetidos a uma igreja local. Infelizmente, há muitos missionários autochamados que se recusam a se submeterem ou serem enviados por uma igreja local. Eles desejam o apoio financeiro das igrejas locais, mas não a sua supervisão. Além disso, até que uma igreja local possa ser plantada em uma região não alcançada e sua liderança seja estabelecida, os missionários devem prestar contas às suas igrejas que os enviaram originalmente. Missões estrangeiras devem fluir para fora da igreja local com objetivo de iniciar novas igrejas locais.

As igrejas devem desejar apoiar e enviar missionários, mas os missionários, como o apóstolo Paulo, devem estar comprometidos em evangelizar os perdidos e plantar igrejas para discipular aqueles que o Senhor graciosamente salva. Paulo elogiou a igreja de Filipos por apoiar seus esforços missionários (Filipenses 4:15). Embora a igreja em Filipos não fosse rica, eles procuravam fazer o que podiam para avançar o reino para além das fronteiras de sua própria cidade.

Paulo não trabalhou em regiões onde já havia uma igreja próspera; ele procurou ir onde não houvesse nenhum testemunho do Evangelho. Os missionários estrangeiros são necessários nas regiões não alcançadas do mundo. Devemos ir (Mateus 18:19), ou devemos enviar (apoiar) aqueles que vão (Romanos 10:15). Já que plantar igrejas é o objetivo, parece mais sábio apoiar e treinar pastores nativos onde as verdadeiras igrejas já existem. Não faz sentido enviar missionários para lugares que já têm igrejas saudáveis. Pelo contrário, por que não apoiar aquelas igrejas e pastores que já têm uma base de apoio nessas regiões? Os pastores nativos têm muitas vantagens — eles já conhecem a língua, não precisam tirar longas licenças de suas igrejas locais, e provavelmente não sairão da área depois de quatro a oito anos.

A igreja tem recebido uma grande responsabilidade. Apesar de parecer impossível alcançar as nações, a igreja recebeu uma promessa: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (Mateus 28:20). Portanto, não importa o tamanho da congregação, a igreja não tem desculpa para não fazer das missões uma prioridade.

O objetivo da igreja e o objetivo das missões é a glória de Deus. Nossa preocupação pela humanidade perdida deve nos levar a compartilhar o Evangelho, mas nosso amor por Deus deve fazer nossos corações arderem com grande desejo de ver o nome de Cristo glorificado entre as nações. Oh, que o nome de Cristo seja louvado por todas as nações e tribos! Oh, que o nome de Cristo seja glorificado em nossos lares, glorificado em nossas comunidades e glorificado nos quatro cantos do mundo! Oh, que Cristo seja glorificado na igreja!

 Conclusão

Portanto, de acordo com a história da redenção, a natureza da igreja e a Grande Comissão, a igreja deve funcionar como uma embaixada do céu que cresce em unidade, pureza e conhecimento, e se reúne para comunhão, edificação mútua e instrução através da explicação e aplicação das Sagradas Escrituras. A igreja é propagada quando levamos o Evangelho aos nossos familiares perdidos, à comunidade e às partes mais remotas do mundo.

 

Perguntas para Estudo

1. Qual é a missão da igreja?

2. Quais são as chaves para o reino?

3. Quem recebeu as chaves do reino — (1.) os pastores ou (2.) a congregação ou (3.) a congregação incluindo os pastores?

4. Como é que ser encarregado do Evangelho forma o propósito da igreja?

5. Como as três marcas da igreja (unidade, pureza e verdade) moldam o propósito da igreja?

6. Qual é o objetivo principal da Grande Comissão?

7. Como a missão da igreja deve moldar as atividades da igreja?

8. A igreja é livre para criar o seu próprio propósito?

9. Por que é que as missões começam em casa?

10. Por que a adoração familiar é importante?

11. Quem é o responsável pela evangelização?

12. Por que as missões internacionais devem ser enviadas a partir da igreja local?

13. Por que os missionários devem procurar estabelecer novas igrejas locais?

 


[1] Earl M. Blackburn, Jesus Loves the Church and So Should You (Birmingham, AL: Solid Ground Christian Books, 2010), 43.

[2] Blackburn, Jesus Loves the Church, 43.

[3] Don Kistler, “Blest Be the Tie That Binds” in Onward Christian Soldiers, ed. Don Kistler (Morgan, PA. Soli Deo Gloria, 1999), 98.

[4] Charles H. Spurgeon, Morning and Evening, rev. and updated by Alistair Begg (Wheaton, IL: Crossway, 2003), Evening, July 11.

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